Nova York

Icabode St. John [8]

Nos capítulos anteriores: O paradeiro de Drake Sobogo era desconhecido desde que Anthony Ritzo o capturara. Sunday também não era visto desde a derrota na fundição da máfia. Icabode estava sendo julgado pelo Conselho de Nova York, onde os vampiros burocratas diziam ter toda a autoridade. Após ele revelar os planos de Solomon Saks de se tornar vampiro para governar a cidade, o Conselho decidiu caçar o mafioso. