Uilas Godovick, um explorador de olhos e cabelos castanhos, pele bronzeada, não tão alto ou forte, mas de uma curiosidade assídua, em uma de suas expedições encontrou uma pedra lisa e preta, no formato de uma elipse, adornada delicadamente com pequenas espirais douradas, e sem entender o que seria, catalogou-a como uma joia rara, diferente de tudo que já havia encontrado, possuindo uma rigidez que o impedia de moldá-la.
Querendo saber o que era, passou a ir em diferentes locais buscando indivíduos que tivessem habilidades em pedrarias, até que descobriu que dentro da Floresta do Ouro morava um anão chamado Thörak, conhecedor de histórias a respeito de minérios e jóias, e se ele não conseguisse ajudar, provavelmente ninguém mais conseguiria. Sendo sua última esperança, Uilas se dirigiu até lá.
Atravessando a floresta, entendeu porque ela havia recebido tal nome, pois mesmo possuindo árvores de troncos e folhagens escuras, avistou algumas vezes, uma espécie de brilho dourado caindo sobre si, vindo de lugar nenhum, não tendo efeitos colaterais e sumindo em instantes. Andando por um tempo, encontrou um vilarejo, repleto de casas e pessoas simples, que foram educadas com o jovem visitante, indicando a ele onde encontrar o anão, que logo descobriu ser o fundador e líder daquele lugar.
Thörak morava na maior casa, uma das poucas com dois andares e que logo viria a descobrir ser um hotel. Encontrando-o, percebeu que se tratava de alguém com uma enorme barba e cabelos ruivos, que se juntavam em algumas tranças ao redor do corpo que esbanjava uma barriga proeminente de cerveja, com olhos esverdeados abaixo de grossas sobrancelhas vermelhas. Rapidamente suas almas se sintonizaram, graças ao amor que tinham por minérios e artefatos raros, e quando lhe mostrou o objeto que encontrara, o velho percebeu que nada sabia sobre aquela pedra, ficando deslumbrado com a descoberta.
Trabalhando juntos, começaram a investigar aquele objeto estranho e belo que possuíam em mãos, e assim, Godovick alugou um dos quartos, pagando com seus serviços de ajudante, fazendo amigos e se sentindo em casa naquele ambiente tão recluso, aprendendo com o anão sobre os costumes do pequeno povoado.
Descobriu que o Ancião, como era conhecido, havia recebido um dom, como uma espécie de sexto sentido, dado por um Espírito Dracônico da Terra enquanto sua mãe estava grávida. E mesmo depois de anos, ele ainda não sabia se havia sido uma benção ou uma maldição, mas ele conseguia saber o ponto exato onde abrir uma mina que seria farta. Ele ainda afirmou que quando jovem passou por dificuldade por conta dessa intuição, e assim, passou a fugir e se esconder, encontrando na floresta um abrigo benevolente.
Na época, possuía um hotel para sobrevivência, e sabia que sua casa estava situada em uma “pilha de ouro”. Após poucos anos morando sozinho, alguns visitantes acabaram ficando por ali, e aos poucos ele foi vencido pelas boas companhias, expandindo terreno e abrindo a Grande Mina, de onde o vilarejo tirava seu sustento.
Thörak também havia colocado uma magia em volta do lugar, onde apenas aqueles de coração sincero iriam se aproximar, enquanto os de pensamento ganancioso estariam fadados a andar em círculos, até que decidissem voltar à estrada, e então encontrariam o caminho de volta, como se sempre estivesse ali, e a prova daquela proteção eram os pequenos vislumbres dourados que se viam.
Com o tempo, o jovem aluno conheceu Ellie, uma mulher encantadora de pele, olhos e cabelos escuros, que cativou Godovick rapidamente, como a todos os jovens daquele lugar. Ele não entendia o embrulho no estômago que sentia ao vê-la; o quanto ficava feliz quando ela sorria, ainda mais quando ele era o motivo; ou então, o quanto admirava seu charme, determinação e gentileza. Se aproximou dela e após algumas semanas se declarou, recebendo um ‘não’ como resposta.
Buscando conselhos de Thörak, foi informado que a moça estava cansada de todos se apaixonando por ela, já que era muito formosa e não havia pessoas novas que ficavam por ali. Desse modo, ele se aproximou de novo sem falar sobre o assunto, escondendo seus verdadeiros sentimentos sobre uma máscara de amizade que era sincera, mas não a principal fonte de sua alegria ao estar ao lado dela.
