Nos capítulos anteriores: Icabode e o detetive ocultista Sunday foram traídos pelo mafioso polonês Solomon Saks, que ao invés de caçar vampiros, como prometera, capturara um apenas para se transformar em um deles. Em seguida, Sunday apresentou a Icabode, Drake Sobogo, capitão dos Balas de Prata, pelotão especial da 2ª Guerra que caçava criaturas sobrenaturais. Drake era boxeador clandestino e era conhecido como Capitão Sangrento. Ele conhecia o vampiro capturado por Saks, pois Sunday havia lhe pedido certa vez que o protegesse, pois era um informante, mas Drake se recusara a ajudar um vampiro. Agora, Sunday o havia lhe chamado para conversar novamente.
– Me chame de Capitão Sangrento – Drake Sobogo disse ao ser apresentado a Icabode St. John. – Não quero meu verdadeiro nome sendo usado nesta conversa – ele olhava ao redor, desconfiado.
– Tudo bem, Capitão – Icabode assentiu. – Você já deve saber que nós estamos atrás do mafioso Solomon Saks.
– Eu estou aqui pelo vampiro – ele respondeu, lançando um olhar severo ao detetive Sunday.
– Eu sei, eu sei – Sunday precisava ser cauteloso ao falar com o boxeador de temperamento difícil. – Mas Solomon Saks mantém o vampiro prisioneiro. E suas intenções são nefastas. Ele pretende tornar a si próprio uma criatura da noite.
– Mas quem seria tão idiota para trazer sobre si tamanha condenação? – Drake fez uma careta de absurdo. – Se esse Saks deseja a morte, diga a ele que a levarei pessoalmente. E sem cobrar nada.
– Nós não pretendemos mata-lo, Capitão – Icabode interveio. – Nosso negócio é apenas com o vampiro. Precisamos invadir seu cativeiro e mata-lo. Nenhum homem deve morrer.
– Quem é esse garoto? – Drake olhou para Sunday, irritado. – E por que ele pensa que pode dar ordens a mim?
– Eu não estou dando ordens, capitão – Icabode se explicou.
– Ele é o maior interessado nesta missão – Sunday rapidamente completou. – Seu pai foi morto pelo vampiro Anatole – ele ergueu a mão de icabode, mostrando seus dedos decepados. – E ele o caçou e o matou com as próprias mãos.
– Ele mereceu, assim como todos os vampiros merecem – Icabode beijou seu crucifixo. – Mas condenar os homens já não cabe a nós. Apenas a Deus.
Drake olhou para a mão de Icabode e para as feridas em seu rosto, e silenciosamente reconheceu que aquilo fora um feito e tanto. O rapaz acabara de receber o seu respeito. O boxeador olhou ao redor, refletindo. Sua intuição o mandava trabalhar com aqueles dois, mas seus olhos circulavam pelo apartamento, sempre em busca de algo suspeito. A cada balançar das venezianas, o som de buzinas, sirenes e brigas que vinham da rua, ele tencionava seus músculos. Olhou pela cozinha, contando quantos copos usados estavam sobre a mesa. Se havia algum sinal de que não estavam sozinhos ali.
A sala de estar ficava três degraus mais baixa do que o resto do apartamento. Os sofás de couro com pernas cilíndricas de madeira, sobre o carpete bege… Aquilo tudo era delicado demais para monstros com cheiro de enxofre. Quadros coloridos, como o de uma moça tomando Coca-Cola, um circo itinerante cruzando um deserto, e outros, decoravam o ambiente. Não, eles não estavam escondendo nenhuma criatura demoníaca ali. Na mesinha de centro, o cinzeiro portava três charutos velhos, o que não queria dizer nada além de que Sunday fumava pra diabos. O Capitão Sangrento socou a própria mão.
– Qual é o plano?
– Entrar em silêncio, esta madrugada – Sunday explicou. – Encontrar o vampiro e… – ele deslizou o dedo pela garganta.
