Malkavianos – Clãs de Vampiro: A Máscara

Algumas pessoas dizem que os Malkavianos são o clã mais difícil de se interpretar direito. Loucos, voláteis e, esquisitos, interpretar um malkaviano é sair da sua zona de conforto. Mesmo assim escolhi-os para dar início à nossa série sobre os Clãs de Vampiro: A Máscara por um simples motivo. É meu clã favorito.

Loucura

“O sangue amaldiçoado do clã poluiu suas mentes de forma que todos os Malkavianos do mundo são irremediavelmente insanos”. Esta trecho está no início da descrição do clã na saudosa versão Revisada (ou, como alguns chamam, 3ª Edição). Agora feche os olhos e pense num personagem insano da cultura pop. Pensou? Certo, agora pense em um que não é o Coringa.

Na humilde opinião deste que vos escreve, a dita loucura de um malkaviano NÃO é, necessariamente, o que define o personagem. Claro que temos personagens bem legais na ficção que são definidos por alguma condição mental, como Leonard Shelby de Amnésia, mas vamos tentar analisar a mente Malkaviana por um viés diferente desta vez.

Malkavianos não são burros. Eles sabem que são amaldiçoados, e mais do que isso: eles sabem do estigma que o clã sofre. É perfeitamente natural que um malkaviano tenha plena consciência da sua condição, a questão é como isso afeta a visão e as ações dele perante a sociedade vampírica.

Um exemplo bem legal é o filme Don Juan DeMarco (SPOILER). Don Juan é plenamente consciente do ambiente à sua volta. Ele sabe que está num sanatório, mas opta por manter, para si mesmo e para os outros, a ilusão de que é um herói mascarado.

A maldição do sangue é uma vulnerabilidade. Um malkaviano inteligente fará o que puder para escondê-la, e fingir-se de louco – uma loucura diferente da sua maldição verdadeira, digamos assim – é uma maneira singular de manipular as coisas a seu favor.

 Manipular coisas a seu favor, você disse?

Outros Caminhos da Loucura

Outro caminho possível é o malkaviano que procura disfarçar completamente sua loucura ou mesmo negar a natureza da própria maldição, talvez até fingindo ser membro de outro clã. Construir este tipo de personagem requer certa sutileza, buscando tiques e detalhes que façam vir à tona a maldição malkaviana sem entregar o jogo logo de cara.

“Certo”, você diz. “Mas e o Coringa?”

Um malkaviano “estilo Coringa”, se você quiser chamar assim, é o personagem que abraça a própria insanidade. É o malkaviano que teve seu mundo completamente destruído pelo Abraço e agora ele usa a maldição como uma espécie de vingança contra tudo e contra todos. Este tipo de personagem geralmente desceu alguns degraus em seu marcador de humanidade, ou até mesmo abraçou uma trilha. É o tipo de personagem que age como uma força da natureza, desenterrando tudo o que há de podre na sociedade a seu redor e vomitando de volta.

Interpretar este tipo de personagem é sempre um desafio. É muito fácil pender mais pro lado do “Fishmalk” (leia abaixo) do que de um Hannibal. Também é o tipo de personagem que precisa de uma boa conversa com o grupo para se ajustar à crônica antes de começar, pois um comportamento completamente errático e caótico pode facilmente atrapalhar a diversão de todo mundo. Quando bem utilizado, contudo, é certamente uma experiência inesquecível.

Se você conhece esta imagem, sabe do que eu estou falando.

Profecia

Um aspecto por vezes negligenciado é a faceta profética dos Malkavianos. Isto é, inclusive, bem representado pelos poderes disponíveis, como Auspícius ou Demência, ou mesmo a famosa Rede. Mesmo que o malkaviano não assuma a figura de oráculo ou profeta, externalizar essas visões ou rompantes acaba tornando-se parte da identidade do vampiro. Religiosos fiéis, políticos alarmistas, artistas atormentados (sim, nem todos os artistas do mundo são Toreador), cientistas e estudiosos que perseguem algum tipo de verdade são apenas alguns exemplos de como um vampiro poderia canalizar as habilidades proféticas do clã.

