Nesse conto, você acompanha a última batalha do herói de Iroas – Olympiodoros. Após uma grande jornada com alguns companheiros inimagináveis, o jovem se vê diante de seu maior inimigo.
Mesmo que perca a luta, sabe que a guerra está ganha. Não precisará mais lutar depois. Mas será que ele conseguirá desferir o golpe que lhe dará sua vitória?
A Última Batalha
Seu corpo estava dolorido dos golpes, seus músculos rígidos da tensão causada pelo ambiente, seus pés já não tinham a firmeza do começo da batalha, e a cada novo movimento sua mente gritava de exaustão e pedia por descanso.
Mas suas mãos, mesmo que suadas, continuavam firmes e seguras ao redor de sua lança, enquanto encarava seu inimigo.
Ao longe podia ver que as chamas e o fogaréu, que há pouco consumiam sua cidade, se apagavam lentamente através da noite. Ainda ouvia gritos e ordens de soldados de ambos os exércitos, tinidos de espadas que se encontravam, zunidos de flechas que cortavam o ar em todas as direções, brilhos mágicos e explosões coloridas que iluminavam algumas regiões conforme eclodiam ao redor dos dois.
Entretanto seus olhos permaneciam fixos no seu único alvo.
O enorme Minotauro, campeão de Mogis, estava tão cansado quanto Olympiodoros, e arfava bruscamente buscando ar para seus pulmões, tendo recebido tantos golpes e cortes que mal se distinguia a cor de sua pele do sangue que escorria de seu corpo.
Nenhum dos dois piscava, pois estavam cientes de suas condições.
Era o último golpe.
Oly não tinha com o que se preocupar. Havia se esforçado e lutado bravamente para estar ali. Perdera a conta de quantos fôlegos de vida arrancara pelo caminho até aquele momento, e já não tinha ideia de quanto do sangue que estava em seu corpo e em suas roupas era seu, de seus aliados ou de seus inimigos.
Porém ele tinha uma certeza: seu exército ganhara. Com muito suor e sangue, muitas vidas perdidas, muitas famílias que não estariam completas a partir dali. Inclusive a sua.
Por um segundo sua mente se dispersa e ele sente lágrimas geradas pelo calor da emoção quererem tomar conta de seu rosto. Percebe sua garganta fechar pelo sentimento que estava transbordando e não havia conseguido assimilar ainda.
Muitas coisas haviam acontecido nas últimas horas e ele não tivera oportunidade de compreender a grandeza dos fatos. Mas ele inspira fortemente, levando o ar pesado aos seus pulmões doloridos, e solta o ar devagar.
Ainda não havia acabado.
O grande Minotauro o encarava. Sabia que havia perdido, mas não iria pedir por clemência, e em um golpe final, iria tentar levar o grande herói de Theros consigo.
Rapidamente, dando um último suspiro enquanto corria na direção de Oly, a grande besta solta um enorme rugido que poderia assustar até o mais bravo dos guerreiros. Exceto o grande Campeão de Iroas, que observando a cena, abraça seu destino.
As duas grandes criaturas, com pesadas passadas, se dirigiam para o encontro que iria ser relatado pelos próximos milênios em inúmeras formas de arte.
Lança contra espada.
Bronze contra bronze.
Humano contra Minotauro.
Mogis contra Iroas.
Parecia existir apenas o silêncio, sem grunhidos ou quaisquer sons que denotavam grande luta. Não houve estrondos ou brados, principalmente para aqueles das quais suas vidas dependiam de um único golpe.
E de repente, o jovem herói parou no tempo, abruptamente de olhos fechados. Sabia que havia feito errado, quase como se esquecesse de todas as aulas que tivera na arena. Não deveria piscar diante do inimigo, e conseguia ouvir seu tio repreendê-lo ao longe, e por isso deixou escapar um pequeno sorriso.
Estava de pé, com a lança ainda em posição de ataque, congelado pela ideia do acontecido, e tendo a certeza, mesmo sem olhar, que seu golpe cortara o Minotauro forte e fundo o suficiente.
Seus sorriso se transformou em uma leve e curta risada enquanto escutava o barulho de queda de seu inimigo ecoando levemente ao seu redor, sem lhe dar preocupações de que pudesse voltar a se levantar.
GANHARAM!
Lentamente ele ajeitou sua postura, apoiando-se na lança para se manter firme. Seus olhos, semicerrados, percorriam o lugar que antes era sua casa. Estava tudo destruído, e algumas das construções que não se mantinham tão firmes, estavam lentamente se desfazendo.
O vulcão despertado repentinamente surpreendeu aos dois lados, causando um estrago gigantesco, e as cinzas caíam lentamente, tornando a paisagem uma espécie de quadro inacabado. A noite estava densa e fria, mas o grande dragão vermelho deixou inúmeros pontos de calor tremeluzentes ao redor.
Por um instante ele se preocupou. Onde estaria o dragão? Mas ao longe, observou enquanto um kraken, que com certeza obedecia a Dalakos, enrolou o grande dragão com seus tentáculos arrastando-o para o fundo do mar.
Ele manteve o sorriso.
Seus olhos ficaram mais pesados e ele percebeu os corpos caídos aos seus pés como se voltasse ao barco que antes estivera, balançando levemente. Sabia que isso não era normal.
Percebeu que seu mundo estava dando voltas e perdeu o equilíbrio por um instante, então olhou para baixo. Não entendeu como não sentiu antes, mas a adrenalina percorrendo seu corpo o impediu de cair assim que havia recebido o golpe, disso tinha certeza.
A grande espada do Minotauro agora atravessava sua barriga, e a cor vermelha se encontrava quase negra escorrendo do ferimento.
Mas ele não sentiu medo.
Sabia que havia cumprido seu destino.
E em um ato de misericórdia a si mesmo, retirou rapidamente a espada do local, observando o sangue jorrar violentamente enquanto caía de joelhos, para depois se sentar, e finalmente deitar.
Pensou na trajetória até ali. Na arena e em suas vitórias. Nos seus tios, que tanto lhe ensinaram, e na última aventura que tivera, com criaturas as quais talvez jamais pensou se aliar, mas que lhe ensinaram tão grandes coisas.
Ele sorria, pois sabia que todos fizeram o que deveria ser feito. Sabia que ganharam a guerra! Que se tornaram heróis, afinal, ele nunca fora de perder em nada, e sabia que sua morte não era uma derrota, era apenas o início de grandes feitos entoados e contados pelas próximas gerações. Sabia que sua memória jamais seria esquecida, nem a de seus aliados.
Com um último esforço ele abriu os olhos, ouvindo a risada de seu tio cada vez mais próxima, lhe parabenizando pela vitória. Mas a única coisa que enxergava era o céu noturno, escuro tal qual os pelos de Nisha, a leonina que rompeu as barreiras de preconceitos entre ela e os humanos por causa dele.
Focou seus olhos nas estrelas brilhantes, moldadas pelas nuances de Andrômeda, que pareciam sorrir para ele, lhe aquecendo o coração. E em um último esforço de fala, com um sorriso nos lábios e a memória do último beijo recebido, ele sussurrou para o Nix: estou indo te encontrar.
A Última Batalha
Texto e Revisão: Raquel Naiane.
Arte da Capa: Iury Kroff.