Icabode jogou duas estacas na mesinha e mostrou o crucifixo, indicando que aquilo era tudo o que ia usar. Drake não fazia questão de levar pistolas. Elas deixavam pistas. Seus punhos eram tudo o que precisava.
Enquanto Icabode explicava a estrutura do prédio, já que ele ficara lá durante uns dias, Sunday preparava sua mala com binóculos, cordas, lock pick, clorofórmio e outros de seus frascos especiais. Assim que a lua sumiu entre colunas de nuvens, o trio deixou o apartamento.
No estuário de Newton Creek, sob a ponte Pulaski, o grupo se reuniu para trocar de roupas. Do outro lado do afluente, no Queens, ninguém conseguia vê-los colocando seus casacos e luvas. Em seguida, o grupo correu até um prédio de quatro andares. Sunday conseguiu abrir a porta dos fundos, silenciosamente. Ali era uma região industrial, e não havia uma alma viva por perto. O detetive guardou seu equipamento de arrombamento e eles entraram em um cômodo escuro. Icabode tomou a iniciativa, relembrando do caminho para o lugar onde se encontrara com Solomon Saks pela primeira vez.
– Eu esperava que tivesse pelo menos um segurança no prédio – Sunday sussurrou. – Mas está vazio.
– Talvez eles não trouxeram o vampiro pra cá – Icabode respondeu, inconformado.
– Se ele não estiver aqui, nós vamos direto até a casa desse polaco filho da mãe – Drake resmungou, decidido.
Na escuridão eles atravessaram o lugar cheio de caixas. Havia uma porta e uma escada para o andar superior. Icabode abriu a porta e os três adentraram. O lugar tinha um cheiro forte de fumaça e de produtos químicos. Pelo eco, era um cômodo imenso. Havia um interruptor ao lado da porta, e ao acenderem a luz, viram algo terrível. Aquilo era uma cozinha de heroína, mas essa não era a parte do “terrível”. Dezenas de julacos dormiam em colchonetes, cercados de fuzis e metralhadoras. Todos acordaram assustados com a luz.
Estamos mortos, Icabode pensou, e no mesmo instante os poloneses começaram a gritar, pegando suas armas. Drake agarrou a gola de Icabode e o puxou para trás, enquanto Sunday fechava a porta novamente. Os tiros começaram, transformando a porta em lascas que choviam sobre os três.
– Para a escada! – Sunday gritou, e eles começaram a correr.
Conseguiram chegar no andar superior, e Drake Sobogo empurrou uma escrivaninha de ferro, bloqueando a porta. Ele tirou o sobretudo, e por baixo, estava vestindo apenas seu calção de boxe. Ele fechou os punhos e olhou para os dois.
– Vão atrás do vampiro. Eu seguro eles.
Icabode protestou, mas Sunday o segurou pelo braço e o puxou em direção à outra escada. Em suas costas, ouviram a porta ser derrubada, e o rapaz se virou a tempo de ver Troche invadir a sala. Drake o acertara com uma barra de ferro, e o som que ela fez na cabeça de Troche foi metálico, como se os dentes do julaco não fossem a única parte de seu corpo feita de metal. Outros criminosos adentraram o cômodo, e enquanto Troche e Sobogo lutavam, os outros começaram a atirar na direção de Icabode. Sunday o puxou, e os dois chegaram até o terceiro piso.
– Sunday! – Icabode gritou ao ver que sangue vertia da boca do detetive.
Uma bala o acertara na bochecha e saíra pelo outro lado. Os dois pararam de correr pra ele cuspir fora sua própria língua. Ele olhou para Icabode com os olhos molhados, e ambos souberam que iriam morrer antes de alcançar o vampiro.
– Só tem mais um andar, Sunday – Icabode gritou, invertendo os papéis e puxando o detetive pelo sobretudo. – Vamos pelo menos terminar a missão antes de morrer!
