Bárbara Côrtes é criadora do Movimento Labareda, Coordenadora da Área de Games da Copag e co-fundadora da Liga Brasileira de Mulheres Tabuleristas e foi entrevistada pelo Movimento RPG após convite no DOFF 2023
Entrevista
Primeiramente, Barbara, muito obrigado por aceitar fazer está entrevista e por poder participar aqui, e eu gostaria que você se apresentasse e dissesse um pouco mais sobre você e sobre o seu trabalho.
Em primeiro lugar, muito obrigado pelo convite! Fico muito lisonjeada.
Meu nome é Barbara Cortês e o Movimento Labareda é uma produtora cultural que eu abri para dar conta de projetos culturais relacionados a jogos de mesa modernos, principalmente, mas também a linguagens culturais urbanas que constituem nichos culturais com projetos que já estavam rolando. Eu eventualmente fazia alguns através da Liga Brasileira de Mulheres Tabuleristas, que foi refêrencia para mulheres do mundo dos jogos do ano de 2020 até o final de dezembro de 2022. Foram três anos muitos bonitos em que estive envolvida com a Liga.
Por ser antropóloga eu tinha muito essa pegada, particularmente, de compreender os comportamentos de mundos de nicho na cidade grande. E um dos mundos que me chamavam muito a atenção era dos jogos offline, chamados de jogos de mesa, que está crescendo para caramba mas ainda é uma coisa que a gente considera um nicho. Mas o objetivo da Labareda não só é difundir essa linguagem para a população em geral, mas mudar a visão e a percepção sobre ela nas instituições, particularmente do governo inclusive e também no imaginário popular.
Deslocamento Cultural
Como que a gente tem essa visão? A gente quer deslocar culturalmente o que é vendido como um entretenimento superfluo, que é um aspecto relevante culturalmente falando, mas também abranger ai a percepção. O jogo tem a potencialidade muito similar ao do livro. Assim como as exposições museológicas, a do cinema. A de outra forma de expressão criativa, humana.
E além de ser uma linguagem cultural como todas essas outras e com o seu potencial, ela traz muito além do caráter lúdico, da diversão e das narrativas que a gente conta, o jogo moderno é muito pautado pela escolha. Então a gente começa a formar o pensamento a partir do momento que a gente joga, a partir do momento que a gente fala sobre jogos, a gente está literalmente reproduzindo uma forma de pensar o mundo.
Eu posso, por exemplo, preparar um sanduíche em um jogo. E isso está me ensinando como é que aquilo funciona, como existe uma relação de ação e consequência na montagem de um sanduíche, que a gente chama das mêcanicas de jogo.
Esse potencial está sendo muito desperdiçado enquanto ele estiver somente concentrado em um varejo pequeno, com alcance reduzido e elitizado, limitado ao aspecto do entretenimento supérfluo e etc…
Aqui eu vou começar com uma pergunta que me é muito importante; Eu me considero uma pessoa períferica e nunca tive condições de comprar jogos de tabuleiro em grande quantidade. Amigos meus tinham jogos clássicos como Jogo da Vida, Banco Imobiliario e etc.. Mas eu nunca tive um meu. Eu fui começar a jogar jogos de tabuleiro quando fiquei mais velho. Enfim, a minha duvida é; A gente vê uma ascensão muito grande, muito boa, da periferia em meios culturais.
A gente vai ter a Perifa Con chegando com diversos movimentos da comunidade periferica, o SESC dá um auxilio muito bom para isso. O que o Movimento Labareda e a Barbará como pessoa também tem de planejamento para a literária na periferia, para as comunidades que muitas vezes infelizmente vai viver a vida inteira sem jogar um jogo de tabuleiro diferente do que a gente já conhece por não ser acessível. Então qual seria a visão do Movimento Labareda para essa integração da periferia com os jogos analógicos?
Acho que justamente um dos problemas que a gente vivencia no nicho é a ideia que a pessoa física, o consumidor final, precisa ter poder aquisitivo para comprar o jogo na sua casa para poder jogar, para poder conhecer o jogo. E existe uma ilusão que o questionamento disto, que uma visão diferente disto ela vai contra o caminho das editoras.