Passou a fazer exatamente o que nenhum outro tinha tentado: enquanto eles provavam sua bravura e força, lançando à jovem palavras vagas de paixões não tão reais, o estrangeiro contava-lhe suas aventuras, a fazia rir e interpretava seus muitos erros de maneira exagerada, permitindo que ela conseguisse sair da vila através da imaginação. Lentamente ele a conquistou.
O passar dos anos permitiu que ele voltasse à ideia de se declarar, porém, antes que pudesse fazê-lo, um dia ouviu em sua porta um bater rápido e insistente, quando abriu se deparou com Ellie à sua frente, e antes que pudesse perguntar algo, ela o puxou e lhe beijou. Não foram necessárias palavras para que os dois começassem a sorrir juntos.
Mudanças na pedra começaram a ser vistas, como o aumento gradativo no tamanho e acréscimo de detalhes dourados que impulsionaram os estudos a respeito dela, até que em uma noite, Thörak percebeu que ela começara a brilhar, indo até Uilas e o acordando para ver a novidade. Ambos ficaram admirados com a leve luz negra que emanava quando estava escuro.
O anão, cada vez mais obcecado com o que não conseguia decodificar, estava animado para explorar: vamos agora para a Mina, lá tem pouca luz e poderemos ver o que acontece com ela! Uilas, que já estava cansado do assunto, não gostou da ideia: Não devemos mais mexer com isso! Talvez não fosse algo a ser descoberto e deve ser devolvido ao lugar onde estava, principalmente por parecer algo mágico, mas não ser identificado, nem com magia!
Após uma acalorada discussão, o velho disse que deixaria aquilo de lado, e pensando que Godovick havia dormido, foi até a joia e a levou consigo através das minas. Seu aluno sabendo que ele era teimoso, ficou atento, e assim que ele saiu pela porta, seguiu-o.
Dentro da caverna mais escura e mais baixa, o anão colocou a jóia no chão, vendo os pequenos adornos dourados se moverem ao redor da superfície negra que emanava um brilho frio e sedutor. Aguardando ansiosamente que algo acontecesse, ele ficou parado olhando as mudanças, que não eram mais tão sutis, acontecendo, enquanto ao longe, seu assistente o espionava. De repente, quando Thörak estava desistindo, a pedra começou a levitar.
Luzes negras e douradas começaram a ser expelidas daquele objeto enquanto o anão permanecia maravilhado e boquiaberto, então, sem prévios avisos, um grande tentáculo quebrou aquela casca e perfurou o coração de Thörak. Godovick se assustou e viu quando aquela… pedra? Não. Um ovo. Como não havia notado antes?
Viu quando o ovo quebrou e pequenos tentáculos negros se tornaram gigantes, transformando-se numa enorme massa preta. O corpo do anão permaneceu suspenso, e de seus olhos, boca e nariz começaram a escorrer uma espécie de lodo. Então, aquela gosma abriu uma enorme boca, e devorou o corpo inerte do Ancião.
Enquanto aquela aberração continuava a crescer e se apoderar do ambiente, apagando pontos de luz visíveis e deixando apenas a sua aura negra e dourada se espalhar pelo local, Godovick correu. Culpando-se por ter levado àquele lugar algo que não conhecia e imaginando como contaria a todos que teriam de ir embora. Começou a ouvir grunhidos, como várias vozes, vindos do fundo da caverna, pedindo para que voltasse, e mesmo acreditando ter ouvido a voz de seu professor gritando por socorro, ele correu.
Chegando à superfície, ele se dirigiu até a casa de Ellie, agora sua noiva. Seu único pensamento era de protegê-la, depois lidariam com as coisas juntos. Era madrugada e o silêncio era interrompido por seus passos e por sua respiração entrecortada. Entrou na casa e foi até o quarto. Ela não estava na cama. Onde estaria? Olhou em volta, e com um piscar de olhos viu-a na cozinha. Encarando. Suas órbitas estavam vazias e pretas, seu cabelo estava sujo, sua pele estava pálida e seus lábios ressecados. Será ela? A criatura começou a dar lentos passos em sua direção, e sem entender, começou a caminhar de costas na mesma velocidade. Sintonia. É ela… Mas o que aconteceu?
