Um Guerreiro de Honra #8 – Contos de Thul Zandull

Um Guerreiro de Honra – Parte VIII

Jasmin ainda pensava no ataque que sofreu na noite passada, o futuro de sua companhia e da guilda que havia financiado a viagem dependia do sucesso em mapear estradas e toda região. Se conseguissem concluir o trabalho reduziriam a viagem entre a comunidade costeira de Harlan e a crescente cidade de Basil em alguns dias, porém as traiçoeiras passagens entre aqueles picos escondiam perigos constantes. Povos bárbaros e selvagens que resistiram à investida da civilização. Jasmine sempre fora ensinada pela Fé Diáfana que a palavra de seu senhor, aquele que a tudo vê, era tudo que precisavam para viver em plenitude. Nunca pôde retribuir a comida e cuidados recebidos em sua infância. Se esforçava em servir e cuidar daquele a quem considerava um pai. O assecla Kent Chambers estava ali para continuar oferecendo acalento e proteção. Ele usou de sua influência para dialogar com os mercadores que viam uma real possibilidade nesse mapeamento e nessa busca por uma nova rota. Infelizmente os riscos eram altos e o grupo formado estava distante do ideal, mas Chambers era versado nas artes divinas e possuía conhecimentos e poderes dignos para oferecer proteção, além disso Chambers também havia chamado Lester Chapman, um irmão da Ordem para apoiá-lo. Chambers sempre contava histórias da época que Chapman caçava infiéis nas terras distantes do Sul, muitas narrativas citavam aquele senhor franzino como membro de renome à frente dos Zelotes. Jasmine sabia que apenas sua força e habilidades de combate não seriam suficientes, ela ainda estava longe de ser uma Exarca, mas sonhava com o dia em que finalmente poderia servir a Autarquia da Fé Diáfana de maneira satisfatória.

Jasmine trouxera consigo seus dois cavalariços Pete e Willian já que os serviços pesados e os cuidados do acampamento não poderiam ficar centrados apenas nela e muito menos nos velhos senhores que os acompanhavam, eles já haviam visto meio século de invernos, o que era espantoso levando em consideração as diversas batalhas que vivenciaram nesta constante Guerra pela Fé que travavam. A templária pensava consigo que Basil poderia se tornar um expoente para o abastecimento de tantas outras pequenas comunidades que dependiam do comércio marítimo de terras distantes que chegavam por Harlan. Algo que a entristecia era observar como tantas pessoas direcionam críticas pesadas ao esforço de sua Fé, tantos jovens quanto ela ainda acreditavam e defendiam as crenças, algo que permitiria a seu povo crescer e à sua cultura se espalhar, porém era inaceitável como agora muitos estudiosos alegavam e condenavam a manutenção de tudo de bom que fora ensinado por tanto tempo. Ela pensava que se houvesse menos discussão por liberdades tolas haveria mais jovens dispostos a abrir estradas para o progresso e expansão rápida dos ensinamentos divinos. Havia urgência em limpar sua amada nação de criaturas inferiores e grotescas.  

A templária ouvira histórias sobre a tumba do herói goblin chamado Garlak, Três Cortes, e como seu seguidor Guicho trouxera seu corpo para aquelas montanhas, algo que fomentou o surgimento de um clã. A cada momento que trazia esta história à tona, se revoltava nos momentos de fraqueza de sua Fé, fato que permitiu inúmeras mazelas com a multiplicação de ameaças, que hoje eram combatidas impiedosamente. A própria Jasmine tinha experimentado o ataque covarde no início da noite anterior, quando todos se preparavam para descansar. Ela quase perdeu seu mentor e protetor Chambers. Se não fosse Chapman, talvez aquelas ardilosas e asquerosas criaturas tivessem sucesso. A guerreira sabia que aquele povo deveria ser exterminado e não seriam pegos de surpresa novamente. 

Os dois sábios asseclas analisavam os caminhos permitindo que o grupo avançasse lentamente. Traziam muitos suprimentos e materiais em um carroção puxado por bois, a cada hora, desenhos, cálculos e anotações eram feitas, assinalando as melhores e mais seguras opções para viajantes, bem como pontos para possíveis acampamentos, locais com água potável e vegetação, além é claro da catalogação de plantas e animais exóticos do local. Chambers se entristecia em perceber que havia tantos locais em sua amada nação que foram negligenciados, mas não expressava para sua eterna pequena “filha” suas insatisfações. Ele sabia que era necessário manter a esperança nas futuras gerações, mas a verdade era terrível, décadas de recursos financeiros e Humanos em guerras Sagradas intermináveis podaram qualquer possibilidade de real domínio das vastas terras da Santa Fé. Agora os inimigos haviam se acumulado demais e atitudes desesperadas por manter a roda da civilização girando tornavam aquela patética companhia algo vital para que moedas pudessem chegar mais rapidamente aos esforços de guerra para resistir em três diferentes frentes de combate abertas.

Chapmam conhecia seu parceiro de luta e ambos conseguiam entender as angústias um do outro. Aquele velho que um dia fora um Zelote capaz hoje agradecia a oportunidade de se distanciar de tantos combates sem sentido. Infelizmente o ataque que sofreu na noite anterior foi uma consequência natural de tantas agressões. A guerra estava intrinsecamente ligada à essência dele. Quando conjurou seu famoso açoite de chamas, Chapman se lembrou dos massacres de Lança Leste,  décadas atrás. A Autarquia não hesitou em ordenar a morte de mulheres, idosos e crianças em nome da Fé. Talvez, pensava ele, tivesse sido mais justo que aquelas lanças afiadas de madeira tivessem ceifado sua vida. Todos o chamavam de herói, mas as lembranças que carregava eram pesadas demais. Havia um dever a ser cumprido naquela busca, naquele trabalho, mas Chapman tinha esperanças que talvez houvesse um fim para sua dor.

Pete e Willian estavam ainda aturdidos pelos acontecimentos do fim do dia anterior, eles quase encontraram uma morte prematura no ataque dos goblins. Haviam sobrevivido e pensavam como eram afortunados de primeiro terem aquela grande oportunidade que poderia significar a efetivação de suas posições nas fileiras da Fé e segundo o fim dos constantes períodos de fome que passavam. Pensar em ter algum recurso, um pouco de renome e respeito, além de comida era mais que suficiente para aceitarem o chamado de Jasmine, porém a realidade de lutas foi deveras assustadora. Presenciaram os milagres de cura e o poder da Fé agindo contra os inimigos acabou sendo um misto de experiências de assombro, respeito e medo, mas enfim, estavam vivos e ainda havia muita viagem pela frente. Sentiam que poderiam fazer a diferença com seus esforços em manter sadios aqueles que poderiam protegê-los dos perigos da jornada.

Quatro dias se passaram rapidamente e apenas pequenos encontros com criaturas selvagens atormentaram a companhia. Naquela manhã, o Diáfano havia honrado a todos com o encontro que tiveram com dois jovens goblins que tentavam caçar aves de grande porte. Foram rapidamente superados e amarrados. Chapman usou seus poderes para poder se comunicar e após pressão de Jasmine enfim descobriram um local de interesse, a famosa tumba de Garlak, Três Cortes. Inebriada com a possibilidade de sucesso, Jasmine foi alertada por Chambers que deveriam libertar os prisioneiros e manterem o foco no término do mapeamento da passagem pelas montanhas tão necessária, mas jovem e impetuosa, a templária argumentou que se fizesse isso estaria desonrando sua Fé, algo que eles não deveriam fazer. Chapman retrucou dizendo que aquela atitude poderia minimizar os problemas iniciados no combate de dias antes. Irritada com tudo Jasmine não hesitou em decapitar os prisioneiros, acabando assim com a discussão. Chambers vendo atônito como sua “filha” demonstrava a essência das crenças de outrora se entristeceu profundamente. Houve uma discussão acalorada e enfim a templária decidiu que Pete guiaria os dois na missão iniciada, com destino a Harlan, enquanto ela e Willian pegariam suprimentos para explorar o local tido como sagrado por aquele povo infiel. Jasmine sabia que era seu dever expurgar os símbolos ou crenças dos bárbaros e avisou aos velhos asseclas que em breve irão novamente se reunir. Antes de se separarem Chambers ainda tentou dissuadi-la, mas percebia que talvez tivesse sido um exemplo exagerado demais de seguidor da Fé, principalmente ao perceber que a jovem não esboçou sentimentos, apenas determinação em seguir suas crenças e atingir aquilo que tanto almejava.

