Cordel do Reino do Sol Encantado

Cordel RPG – Aventuras Fantásticas no Sertão Nordestino

O Cordel do Reino do Sol Encantado, ou simplesmente Cordel RPG, foi criado por Pedro Borges entre 2020 e 2021, com o financiamento coletivo, no Catarse, bem sucedido no final de 2021. É um jogo de RPG ambientado na região do cangaço nordestino, seu pano de fundo é início do século 20. Na obra, Pedro trouxe uma perspectiva com base em três obras clássicas da literatura brasileira: Os Sertões, de Euclides da Cunha, Grande Sertão: Veredas, de Graciliano Ramos e O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna.

Para compor a proposta gráfica do jogo, o autor se inspirou no formato de cordel, tanto físico quanto conceitual, o tamanho A6 (que é uma folha sulfite/offset dobrada ao meio duas vezes). O livro também foi escrito em rimas, porém, não com as métricas do cordel e sim espelhadas no repente que, segundo o autor, foi um dos gatilhos do jogo. Após ter assistido a apresentação de dois repentistas percebeu que dava pra fazer algo com essa cultura do repente. Esse formato tão peculiar e inusitado tem um poder muito grande de imersão. Aliás, é um dos livros mais imersivos que já li. Aqui, no Cordel RPG, o Mestre é chamado de Contadô, pois o autor também faz tanto uso desse português falado quanto dos regionalismos.

Os Cordéis Básicos, ou Edição Compilada

O Cordel RPG é composto por seis volumes básicos ou um volume só, que é na verdade a compilação desses seis. Os volumes são:

O Cordel do Reino do Sol Encantado

O primeiro volume, que traz a ideia, a ambientação e uma parte das regras.

O Povo do Sertão do Tempo de Então

Que traz classes de personagens, com as quais é possível jogar.

O Grande Elenco Político e um Pouco do Mundo Mítico

Que traz mais classes de personagens, porém são classes de prestígio, ou seja, não jogáveis, pois envolve personagens de cunho político e mítico, como o Coroné da fazenda, ou o Saci Pererê.

O Reino do Cangaço Forjado a Bala e Aço

Que traz com mais profundidade o tal Reino do Sol Encantado. Aqui vemos descrição dos estados que compõem o cenário e temos regras para comunidades, que é um conceito muito forte e interessante do Cordel RPG.

O Punhado de Tabelas para Aventuras Singelas

Esse capítulo vem com uma proposta de trazer várias possibilidades de aventuras, temos várias tabelas com ideias que podem ser desenvolvidas na hora e sorteadas pelo Contadô.

O Auto e o Calvário do Jogador Solitário

O livro te oferece uma modalidade solo também, onde você tem toda uma estrutura de tabelas e pequenas regras para que possa jogar sozinho. E neste volume, vemos o desenvolvimento das mecânicas do jogo para funcionar nessa modalidade. Temos várias tabelas e regras que funcionam melhor para esse tipo de jogabilidade.

Esses seis volumes são encadernados em formato de cordel, com capas coloridas tal como se vê um cordel de verdade mesmo. E para quem quiser, tem o volume compilado, intitulado   que conta com todos os seis volumes compondo um livro só. Cada um tem seu charme, obviamente.

Só com esses 6 volumes, ou o compilado, você já pode viver muitas aventuras. E o Cordel RPG é muito bem apoiado por um total de 19 suplementos, que contabilizando os seis volumes básicos, totalizam 25 cordéis que trazem aventuras prontas, comunidades, criaturas míticas, vilões e mapas. Enfim, tudo muito bem aparado em termos de cenários, aventuras, regras, enfim..

O Sistema

O sistema é muito simples, principalmente para a construção de personagens, é baseada em arquétipos quase prontos, você complementa algumas coisas mais específicas, como personalidade, história e rola os dados para checar seu nível de relacionamento com as outras personagens, essa regra é muito bacana pois já permite começar com sentimentos, pelos colegas, que podem ir do ressentimento à gratidão. Assim, ao discutir com a mesa sobre como surgiram esses sentimentos, você já consegue criar uma prequela que conecta todas as personagens. E em poucos minutos você já monta o seu boneco e está pronto para viver aventuras no sertão nordestino.

Para iniciar, você escolhe uma alcunha, que é mais ou menos o nome, porque o jogo brinca com essa coisa de apelido misturado com nome. Escolha uma classe, que geralmente indica um lugar na sociedade, pode ser cangaceiro, padre, beata, jagunço, enfim, tem muitos outros.

Os atributos são 6; Peleja, Ligeireza, Esperteza, Estudo, Parrudice e Valentia. E podem variar entre valores de 1 a 6, sendo marcados na ficha em forma de bolinhas. E cada bolinha te dá um dado para suas ações, sejam elas físicas ou mentais.

Como Jogar

A mecânica usa o d6 como dado padrão. Com resultados entre 1 e 3 você tem uma falha, com resultados entre 4 e 6 você tem um sucesso, sendo o resultado 6 um valor explosivo, ou seja, toda vez que sai um 6 você rola mais um dado. Com 3 sucessos em uma única rolagem você consegue maestria suficiente para realizar uma façanha.