Na minha visão, inclusive agora eu estou trabalhando com uma editora que é a Copag que tem um porte industrial, é uma outra situação para estes produtos populares, então ela é uma via de conexão do mundo dos jogos com a população geral. Agora, a partir da Labareda, que é uma outra frente da minha vida, o que eu posso dizer é justamente que ela tem como visão central ocupar os espaços urbanos das bibliotecas, dos espaços públicos, dos espaços privados de circulação publica como livrarias, cafés, restaurantes populares e não populares, de uma forma que as pessoas possam ter contato com o objeto de jogo para além da aquisição dos exemplares.
Popularização dos Livros
Então, por exemplo, como é com o livro? O livro está mais incluído na nossa sociedade, o que pouca gente sabe é que nem sempre foi assim. Se a gente corre um pouquinho atrás da historia da Europeia Ocidental (que de um jeito muito problemático nos influencia até hoje por conta da nossa historia) a gente tem uma grande concentração do acesso ao ler simplesmente por conta do clero que era uma classe estatal também. A partir do momento que nós temos a tradução da Bíblia, a gente começa a ter a popularização do primeiro livro e se torna muito popular e temos a difusão das bibliotecas.
Curiosamente, mesmo com muitas implicações politicas e de uma forma muito ligada a religião, mas é um fato histórico interessante que eu acho que pode nos ensinar também, é que a partir do momento que um objeto se torna estável, se torna acessível que você pode pegar, tocar e ter uma relação própria com aquilo, a gente sai desse lugar da sacralidade inalcançável do totem que é de acesso apenas dos ricos ou quem tem um poder politico especifico e a gente começa a popularizar esse objeto e que as pessoas podem interpretar porque ela vão ter contato com aquilo.
A Sociedade Moderna
No caso da sociedade moderna, falando particularmente dos jogos, quando eles começam a estar presentes em locais aonde podem ser tocados, jogados e podem trazer a curiosidade das pessoas, eles começam a fazer parte da vida das pessoas de uma forma muito simplificada.
Além disso, a gente vai desafiar uma certa cultura de escalabilidade, de colecionismo da galera que tem poder aquisitivo e que acumula jogos em um lugar que chama de “prateleira da vergonha” mas na verdade é uma “prateleira da ostentação”. Que tem uma quantidade absurda de produto lacrado e que nunca vão ver mesa.
Enfim, como que a gente vai abordar isso? Primeiramente, tentando colocar atividades com jogos nos espaços culturais, a começar pela rede Sesc.
A Rede Sesc
A rede Sesc é uma parceira sensacional e a gente sempre briga para manter o Sesc porque a gente vê o brilho no olhar das pessoas que vem muito facilmente e muito rapidamente que aquilo é para elas. As pessoas que estiverem lá vão ter diferentes realidade socioeconômicas, profissionais e de perspectiva, e todas elas entendem que aquilo é para ela porque simplesmente é um espaço de circulação, e se esse objeto participa de um espaço de circulação, participa da vida delas sem necessariamente precisarem ter um poder aquisitivo para serem proprietárias daquilo, elas são usuárias.
Além disso, mudando a percepção do governo sobre os jogos, a gente consegue ter uma difusão nas escolas, que é um dos espaços fundamentais, e das bibliotecas publicas, aonde elas conseguirão ter este acesso.
Produção Local
E também precisamos investir na população local, nos talentos nacionais que são muitos e que começam a criar uma rede de produtos. A gente criar um campo educacional todo próprio porque é algo que não tem estruturado no Brasil, e valorizar essa produção local com talento de todas as partes de todas as cidades e movimentar a economia local com isso e também dar oportunidades aos desenvolvedores destes locais e de lugares periféricos, e também para beneficiar o consumidor final que tende a ter aquele produto com preço mais acessível.
Problemas que a gente tem; Produção local carece qualidade. Mas isso é porque a gente não tem muitos exemplos de produção estruturado. Nós temos talentos incríveis que não conseguem fazer um produto de qualidade porque não tem a quem recorrer. Por outro lado a gente pessoas que tem acesso ao material de qualidade mas que não tem acesso ao que é game design e ao desenvolvimento de jogos mais difundidos. Nós precisamos desenvolver a conexão dessas contas através de bancas de estudo de game design, da produção de conhecimento e de conteúdo pedagógico para ao despendimento de projetos voltados para isso, como se há necessidade de financiamento coletivo, além de cursos e referências de game design, etc…
Sobre Iniciativas
Uma parcerias com iniciativas como a PerifaCon e uma recente do Movimento Labareda que é o Maloca Games. Que tem um protagonista perifico, não eurocentrado, no caso do Maloca é um estúdio, uma editora fundada por quatro sócios incríveis que se propõe em fazer afrogames, jogos de perspectiva não eurocentrica.