O grupo estava separado e seguindo as orientações extraídas dos jovens goblins, Jasmine e Willian finalmente chegaram na caverna indicada como a tumba do herói dos infiéis bárbaros. Sentia seu coração explodir em seu peito com a possibilidade de se tornar uma figura de destaque, inspirando outros como ela, filhos e filhas da guerra, da dor e da pobreza. Estava perto de se tornar uma Exarca, porém percebeu focos de luz dentro da caverna. Mesmo com pesada armadura, avançou com cuidado ao lado de Willian, que portava uma besta pesada consigo. A boa distância notou que cinco goblins prestavam homenagens diante de uma estátua de pedra perfeita e estranhamente entalhada, fato que fez com que se lembrasse das histórias lidas. Ela estava onde precisava. Avançou um pouco mais percebendo sinais de que aqueles goblins maltrapilhos, com proteções e armas desprezíveis foram os mesmos que agrediram sua companhia. Antes que pudesse se preparar para o ataque, um deles percebeu sua presença. 

O combate glorioso enfim chegou!

Continua…


Um Guerreiro de Honra – Parte VIII – Um conto de Thul Zandull

Autor: Thul Zandull
Revisor: Isabel Comarella
Artista da Capa: Douglas Quadros

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Um Guerreiro de Honra #6 – Contos de Thul Zandull

Um Guerreiro de Honra – Parte VI

 

O grupo estava determinado e iniciaram sua jornada rumo a destruição causada pelas aranhas. Havia ansiedade nas possibilidades do que encontrariam na morada dos escamosos. Se eles, em maior número, não conseguiram salvar sua fortaleza, o que cinco goblins poderiam oferecer de ameaça às criaturas gigantes aracnídeas que dizimaram os Kobolds. 

Gadrak e Kine iam a frente cuidadosos, enquanto Baas levemente recuado protegia a retaguarda. Era nítido que Gbada e Ogwe estavam temerosos, mas comedidos, devido às lembranças do companheiro perdido em meio a impulsividade. 

Enquanto andavam com cuidado, usando a mata como cobertura, analisaram o caminho e perceberam que a copa infinita das árvores acima deles poderia ter oferecido a cobertura necessária às aranhas. Não havia estrago ou trilhas que indicassem avanço terrestre, perceberam padrões de ataques vindos de cima, o que indicava que algumas aranhas talvez pudessem ter algum tipo de inteligência, fato que os deixava ainda mais apreensivos. O golpe certeiro vindo do alto se espalhou pela fortaleza e agora, enquanto se aproximavam, percebiam que as madeiras e troncos rompidos se projetavam de dentro para fora. Houve combate frenético ali, os escamosos lutaram com todas as forças. Enquanto avançavam, os goblins contavam o número de aranhas abatidos, percebendo que para cada kobold caído havia pelo menos cinco aranhas que tinham metade da altura deles. A força invasora deve ter sido monstruosa, pois o número que restava ali  nem de perto deveria se equiparar ao horror enfrentado dias antes. Analisavam os dias que se passaram do ataque pela condição dos corpos, a presença dos vermes e o mau cheiro presente. De certa maneira, aquilo beirava o sobrenatural, mas independente do mistério que ali havia, não tinham espaço para outras preocupações além de ferramentas, armas e quaisquer objetos que pudessem ajudá-los a derrotar os invasores.

À medida que contornavam a formação rochosa, Kine fazia gestos com as mãos indicando uma pequena passagem que tinha encontrado no dia anterior que os levaria para dentro oferecendo cobertura além daquela propiciada pela noite. No caminho até tal passagem notaram o movimento de uma aranha de tamanho equivalente a quatro palmos deles, logo outras duas se juntaram à primeira. O movimento delas era rápido, mas sempre se concentrava do ponto que necessitavam adentrar. Os goblins se reuniram e Baaz disse que poderiam tentar arremessos certeiros. Gadrak concordou mas complementou que deveriam se aproximar mais, para evitar erros que pudessem chamar a atenção de mais criaturas, chamou para si a responsabilidade de acertar um delas enquanto restavam aos outros, duas tentativas para cada aranha.

Respiraram fundo e se aproximaram agachados. Quando chegaram a seis metros das ameaças, se levantaram rapidamente para o arremesso. Gadrak fixou seu olhar na cabeça da aranha e imaginou os olhares dos agressores de sua terra, um misto de raiva e fúria fizeram com que o arco de seu braço e a potência muscular fossem impulsionadas em um arremesso perfeito que fez com que a ponta afiada de madeira entrasse firmemente entre os diversos olhos, rasgando a carne aracnídea, permitindo que um fluído cinza escorresse da cabeça perfurada, findando assim a vida daquele monstro. Ao mesmo tempo os demais também acertaram seus alvos, porém espasmos ainda eram percebidos dos corpos das duas aranhas que foram atingidas. O líder se adiantou e sacou sua machadinha de pedra desferindo golpes rápidos para evitar mais barulho. Os goblins aproveitaram para recuperarem as pequenas lanças de madeira antes de seguirem pela passagem descoberta por Kine. O caminho era um corredor natural de pedra, bem pequeno e estreito, que permitia um goblin de cada vez, se deslocando vagarosamente. Ali havia teias grudentas e um cheiro incômodo de carne pútrida de um Kobold morto, em provável tentativa de fuga. Haviam ainda aranhas menores em quantidade, que se alimentavam da podridão presente. Os caçadores não tinham outra opção já que estavam ali, além é claro que aquele trajeto diminuiria consideravelmente o tempo para atingirem os pontos de interesse dentro daquela fortaleza de morte.

Avançaram com dificuldade mas não se abateram com aquele desafio, outros piores já tinham sido superados e logo se deram conta que nas fissuras daquele caminho mais uma criatura de maior tamanho se esgueirava. Dessa vez fora Ogwe o primeiro a perceber a ameaça que se dirigia ao líder. Não podia hesitar e nem gritar o aviso, foi então que sacou sua machadinha tosca e fez um arremesso desafiador no pequeno espaço disponível. Gadrak ao ouvir o leve barulho da arma girando acima de sua cabeça notou então o perigo mortal, mas já era tarde para temores, não necessitaria engajar-se em combate, pois o jovem caçador demonstrou habilidade no golpe aplicado. Um gesto de cabeça positivo foi prêmio suficiente para o goblin que logo recuperou sua arma da cabeça da aranha que surgirá.

Terminaram o apertado caminho retirando cuidadosamente tábuas quebradas que antes tinham como objetivo selar a passagem. Diante um espetáculo macabro. Entre as rochas, os escamosos tinham construído muros de madeira e casas de boa qualidade com habilidade invejável, as habitações eram ligadas a segmentos do muro de madeira, ao sul de onde estavam percebiam um buraco no chão, com diâmetro assustador, no qual os Kobolds construíram uma estrutura de cordas e rodas que deveria descê-los para uma caverna, se lembrava disso, mas ficou pensativo imaginando o que construíram e acharam lá embaixo. Independente disso, eles pareciam ter prosperado em riquezas e números e ficou triste em perceber que tudo tinha sido substituído por teias compostas por filamentos de espessura variados com aglomerados de ovos bizarros com tonalidades que beiravam um cinza claro. Em meio aquele dossel fúnebre havia corpos desmembrados e putrefatos. Alguns inchados e cheios de aranhas que se deslocavam ávidos por alguma seiva vital que pudessem usar para nutrir-se. Gadrak fez gestos apontando o caminho que fariam até a primeira estrutura que até onde via parecia fechada. 

Puseram-se a andar agachados usando o que pudessem para evitar as criaturas, esquivavam-se das teias, sabendo que todas pertenciam a uma perigosa rede de defesa que alertaria sua presença. Os corações de todos dispararam e suas respirações precisavam ser contidas diante do perigo que se abatia sobre eles. Apesar do tormento, o líder orientou-os bem e chegaram até a estrutura sem serem perturbados pelas aranhas maiores. Empurraram a porta e por sorte a mesma não estava trancada, lá dentro havia um caos causado pela possível fuga de muitos escamosos, mas ainda restavam objetos úteis. Não havia teias grossas ali, apenas as comuns de aranhas pequenas. Fecharam a porta e puseram-se a procurar algo útil. Gbada parecia ter instintos apurados para procurar coisas, achou ferramentas úteis de curtição com facas afiadas de aço, algumas com lâminas pequenas e curvas, além de outros itens que poderiam enfim permitir a manufatura das armaduras desejadas. Além disso, o jovem perspicaz notou um local secreto entre tábuas da estrutura onde pequenas chapas e malhas de argolas de metal  foram encontradas. Aquilo era fantástico, além das expectativas. Kine logo achou mochilões onde tudo foi acomodado, porém haveria barulho se ficassem se deslocando com aquilo. Gadrak orientou que os dois mais jovens voltassem, refazendo o caminho, levando consigo os tesouros obtidos, enquanto Baaz, Kine e ele iriam até o local onde o grande ancião ficava. Todos concordaram e o grupo se dividiu. Os três mais experientes aguardaram até notarem que os jovens de fato não teriam dificuldades para escapar levando as preciosidades obtidas. Mais calmos, ao perceberem o sucesso nesta fase da empreitada recobraram o foco no último alvo.