Mas antes que conseguissem chegar na escada seguinte, Troche atravessou a parede, coberto com sangue de Drake Sobogo. O julaco sorriu para eles antes de ataca-los. Sunday empurrou Icabode e se jogou contra o polonês. Troche agarrou seu pescoço com uma mão e o ergueu. Com a outra, ele perfuro a barriga do detetive, rasgando seus órgãos internos e atravessando até as costas. Seus dedos se projetaram para fora, cheios de tripas frescas.
Sunday olhou para Icabode, e um jorro de sangue grosso escapuliu pela sua boca e pelos buracos nas bochechas. Em seu olhar havia uma mensagem. Em seguida, o detetive segurou os dois braços de Troche, e empurrou a parede atrás de si, forçando os dois a ficarem perto da janela. Icabode correu e se jogou, empurrando-os com o ombro. Troche e Sunday foram arremessados contra o vidro, e despencaram em uma queda de dez metros.
Os outros criminosos chegaram no buraco da parede, e Icabode voltou a correr. Antes que subisse a escada, ele foi alvejado por uma rajada, e seu corpo foi perfurado em vários lugares. Em um último esforço, ele chegou até o quarto andar, e fechou a porta atrás de si. Ela era diferente, feita de aço e com trincas resistentes. Eles demorariam para entrar. Mas entrariam.
O cômodo era cheio de crucifixos, todos pregados na parede. Do outro lado, correntes amarradas em vigas de aço, prendiam os braços de um homem prostrado. O vampiro ergueu a cabeça em sua direção, fraco. Primeiro, ele mostrou as presas, tentando parecer ameaçador. Depois, mudou de expressão ao ver Icabode tirando a estaca do casaco.
– Você veio me matar? – o vampiro perguntou. Sua voz era suave, e seu semblante, dócil.
– E não há nada que você possa fazer! – Icabode bradou, cambaleando.
– Rápido! – o vampiro o apressou, olhando para a porta. – Eles vão abrir a qualquer momento. Trespasse meu coração!
Icabode ergueu a estaca acima de sua cabeça, mas aquela resposta não era exatamente o que estava esperando ouvir.
– Você está querendo me manipular, criatura!
– Não! – o vampiro respondeu, angustiado. – Não importa, só me mate rápido!
– Por quê? – Icabode se ajoelhou diante dele, ficando cara a cara. – Por que você está me pedindo isso?
– Porque eu sou um maldito vampiro! – ele respondeu banhado em lágrimas. – Me transformaram em um deles como punição! Eu irritei um membro da sociedade vampírica, e ele me deu essa não-vida! Mas você precisa me matar antes que Solomon Saks me use para criar seu exército!
– O quê? – Icabode abaixou a mão, incrédulo. – Que exército?
– Ele quer transformar todos os seus capangas em vampiros – declarou. – Você não sabia disso? Ele quer dominar Nova York, e governar sobre os mortais e sobre os próprios vampiros.
– Então eu preciso te matar – Icabode disse, fraco, sentindo a vida deixar seu corpo. – Mas… mas eu não queria.
– Como assim? Eu sou uma criatura da noite, você precisa me matar!
– Você não é mau – Icabode disse, chorando, surpreso. – Eu esperava um monstro, mas… você não é um.
– Claro que eu sou! Você não faz ideia do tanto que luto contra o desejo de sangue e de morte!
– Viu. Um monstro não lutaria – Icabode se arrastou para longe dele. – Você está fraco por causa disso – ele arrancou o crucifixo e o jogou pela janela. – Recupere a sua força antes que eles consigam entrar.
Sob os protestos do vampiro, Icabode arrancou os crucifixos um por um, e os jogou pela janela. No fim, ele estava deitado, e grande parte de seu sangue vertera para fora do corpo. Ele sentia seu corpo dormente, e estava tonto. A porta em suas costas fora derrubada, mas sua consciência apagou. Seu coração parou de bater e a vida deixou seu corpo para sempre.
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