O mais interessante do sistema é a pilha de dados, em que os eventos vão sendo desenvolvidos e resolvidos de cima para baixo, ou seja, quem entra por último sobrepõe quem entra primeiro, o que gera uma hierarquia envolvendo suas ações e a quantidade de sucessos que tirou na jogada.

Na hora do combate não tem iniciativa, cada uma das pessoas envolvidas anuncia a sua ação, descrevendo o que vai fazer, e em seguida rolam os dados já para o ato em si. Quem tirar uma maior quantidade de sucessos vai agir primeiro, resultados empatados agem simultaneamente.

Outra parte do sistema são as vantagens, comparando com outros jogos, as vantagens também fazem esse papel de perícia, podem denotar uma coisa que você faz muito bem, uma mania ou hábito, algo que justifica a sua classe de personagem, a forma como você é percebido pelas pessoas. Cada classe de personagem já vem com certas vantagens atreladas à elas, porém, para diferenciar personalidades e pessoas com a mesma classe, você pode escolher mais uma vantagem, que melhor couber ao seu conceito de personagem.

Algumas Críticas ao Cordel RPG

Como nem tudo são flores, trago agora algumas coisas que me incomodaram no jogo. Essa, obviamente, é a MINHA opinião sobre o CORDEL RPG e ela está partindo sempre da minha relação com o jogo, como leitor, jogador e contadô, e eu sei que você tem a sua, você pode compartilhar se quiser. Provavelmente, algumas pessoas não tiveram essa mesma dificuldade.

Jogo Linguístico

Bom, vamos lá. Um dos principais fatores foi o texto, que apesar de muito bem feito, e feito com muito esmero, causa certa dificuldade para compreensão das regras de forma mais clara, pois o autor precisa fazer um malabarismo com as palavras para que elas se encaixem na métrica que ele desenvolveu para compor a obra.

Exemplificação

O livro básico (ou os seis cordéis básicos) não traz muitos exemplos de jogo, nem descreve com mais nitidez muitas regras importantes. A regra de rolar 3 sucessos de uma vez, que te garante uma façanha, é mencionada em uma única linha de texto com sete palavras. A própria estética do livro (ou livros) sacrifica o modelo clássico de tabelas, o que faz com que elas sejam escritas em forma de texto, o que para consultas não é muito legal.

Encadernação

Outro detalhe que me incomodou em relação à Edição Compilada, o livro físico em si, foi a encadernação apertada que não permite deixar o livro aberto em cima da mesa, mesmo ele sendo encadernado em costura. Durante a jogatina, é bem ruim na hora de consultar as regras e se localizar no conteúdo. Para agilizar essa parte, precisei fazer várias fichas com as informações que mais precisava durante as sessões.

Claro, entendo super que o autor preferiu sacrificar, ou melhor, fazer de forma diferente, algumas coisas mais convencionais preconizadas em livros de RPG com a intenção de compor de maneira ideal a estética e o design do jogo. Como jogador tive bastante dificuldade com o sistema de combate, que ao meu ver, foi a parte mais afetada. E o sistema é incrível e roda super redondo. As regras mais simples são fáceis de pegar, contudo, quando se trata de combate, as coisas ficam mais nebulosas. Nas regras de comunidades também, pois o Cordel RPG permite que você construa uma comunidade, com ficha e tudo mais, que pode cair na porrada. Isso é genial. Porém, também ficaram meio nebulosas.

Concluindo

Como é de praxe na língua portuguesa, o “mas” sempre carrega o argumento mais forte. Não à toa me privei desse recurso até agora para deixá-lo pro final, sendo assim vamos ao “mas”.

Mas com toda certeza, um dos grandes deslumbres desse RPG é a questão decolonizadora, que traz um viés totalmente na contramão dos jogos mais comuns e de maior sucesso do mercado. Aqui não temos palácios, cavaleiros, halflings, magos, etc. Em contrapartida, temos mocambos, cidades, cangaceiros, lobisomens, corpo seco, temos o valentão do bairro, a dona da bodega, procissão de beatas. É de cultura brasileira regional que estamos falando e tudo isso é muito bem representado na obra toda.

O que Pedro Borges retrata nas páginas do seu Cordel RPG é um Brasil mágico e ao mesmo tempo incrivelmente tangível. A História está ali presente, seja nas páginas, na cultura, no vocabulário e principalmente nos suplementos lançados posteriormente, que adaptam cidades famosas, como Joazeiro, Piranhas, criaturas cutulescas, criaturas folclóricas, tudo feito com muita criatividade e estudo. O resultado é uma obra linda e, talvez, uma das mais singulares do mercado nacional de RPG.

Para mais informações sobre o Cordel do Reino do Sol Encantado você pode acompanhar pelo Catarse mesmo. Atualmente o autor, Pedro Borges, está lançando um novo Financiamento para tornar físico mais 5 cordéis da galeria dele, que conta com 19 cordéis apenas em formato digital.


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