Ao se deslocarem perceberam que ali havia maior movimento das aranhas, mas o grosso daquela massa aracnídea mantinha movimentos constantes em torno do buraco. Notaram que a casa do ancião tinha sido levemente fortificada, talvez usada como bastião de resistência, porém havia um buraco no teto, causado por grande pressão ali aplicada, com certeza ponto de onde o ataque se espalhou para dentro. Para terem sucesso escalariam um segmento de muro descoberto de teias e depois deveriam fazer um salto perfeito para o teto, por onde desceriam. Precisariam de corda, ao passo que Baaz retornou à oficina vasculhada para encontrar o item vital. Kine citou que poderia ficar aguardando em cima, garantindo a segurança da corda para o retorno. Gadrak concordou.

Pouco tempo se passou e Baaz retornou com corda suficiente para o trabalho. Puseram-se então a escalar com as mãos nuas, aproveitando qualquer pequena brecha de apoio. Cada avanço era desesperador, pois as teias se acumulavam e se projetavam como tentáculos ávidos pelo contato incauto que asseguraria mais alimento às aranhas que ali estavam. Ao chegarem a uma altura suficiente, arquearam os corpos para tentar se projetarem com um empurrão rápido das pernas. Eram ágeis e fortes, fato que permitiu sucesso na queda no telhado. O movimento de queda foi suavizado pela habilidade que tinham em amortecer impactos similares, habilidade adquirida pela necessidade das caçadas e fugas diversas que tiveram. Aranhas pequenas se abateram sobre eles, mas nada digno de medo. As maiores permaneciam fixas no entorno do buraco ao sul, abaixo e distante deles. Olharam pela rachadura do telhado e notaram que ali dentro havia teias maiores e grossas, assim como o mau cheiro típico e sinais de combate desesperado. Kine buscou ponto para fixar a corda e se encarregou de segurá-la e puxá-los rapidamente se necessário. Baaz e Gadrak começaram a descer. O local era rico em objetos de barro, ídolos e outras riquezas em tecidos, couro e tesouros que poderiam ser interessantes em outro contexto, buscavam ali, algo para combate e logo perceberam entre corpos de Kobolds e aranhas, os restos mortais do ancião de roupas adornadas. Diziam que ele possuía poderes mágicos de cura, infelizmente nunca teriam chance de presenciar esse milagre, pois ali estava o ancião caído em um canto, com uma aranha com o dobro de seu tamanho derrubada a frente dele, próximos dos dois, restava um escamoso com duas espadas curtas de ferro em suas mãos, deveria ter tombado em luta, segurando firmemente as armas e tentando defender o ancião. 

Baaz recolheu as armas e retirou do corpo o que restava da armadura de couro, pois ela continha também pequenas placas de metal e argolas. Gadrak se aproximou do corpo do possível curandeiro e viu que o mesmo tinha duas boas adagas na cintura, um cajado de metal adornado e segurava firmemente um globo de objeto cristalino transparente com um líquido prateado dentro, parecia ser muito frágil e parecia realmente um milagre que não tivesse se quebrado. O objeto era uma esfera perfeita e não havia saída para o líquido escapar, havia metade do espaço interno ocupado por aquele grosso fluido prateado.

Recolheram os objetos, puseram em uma bolsa encontrada e puxaram levemente a corda, sendo içados um a um por Kine. Pularam com habilidade de volta ao segmento de muro e começaram a descida. Ao chegarem ao chão ouviram um estrondo vindo da parte sul onde estava o buraco. Olharam com cuidado e viram que outro segmento da murada caíra, revelando indivíduos que se dirigiam ao buraco. Não eram humanos, reconheceram as peles verdes e musculosas das figuras que invadiram o local. Estrutura óssea larga, corpos pesados com pele grossa similar a couro. Eram seis Orcs, cinco deles vestindo peles e munidos de armas grandes variadas. Viram de relance o movimento, pois logo várias aranhas gigantes se abateram sobre eles. Era fantástico, os gritos de guerra e a maneira como aqueles guerreiros abriram as criaturas aracnídeas com facilidade enquanto moviam-se para o buraco. Gadrak agradeceu aos espíritos ancestrais, pois aquela distração permitiria a eles retornar. Enquanto se afastavam perceberam que nenhum dos seis tinha tombado e que a luta era ferrenha e se estenderia por muito tempo diante do número de aranhas. O único daqueles Orcs que se destacava era um grandalhão com uma espada de aço reluzente de duas mãos que lutava de peito nu usando apenas um elmo com chifres curvos. Não entendia o objetivo deles, mas eles precisavam manter o foco.

Logo o trio se encontrou com os jovens do lado de fora. Retornaram pelo caminho feito pensando no que presenciaram. O barulho de luta continuava a cortar a noite, mas os goblins precisavam voltar ao acampamento e se prepararam para o retorno e sua própria luta pela salvação da terra de seus ancestrais e aqueles do clã que dependiam deles.


Continua…

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Um Guerreiro de Honra #5 – Contos de Thul Zandull

Um Guerreiro de Honra – Parte V

 

A baixa ocorrida horas atrás ainda incomodava o grupo que restava, a preocupação com ira da fêmea ainda rondava a todos, a única distração em todo contexto de tensão era a dor muscular de carregar tamanho peso daquele javali de cascos brônzeos. Kine assumiu para si a responsabilidade de batedor, já que demonstrava naquele momento maior vigor que os companheiros de caça. Gadrak e Baas, mais experientes às dificuldades das jornadas tentavam forçar a marcha enquanto Gbada e Ogwe tentavam demonstrar sua resiliência ao enfrentar um terreno difícil, irregular de mata fechada enquanto nitidamente sofriam com a carga que carregavam, carga essa não só física, mas emocional. Sabiam que tinham cometido um grave erro ao desrespeitar as orientações do líder de caça. Percebiam pelos olhares rápidos de Gadrak que talvez houvesse arrependimento de tê-los trazido, algo que só ocorreu devido a falta de opções do clã, mal eles sabiam que na verdade o líder entendia que o fardo imposto aos jovens tinha sido exagerado e lamentava a perda precoce de um dos seus.

Mesmo com um clima de incerteza e pensamentos atormentados variados, os goblins chegaram a um ambiente cheio de pequenos montes cortados por raízes gigantescas e formações rochosas peculiares. Ouviam zumbidos altos nas copas frondosas que formavam um tapete verde majestoso acima de suas cabeças. A Mata Velha cativava a cada olhar, mas os sons e sentidos aguçados das pequenas criaturas alertava sobre os horrores que espreitavam naquele ambiente. 

Kine que estava mais a frente percebeu pequenos sinais na mata que indicavam território do povo que procuravam. Pequenos penduricalhos feitos de corda grossa e ossos que tentavam intimidar outras raças com presságios de mau agouro e maldições. O batedor respeitava estes objetos e demonstrou respeito se ajoelhando e fazendo sinais para que em breve ele e os demais companheiros pudessem adentrar aquele local sem que ameaças sobrenaturais se abatessem sobre todos. Logo os quatro que carregavam a caça chegaram ao ponto em que a reverencia ocorria e de maneira similar, porém mais rápida, também prestaram respeito. 

A marcha precisava continuar, mas a exaustão estava cada vez mais próxima. Havia agora revezamentos para que a preciosa caça pudesse ser ofertada rapidamente aos Kobolds. Gadrak tentava inspirar a todos, mas percebia que era um esforço grande demais. Faltava pouco para que as esperanças fossem renovadas, porém ao terminarem de subir a última colina antes da grande morada do povo escamoso perceberam que talvez os ancestrais os tivessem abandonado.

Abaixo deles era possível ver a grande formação de pedras irregulares que antes parecia uma poderosa fortaleza natural cravada entre as árvores milenares. Os kobolds eram criativos e a madeira vasta que ali jazia fora moldada a vontade deles, fechando as brechas entre as rochas, ampliando proteções oferecidas pela selva, porém algo que as criaturas ignoravam é que elas mesmas poderiam apenas ter se expandido a desejo daquela Mata Velha, sempre geniosa e sorrateira com aqueles que ali tentavam explora-la. Em algum momento aquela força selvagem sentiu um breve temor com os escamosos e então se sentiu compelida por presságios a acabar com a ameaça enquanto a mesma era controlável. 

Diante dos incrédulos goblins havia um emaranhado de teias cobrindo o que antes era a morada de um povo aliado. A madeira partida e os corpos dilacerados podiam ser vistos aquela distância pelos olhos treinados dos caçadores e a angústia tomou conta de todos. Eles acreditavam que aqueles mais próximos dos Humanos poderiam ajuda-los de alguma maneira. A sábia Akerele nunca errara em suas visões, então como aquilo podia ser verdade. 

Em meio aos questionamentos da dura realidade que se apresentava todos sentaram e ficaram por um momento distantes recuperando o fôlego e ao mesmo tempo aturdidos com as possibilidades que se esvaiam. Gadrak ficou pensando consigo mesmo que era o líder e cabia a ele qualquer decisão difícil. Se lembrou de como seu povo o respeitava por sua mente afiada e sua habilidade em inspirar, talvez tivesse sido líder a mais tempo se não fosse tão jovem. Foi então que compreendeu os sussurros da anciã de seu clã. As respostas poderiam ser encontradas ali, respostas sobre como enfrentar os invasores, todas estavam diante dele, imaculadas. A Mata Velha não retirara suas esperanças mas sim, propunha a eles um desafio, um jogo no qual suas habilidades seriam testadas e se vencessem sairiam mais experientes e preparados para erradicar os invasores. Chamou Kine e pediu que ele andasse em torno daquele local ameaçador analisando os perigos e possíveis entradas, depois chamou Baas e pediu que procurasse um refúgio possível para acamparem e recuperarem as forças. Para os dois mais jovens ordenou que começassem a limpar o animal abatido, tirando o couro com cuidado. Enquanto isso, começou a escalar uma das altas árvores que ali estava para organizar os pensamentos.

Do alto de um dos galhos, Gadrak observava a antiga morada dos kobolds, sentia uma espécie de iluminação enquanto estava ali solitário organizando as rápidas ideias que chegavam. O povo escamoso tivera contato com Humanos, aqueles lagartos tinham desejo por ferramentas e sempre se gabaram dos tesouros adquiridos com esforço. Eles poderiam ter boas armas e se o grupo que restava a ele fosse habilidoso poderiam entrar naquele emaranhado de teias e sair com objetos preciosos para enfrentarem novamente os invasores de sua terra. Tinham consigo couro e ossos do javali Brônzeo, além das placas do besouro gigante, somados e manipulados com boas ferramentas poderiam se tornar armaduras boas e leves. A mobilidade do grupo seria importante para enfrentar oponentes com tanto aço. Se entre aqueles corpos lá embaixo houvesse lâminas ou qualquer outro item que de alguma maneira providenciasse vantagem, não faltaria coragem aos seus para entregarem suas vidas pela proteção do clã. Ao mesmo tempo não sabia quantas aranhas existiam no emaranhado de teias, seria um perigo tremendo arriscar tudo naquele jogo proposto pela Mata Velha, mas não restara alternativas. Pensou no herói de seu povo e em como as provações o tornaram digno e honrado. Sabia consigo mesmo que poderia haver brechas para falhas.

Gadrak desceu da arvores e então notou que tempo havia passado, Baas já tinha retornado e estava ajudando os mais jovens na tarefa de limpar o javali e retirar o couro. Logo, ele explicou que encontrou embaixo de uns trançados de raízes uma proteção adequada para fazerem um acampamento. O líder ordenou que boa parte da carne fosse deixada ali, retirou os ossos necessários a efetivação dos planos futuros traçados a pouco e disse que a carcaça farta do animal garantiria que predadores pudessem ser apaziguados. Kine retornou e se juntou a eles na breve marcha até o ponto seguro. O local escolhido realmente permitia uma boa visão do ambiente, em um ponto mais alto onde as raízes moldaram-se em uma concha natural que provia cobertura. Se apressaram em camuflar o ambiente. Acenderam uma pequena fogueira, o máximo que o refúgio permitia, assaram a carne e começaram a conversar. O líder explicou que sua meta seria invadir o local e buscar objetos importantes com base nas lembranças que tinha, começando pela morada do coureiro e depois rumando para a tenda do ancião, precisariam ser rápidos para não terem perdas e obterem a chave para o confronto derradeiro que viria ao retornarem a seu lar. Kine complementou dizendo que talvez seria possível, haviam muitas aranhas gigantes no local mas a concentração era oposta aos locais que seriam visitados, o batedor citou que uma aranha maior que tudo que viu, rondava uma entrada de caverna que havia ao Sul do centro da aldeia escamosa, fato que levava as demais aranhas a ficarem em torno dela. Talvez teriam algum conflito, mas se fossem ágeis seriam bem sucedidos. Baas disse que poderia ajudar, lembrou que uma erva chamada urtiga de mosca talvez oferecesse leve proteção. Essa erva era usada para afastar insetos que eram comuns em locais de pesca, pensou que em demasia e cobrindo os corpos de todos pudesse causar repúdio as aranhas. Gadrak acrescentou que não eram aparentadas, os mosquitos e aranhas, mas que valia a tentativa, pediu que o mateiro tirasse o dia para procurar a erva e preparar o unguento. Aos mais jovens restou a tarefa de prepararem mais azagaias enquanto o líder e Kine revezariam a ronda.

Com mais um dia terminado, houve avanços sensíveis, o unguento estava preparado, três azagaias para cada caçador foram distribuídas e nenhum perigo novo surgira. Escolheram avançar a noite, pensando que talvez houvesse alguma vantagem, não levaram consigo peso extra além das armas, pois precisam ser rápidos. Kine desenhou no chão o caminho que fariam e Gadrak completou as informações apresentando onde estavam os dois pontos que visitariam. Com o plano traçado era chegada a hora de enfrentar o desafio, mas estranhamente os cinco ao se entreolharem percebiam que de alguma maneira vínculos fortes estavam se formando, a missão era maior que todos individualmente, se houvesse esforço mútuo haveria vitória na demanda que aceitaram.


Continua…

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Um Guerreiro de Honra #4 – Contos de Thul Zandull

Um Guerreiro de Honra – Parte IV

 

A jornada pela Mata Velha deveria continuar, o grupo passara um tremendo susto no embate com o besouro gigante, porém sabiam que deveriam continuar a jornada para caçar o javali de casco brônzeo. Após algumas horas de viagem, a mata à volta deles já era mais espessa, com o nome dado ao local remetendo aquelas surpreendentes árvores de copa frondosa que se estendiam como uma onda verde majestosa. Tudo ali fazia com que eles se sentissem mais pequenos do que já eram. Os troncos maciços eram largos, mesmo de mãos dadas, todos juntos não conseguiriam superar a circunferência daquele alicerce vegetal com centenas de anos. A fome já não era um problema, já que o besouro abatido continha um interior repleto de massa comestível e sabor agradável para os padrões goblins, podiam assim, manter o ritmo da caminhada, sem ter pausas para refeição. 

Já à tardinha, Baas percebeu sinais claros da passagem de animais, ao passo que Gadrak, analisou os rastros ao lado de Kine, ambos concluindo que tinham encontrado o que estavam procurando. Aqueles sinais demonstravam que estavam adentrando a morada de um casal sem filhotes, tendo em vista que o deslocamento das criaturas seria conjunto. Gadrak conseguiu extrair mais informações com seu olhar treinado e experiência de caça, julgando assim um tamanho e peso aproximados, que denotava um casal adulto de proporção levemente superior à média da espécie. Devido ao odor tênue, pôde ainda dizer que haviam passado por ali há pouco tempo, fato que daria a eles tempo para o preparo da armadilha. Logo, Gbada, Jajem e Ogwe começaram a cavar, usando suas mãos e as toscas machadinhas de pedra, precisam de um buracos largo de 50 cm de profundidade para colocar os pontas esculpidas de madeira, que lesariam a mobilidade de uma das criaturas permitindo que todos se abatessem sobre a caça. Os caçadores mais experientes disseram aos jovens que assim que terminassem deveriam subir nas árvores próximas e se esconder, passando em seus corpos o extrato da raiz roxa, enquanto eles próprios iriam seguir a trilha em busca do casal de cascos brônzeos. Assim fizeram.