A gente já se conhece a muito tempo, eu, o Renan e o Sanderson particularmente, o Sanderson tem um trabalho incrível, o Cangaço é um dos jogos que mais me chamou atenção em termos de produção nacional. Ele é muito bem feito em termos de game design e criação, mas também é muito bem produzido.
Maloca Games
De uns tempos para cá a Maloca Games tem investido em aprimorar os seus processos e entender como estabelecer de forma mais estruturada essa ponte. Então tem sido um trabalho que a gente é muito apoiado em termos de produção cultural parceira.
Esse tipo de parceria e nós fomentarmos iniciativas que tenham esse olhar também é fundamental para que a gente possa popularizar a discussão.
Na Palestra do DOFF sobre ludoliteracia, um dos palestrantes comentou que era professor e que poucos alunos conheciam jogos de tabuleiro que temos como difundidos, o que é algo muito triste e preocupante. Qual você acha que é o primeiro passo para atrair o governo e as escolas publicas para adicionar ferramentas educacionais com jogos analógicos nas escolas?
A primeira coisa é a gente começar a ocupar os editais culturais. Não existe a categoria jogos de mesa na maioria dos editais e, quando existe, geralmente é ligada a jogos eletrônicos. O que é extremamente raro mas que eu não posso afirmar que não acontece é que, quando existe a categoria de jogos offline ela é muito distorcida, ela está ou dentro de “brinquedos” ou dentro de uma leitura bastante problemática de “jogos educativos” que, ao meu ver, não são jogos e sim dinâmicas lúdicas ruins. Como perguntas gerais de conhecimento de mundo. Isso não é uma característica que a gente chamaria de jogo, que tem um começo, meio e fim, um objetivo, seguir regras e falar sobre o tema sem ser baseado em uma desigualdade entre os jogadores, pelo contrario, que quando os jogadores estiverem ali eles estão em um campo de semelhança.
A Renegação dos Jogos Analógicos
Os jogos não existem como categoria, mas existem brechas que a gente encontra para começara inseri-los nesses editais culturais. Nós podemos, por exemplo, fazer publicações associadas a jogos, a gente pode fazer atividades culturais com jogos.
E estando junto com atores culturais que tem mais voz institucional, sempre dialogando com entidades que tem uma proximidade politica mais interessante do governo (sempre questionando, também, essa entidades) a gente consegue acessar as pessoas que estão fazendo isso.
A gente não pode esquecer que as coisas que acontecem nas instituições acontecem através do interesse pessoal de alguém. Não no mal sentido, mas tendo uma disposição de energia de alguém lá dentro para que isto aconteça.
A Luta Paralela
Claro, existe uma luta paralela também, uma questão muito mais voltada as questões tributárias, em projetos de lei que modifiquem a compreensão da categoria jogo enquanto mercado. Isto é outra coisa e tem sua relevância econômica para o mercado de jogos, mas em termos culturais dessa visão da importância do potencial educativo do jogo, a gente precisa usar os mecanismos do governo para que conheçam o jogo. Eles não conhecem, eles não sabem do que se trata, como a população geral.
É um trabalho de formiguinha de ir lá, pessoalmente, dar as caras e falar “Olha, existe isso aqui”.
Outro trabalho também é desmistificar o jogo em si mesmo, o que é isso?
Desmistificação dos Jogos
Não é um jogo para aprender matemática, um jogo para aprender biologia, esquece isso.
Quando um professor ele passa um filme em sala de aula, ele sabe do valor cultural alto que aquele filme tem. Não necessariamente passar um filme para passar matemática, porque ele já aprendeu na formação dele que o filme é uma linguagem cultural, o que ele aprendeu sobre o jogo? Que o jogo é um brinquedo, uma ferramenta, e que ele pode usar essa ferramenta com um outro fim, como ensinar um conteúdo da grade curricular. Mas a gente precisa mudar essa visão do próprio educador também.
Tudo bem, ele pode usar como ferramenta, mas já parou para perceber que o jogo é autossuficiente? Ele por si só, como obra de arte, ele desafia na prática, que o aluno esteja simulando alguma coisa, alguma experiência de vida.
