Caçador de Vampiros

Icabode St. John [21]

Nos capítulos anteriores: Icabode, Drake e Caveira foram até o vilarejo mexicano à procura de Maxiocán Allende, o famoso caçador de vampiros. Ao encontrar com ele, o grupo revelou os acontecimentos em Nova York e como Solomon Saks estava matando os vampiros e se tornando uma criatura invencível. Maxiocán os ouviu e decidiu ajudá-los. 

 

No dia seguinte à formação da aliança de Fermín, Savage, o primogênito dos Filhos de Pã, veio até os cômodos do príncipe interino. Ao seu lado, estava um homem com a cabeça coberta de penas negras e um longo bico da mesma cor. Ele usava uma gabardina bege e pantalonas de couro.

– Esse é Stolas – Savage apresentou o companheiro. – Ele será o seu xerife.

– Desculpe? – Fermín perguntou, intrigado, enquanto terminava de vestir seu terno. – Sinto muito, mas Leo já me pediu tal função.

– Leo é o primogênito do clã do Punho – Savage o lembrou. – Ele já tem esse privilégio. Você o dará também o cargo de xerife? Isso é chover no molhado, meu príncipe. Cargos de confiança são oportunidades de alianças. O meu clã jurou lealdade a você, não jurou? E o que ganhamos em troca? – o velho fez um beiço descontente. – Stolas será o seu novo xerife, príncipe. Esse pedido é inegociável.

Fermín arqueou as sobrancelhas, surpreso. Era um ultimato, e dependendo da resposta, ele poderia perder um clã inteiro para o inimigo. O príncipe percebeu então como sua reivindicação estava fragilizada. Em seguida, suavizou a expressão como se aquilo não fosse nada e assentiu.

– Pois bem, Stolas será o meu novo xerife. Os delegados…

– Ele escolherá seus delegados – Savage o interrompeu. – Stolas precisa ter homens de confiança para seguir suas ordens.

– Claro, claro – Fermín concordou, receoso. – Isso é tudo, Savage? Precisamos retornar imediatamente a Nova York. Quero que Solomon Saks ouça o quanto antes as novidades. Que nós sabemos como derrota-lo.

– Se você tivesse espiões, essa tarefa seria fácil – Savage observou. – Mas até lá, Stolas e seus delegados irão espalhar as notícias.

Stolas e Savage trocaram olhares, e o homem-corvo assentiu, deixando o cômodo imediatamente. Fermín pensou em como corvos simbolizavam mau agouro.

A milhares de quilômetros ao sul, Icabode, Drake e Caveira despertavam. Eles passaram a noite no subsolo de uma despensa, em Vilallende. Uma mulher com o rosto tatuado de caveira os vigiava. Os vampiros sabiam que ela era uma lobisomen, e que sozinha, podia facilmente matar os três.

– Aqui está – Maxiocán Allende disse, descendo a escada com uma lamparina. Ele trazia um objeto na outra mão. – Vocês devem partir imediatamente. Meus lobos estão prestes a entrar em frenesi. Não conseguirei segurá-los por muito tempo. Eles querem a cabeça de vocês.

– Eu posso fazer outra ligação? – Caveira perguntou, erguendo o dedo.

– Você já passou o relatório a Fermín – Drake Sobogo rosnou, pegando-o pela gola. – Eu posso saber para quem você quer ligar agora?

– Eu estava pensando em ligar para a sua mãe – apesar da voz abafada pela máscara, o tom de Caveira era provocativo. – Queria perguntar o que estava vestindo. Você acha que ela gosta de roupas íntimas de renda?

Drake o ergueu no ar e o jogou no chão. No instante seguinte, os revólveres de Caveira estavam encostados nas orelhas do boxeador. O mascarado gargalhava, divertido. Icabode abriu os braços, e cada um foi jogado para um lado da câmara. O garoto olhou para Maxiocán.

– Diga-me – pediu ele, apontando para o objeto na mão do mexicano. – Essa é a arma capaz de matar Solomon Saks?

– Isso não é uma arma – Maxiocán mostrou uma pedra em forma de disco, com um círculo escavado no meio. Havia uma agulha no centro. – É uma bússola. Vocês precisam de um item pessoal de Solomon Saks para fazer o ritual de ativação da bússola. Em seguida, a agulha apontará na direção em que seu coração estiver escondido – ele tirou um pergaminho do bolso traseiro e o estendeu. – Aqui estão as instruções para o ritual.

Icabode o pegou e guardou na jaqueta. Drake Sobogo pegou a bússola. Eles subiram até a vila, onde os habitantes os encaravam com ódio. Maxiocán os conduziu até os portões de madeira, enquanto uma bola de feno passava rodando entre eles.

– Assim que terminarem, tragam-me a bússola de volta – Maxiocán disse, sério. – O pergaminho pode ficar com vocês. É uma cópia.

– Peppers – Drake se virou para ele. – Certeza que não quer vir junto?

– Eu não trabalho com vampiros – Maxiocán respondeu com desprezo. – Eu os mato. Vocês só estão vivos porque essa missão é vantajosa para mim.