Os três caçadores começaram sua busca pela trilha, lendo os detalhes e caminhando com cuidado prestando atenção a todos os sinais da floresta, a mata alta impedia visões a longa distância, mas confiavam em sua audição, furtividade e também na raiz roxa que poderia ser um fator decisivo contra outros predadores. Enquanto caminhavam improvisaram pequenos escudos com as placas de quitina retiradas do besouro abatido horas antes. Fizeram furos centrais nas pequenas placas por onde passaram pedaços de corda que seriam usados para segurar a barreira diante deles. Não era algo projetado para durar, mas poderia ser útil para garantir suas vidas em pelo menos uma pancada. Ainda, julgaram que o uso de fundas seria um recurso provocativo importante na estratégia que usariam, assim com as placas rígidas mais curvadas prepararam a cuia na qual as pedras poderiam ser acomodadas e atiradas, usaram cipós para fazerem as alças. Gadrak demonstrava domínio nesses ofícios. Agora; preparados; mantiveram os passos. Já à noite, perceberam que os rastros indicavam maior proximidade das criaturas, sinais de fezes frescas fizeram com que suas respirações e, enfim, seus corpos respondessem a um perigo iminente. Sentiam como se os músculos deles gritassem, ansiosos pelo embate ou pela fuga.

A escuridão nunca fora um inimigo da raça dos três, portanto continuaram sua aproximação, notando bem todos os detalhes do local que os circundava. Eis que ouviram o som de água corrente. Subiram cuidadosamente em uma árvore próxima e então viram o córrego no qual os dois fabulosos animais, se refestelavam. Puderam ver a coloração amarronzada das peles de ambos, com variadas cicatrizes, demonstrando os desafios enfrentados até chegarem a fase adulta, havia ainda pelos grossos e eriçados ao longo de suas colunas e aquelas afiadas e proeminentes presas, mortais a quaisquer seres que não respeitassem aquela fúria em forma de músculos que ali estava. Nesse momento, Gadrak fez gestos para que Kine se deslocasse para o ponto oposto de onde aguardavam e vigiavam. Deveriam aproveitar um momento em que ambos estivessem separados para um ataque conjunto que despertaria a ira, assim poderiam prosseguir com o plano. Seria uma boa distância de corrida, fato que fizera com que o trio já tivesse feito um combinado a partir das ideias de Gadrak, revezariam entre deslocar-se e separar-se, um misto de provocar e correr, contando com sua habilidade para escalar as árvores e usá-las como fonte de breve segurança. A criatura iria persegui-los e estaria cansada quando chegassem no ponto combinado, onde enfim abateriam o grande animal. 

Observaram atentamente, até que todos perceberam o momento em que a fêmea, de presas levemente menores e mais curvadas, começou a se afastar atravessando o córrego. Gadrak levantou vagarosamente o braço, na qual Kine viu a funda, o sinal que aguardava. 

Kine foi certeiro ao atirar a primeira pedra. A fêmea foi atingida no focinho e irritada se deslocou ao ponto originário daquela agressão, o macho iria segui-la caso não tivesse sido atingido por duas pedradas na cabeça, fato esse que desviou sua atenção. As criaturas se separam. Rapidamente os goblins aproveitaram os galhos grandes e seu leve peso para se deslocarem rapidamente por cima. Continuaram a atirar pedras certeiras à medida que o animal acumulava fúria e investia contra as árvores. Baas e Gadrak sempre paravam de se deslocar evitando perder o equilíbrio nestes golpes, aproveitavam ainda para demonstrarem suas presenças à criatura, provocando-a ainda mais. Enquanto isso, Kine seguia processo parecido, mas não apresentava sua presença, escondendo seu corpo com habilidade e seu cheiro graças ao extrato de raiz roxa. Sua intenção era distrair e ganhar tempo, pois a fêmea ficava irritada e atordoada com a situação. 

A dupla de caçadores continuou seu deslocamento preciso, com saltos curtos, mantendo a criatura num implacável ritmo de perseguição. Sabiam que Kine fizera bem sua parte e torceram para ele retornar em segurança. Mantinham e repetiam cuidadosamente suas atitudes, evitando cometer erros. A criatura demonstrou leve cansaço e já não investia como antes, para um caçador inexperiente aquele poderia ser um sinal errôneo de presa fácil, fato que se concretizou. Quando estavam bem próximos do buraco perceberam que os jovens goblins, ávidos pela emoção ou apenas inconsequentes, estavam no chão, confiantes apenas no extrato usado e em sua pouca habilidade de camuflagem. Gadrak pensou naquele momento que eles talvez quisessem provar coragem e seu valor diante dos mais velhos enquanto Baas pensava que os três eram burros demais para não seguir uma orientação clara. Esses breves pensamentos rapidamente foram seguidos dos gritos de ambos caçadores, que tentavam alertar sobre o perigo enquanto mantinham a atenção do poderoso javali. Foi em vão, a criatura tinha sido duramente castigada e seu cansaço foi suplantado ao ver presas; finalmente; a seu alcance. Sua fúria foi despejada violentamente em uma carga contra os goblins que acreditaram estar ocultos àquela besta que posicionava suas presas para um golpe fulminante.

Gadrak viu o momento em que Jajem foi atingido no peito, as presas perfuraram o peito do pobre jovem com tamanha força que o líder de caça sabia que costelas e órgãos se partiriam diante daquela violência, pode rapidamente ver nos olhos do incauto caçador, o desespero diante da morte e as lágrimas que escorriam em seu rosto. Lágrimas temerosas de um jovem intempestivo após cometer erros, porém aquele erro seria o último cometido por Jajem.  O goblin foi arrastado por alguns metros, enquanto todos ouviam enquanto ele se afogava em seu próprio sangue, sinal dos pulmões perfurados. Havia aquele som gorgolejante de pedido de socorro que impedia os movimentos de Gbada e Ogwe. Os dois ficaram parados, desesperados e atônitos com o que havia acontecido. O corpo do indivíduo atingido caíra, quando o javali balançou rapidamente a cabeça para se livrar do peso extra, fez uma pequena curva para iniciar nova investida. Não ouviram mais sons suplicantes de Jajem.

Baas e Gadrak sabiam que o medo levaria a vida dos outros dois. Sacaram suas azagaias, segurando-as com uma mão e com a outra prepararam os escudos improvisados. Saltaram corajosamente, gritando em direção aos jovens. Aquela ação surtiu efeito e impediu o exato momento de novo ataque do animal, que aparentemente avaliava a ameaça. Isto deu tempo para o líder de caça orientar aos berros os jovens a se afastarem. A voz firme dele fez com que Gbada e Ogwe recuperam-se momentaneamente o controle e se afastassem em direção a árvores próximas. O javali ao perceber a situação das presas iniciou seu movimento letal. Baas se posicionou e esperou até o último momento para tentar se esquivar, habilmente posicionou o escudo de maneira que as presas não o atingissem em cheio e que o golpe resvalasse a sua esquerda. Sua astúcia foi decisiva e impediu o ataque mortal, porém a força e o impacto foram tremendos que ele foi arremessado perdendo seu escudo e arma. Gadrak aproveitou então esse momento para escorregar do lado oposto ao ataque aproveitando para estocar a parte inferior da anca do javali, aquilo diminuiria sua velocidade e permitiria que eles tivessem maiores chances. O golpe foi perfeito e a azagaia penetrou fundo em uma parte em que o couro não era tão rígido, inclusive se partindo. 

O animal ferido sentiu o golpe e cambaleou. Gadrak não sacou armas, soltou seu escudo e pensou no buraco, precisaria de menos peso possível e todos os membros livres para adquirir velocidade e potência para ação que imaginava. O javali hesitou, mas pôs-se a enfrentar o desafio, focando toda sua ira no líder. 

A disputa começou, o goblin correndo em direção a armadilha, pensado que seria sua última esperança enquanto a fera sentia que enfim acabaria com seu agressor. Ambos, goblin e fera sentiam arder em seus corpos, fornalhas que queimavam ao máximo as energias em uma disputa férrea entre predador e presa. A Mata Velha já tinha assistido aquela disputa inúmeras vezes e logo Gadrak percebeu que não teria chances diante da robustez de seu algoz. Ouvia os cascos cada vez mais próximos e percebia que faltava pouco para que seu plano desse certo. Foi então que o líder ouviu um zunido; uma pedra atingiu o olho da grande besta. A dor, desequilibrou-a, fazendo com que o salto da presa pudesse ser dado, restando ao javali uma queda direta sob as pontas afiadas do buraco. 