Seus passos foram interrompidos quando bateu no balcão, e logo acima, pelo brilho da lua que atravessava a janela, viu o conjunto de facas que a mãe da jovem colecionava. Lentamente pegou uma. Por quê? O instinto de perigo que durante anos havia dormido acabara de acordar. Mas aquela era sua noiva. Por que temer? Seu cérebro havia parado de raciocinar, o medo percorria cada poro de seu corpo e tentava controlar sua respiração. A criatura começou a fazer sons guturais e parou de andar. Ellie? Sua voz saiu fraca e ele jurou ver ela sorrir por um segundo. Logo em seguida, ela correu para cima dele com uma força anormal, fazendo os dois caírem, mordendo seu braço, arranhando sua pele, arrancando seu olho…
Rapidamente quanto o havia atacado, ela parou de se mexer. Ele ficou alguns segundos deitado, paralisado. Lentamente abriu os olhos, em cima de si havia outro corpo inerte. Ellie? Sem acreditar, percebeu a faca atravessando sua cabeça. Ellie? Não pode ser…
Suas feições aos poucos deixaram de ser vazias, sua pele tomou cor e seus cabelos estavam limpos e cheirosos. É ela… Era… Uilas não acreditava no que tinha acabado de acontecer.
Ellie…? Ellie? ELLIE?
Não adiantava chamá-la, não adiantava balançá-la. Ela estava morta. Ele era o assassino. Lágrimas escorreram de seu rosto e caíram sobre a cabeça ensanguentada que abraçava contra o peito. De repente, outros sons: passos. Olhou assustado para fora e algumas pessoas olhavam pela porta aberta e suas órbitas estavam vazias.
Horrorizado, se levantou. Todos estavam mortos. Como? Um pensamento lhe ocorreu: A aberração que saíra do ovo… As cabeças estavam direcionadas para ele: amigos, vizinhos, crianças… pessoas as quais criara um afeto incondicional.
Sua amada estava morta. Ele tinha de fugir.
Suas pernas agiram mais rápido do que sua mente, quando percebeu, estava se machucando enquanto corria por uma floresta mais densa do que se lembrava, com neblina, e inúmeros galhos que cortavam suas roupas. QUERO SAIR DAQUI! Sua mente gritava em frenesi, até que parou de ser atingido e se viu na estrada. A lua cheia estava acima de sua cabeça, e ele apenas chorava.
Quando amanheceu estava em um quarto que não reconheceu, e seus ferimentos haviam sido tratados. Descobriu que havia sido encontrado por um grupo de aventureiros na beira da estrada, com algumas bolinhas amarelas acendendo e apagando ao seu redor, e fora levado para um hotel no reino próximo.
Conversou com o dono do hotel e descobriu que alguns anos haviam se passado, mais do que aqueles que lembrava ter ficado no vilarejo. Ao questionar sobre o lugar, o hoteleiro o encarou com espanto: Está abandonado há anos. Ninguém vai lá, e aqueles que se arriscam por causa dos tesouros, não retornam. Os guardas fizeram reconhecimento: aranhas habitando a floresta, uma neblina densa e fogos-fátuos brilhando na escuridão sem sentido que a floresta possui. O lugar se tornou perigoso e ninguém sabe o motivo.
Desesperado, Uilas buscou ajuda, mas ninguém acreditava em seu relato. Ninguém queria ir ao vilarejo. Nem ele tinha coragem. Tentou se afastar, ir para outras cidades, mas quanto mais andava para longe, mais rápido voltava para a floresta.
Envelheceu da noite para o dia e adotou o nome de Godofredo, tendo sua memória afetada. Os que o conheceram sofreram efeitos colaterais e entraram na teia de influência da criatura libertada, não percebendo a aparência estranha que aquele jovem adquiriu, não suspeitando de sua longevidade, falta de machucados e resistência acima do normal, abraçando sua ideia de tentar levar aventureiros para a Floresta Fantasma. E Godofredo, sendo um fantasma preso a esse Plano, fica buscando por aventureiros que possam ir até o local trazer de volta a pedra elíptica de cor preta, ornamentada delicadamente com espirais douradas.
Gostou deste conto? Siga a autora no Instagram clicando aqui! Aproveite também e leia mais contos dentro do Movimento RPG clicando aqui!