Malkavianos costumam ser os mais sábios dentre os vampiros. Eles são os únicos que enxergam a verdade inegável – que o Mundo é que está louco – e recusam-se a simplesmente aceitar que “as coisas são como são”..

Incorporar o estereótipo do malkavian sábio é essencial – é o que dá aquele tempero especial no personagem. Não precisa ser um sábio “certinho”, tipo “mestre no topo da montanha” (embora funcione, pois malkavianos vêm em todas as formas e sabores). A comediante stand-up que vai presa por atacar figuras públicas, o filósofo ácido que invade livrarias e queima os próprios livros para protestar contra o Capitalismo, o mendigo que recusa dinheiro como forma de demonstrar seu ponto de vista podem funcionar dentro do estereótipo de sábio tão bem quanto o menestrel ou a conselheira do Príncipe.

Put down that fish, Malk.

É muito fácil interpretar mal um malkaviano. Aquele estereótipo do louco bobinho, alívio cômico, que fica fazendo piadas e pregando peças pelo simples prazer de atazanar a não-vida dos colegas é conhecido como Fishmalk. É o tipo de personagem que, cedo ou tarde, vai acabar estragando a sessão e a diversão do grupo todo.

A melhor maneira de evitar um fishmalk é levar a loucura a sério, pelo menos um pouco. Pode ser tentador olhar um estereótipo de “louco fofinho” como a Harlequina, fazendo piadinhas sobre vozes na cabeça e tentar emular a maldição do sangue malkaviano baseando-se apenas nisso, mas ao olhar alguns dos transtornos associados à personagem, como Transtorno de Personalidade Dependente, Transtorno Bipolar e Transtorno de Estresse Pós-traumático, a coisa deixa de ser tão engraçada.

Sim, a história da Harlequina está longe de ser bonitinha.

Uma questão importante – transtornos mentais durante a sessão

É bom frisar que algumas pessoas podem não se sentir à vontade retratando transtornos mentais em jogo. Existem pessoas que precisam lidar com esse tipo de coisa na vida real, então um mínimo de sensibilidade e empatia é fundamental quando o grupo estiver construindo os personagens. Nestes casos, as dica dada na primeira parte deste texto tornam-se ainda mais valiosas. Vale a pena reduzir a insanidade “real” do seu personagem a uma mera penalidade mecânica para preservar o bem-estar do resto do grupo.

Bom jogo a todos!

Ficha de Personagem Vampiro V5 – Design de Raul Galli

A quinta edição de Vampiro: A Máscara tem uma direção de arte incrível. Contudo é uma pena que parece que esqueceram de dar a mesma atenção a um dos principais elementos de jogo: a ficha de personagem. Eu, como diretor de arte todavia, acredito que o design da ficha deve ser claro e favorecer a imersão no cenário. Por isso, decidi fazer minha própria versão.

Os elementos que mais tendem a variar ao longo das sessões (Hunger, Desire, Ressonance, Health, Willpower e Humanity) foram reunidos em um círculo no centro da parte superior da ficha. Do lado esquerdo, estão as informações “mundanas” do personagem (Nome, Concept e Ambition) e, do outro lado, as informações sobrenaturais (Clan, Generation, Sire e Predator Type).

Resolvi trazer para a parte da frente da ficha os Chronicle Tenets, Touchstones & Convictions e Clan Bane, pois são informações relevantes para a interpretação do personagem. Do outro lado, ficaram todos os recursos que os personagens podem querer usar em momentos de dificuldade, como Advantages & Flaws, Disciplines e informações relativas à Blood Potency, junto com espaços para background e anotações.

Clique aqui para baixar a Ficha de Personagem do Vampiro V5 design de Raul Galli

Algumas pessoas me pediram uma versão em PT-BR desta ficha, que prometo fazer quando sair a tradução oficial da Galápagos. 😉

Bom jogo a todos!

Ligeia RPG

Ligeia é um RPG independente criado por Dinho Reis e lançado em setembro deste ano. O livro é gratuito para download, mas há um financiamento coletivo recorrente de suporte ao cenário através do catarse, com suplementos mensais para os apoiadores, acesso a playtests, entre outros.