Baas recobrou as forças no momento certo e não deixou seu bravo parceiro sozinho, sua habilidade com a funda fora fundamental. Assim que percebeu a queda do animal, recuperou sua arma de haste e segurou firme sua azagaia com as duas mãos enquanto se dirigia para o buraco. Gadrak, ao terminar seu salto, já se virou rapidamente sacando sua machadinha de pedra. Ambos caçadores ouviam o sofrimento do javali, pois a queda desengonçada fizera um grande estrago em seu dorso, com várias perfurações. Tal fato instigou os golpes precisos da dupla de caçadores, que agora conseguia desviar dos lentos e ineficazes golpes da fera. 

Kine alcançou a todos no momento do abate do animal. Demorou para afastar a fêmea e então cuidadosamente se deslocar furtivamente de volta, sabia que o fato de cortar o córrego atrapalha qualquer perseguição olfativa. Sua sensação de alegria no sucesso rapidamente foi cortada ao perceber os jovens próximos de um dos seus, caído em meio a mata.

Os três caçadores estavam cansados. Se aproximaram de Jajem enquanto Gbada e Ogwe olhavam tristes para o líder. Gadrak queria gritar, mas não havia tempo para aquilo ou mesmo para rituais fúnebres. Manteve sua mente clara e logo orientou os jovens a pegar cipós e organizarem tudo para arrastarem a caça, precisavam ser rápidos em se movimentar pois a fêmea ainda estava viva e poderia retornar. Não poderiam carregar a besta abatida e Jajem ao mesmo tempo, não poderiam desperdiçar forças mesmo para preparar uma fogueira fúnebre, não poderiam perder tempo em uma cova. Olhou para todos, não precisou dizer uma só palavra. A vida deles era dura e não podiam nem mesmo se dar ao luxo de lamentar suas perdas. 

Gadrak se abaixou e pegou os adornos do clã. Quando pudesse, cantaria por ele e em suas palavras exaltava a maneira como entregou sua vida pelos membros da família que aguardavam em seu amado lar, iria ignorar a exaltação de sua tenra idade, sua memória não seria manchada pelo ímpeto, Jajem pagou com a vida e sua barganha seria usada para alimentar canções de caçadores e doutrinar aqueles que nasceriam. 

A jornada precisava continuar e o grupo dos cinco se afastou rapidamente sem olhar para trás, deixando Jajem ao abraço acolhedor da Mata Velha.


Continua…

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Um Guerreiro de Honra #3 – Contos de Thul Zandull

Um Guerreiro de Honra – Parte III

 

Chegaram finalmente no local de descanso já tão aguardado; no monte Trinca osso; já a tardezinha. Os três caçadores mais experientes Gadrak, Baas e Kine sentiam seus músculos retesarem de maneira dolorida, cada passo dado fazia com que eles tivessem que manter a firmeza, suportando a dor da subida. Os jovens Gbada, Jajem e Ogwe percebiam que seus guias necessitavam de repouso, mas também se lembravam que havia honra e dignidade em jogo, fato que os levava a contemplarem tamanha demonstração de resistência, bem como, respeito pelos caçadores mais velhos. 

Ao chegarem próximo ao cume, logo procuraram a pedra, que ao ser deslocada, revelava uma caverna digna e segura. O ponto alto da trilha, poderia ser usada por animas e por isso o uso da pedra era necessário para sempre terem um esconderijo seguro para quaisquer situações. Empurraram levemente a rocha, de maneira que apenas uma fresta fosse revelada e usada para adentrar o ambiente. Lá dentro haviam frestas variadas no teto e até pequenos raios de luz poderiam cortar a escuridão senão não fosse a chegada da noite. Gadrak então indicou aos mais jovens que descessem pelo lado oposto de onde estavam, pois lá veriam um pequeno lago natural formado por uma nascente de um morro próximo. Neste ambiente, pequenos animais poderiam se aproximar, além disso havia um fungo que crescia próximo ao lago, que permitia a obtenção de um cogumelo grande e comestível ou ainda pequenos insetos. 

Quando os mais jovens saíram, a noite já caía, momento usado pelos três goblins mais experientes para acender uma pequena fogueira, já havia no local estoques de gravetos que poderiam mantê-los aquecidos. Aproveitaram para se recostarem em pedras curvadas que naquele momento ofereciam um conforto e alento aos corpos castigados. Não houve conversa, todos sabiam que a manhã seguinte seria tensa, devido a urgência da caçada e sua dificuldade. A Mata Velha oferecia perigos variados e caso não mantivessem os sentidos aguçados  poderiam se tornar presas de outros animas, criaturas ou ainda gigantescos insetos que viviam naquele ambiente místico e antigo. Os javalis de casco brônzeo eram ariscos e tinham presas afiadas. Os caçadores antigos que tiveram adornos feitos com os cascos, apresentavam com orgulho tal troféu que afirmava a habilidade em caçar e a coragem em enfrentar este grande animal. Gadrak estava pensativo, pois a melhor oportunidade seria primeiro encontrar o casal de animais, torcer para que não houvesse filhotes, já que isto instigaria os instintos mais agressivos da fera, separa-los e então focar esforços no macho, enquanto a distância, os mais jovens já teriam deixado uma armadilha preparada. Em seus pensamentos tudo parecia claro, porém sua experiência indicava que nessas situações sempre havia problemas inesperados que levavam muitos caçadores a um fim prematuro. Além disso, precisavam eles estarem descansados, para o embate de resistência que travariam com um animal musculoso de instintos afiados.

Os jovens retornaram com cogumelos, água e uma quantidade razoável de grilos e insetos gordos de sabor forte. Aquilo era um verdadeiro banquete e todos agradeceram e dividiram igualmente as porções. Fecharam a pequena passagem e descansaram.

Despertaram antes do Sol nascer, se organizaram e começaram a jornada para sudeste, rumo a Mata Velha, momento no qual Gadrak começou a explicar o plano. Ao chegarem à mata, rastreariam trilhas usadas pelo grande javali, animas territoriais, momento ao qual escolheriam um ponto, para então cavarem e fazerem um fosso com pontas afiadas. O buraco não precisaria ser fundo, mas deveria comportar pontas afiadas de cerca de três palmos de sua mão, vários destes objetos seriam suficientes para minar as forças do javali, que então seria abatido por golpes firmes de azagaia. O problema principal seria chamar atenção de um destes, para que viesse na direção certa. Enquanto explicava, um dos jovens caçadores sugeriu o uso de uma isca, mas Gadrak logo o corrigiu, citando que os javalis de casco brônzeo tinham olfato e audição apuradas, situação na qual deveriam manter sua ira ativa, de maneira que suplantasse seus sentidos. Ele continuou explicando que esse era o real motivo da dificuldade desta caça, citou ainda que precisariam usar extrato de raiz roxa para amenizar seus cheiros e ter maiores chances de sucesso. Com as explicações dadas, continuaram sua jornada.

Pouco depois de duas horas, de descida em ângulo suave, perceberam a mudança gradativa do ambiente, com o surgimento de arvores esparsas e porções cada vez menores de pedra. Aproveitaram este ambiente para cortarem galhos grossos com suas toscas ferramentas. Enquanto andavam, iam afiando e preparando os objetos de madeira que seriam usados na armadilha, além disso aproveitavam também galhos grandes, muito ramificados, porém leves para fazer a cobertura que seria preenchida com folhas. 

Baas era um bom mateiro e conhecedor de ervas, logo percebendo que estavam em uma área no qual poderiam encontrar a raiz roxa. Enquanto estava ocupado nisso, os demais aproveitaram para fazer mais pontas afiadas para armadilha. Minutos depois ouviram um grito desesperado. Rapidamente armaram-se com as azagaias; longas lanças esculpidas em madeira, com pontas mortais; e correram de encontro ao grito. Diante deles havia um inseto pavoroso e grande, um besouro recoberto com uma carapaça negra que reluzia com as luzes do Sol, tinha altura equivalente a dois deles e um comprimento quatro vezes maior que isso, sua presença instigava instintos de auto preservação. Baas correra e subira em uma árvore dizendo que a criatura surgirá debaixo da terra se abatendo sobre ele sem que tivesse chances. As pinças afiadas proeminentes da cabeça, se mexiam ferozmente e antes que pudessem se dar contar, passaram de caçadores à caça em questão de segundo.