Drake apertou o maxilar, ferido. Ele se virou e começou a caminhar. Icabode e Caveira o seguiram, deixando Maxiocán para trás, sem nenhum adeus. O trio caminhou por um campo de cactos até onde o helicóptero aguardava. O piloto fizera uma fogueira e se aquecia com uma garrafa de uísque. Ele se levantou ao vê-los chegar.

– Foi até a Cidade do México durante o dia? – Caveira perguntou, se aproximando. O helicóptero era propriedade do exército, e fora comprado no mercado negro. Nenhum civil poderia ser visto pilotando aquela belezinha.

– Sim – o piloto respondeu, batendo na lataria da nave. – O tanque está cheio e pronto para voltar para casa.

Os vampiros ficaram em silêncio durante o voo inteiro, e isso deu tempo para eles ficarem sozinhos com seus pensamentos. Nessa hora, Sunday falou na cabeça de Icabode.

Está mais calmo garoto? Eu não consigo comunicar com você desde aquele dia do esgoto. O ódio tomou conta da sua mente. Isso não pode acontecer.

Isso não pode acontecer? Icabode perguntou, apertando os punhos. Eu descubro que meu pai, um reverendo, vendeu a minha alma para um demônio, descubro que se eu morrer, irei direto para o inferno. Descubro também que você é um fantasma preso à minha cabeça! E a minha tia, minha única parente viva foi sequestrada por Solomon Saks.

Sobre Katherine, Sunday começou a dizer, mas foi interrompido.

Não, Sunday! Eu sei que Rabin ameaçou mata-la se eu continuasse com essa missão, mas não me peça para parar agora. Não conseguirei. Preciso ir até o fim disso. Preciso destruir aquele maldito e seu séquito.

 Eu nunca pediria para você parar. A voz de Sunday era triste. Katherine é o amor da minha vida, mas Solomon Saks precisa morrer. A única coisa que peço, é que você não esqueça de sua essência. É normal para um neófito perder a cabeça após ser abraçado. Veja nosso amigo Drake Sobogo. Ele está uma pilha de nervos também. Mas isso é a identidade do Abraço Vampírico. É assim que você quer ser definido? Um escravo desses sentimentos? Eu espero muito mais de você, garoto. Escolha quem você quer ser. Independente da sua condenação ao inferno, você ainda está na Terra. E ainda tem a opção de ser quem deseja ser. A escolha é sua.

Sunday, Icabode fechou os olhos, envergonhado. Perdoe-me por não ouvir a sua voz nos últimos dias. Mas todo esse ódio que sinto em mim… Não sei controla-lo.

Então pule desse helicóptero agora e se mate. Pois se não aprender a controlar a besta interior, a sua morte final será uma questão de tempo. Normalmente, adolescentes se tornam adultos. Você está fazendo o caminho oposto. É compreensível, mas infelizmente, também é decepcionante. 

Aquelas palavras o acertaram como um tapa. A voz de Sunday silenciou, e Icabode soube que precisaria analisar sua atual situação novamente, com novos olhos. Se eu não controlar a besta, morrerei.

O helicóptero fez duas paradas até chegar em Nova York. Eles foram direto para o Brooklyn, e sobrevoaram a mansão abandonada de Solomon Saks. O piloto desceu o helicóptero até ficar uns três metros de distância do chão. Os três vampiros saltaram. Caveira virou morcego e se transformou ao chegar no gramado. Icabode levitou cautelosamente. Drake Sobogo saltou e fez dois buracos no chão com os pés.

– Precisamos achar um pertence pessoal de Saks, mas tomem cuidado – Drake alertou. – Pode haver alguém escondido por aí.

– Você está certo – uma voz surgiu da portinhola do bunker subterrâneo. Era Troche, o Judeu de Ferro. – Eu estava esperando por vocês.

– Onde está Solomon Saks? – Icabode perguntou, ao vê-lo brotar de dentro da terra.

– Ele soube que vocês encontraram Maxiocán – Troche informou. – Neste exato momento, o patrão está indo garantir que seu coração esteja bem protegido. E eu fui incumbido para caçá-los.

– Peguem o objeto – Drake se virou para os dois companheiros. – Deixem que eu cuido dele – Icabode e Caveira concordaram e correram em direção à mansão. Drake se voltou para Troche novamente. – Da última vez que nos encontramos eu te deixei meio morto. Desta vez terminarei o serviço.

– A primeira vez que nos encontramos eu te deixei meio morto – Troche o lembrou. – Acho que hoje é o desempate. Só que dessa vez, as coisas estarão equilibradas – ele sorriu e mostrou as presas vampíricas. Drake ficou surpreso. Da última vez, Troche ainda era um mortal (apesar das placas de ferro ao redor do corpo). Agora ele não era apenas um vampiro, mas era prole de Solomon Saks, e isso poderia ser algo terrível.