Alternativas para desmitificação
Com as pessoas que compõe o governo e os educadores e com as instituições culturais que tem mais voz publica. E ocupar os editais culturais fazendo projetos para inscrever jogos como parte deles.
Outra possibilidade é exposição museológica sobre jogos, documentário, produção audiovisual, integrar a linguagem é uma coisa que a Labareda faz e que traz uma mudança na visão das pessoas sobre os jogos.
Você trouxe muito o exemplo de colocar os jogos como manifestação cultural da mesma maneira do livro e do cinema. Nesses casos, a gente percebe um ciclo destas duas; Os livros tiveram uma época do Brasil em que eram pouco consumidos e depois foram popularizados com grandes autores nacionais e no cinema tivemos uma época de um certo vazio e um crescimento com grandes obras como Cidade de Deus e Central do Brasil. Hoje temos um cenário literário e de cinema com grandes referências porém bastante nichado.
Qual dessas áreas você acredita que os jogos brasileiros estão? Você que ele está em uma ascensão para um expoente relevante ou você acha que vai ser seguido outro caminho?
Na minha visão é o seguinte; Depende quem a gente deixar tocar essa locomotiva. As forças são paralelas e andam juntas, talvez seguimos diversos caminhos ao mesmo tempo.
Se a gente seguir a tendência de olhar para a editora que estiver fazendo mais sucesso com um produto especifico, etc e tal. E tentar fomentar o consumo baseado nessa aquisição de classe média, classe média alta do consumo como algo exaltado e muito valioso em termos econômicos, infelizmente a gente vai continuar nichado por muitos anos.
Felizmente, eu acredito e faço parte desse movimento ativamente de pessoas interessadas de seguir um outro caminho que é um caminho de difusão e que tem como principio que existem diferentes agentes no mundo dos jogos. Eles são diversos, tem diferentes realidade socioeconômicos, diferentes recortes raciais e de gênero e que exercem papéis complementares nessa comunidade.
Agente Sociais
As editoras são responsáveis por divulgar a obra no nicho, produzindo os jogos. Mas também os produtores de conteúdo tem essa relevância primordial porque são agentes de comunicação e informação.
Os game designers, criadores, tem uma importância que deveria ser obvia, mas ainda são pouco valorizadas.
Os eventos tem uma importância na fomentação de comunidade também.
Se todos esses agentes começam a ganhar visibilidade a gente segue um caminho muito mais interessante, porque se torna um caldo mais diverso.
Há pouco tempo atrás tínhamos a conversa de “Quais jogos apresentar para minha família”, os famosos jogos de entrada (que eu acho um termo bastante problemático) que parece um portãozinho para se entrar e autorizar a entrar.
Além da visão “micro”
Mas quando saímos desse micro do jogo, objetos agrado, que está na mão da distribuidora que é a única coisa que importa. Você começa a conhecer o mundo dos jogos a partir dos agentes, dos Tabuleiristas, você começa a ter uma difusão que não é só uma pessoa que vai jogar um jogo famoso, mas também aquele cara que tem uma ideia de jogo e começou a querer estudar game design, e também aquela pessoa que começa a falar de hobbies (literatura, cinema, etc..) e ela começa a falar de jogos porque é um dos conteúdos.
As pessoas começam a chegar de lugares diferentes. No momento que o Brasil está é um momento que a gente está decidindo deixar o poder concentrado em um ou dois players que “nossa são os heróis que fundaram o nicho no Brasil” ou dar o próximo passo e falar “Legal, muito obrigado, mas o que a gente pode fazer a partir de agora?”
Vamos construir de uma forma plural? Que reconhece as pessoas que estão fazendo acontecer, como coletivo? Em pessoas diversas que estão chegando agora, sem ficar presos em um mito fundador de quem trouxe o hobby para o Brasil? A gente pode fazer melhor e virar essa chave que pode trazer uma realidade plural para os jogos.
Dentro do nicho dos jogos de tabuleiro, tem algo um pouco mais intrínseco mas que o Brasil está mais difundido nisso, que são os RPG de mesa. Particularmente eu vejo o Brasil um pouco mais familiarizado com isso, nós temos um cenário de RPG de mesa bastante quente com exemplos como Old Dragon 2 que saiu a pouco tempo do Financiamento Coletivo e editoras que escrevem romances, quadrinhos e também RPG. Também é possível perceber que o RPG cresce muito em cima de nomes específicos.