Visualmente, o material é maravilhoso. As ilustrações são excelentes e tem um estilo vetorial muito característico, enquanto a diagramação lembra muito os livros de D&D. A ficha de personagem tem um belíssimo círculo arcano no verso, um agrado para pessoas como eu que acreditam que uma boa direção de arte é importante para a imersão.

Cenário de Ligeia RPG

O mundo de Ligeia tem muito da fantasia medieval clássica, quase como se o jogo se propusesse a ser uma alternativa ao D&D. As raças e classes são muito parecidas, inclusive, mas Ligeia se diferencia em oferecer muitas, muitas, muuuuuuuuuitas opções para customizar seu personagem, com raças, sub-raças, heranças, classes (aqui chamadas “vocações”), nações, divindades e inúmeras habilidades diferentes compradas com pontos.

Sistema de Ligeia RPG

As ações são resolvidas rolando 2d6 e somando o atributo pertinente contra uma dificuldade variável. Algumas habilidades adicionam “dados de melhoria”, permitindo que o jogador role mais dados e escolha apenas os dois resultados melhores. Mesmo com uma mecânica aparentemente simples, o jogo pode se tornar extremamente tático quando levamos em consideração todas as regras de combate e as infindáveis opções de customização disponíveis.

O sistema de magias traz influência do Ars Magica e é uma das características mais icônicas do jogo. Combinando palavras mágicas você consegue gerar efeitos únicos. O próprio livro traz alguns exemplos, com modificadores que cada nova palavra adicionada ao encantamento pode trazer. Além disso, há também um sistema de corrupção, parecido com a Humanidade de Vampiro, que traz um eixo moral mais cinzento, diferente do maniqueísmo que permeia grande parte das obras de fantasia.Um resumo do sistema de personalidade Myers-Briggs também é mostrado no livro, para dar ainda mais colorido ao personagem e ajudar a guiar a interpretação do jogador.

Apoie!

Jogos brasileiros independentes são sempre bem vindos, e tenho certeza que jogadores buscando um mundo fantástico com um sistema tático e um bazilhão de maneiras diferentes de customizar seus heróis e suas habilidades vão curtir conhecer o cenário.

Bom jogo a todos!

Kult: RPG com Safeword

Com o anúncio oficial da editora Buró sobre o lançamento da quarta edição de Kult: Divinity Lost no Brasil, vou aproveitar para comentar um pouco sobre este excelente, porém desconhecido jogo europeu.

Kult surgiu lá nos longínquos anos 90, quando jogos sobre o fim do mundo estavam na moda. Era um jogo adulto e sombrio (como muitos da época) num cenário contemporâneo que misturava mitologia judaico-cristã, gnosticismo, ocultismo e uma pitada de Hellraiser.

O principal diferencial de Kult, contudo, era seu cenário rico e extremamente conciso. Em tempos imemoriais, os humanos eram deuses. Até que uma entidade chamada Demiurgo aprisionou estes humanos primordiais em uma prisão mental chamada de Ilusão (nosso mundo) e os fez esquecerem sua natureza divina. Acontece que, no começo do século XX, Demiurgo desapareceu, enfraquecendo a Ilusão e fazendo com que alguns humanos tenham lapsos sobre a verdadeira realidade do mundo. É aí que entram os personagens jogadores.

Os personagens jogadores são Awares (Conscientes), pessoas comuns que, em algum instante da vida, conseguiram ter um vislumbre do mundo por trás da Ilusão. Isso, invariavelmente, vai colocá-los frente a frente com cultistas, loucos, Awakeneds (Despertos) e criaturas bizarras vindas dos mundos além da ilusão.

O sistema da atual edição é baseado na Apocalypse Engine, e tem mecânicas simples e ao mesmo tempo muito interessantes. Todas as ações dos personagens jogadores são resolvidas jogando 2d10 e somando o valor do atributo (tipicamente entre -2 e +3) contra uma dificuldade fixa. O mestre NUNCA rola dados. Ao invés disso, cada vez que um personagem falha em um de seus testes, dependendo do resultado, o mestre opta por fazer um Move (uma decisão narrativa que prejudica o jogador imediatamente) ou anota um Hold para usar contra o jogador mais tarde.

