A noite na cidade de Roanoke cai e com ela o meu tempo aqui está acabando, conseguir reunir tudo o que foi possível de informações sobre os kinjin, finalmente vou poder voltar para a minha China.
O meu retorno está marcado para daqui a uma semana, hoje vou me encontrar com John Hancock, acertar com ele a minha dívida, John se tornou um aliado e um amigo precioso, vou sentir falta dele quando eu abandonar essa vida, mas não agora, ainda temos muito tempo pela frente.
Ao fechar o meu casaco, abro a minha carteira de forma displicente, mesmo sem notar, e olho a foto dela, minha bela e doce, flor de lótus, mas um relacionamento ganho nesse país estranho, que no momento certo vou ter que finalizar.
Coloco a foto na carteira e guardo no meu casaco e saio para o frio da noite, sigo o caminho tão conhecido por mim, a tríade local me proporcionou alguns benefícios e um deles é passagem segura por algumas ruas.
Chego no local, previamente combinado e espero, pelo meu contato. Começo a sentir o cheiro tão característico de John, ao longe localizo ele, caminhando e empurrando um carrinho de supermercado cheio de lixo e sempre acompanhado de dois vira latas.
– Ei china, como vai?
Ele encosta o carrinho na parede e os cães logo se deitam de forma preguiçosa ao lado do carrinho.
– Vou bem, pedaço de lixo, esses teus pulguentos já tomaram banho hoje? Pq vc eu sei que não.
Ambos rimos.
– China, consegui o que vc queria, mas, vc não vai gostar.
Meu coração se enche de esperança
– Ela está a onde?
Ele balança a cabeça de forma negativa.
– Cara, ela está em uma parada sinistra, vai ser difícil de entrar lá.
Fico um pouco pensativo
-onde?
Ele puxa do carrinho uma planta de um prédio, abre no meio da calçada mesmo.
– Bem, a vida é sua, ela está nesse prédio, para algum tipo de festa de grafinos, então vai ter gente circulando, mas com essa tua cara de china, vai logo chamar atenção.
Penso um pouco e avalio a situação, entretanto a lembrança do nosso primeiro encontro assola a minha mente, foi alguns meses atrás.
Eu tinha acabado de entrar na tríade e tínhamos um assalto e possivelmente um sequestro, a fazer a uma comitiva de carro que iria passar por uma das 3 pontes, chamadas de “as 3 irmãs”, que interliga os bairros do meio da cidade com os bairros mais externos.
Tudo estava planejado, tínhamos subornado o controlador da ponte e fechamos a passagem das duas pontes encurralando os carros.
Tudo preparado, quando os carros surgiram, o plano correu bem, até que eles começaram a revidar, um a um os membros da tríade começaram a cair, percebi que não se tratava de humanos comuns e sim de malditos Kin jin.
Só que comigo foi diferente….
Quando comecei a fazer as movimentações de Prana, juntamente com o Shintai de sangue, eles não conseguiam me acertar, até que resolvi usar Vento negro.
No final só restou eu, a fome cobrava a sua conta, mas controlei o meu P’o e fui verificar os carros, e lá estava ela, imóvel como uma estátua de mármore.
Dei a mão para ela sair do carro, não houve objeção por parte dela em me seguir até o carro.
O que seguiu uma negociação com o seu senhor/pai para pagar o resgate e tê-la livre.
Depois de tudo e conheci ela melhor percebi que o cativeiro nunca a segurou e sim a curiosidade por mim, 3 meses se passaram, nos aproximamos, nunca imaginei que poderia sentir algo por uma kin jin que não fosse ódio.
As negociações foram finalizadas e veio a ordem de soltura, nos despedimos com um até breve, e foi breve mesmo. Passamos a nos conhecer melhor, mas, sempre deixávamos as diferenças das nossas raças longe.
Então o Barão Vitor, começou a desconfiar e os nossos encontros ficaram cada vez mais raros.
Então eu retorno dos meus pensamentos, olho para John
-Obrigado pela preocupação, meu amigo, mas preciso falar com ela antes de eu ir, essa pode ser a última chance, mas vc receberá o seu pagamento, doação para aquela entidade?
Ele ri melancólico,
-Sim, então vá, e que Gaia o Proteja.