Aproveitando esse gancho, qual a relação da Labareda com o RPG de mesa?
Olha, a relação está engatinhando pelo motivo muito simples que é; eu estou engatinhando nessa relação e começando agora no mundo do RPG. A visão é a seguinte; o RPG é uma visão fantástica, mas sim, diferente do que chamamos de jogo de tabuleiro modernos.
Por ter algo muito mais interpretativa e baseada e eventos. O grosso dos jogos de tabuleiros modernos é muito baseado em previsibilidade, que vai ao contrário do RPG.
Nesse sentido, existe uma intenção da Labareda de fazer projetos com RPG? Sim, completamente.
Quais projetos? Manda ai, proponham. Hahahaha.
Como que a Labareda funciona? Existem duas frentes; Produção e criação interna, em que a equipe pensa o que tem demanda e o que precisa ser feita e encontra maneiras de executar isto. E a outra frente é o sentido oposto; Alguém procura a gente sem saber como executar algum projeto que queira fazer. Se for uma empresa a gente faz um trabalho de consultoria mesmo. Mas caso seja um coletivo, uma pessoa, a gente vê o que faz sentido para aquela ideia, encontrando qual a maneira mais interessante de aplicar aquela ideia que ele propõe.
Então faço o convite aqui a pessoas do mundo do RPG que tenham interesse em fazer projetos culturais, desde eventos até atividade integradas, por exemplo; O RPG se relacionando com a galera do teatro, como um espaço cultural com uma programação que faz uma parte de interpretação e depois uma mesa de RPG como demonstração. Trabalhando uma atividade para fazer a outra.
Mesmo que o RPG seja um jogo, estamos mais focados nos board/card games, mas a gente tanto tem abertura para RPG quanto temos abertura para outras práticas verticais.
Algo que é pouco conversado no meio é sobre acessibilidade. A gente teve grandes avanços quanto a acessibilidade, não apenas financeira, mas também acessibilidade física. Muitas vezes coisas como daltonismo ou niveis de dislexia afasta algumas pessoas dos jogos de tabuleiro e que eu não consigo ver muita resposta.
Como seria possível vender uma caixa separada para essas condições especificas. E são diversas variáveis que adentram esse problema e eu vejo pouco isso ser falado no meio dos jogos de tabuleiro. Existe alguma ideia ou iniciativa que está sendo conversa de soluções para tornar acessíveis os jogos de tabuleiro? Quais as soluções que o Movimento Labareda enxerga para acessibilidade no meio dos jogos de tabuleiro.
Em uma conversa que eu tive com o Mario no canal Sabe o Mario? Um cara incrível que trouxe muito isso para a pauta por ser cadeirante e encontrou dificuldade de acesso em alguns eventos em SP. Curiosamente, o evento mais acessível foi em uma biblioteca pública, no BGZO (Board Games Zona Oeste) que é um evento muito legal. Bibliotecas publicas, por serem publicas e por serem bibliotecas são lugares muito mais acessíveis por uma questão de lei, mas que já são uma questão interessante para a gente pensar nos circuitos de circulação da comunidade tabulerista.
Como estávamos falando, uma das maneiras das pessoas acessarem os jogos são os eventos, aonde elas vão ter contato com aqueles jogos. Quando as pessoas não participam dos eventos elas também não conhecem os jogos.
Para bem e para mal (agora falando como antropóloga) nada surge para todos, nada nasce para todos. As coisas podem se tornar cada vez mais acessíveis, plurais e diversas, cabe do nosso trabalho fazer com que isso aconteça.
Porque nada nasce para todos? Não é porque as pessoas são mal intencionadas (As vezes sim…). Porque toda criação humana parte de uma perspectiva e toda perspectiva é limitada.
Desenvolvendo eventos
Ninguém consegue prever todos os grupos sociais e todos os seres humanos na sua própria criação. O que é lindo de viver em sociedade? Que a partir do momento que a criação é posta no mundo, pessoas diversas vão começar a saber da sua existência, e a partir desse momento a gente começa a questionar se essa existência não pode ser desenvolvida para outros caminhos.