Drake Sobogo fez o primeiro movimento. Em poucos instantes, eles deixariam uma marca de terra e capim revirado no quintal de Solomon Saks. O militar correu rápido como um raio, mas Troche desaparecera. Levado pelo impulso, o corpo de Drake passou direto e se chocou contra uma árvore, arrancando-a do chão, até às raízes.

Ele se levantou e procurou o adversário, perdido. Ao erguer os olhos, viu Troche descer do céu em sua direção, acertando seu peito com as solas dos pés. Drake foi arremessado, abrindo uma vala no chão. Assim que parou de deslizar, ele viu Troche dois palmos acima de seu rosto, levitando com o corpo deitado, paralelo ao oponente, cobrindo o completamente o militar com a sua sombra. Os punhos do Judeu de Ferro começaram a acertar freneticamente o rosto de Drake, afundando sua cabeça na terra.

Capitão Sangrento não era apenas um militar. Ele também era boxeador de lutas clandestinas. Então o que fez a seguir não foi uma coisa completamente fora das regras. Ele ergueu a perna para cima, acertando o saco de Troche com tanta força que o jogou para trás, contra o muro. O Judeu de Ferro atravessou a parede de tijolos e caiu no asfalto.

– Parece que alguém não tem bolas de ferro – Drake disse, se levantando e correndo em sua direção.

Um carro se aproximava, e o motorista freou repentinamente, derrapando sobre o asfalto quando seus faróis iluminaram um homem surgir do nada e socar o sujeito que estava se levantando do chão.

Troche foi arremessado contra a vidraça de uma panificadora e engolido pelo estabelecimento escuro. Drake adentrou o local, sem conseguir ver nada em seu interior. De repente braços o envolveram e uma voz sussurrou em seu ouvido:

– Pronto para morrer? – antes que ele respondesse, Troche o puxou para cima, atravessando o teto em direção ao céu.

Drake se debatia, tentando se soltar do abraço enquanto os dois subiam rapidamente. Quando alcançaram dezenas de metros acima do solo, Drake se desvencilhou e agarrou a cabeça de Troche. O judeu arregalou os olhos um momento antes de Drake começar a dar testadas em seu nariz. O militar sentiu o rosto de metal se afundar, enquanto continuava golpeando no mesmo lugar. A cada cabeçada, sangue espirrava no rosto de ambos. Troche apagou em pleno ar, e parou de subir. Agora viria a queda livre.

Os corpos começaram a descer velozmente. Nenhum vampiro sobreviveria aquele tombo, e Drake sabia disso. A mansão de Solomon ficava ao lado do rio, mas ele nunca conseguiria mudar a rota da queda. Decidiu então que seu último ato seria socar mais uma vez o maldito que causou a sua morte. Ele agarrou Troche pelo casaco enquanto caíam e arqueou o braço antes de dar seu soco mais potente. O judeu rodopiou pelo ar, se distanciando dele. Drake deu um sorriso triste e olhou para baixo, na direção da mansão que estava a três segundos de distância. Ele fechou os olhos.

Seu corpo parou abruptamente, poucos centímetros acima do gramado. Icabode estava diante da porta, erguendo os braços em sua direção. Ele segurava o corpo de Drake com a telecinésia. Ao seu lado, Caveira estava encostado no umbral da porta, girando um pedaço de pano com o dedo.

Alguns metros longe dali, o corpo de Troche caíra no rio. Drake foi colocado no chão. Ele se ajoelhou, ferido, e olhou para a mão de Caveira.

– Isso é uma ceroula?

– Era pra ser um pertence pessoal de Saks, não era? – Caveira perguntou, dando de ombros. – Não existe nada mais pessoal do que uma ceroula.

Icabode retirou o pergaminho da jaqueta e o abriu. Ele pegou um atiçador de brasa da lareira e começou a desenhar no gramado um pentagrama. Drake pegou a bússola de Maxiocán e a colocou no centro. Caveira fez o mesmo com a roupa íntima. Icabode abriu bem o pergaminho e começou a ler as palavras em latim. Enquanto ele fazia isso, raios gigantescos cortavam as nuvens, e uma ventania começou a varrer as folhas do gramado.

– Magia negra – Caveira sussurrou assim que Icabode terminou a leitura.

Em seguida, o jovem pegou a bússola e a ergueu diante de seus olhos. Não havia nada de diferente. Até que a agulha enlouqueceu, girando sem parar. Levou dois segundos até ela virar em uma direção, oscilando um pouco antes de ficar completamente imóvel.

– Maravilha! – Caveira bateu as mãos uma vez. – Vamos encontrar logo esse coração e enfiar uma boa e velha estaca nele.

– Antes de irmos – Icabode disse, olhando em direção a uma luz no meio do mar, onde havia uma mulher de metal, gigantesca. – Precisamos passar em um último lugar.

 

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Publicado por

Felipe Cangussu

Felipe Cangussu é advogado, teólogo, professor, escritor e narrador de RPG há mais de uma década. Amante de todos os gêneros de literatura e filmes, gosta de rock e pagode, fala "biscoito" e "bolacha", crê no casamento de religião e ciência, gosta do calor e do frio.

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