Entrar no prédio não foi problema, minha capacidade de passar por lugares apertados e alterar um pouco a minha face me ajudaram muito.
Localizei o andar e o quarto em que ela está, estranhamente não tinha guardas na porta, minha ansiedade era tanta que deixei a cautela de lado e fui entrando, e voltando o meu rosto original para que ela me reconhece se.
O quarto estava escuro e assim que eu entro vejo um vulto sentando em uma cadeira no meio do quarto, quando vou aproximando uma voz na minha cabeça, praticamente grita, “FUJA”, já era tarde demais.
As luzes se acendem e o Barão Vitor se revela na cadeira, a porta por trás de mim se fecha e em questão de segundos estou cercado.
– Então vc é o sequestrador da minha joia? Qual o seu nome?
Eu corrijo a minha postura, relaxo os músculos e me preparo
– Para que vou dizer o meu nome para aqueles que já estão mortos.
Então o inferno começa!!!
Os capangas estão usando armas brancas, facas, facões etc., nada na qual eu não consiga lidar, entretanto o Barão não entrou na luta, essa era a minha preocupação.
A luta demorou mais do que eu imaginava e me custou muito, quando eu consegui finalizar o último, já estava com metade da minha reserva de chi, mas, ainda tinha o meu talismã, então o Barão ficou em pé, ele portava a sua arma preferida um bastão de beisebol com pregos no seu topo, essa luta vai ser difícil.
Ele me olha com seriedade e fala.
– A tempos que não sou obrigado a lutar, mas você parece ser bom, deve servir para o meu treino, então ele começou.
Demoramos alguns segundos nos avaliando, nesse momento eu ataquei com tudo, ele também, não diminuiu, ficamos naquela dança mortal por alguns minutos, ele não acertava, mas eu também não,
Nesse impasse, vislumbrei uma brecha e ataquei com tudo, contudo, algo aconteceu, meu ataque não o acertou, ele esquivou no exato momento do ataque, o contra-ataque veio no mesmo segundo, ele desferiu o taco nas minhas costas com toda força, já estava me esquivando quando uma força me segurou e taco bateu com a força de uma locomotiva, escutei sons de ossos se partindo, então uma risada sinistra chegou ao meu ouvido, nesse momento senti alma ondeante tomar todo meu ser, eu corro.
Escuto a sua gargalha ao longe,
-Corra, pequeno chinês, porque a caçada começa agora.
Saio em uma fuga alucinante, fazia tempo que não era atingido, isso fez que o medo tomasse o meu ser, corri por alguns quarteirões, e comecei me acalmar.
Sons de motos se aproximam, gargalhadas altas, eles estão no meu encalço, malditos kin jin.
Corro como a muito tempo não fazia isso, lembranças de uma infância pobre e difícil a muito esquecida voltam a me castigar, me sinto aquela criança indefesa nas ruas da China.
Um tiro no braço me traz para realidade, a minha volta vai ter que ser antecipada, mas preciso retornar para o meu refúgio para pegar todos os documentos sobre a minha estadia aqui.
Consigo chegar na porta do refúgio, mas sei que não foi pelos meus méritos e sim poque eles querem, abro a porta alucinadamente, os documentos já estão todos preparados dentro de uma bolsa, quando alguém pula pela janela e me ataca.
Suas garras cortam fundo a minha perna, mas consigo usar equilíbrio e deixar ele fora de ação por algum tempo, corro para a saída e sou atingido por uma moto, eu caí no chão com tudo e lá se vão mais umas costelas.
Estou cercado, ferido, sem chi, o P’o quer tomar a direção, mas não seria apropriado, o medo que tanto tempo eu não sentia, cava fundo na minha alma.
O Barão Vitor se aproxima com o seu taco repleto de sangue e carne, meu sangue, minha carne.
-Pequeno chinês, você achava que iria sequestrar a minha Joia e iria sair bem dessa? Eu não sei o que você é, mas conheço um certo Giovanni que vai adorar tê-lo na coleção dele, todavia não preciso entregá-lo vivo.