Esse fenômeno social chamado de “Jogos de Tabuleiro moderno” nasce poucas décadas atrás em um contexto eurocentrico, excludente, elitizado, branco, europeu, masculino e esse jogo moderno começa a ter outros agentes sociais que acham aquilo interessante e que também querem fazer algo dentro disto e a gente começa a ter discussões de acessibilidade, passando por questões de gênero, raça, classe, deficiência, dentro outras.
É uma transformação constante, e o nosso trabalho é trazer as pautas a debate para mesa conforme a demanda.
Nós temos um trabalho muito interessante com a comunidade surda através do Diversão Offline e do pessoal do Joga na Mesa, que não tem uma dificuldade com o jogo em sí mas muitas vezes com o evento que divulga, já que temos uma tradição muito oral de aprendizado dos jogos e isso pede que tenhamos mais material divulgado de maneira escrita para esses jogos e temos também a galera do Tabuleiro Acessível e o Sabe o Mario? Falando sobre a questão da acessibilidade dos espaços.
De acessibilidade dos jogos, temos alguns estudos de jogos sendo feitos para cegos e muitos casos de estudo de jogos que são feitos pensando em daltônicos na sua versão original.
A visão da Labareda
A Labareda procura fazer com que todas as suas atividades sejam acessíveis na medida do possível com seus recursos atuais. Se a gente não reconhece a diferença e a limitação da perspectiva, ou seja, fique cada contexto de trabalho necessite uma atenção especial, de um recorte e pensando sempre tudo para todos, a gente tá passando um rolo compressor na sociedade passando uma sensação de igualdade.
Por isso, os espaços precisam ser acessíveis. Os jogos podem ser produzidos cada vez mais para que mais pessoas possam ter acesso.
Se o jogo que é produzido hoje deixar de participar de um evento porque ele não é acessível para uma certa demografia e eu tenho uma proporção enorme de outra demografia que seria impactada, eu preciso priorizar isso neste momento.
A Labareda trabalha com acessibilidade em todos os sentidos possíveis, mas não significa necessariamente que todas as atividades serão acessíveis para todos. O nosso proposito é ter cada vez mais consciência de qual é o direcionamento publico que a gente tem, que cada atividade seja explicitamente anunciada dessa forma. E que ela vai ter uma limitação, o mínimo possível, mas dependendo do contexto.
Eu queria perguntar sobre a Liga Brasileira das Mulheres Tabuleristas, como que foi a liga para você, o processo como profissional. E o que mais você puder falar sobre o projeto para você.
É sempre muito afetivo para mim falar da liga… Foi um coletivo muito transformador para mim e para a comunidade tabulerista (que foi um termo que a gente cunhou alias hahaha). Tentando resumir, contextualizando para quem não conhece, a Liga surgiu da percepção que mulheres ao redor de todo Brasil vivenciava experiências parecidas em relação ao mundo dos jogos. Isso aconteceu com a pandemia em 2020, a GenCon aconteceu de maneira online e teve a GenCon in Portuguese com vários painéis abertos. Um desses panes foi sobre representividade e convidou algumas iniciativas protagonizadas por mulheres ao redor do Brasil para falar.
Entre elas estava a Lady Lúdica, que é um evento famoso no Rio de Janeiro. A BG Girls, a BG das Minas, que até então eu não conhecia e que é de Aracaju e a Joga Mana que é de São Paulo e do qual eu fazia parte.
A Nanda Sales era uma das integrantes do Joga Mana ia participar do painel da GenCon. E ai, olhando a programação desse painel, vi que eram todas iniciativas de mulheres que tinham uma historia parecida; Que jogavam em eventos mistos e encontravam situações de machismo, dificuldade de convivência e resolveram criar um evento só para mulheres na própria cidade.
Cada uma em uma cidade diferente, passando pela mesma coisa e tendo a mesma ideia e a gente não tava junto. Quando vi isso, eu cheguei para as outras mulheres do Joga Mana e falei “Gente, desculpa mas a gente precisa criar um centro de referencia nacional e tem que ser agora. Porque a Nanda vai falar daqui a dois dias na GenCon e tem que ser lá.”
Elas olharam assim e não entenderam, me chamaram de louca, mas que me apoiavam.
A Iniciativa da Liga Brasileira de Mulheres Tabuleristas
A gente fez uma reunião e fizemos um site em um Google Forms com as informações que queríamos saber das participantes.
O formulário era muito grande, demorava cerca de 40 minutos para ser descendente preenchido e não dava nada no final. Nenhum brinde e nem nada em troca.