Gadrak manteve sua postura firme, deixando sua azagaia firme a sua frente, preparado para apoiá-la no chão, caso o ser investisse contra ele, ordenou que os demais cercassem o gigante besouro, distraindo assim sua atenção de maneira que todos pudessem estocar rapidamente e então recuar, Assim fizeram, mas a criatura mantinha seu foco em Baas. Assim que o besouro começou a se deslocar para a arvore na qual ele tivera subido, todos arremessaram suas azagaias, nenhuma cravou firme na criatura. Suas defesas naturais pareciam ser feitas de placa intransponível. Desesperados todos sacaram novas armas e se prepararam para a luta próxima. A coragem dos mais jovens vacilou e mesmo de posse de machadinhas com lâminas de pedra lascada não conseguiram avançar. Kine e Gadrak investiram com fúria, com gritos de guerra, fazendo uma forte parábola com seus braços ao golpearem firmes a criatura. Houve efeito nestes golpes e um movimento daquele ser gigante de um lado para outro indicará que despertaram a atenção da criatura. Baas aproveitou a oportunidade e saltou da arvores com sua azagaia em uma posição vertical perfeita. O golpe perfurou fundo a carapaça acima atrás da linha da cabeça. Tal golpe fez o titânico besouro vacilar e então os jovens encorajados pela vantagem avançaram gritando e saltando sobre o corpo gigante. O Besouro se mexia de um lado para outro enquanto recebia repetidos golpes de todos. A firme armadura natural não resistiu a repetidos golpes vindo de várias direções e logo a ameaça não mais se movia e os goblins puderam dar brados pela vitória obtida. 

Agora tinham comida e ânimos renovados com aquele encontro. Kine disse que as placas poderiam ser usadas e talvez úteis na caçada que estava por vir. Falou a Gadrak que poderiam fazer escudos ou talvez algum tipo de armadura. O líder disse que armaduras seriam inviáveis no momento, mas escudo improvisados seriam bons. Baas voltou a procurar a raiz e logo trouxe o suficiente.

Apesar da surpresa, talvez aquele encontro tivesse sido fortuito, talvez seus ancestrais estivessem de fato apoiando-os de algum jeito. Pensou que porções deste besouro e suas placas somadas ao poderoso javali dobrariam mais facilmente os Kobolds. 

Enfim, podiam saborear a breve vitória.

 


Continua…

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Um Guerreiro de Honra #2 – Contos de Thul Zandull

Um Guerreiro de Honra – Parte II

 

Gadrak chegou a sua aldeia após uma marcha forçada que exaurirá suas forças e a de seus dois companheiros. A entrada da aldeia ficava em uma pequena cadeia de montes rochosos escarpados, uma trilha sinuosa com vigília constante de membros mais jovens de seu povo. O agora líder, via aquele caminho com potencial para uma defesa desesperada, caso tudo desse errado. Ao chegar deparou-se com o círculo formado pelos paredões de pedra nos quais os hábeis membros de seu clã haviam esculpido e trabalhado as cavernas até se tornarem ambientes agradáveis para se morar. Havia escadarias e caminhos elevados de madeira, bem como pontes pênseis amarradas com cordas que permitiam trânsito entre as moradas, que situavam-se a diferentes níveis do chão. Era nítido que o local acomodaria mais membros de seu povo, mas infelizmente seu clã já sofrera pesadas perdas ao longo dos meses. Enquanto sua mente divagava nas possibilidades em relação aos invasores, dirigiu-se ao centro da aldeia onde a grande fogueira permanecia acesa e olhou os totens esculpidos de seus ancestrais. Receberá deles uma grande dádiva, sua mente trabalhava mais rapidamente que os demais goblins, inquietava-se com ideias variadas e com questionamentos estranhos. A anciã sempre lhe dissera que havia recebido uma graça e uma maldição no dia de seu nascimento, mas Gadrak; apesar de respeitar as tradições; acreditava que ele mesmo poderia forjar seu destino e que as falas da velha e sábia goblin eram geradas de sua observação e experiências que passara em tempos distantes. 

Gadrak fez os gestos cerimoniais na fogueira; algo repetido pelos seus companheiros; todos foram até a sábia goblin Akerele. Ao entrar pediu a benção dos espíritos, respeitando o ambiente e as crenças antigas e após permissão começou o relato. O ambiente no qual estava inspirava poder, havia ossos, patuás e ídolos de barro, um cheiro de incenso de ervas com aroma forte junto de uma tênue fumaça se espalhavam pelo local. Akerele vestia peças de corpo com adornos variados, pequenos objetos, pedras brilhantes e outros itens da natureza que simulavam uma armadura forjada pela vontade, pela fé inabalável de muitos anos de existência. 

Suas palavras; quase que pronunciadas em um transe místico; diziam que os invasores carregavam consigo a mesma fome insaciável dos antepassados e dos membros vindouros dos povos Humanos, uma fome que nenhum alimento pode conter, uma fome que urge com a ânsia de conquista, uma fome de morte e de dominação.

Gadrak se lembrava de seu pai contando como os Humanos adoravam as pedras de cor dourada. Ele dizia que a cada temporada de caça pediam permissão a Três Cortes para retirar de sua morada, pequenas quantidades da pedra. Uma parte delas era usada para trocas feitas por antigos viajantes de seu povo. Infelizmente isto não mais ocorria, pois era comum que acordos com goblins terminassem com a morte daqueles que humildemente apenas pediam trocas justas pela pedra dourada sagrada de seu povo. Enquanto se lembrava dessas histórias imaginou que os invasores, talvez também tivessem seus sábios de mente apurada que se lembravam desse período. Talvez a fome não tivesse sido saciada pelos viajantes goblins que tiveram suas vidas e as pedras sagradas levadas e agora estavam ali, mais desejosos do que nunca, por aquilo que tanto valorizavam. 

Precisava rogar na caverna Sagrada por iluminação, precisa dos sussurros do grande herói de seu povo, mas também queria entender melhor seus inimigos e pensou em outro povo, que vivia distante, mas que teve mais contato com os Humanos. O povo de pele escamosa avermelhada, tão pequenos quanto eles, de parentesco distante com os grandes lagartos antigos que voavam e a tudo devoravam. A sábia chamava-os de Kobolds. Precisaria levar uma bela oferenda antes que pudesse ser recebido e fazer suas perguntas. Não podia perder tempo, pois os invasores, mesmo não conhecendo os perigos e trilhas antigas logo chegariam a seu local sagrado e depois se encarregariam de dominar seu povo. 

O agora líder pediu a velha goblin que usasse seus unguentos curativos e pediu aos seus que se armassem e pegassem recursos para a viagem. Solicitou a três jovens que se juntassem ao grupo de adultos e rapidamente os sagrou caçadores com os ritos rápidos sucedidos pelas dádivas de Akerele. Gadrak pensou que não era a situação ideal, mas já havia certo conhecimento de sobrevivência dominado por aqueles jovens e precisaria de mais mãos para enfrentar o desafio.

Partiram cerca de três horas depois que chegaram, o cansaço e dores musculares os acompanhavam, seu grupo agora contava com os sobreviventes Baas e Kine, bem como os jovens Gbada, Jajem e Ogwe. Enquanto viajavam usando as trilhas mais perigosas, porém mais rápidas, contava tudo aos membros de seu grupo de caça. Iriam rapidamente a morada Sagrada de Três cortes e depois perto do anoitecer, acampariam no passo do cume Trinca Osso, os mais jovens e revigorados forrageariam ou caçariam o que pudessem para manter a força do grupo, em seguida viajariam um dia a sudeste em busca da Mata Velha, onde poderiam caçar os grandes javalis do casco brônzeo. A caça inteira seria ofertada a tribo de Kobolds da Mata Velha em troca de informações sobre o povo dos Humanos e de talvez a chance de trocas necessárias com a pedra sagrada que também seria levada. Daí em diante, não havia detalhes, pois só estes passos já seriam desafiadores o suficiente. 