Por exemplo: Um PJ tenta subornar um guarda para passar para um local de acesso proibido e tem uma falha completa. O mestre pode fazer um Move e decidir que o guarda aciona a polícia e o PJ, além de não conseguir entrar, pode acabar preso ou em confronto com a polícia. Se o PJ teve um sucesso parcial, o mestre anota um Hold e decide que, mais tarde, o guarda vai se arrepender do que fez e acionar a polícia. O PJ conseguiu entrar no local, mas vai ter que lidar com as consequências depois. Parece simples mas, de todos os sistemas que já joguei, este é o que mais força o mestre a tomar decisões narrativas interessantes e inesperadas. E isso é um ponto muito positivo.

A criação de personagens também é extremamente rápida. Basta escolher um Archetype (Arquétipo), um Dark Secret (Segredo Sombrio, que determina como seu personagem viu através da ilusão pela primeira vez), Vantagens, Desvantagens e distribuir 10 valores fixos entre os 10 atributos. Cada Archetype ocupa apenas uma página dupla, já com sugestões de Dark Secrets, Vantagens e Desvantagens.

O livro importado é lindo, e vamos torcer para a Buró manter a qualidade do material. As ilustrações são sensacionais e a ficha de personagem imita a Árvore da Vida da Cabala, fortalecendo ainda mais a imersão no clima místico de Kult.

Que você pode destruir completamente com uma caneta colorida.

O livro não foge de temas pesados, como pedofilia, estupro e violência gore. Inclusive, no capítulo do mestre, você vai encontrar, acertadamente, dicas sobre como lidar com temas pesados em suas sessões, como conversar com seus jogadores sobre temas pesados ANTES de pensar em abordá-los durante o jogo. Também sugere usar uma safeword, uma espécie de palavra-chave para indicar quando interromper certas cenas.

Aliás, se há alguma crítica ao Kult de minha parte, é que certas descrições no livro podem ser gatilhos para algumas pessoas. Mesmo sendo um jogo adulto, parece que os escritores não seguiram as próprias recomendações e acabaram indo longe demais em determinados momentos. Fica o puxão de orelha.

Apesar disso, o saldo geral é bem positivo. Se a Buró fizer um bom trabalho de tradução e impressão, teremos mais um excelente jogo no mercado brasileiro em 2020. Torço também para que tragam o maravilhoso baralho de tarô com temas do cenário.

Bom jogo a todos!

Ordem de Iniciativa

Já vi um monte de vezes, em fóruns, grupos e chats, pessoas sugerindo aplicativos, sites e outras maracutaias eletrônicas para ajudar a controlar a ordem de iniciativa e o andamento das rodadas. Hoje eu vou ensinar um método PERFEITO E INFALÍVEL para mestres que, como eu, preferem o bom e velho bloquinho de anotações atrás do escudo.

Imagine que temos uma situação de combate. Carlos, Simone e Frederico rolam, respectivamente, 12, 13 e 4 nas suas iniciativas. Você, mestre, rola 9 e 6 para o boss e seus minions. Anote em uma tabela conforme a figura a seguir, junto com CA, Defesa ou qualquer outro atributo que tenha essa função.

Cada coluna marca a rodada em que você está, e a cada ação, o mestre marca na tabela quais personagens já agiram. Simone age primeiro, e ela decide fazer um ataque simples.

Carlos opta por utilizar a magia Santuário, com duração de 1d4+1 turnos. Ele rola um 2, indicando que a magia acabará na quarta rodada.

Quaisquer eventos ou acontecimentos que fizerem parte da batalha podem ser anotados na tabela. Supondo que os personagens devem aguentar 6 radadas antes de chegarem reforços, fica muito mais fácil administrar isso quando você visualiza na tabela. Ou quando um jogador opta por adiar seu turno, você pode simplesmente deixar em branco e, quando chegar ao final da rodada, perguntar ao jogador se ele vai agir, como Carlos na segunda rodada da figura abaixo.