E mais de 250 mulheres ao redor do Brasil inteiro começaram a preencher, em muito pouco tempo. E foi uma prova de que o publico feminino não só existem como tem uma voz muito relevante no mundo dos jogos, mas que estava sendo invisibilidade, porque cenários mistos são muito sufocantes para mulheres.
Então a gente ter fundado a Liga foi um ato politico muito importante na minha opinião, de mostrar e dar visibilidade mesmo a um publico que já existia e que já estava fazendo muitas coisas acontecerem. Mas na hora de falar com a mídia e quais são as nossas referencias esse publico sempre é esquecido.
Então a gente começou a oferecer respostas; Oportunidade de publicação dos jogos, oportunidade de ouvir e acessar conteúdos que elas consideravam importantes mas que os três maiores da época não falavam. Como sustentabilidade na relação dos jogos, os temas do jogo, a questão dos jogos em família. A gente começou a executar essas coisas, até que começou as parcerias.
A Liga cresceu ao ponto de ter 14 mulheres de regiões diferentes de todo Brasil.
O Fim da Liga
Só que chegou um momento que era tanta coisa acontecendo, tantas demandas pessoais e tudo voluntário. Por outro lado, a gente começou a ter parcerias institucionais e questões jurídicas para lidar.
E a gente teve uma conversa sobre separar o grupo, porque se não alguma coisa teria que ser sacrificada.
Ou a gente virava um grupo como uma ONG ou uma empresa, a ideia não era ser trabalho, mas estava se tornando isto e precisavam ser melhor remuneradas e tornarem viáveis.
Decidimos juntos encerrar a Liga, ela tinha cumprido o seu papel, para que esse projetos possam seguir seus rumos. Nossos princípios foram espalhados, mas cada projeto seguiu seu próprio caminho.
Deixamos como legado a Oficina das Ligadas, que é um evento semanal de playtest de jogos de mulheres por mulheres. Apenas mulheres se encontram virtualmente para testar esses jogos.
De um primeiro momento foi gerido pela Nanda Sales, depois pela Cynthia Dias, Hélia Vannucchi e a Led Lima. Algo que eu acho muito interessante é que nenhuma delas é de São Paulo e foi algo totalmente orgânico de ter acontecido. A Oficina das Ligadas continua de forma totalmente voluntária.
E com os projetos, do meu lado eu fui com a Labareda, que eu criei com muito sangue nos olhos e o nome dela já diz muito né. Justamente de pessoas interessadas que só faltava uma atitude, uma labareda, para reagir e fazer.
Conclusão
Bem, Bárbara, muito obrigado pela entrevista e agora fica o espaço para falar de projetos e a conclusão.
Muito obrigada, mais uma vez, fico muito contente com esse convite e com esse papo. É uma honra poder estar conversando.
Quem quiser acompanhar eu to no instagram @movimentolabareda e @seumovimento, movimento é o que guia muita coisa na minha vida. Quem quiser conhecer o que foi a Liga Brasileira das Mulheres Tabuleristas, o site vai ficar no ar até o dia 31 de Julho.
Projetos futuros
Nós estávamos na DOFF 2023 que é um projeto que tá no coração da comunidade e com uma mulher a frente. E nesse momento do evento quisemos dialogar com a comunidade, por isso duas coisas aconteceram; Um projeto prático ligado a oficinas e prototipagem, desenvolvimento de game design na prática. E tivemos um espaço, o Espaço Labareda, aonde tínhamos um caderno de sugestões. Não existe jogo sem ação e a gente perguntou o que as pessoas queriam ver. A gente teve respostas muito interessantes e o que cada uma dessas pessoas podem esperar é um segundo semestre cheio de projetos, algo que eu já posso falar é que a gente tá com uma parceria muito legal com a unidade Bertioga do Sesc, lá do litoral. Estaremos presentes em Julho e talvez em Dezembro no Centro de Cultura Alemão que é um espaço aberto e gratuito, é só chegar.
E queremos trocar figurinhas, então mande sua mensagem, mande a pauta que quiser acontecer que a gente faz acontecer.
Muito obrigado pelo espaço, mais uma vez.
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Entrevista com Bárbara Côrtes – Movimento Labareda
Texto: Gustavo “AutoPeel” Estrela
Revisão e Arte da Capa: Isabel Comarella