O enorme Kin jin se aproxima, sinto que o meu fim está próximo, fecho os meus olhos e faço uma pequena prece a buda, pedindo uma terceira chance, me despeço do meu amor que colocou me nessa situação e na minha mente escuto;
– Desculpe!!!!
Era a voz dela, mas, tão rápido veio, tão rápido foi, me deu uma sensação boa,
– Valeu a pena.
Novamente escuto aquela risada sinistra, e algo acontece.
Um uivo, bem perto interrompe meus devaneios e a minha execução.
Barão Vitor baixa o seu bastão e fica atento e grita.
– Quem está ai?
Uma gargalhada conhecida, um som de carrinho de supermercado sendo arrastado, e finalmente dou um sorriso.
– Esse pequeno pedaço de bosta chinês é meu, só eu posso bater nele!!!
John está sozinho e uma das mãos dentro do carrinho, eu penso
-Onde estão aqueles pulguentos deles, poderia ajudar.
Barão Vitor acha tudo aquilo surreal, um mendigo atrapalhando a sua vingança, ele olha para um de seus comandados e diz;
– Da um fim logo nesse bosta, eu tenho algo melhor a fazer.
O assecla sorri prevendo um banquete de sangue fácil, ele corre em direção a John e pula em cima dele.
Entretanto, John puxa de dentro do carrinho uma adaga ornamentada feita de gelo e intercepta o kin jin no ar, de onde estou só vejo o corpo inerte do sanguessuga por cima de John e a ponta da adaga de gelo começa a surgir pelas costa do cainita, e assim ele puxa a adaga partindo o corpo inerte do vampiro e ao mesmo tempo, para a minha grata surpresa, ele se transforma em um lobisomem.
Das sombras, atrás dele os dois cães que eu chamava de pulguento surge, mas não como pulguentos, mas sim como enormes lobos com bocas e presas descomunais e caos se instala.
Barão Vitor esquece de mim, e vai se defender, os garous começar atacar, John parte para cima do Barão e começa uma batalha feroz.
Eu tento me levantar, mas a dor não permite, não tenho chi para me curar, então, uma moça se aproxima de mim, uma mendiga, conclui que era aliada de John, deixei ela se aproximar.
-Eu me chamo Dayse, cura a wyrm, deixe me ajuda lo.
Sendo assim, ela toca em mim, e uma energia quente aconchegante toma todo meu corpo, sinto toda a dor indo embora, meus ferimentos estão curados.
Ela olha para mim e sorrir,
-Vamos, temos que ir embora.
Eu percebo que a minha bolsa foi rasgada e muitos dossiês estão espalhados, junto o que dá, olhe para a luta e falo;
– E eles vão ficar bem? Essa luta é minha.
Ela olha com muita doçura para mim,
– Eles estão se divertindo, mas vão embora logo.
Assim sendo, ela dá um uivo, se vira para uma parede se concentra e toca. A parede, no lugar que foi tocada, começar a ondular como um lago que é atingido por uma pedra, ela segura a minha mão e fala;
– Confia em mim, e me acompanha.
Assim, atravessamos, mas não antes de olhar para trás e vejo John e seus pulguentos correndo deixando um furioso Barão Vitor para trás.
Dias depois estou nas docas, meu navio está preste a sair, John e sua matilha estão comigo.
-Obrigado meu amigo, por tudo, sem você eu não estaria vivo.
Um sorriso surgiu do seu rosto
– Nada de sentimentalismo, seu pedaço de bosta chinês, mas tome cuidado, Barão Vitor não é alguém que esquece as coisas fácil
-Eu estou indo para China, duvido ele me seguir até lá, vocês que devem ter cuidado.
– Ele nem sabe onde me achar, meu povo viver embaixo do nariz dele e nunca percebeu, nós mendigos somos ignorados.
Dou um abraço nele, despeço do resto da matilha e falo.
-Eu vou voltar e trarei o inferno para eles.
-E nós estaremos aqui para lutar ao seu lado.
Subo no barco, ele começa a se distanciar, a cidade no horizonte prende a minha visão e dou um adeus para ela,
-Me aguarde, eu vou voltar.
Continuo olhando e segurando a sua foto.
Fuga Alucinada – Vampiros do Oriente
Autor: Michel Freire.
Padronização e arte da Capa: Raul Galli.