Quaisquer outras informações pertinentes podem ser anotadas junto com a ordem de iniciativa também. É uma dica simples e que pode economizar um tempo valioso do mestre e dos jogadores durante cenas de combate.

Bom jogo a todos!

Acelerando o Destino com FATE

FATE RPG é um sistema genérico com foco narrativo desenvolvido pela Evil Hat Productions e publicado no Brasil pela Solar Entretenimento. Ele divide-se em duas versões: O FATE Core, mais completo e robusto, e o FAE ou FATE Accelerated Edition, uma versão mais enxuta e dinâmica do sistema. Mas ao invés de simplesmente analisar os pontos fortes e fracos do sistema, desta vez vou fazer uma resenha diferente. Vou contar uma história.

Tudo começa uma vez, na escola de desenho onde trabalho, trocando uma ideia com alguns alunos sobre RPG. Eu nunca tinha jogado com eles, mas estávamos contando histórias de campanhas, coisa assim. Eis que, em dado momento, surge a pergunta.

“Mestra pra gente”

Eles jogavam há alguns anos, mas toda a sua experiência com RPG, em termos de sistemas, se limitava a Tormenta RPG e D&D 3.5. Eles pensavam o RPG de uma forma tática. Estavam acostumados a fazer fichas combadas. Então coloquei como condição que não mestraria nenhum desses sistemas. Queria um sistema que os ajudasse a focar na interpretação e na história. Minha resposta foi “Mestro sim, mas nada de d20. Vamos jogar FATE RPG”. 

A Experiencia

Mestrei usando a versão acelerada do FATE no cenário de Tormenta. A própria construção de personagens já tirou o chão de alguns deles. Ao invés de atributos e perícias rigorosamente especificados, apenas cinco Aspectos descrevendo seu personagem (Conceito, Dificuldade e mais três livres) e 6 Abordagens que vão de +0 a +3. “Quero que meu personagem seja um elfo mago de 8 séculos de idade”. “Beleza, escreve isso aí na ficha”. “Só isso?” “Sim”.

A proposta do sistema é muito interessante se você está acostumado com RPGs mais tradicionais. Se o seu personagem é um “elfo mago de 8 séculos de idade”, você pode gastar um Ponto de Destino (usamos fichas de poker para representá-los na mesa) e receber um bônus em qualquer teste em que este Aspecto seja relevante. Pode ser lançar uma magia (pois ele é um mago), saber algo sobre a sociedade ou a história élfica (pois ele é um elfo muito velho) ou qualquer coisa que faça sentido. Da mesma maneira, o Mestre e outros jogadores podem invocar este aspecto CONTRA o jogador pagando para ele um ponto de destino. Por exemplo, ao fazer o uma marcha forçada, por conta da fragilidade da saúde do elfo (ele tem 8 séculos de idade, afinal), o mestre dá ao jogador a opção de receber um Ponto de Destino em troca de algum tipo de punição (dano, estresse, etc.) ou pegar um Ponto de Destino para superar temporariamente esta desvantagem.

A parte do jogo é interessante. Num RPG tradicional como D&D, a gente tende a olhar para a ficha em busca de recursos para superar desafios. Eventos durante o jogo costumam ser tratados de forma mais abstrata. Se o mago elfo idoso quer invocar uma Bola de Fogo para atacar um oponente em D&D, você pode ver a descrição da magia e saber exatamente quanto dano ela vai causar. Mas se o mesmo mago elfo idoso quer utilizar a mesma Bola de Fogo para incendiar uma mesa molhada de cerveja em uma briga de taverna, a descrição do Livro do Jogador já não é suficiente. Em FATE, este ação criaria um Aspecto temporário chamado “Mesa em Chamas”, por exemplo, que pode ser invocado com Pontos de Destino exatamente do mesmo jeito que os Aspectos de Personagem (“eu pago um Ponto de Destino e tento empurrar o cara em cima da mesa pegando fogo”, por exemplo).