Chegaram a caverna, esbaforidos, mas determinados. Gadrak olhou a sua volta e diferente do dia anterior no qual descansara ali, adentrou a caverna, na qual haviam toscas esculturas de seus antepassados, pinturas nas paredes e muitas fendas de onde a pedra dourada sagrada brotava. Ao fundo, depois de tantos metros, sem a dificuldade da escuridão, via ao fundo a perfeita estátua de Três Cortes, em uma posição selvagem de ataque. As histórias de seus antepassados diziam que este herói de seu povo se aventurou em terras distantes, lutando ao lado de vários povos guerreiros. Seu maior feito teria sido um desafio pavoroso contra um touro de pedra que assolava o Norte, havia sido o último sobrevivente do combate, mas segundo as histórias o bafo desta terrível criatura transformava a pele em pedra, ceifando assim a vida de qualquer um. Um antigo seguidor do herói presenciou a luta e após o embate trouxe consigo seu antigo mestre petrificado daquelas terras distantes, dando início assim a nosso clã em homenagem a este grande goblin. A estátua era notável, podíamos ver que seu porte e armamentos eram dignos de histórias heroicas e todos de seu clã buscavam sussurros deste notável, esperando assim seguir trilhas dignas de seu passo glorioso, agora Gadrak estava ali, buscando orientação. Ajoelhou-se, solitário e orou por forças e ajuda neste desafio difícil. Não queria que seu clã findasse. Chorou sozinho na escuridão, não ouviu palavras, não ouviu nada além dos sons da caverna e diante de si, pensou que em algum momento aquele herói tivesse sentido medo, mas a diferença entre ambos era que seu antepassado, subjugara aquele temor e seguira em frente desafiando o mundo com suas duas adagas afiadas e sua presença inabalável. 

Gradrak agradeceu pela inspiração, ficou contemplando o semblante daquela grande figura de pedra e ao se levantar pensou que lutaria até suas últimas forças para proteger seu clã. Uma jornada o esperava e sua primeira vitória contra o medo já o tornava mais forte.

 


Continua…

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Um Guerreiro de Honra #1 – Contos de Thul Zandull

Um Guerreiro de Honra – Parte I

 

O guerreiro despertou com dores agudas em suas costelas e com a cabeça latejando após o embate ocorrido na noite anterior. Para ele o plano não tinha falhas. Atacar os invasores das terras milenares de seu clã era algo necessário segundo o credo de seu povo, aproveitar o manto noturno da grande mãe era propício para assegurar vantagem. 

Enquanto despertava com suas dores o guerreiro ficou pensando ali; naquele ambiente pedregoso e acidentando; o que de fato havia acontecido. Olhou para os lados e percebeu que em seu grupo de ataque só restavam dois dos seis que haviam partido da pequena aldeia. Não entendia o que os invasores queriam naquelas pobres terras, pois pouco espaço havia para cultivo naquela morada selvagem repleta de pedras afiadas de tamanhos variados. Seu avô havia contado muitas histórias sobre os colossos que vagavam pelo mundo em tempos antigos, fato que o levava a comparar as trilhas com veias sinuosas, hoje usadas habilmente pelo clã para fluir pelo corpo deste que talvez; um dia; tivesse sido uma destas criaturas fantásticas daquelas histórias contadas por seu avô. Apesar de não ser o líder deste grupo, já ganhara renome em batalhas anteriores e seus parceiros olhavam com respeito aquele entre eles, com a mente mais aguçada.

O guerreiro levantou-se e foi até os feridos que jaziam ali com leves luxações da noite anterior. A mente dele reconstruía as orientações recebidas pelo líder que consistia em usar o passo de Pedrafiada para emboscar os invasores enquanto utilizavam um pequeno promontório para armar acampamento, como a noite não seria um incomodo para os adaptados olhos do grupo de caça, separados em dois segmentos, poderiam surpreender todos que tentavam conspurcar a sagrada morada. O ataque ocorreu assim que todos estavam desprevenidos e prontos para descansar da jornada. Haviam dois homens magros, altos e esguios de vestes espalhafatosas com detalhes brilhantes e adornos variados, aparentemente sem armas. Uma mulher robusta e forte, munida de escudo de madeira reforçado com abas de aço e rebites, portando uma pesada armadura de aço que cobria seu peitoral estendendo um saiote de malha pelas pernas, podia-se ver ainda que por baixo da placa havia malha de mesmo material e vestes pesadas de couro grosso. A mulher parecia excepcionalmente forte para carregar tamanho peso e por fim mais dois homens com armaduras de couro curtido reforçados com tiras de metal, sem escudo. Os três usavam espadas de bom material, bem afiadas e reluzentes. 

O ataque começou com uma saraivada de azagaias. Todos os ataques focados nos mais frágeis, sem armadura. Por estarem se preparando para o descanso, a lutadora mais equipada retirava suas placas com auxílio de seus companheiros quando a batalha começou. 

Três azagaias acertaram em cheio o peito de um dos esguios homens que tombou rapidamente. Mesmo sem tempo para recolocar a placa, a mulher gritou ordens aos homens que se colocaram em posição de defesa do frágil homem sem proteções corporais. Com a brecha, aproveitaram a oportunidade e investiram, sacando seus machados talhados em ossos afiados. O líder dos agressores também gritou orientações e sentiram os antepassados imbuírem seus corpos de vigor sobrenatural. Apesar do ataque tentar flanquear a posição inimiga, foram rapidamente rechaçados com uma defesa forte da mulher, que se moveu de maneira a evitar golpes em pontos vitais, deixando apenas malha e couro para as lâminas das toscas armas. Já seus dois parceiros não puderam evitar a carga e logo já estavam abalados diante de cortes profundos que sangravam. Foi então que tudo mudou abruptamente diante dos olhos de todos. O homem frágil fez leves gestos no ar com uma das mãos enquanto buscava em sua bolsa de couro pequenos penduricalhos feitos com pequenos elos prateados adornados com pedras brilhantes, entoou palavras de comando aos espíritos elementais e estes o atenderam. Repentinamente uma língua de fogo, semelhante a um chicote serpenteou de sua mão, movendo-se em direção a três dos pequenos atacantes, dentre os quais, estava o líder. As chamas lamberam seus corpos e como todo espírito do fogo, ávido e impestuoso, logo estava a consumir mais e mais os corpos de todos os acometidos por aquele poder destrutivo. Estupefatos com tamanho poder começaram a recuar e para espanto geral o primeiro homem abatido pelas azagaias começava a lentamente se levantar irradiando uma luz dourada que se espalhava por todo seu corpo, não haviam mais ferimentos e aquela iluminação forte feria os olhos dos sobreviventes.

Com o antigo líder caído em chamas, o guerreiro assumiu voz de comando e ordenou o recuo. Enquanto corriam ouviram mais uma vez a voz do portador das chamas, dessa vez clamando pelos espíritos da terra para retaliarem tal investida. Novamente o pedido fora atendido e logo os sobreviventes viam se cercados por estilhaços de tamanhos variados de pedra. Apesar da sobrevivência, todos estavam muitos feridos e então decidiram recuar para o local mais sagrado que conheciam, dentro das rochas do Sagrado Três Cortes.

O guerreiro voltava a si enquanto trazia esses pensamentos dolorosos, tristes por ver que os elementos favoreciam os invasores de seu lar, enquanto meditava sobre o que fizera de errado para merecer tamanho castigo. Toda essa torrente foi amenizada enquanto começava a caminhar para o pequeno riacho em busca do musgo brilhante que poderia amenizar as dores dele e dos seus. 

Ao chegar até o riacho viu seu reflexo e contemplando sua pele verde, nariz pontiagudo e longas orelhas típicas do povo goblin, respirou fundo diante das tatuagens em seu rosto que representavam honra e coragem para seu povo de pequena estatura. Olhou seus brincos saqueados em lutas gloriosas e pensou consigo mesmo que podia ser muito mais. 

Chegava a hora de proteger sua família com sua mente afiada e tomar as rédeas da situação. Os invasores altos de pela clara iriam se arrepender quando Gadrak, de fato se tornasse aquilo que seus antepassados viram nas fogueiras no dia de seu nascimento.

Gadrak respirou fundo, ele era o guerreiro e agora líder dos sobreviventes. Pensou consigo que não poderiam fazer nada em apenas três e que deveriam estar mais bem preparados para abater rapidamente os dominadores de elementos. Imaginou que cinco jovens não iniciados na vida adulta, poderiam ser um número importante; apesar da inexperiência; para sanar a lacuna deixadas pelos mortos. Dessa maneira deveria se apressar pelas trilhas secretas, chegar a sua aldeia e buscar forças. Só então partiria para o coração do local sagrado onde estava para buscar orientações de seu antepassado Três Cortes. Não deveria ir agora, pois precisava da purificação da anciã de seu povo. Havia urgência em tudo e logo pôs se a marchar chamando seus dois parceiros de luta. 

Muito dependia dele, crianças, mulheres e anciões. Todo seu pequeno clã goblin, agora iria depositar suas esperanças em seus ombros e ele sabia que não iria e nem poderia desapontá-los…

 


Continua…

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