Dados Fudge

Naturalmente, isso foi uma dificuldade que os jogadores tiveram durante a campanha. Acostumados a rolar dados apenas para causar dano, eles demoraram para aprender a tirar proveito dos Aspectos Situacionais. FATE RPG usa dados Fudge (dados que vão de -1 a +1), não muito comuns aqui no Brasil, mas que tem uma curva de probabilidade muito acentuada nos valores médios, fazendo com que seja fundamental saber usar bem os Aspectos Situacionais. Mas foi legal porque os forçou a pensar fora da caixa. Quando eles começaram a pegar o jeito, um dos personagens, um bardo, chegou a acumular quatro ou cinco Vantagens para enganar uma tropa da Aliança Negra.

A parte da resolução de conflitos do FATE é muito interessante. Não há diferença entre combates e quaisquer outros tipos de conflito que podem surgir. Mesmo o “dano” é indicado por dois marcadores genéricos chamados Estresse e Consequências, que podem representar tanto dano físico quanto fadiga, dano mental, loucura e qualquer outro elemento narrativo que faça sentido dentro da história.

A campanha que jogamos durou alguns meses e foi muito da hora. Depois dela, jogamos outras coisas também, como 3d&t, Mundo das Trevas e Old Dragon e alguns dos jogadores acabaram integrando meu grupo regular de jogo.

Onde Encontrar

FATE RPG está disponível em PT-BR pela Solar Entretenimento e em inglês pela Evil Hat Productions. É um ótimo sistema iniciantes, por sua simplicidade e foco na narrativa, e para veteranos que querem sair um pouco dos sistemas mais tradicionais. Os dados fudge podem ser adquiridos pela internet, mas também podem ser facilmente substituídos por d6 comuns (foi o que fizemos). Leva um tempinho para se acostumar a ‘converter’ os valores de cabeça, mas nada que atrapalhe jogadores espertos como vocês, não é mesmo?

Bom jogo a todos, mas antes leia também minha resenha de 3D&T!

Resenha 3D&T Alpha

“Não há tabelas de armas. 3D&T nunca terá tabelas de armas. De jeito nenhum.” – Marcelo Cassaro na introdução do Manual 3D&T Alpha – Versão Revisada.

Tenho certeza que muitos RPGistas veteranos torceram o nariz imediatamente ao ler a frase acima, mas sejamos sinceros: se você alguma vez já tentou jogar RPG com um completo iniciante usando sistemas considerados clássicos, deve ter gastado mais tempo respondendo perguntas como “o que é uma klaive”, “o que significa 18-20/x2” ou “onde eu anoto a penalidade do meu colete kevlar” do que jogando de fato.

Afirmo, sem medo de errar, que 3D&T – acrônimo meio zoado para Defensores de Tóquio 3ª Edição – é o melhor sistema para introduzir um novo jogador ao RPG (seguido pelo FAE, mas aí já é outro review). O sistema é simples e dinâmico e a criação de personagens é extremamente rápida, principalmente se o mestre der uma forcinha na hora de escolher Vantagens e Desvantagens.

Jogadores veteranos que derem uma chance ao sistema vão encontrar um sistema narrativo extremamente sólido, com mecânicas que podem gerar ótimas oportunidades de interpretação, principalmente pra quem tem interesse naqueles momentos super dramáticos de obras como Fullmetal Alchemist ou Scott Pilgrim.

Para que esta resenha não fique muito extensa, vou tentar separar os pontos fortes e fracos do sistema em tópicos:

Pontos Fortes

• Regras acessíveis e dinâmicas – Role um dado para atacar, um dado para defender e um dado para resolver qualquer outro tipo de ação. Um jogador iniciante consegue aprender isso em poucos minutos, enquanto um jogador veterano vai levar, literalmente, segundos para entender o sistema. Além disso, é muito fácil para o mestre improvisar regras novas ou criar estatísticas do nada quando seus jogadores tomam um rumo inesperado durante a aventura.

• Solidez e equilíbrio – Apesar da simplicidade, 3D&T é um sistema equilibrado e com poucos furos a serem explorados por aqueles jogadores chatos que querem se sobressair às custas da diversão dos outros.

• d6 – 3D&T usa apenas dados comuns de seis faces para jogar. Isso não costuma ser um grande empecilho em cidades grandes e capitais, mas em vários pontos do Brasil ainda é relativamente difícil achar dados multifacetados.

• Construção de personagens rápida e descomplicada – Um dos maiores problemas que eu costumo enfrentar ao introduzir novos jogadores usando jogos como Mundo das Trevas ou D&D é que a construção de personagens é tão demorada que o iniciante muitas vezes já perdeu a empolgação ao terminar de fazer a ficha. 3D&T usa poucos pontos, permitindo ao mestre e aos jogadores iniciarem a partida quase que imediatamente.

• Versatilidade – Por ser um sistema genérico, 3D&T pode ser facilmente adaptado para qualquer tipo de cenário, desde lutas colossais como em Dragon Ball Z e One Punch Man até aventuras mais modestas na pegada de Stranger Things. O sistema é simples o suficiente para que o mestre faça modificações sem muita dor de cabeça, contando inclusive com um suplemento totalmente voltado para este tema, o Manual do Defensor.

• Cenários diferenciados – 3D&T tem três cenários oficiais muito diferentes entre si, reforçando a versatilidade do jogo: Tormenta Alpha (o mundo de fantasia mais querido do Brasil em sua versão anime-chuta-baldes), Brigada Ligeira Estelar (uma cruza entre Space Opera, Mechas e espionagem, no melhor estilo Gundam Wing ou Code Geass) e Mega City (uma gigantesca cidade que une 4 outros mini-cenários: Super Mega City, com super-heróis; O Torneio das Sombras, com lutadores ao estilo Street Fighter e Final Fight; Megadroide, com robôs ao estilo Megaman e, por último, Crônicas de Nova Memphis, com anjos, demônios e vampiros na pegada dos jogos do fim dos anos 90 com temas apocalípticos e sobrenaturais).

• Drama e narrativa – Sabe aqueles momentos épicos de anime em que o herói desperta o Sétimo Sentido ou vira Super-Sayajin? Então, 3D&T é feito para isso!

• Opções infinitas – Pense no personagem mais louco que você consegue imaginar. Pensou? Dá pra montar em 3D&T.

• Gratuito – Precisa dizer mais? É só baixar o PDF no site da Jambô.

• Sem tabela de armas – Sério, quem precisa delas?

Pontos Fracos

• Excesso de termos estrangeiros – Sei que é chatice da minha parte, mas o uso excessivo de termos em japonês ao longo do manual é um tanto incômodo, a ponto do livro apresentar um glossário no capítulo inicial. Palavras como Kemono, Ningen e Youkai poderiam facilmente ser trocados por termos em português, principalmente em um jogo que visa introduzir iniciantes ao RPG.

• Resolução de conflitos muito voltada para o combate – Isso não chega a ser um grande problema para grupos que gostam de usar a inteligência dos jogadores e o roleplay como forma de resolução de conflitos, mas pode atrapalhar os iniciantes mais tímidos. De qualquer forma, o suplemento Manual do Defensor oferece alternativas para isso.

• Liberdade demais – A versatilidade é um dos pontos mais fortes do sistema, mas talvez seja preciso acertar os ponteiros entre o mestre e todos os jogadores antes de começar a jogar para evitar o cara que insiste no “eu tenho PdF5 e uma pistola d’água” em uma campanha de Dark Fantasy, por exemplo.

• Sem tabela de armas – Bom, tem quem goste, né?

Com ou sem tabela de armas, 3D&T é um sistema roubusto, dinâmico, e simples o suficiente para que jogadores iniciantes sejam introduzidos ao RPG sem dificuldade. Marcelo Cassaro, seu autor, sempre viu o sistema como uma porta de entrada para RPGistas novatos, que depois de conhecer o hobby migrariam, naturalmente, para jogos mais complexos como D&D ou Mundo das Trevas. Eu, humildemente, tendo a discordar do autor aqui. 3D&T tem características únicas e um sabor especial que tornam ele diferente de qualquer outro RPG, e a boa quantidade de suplementos pode agradar a iniciantes e veteranos.

Bom jogo a todos!

Baixe o Manual 3D&T Alpha — Edição Revisada clicando aqui.

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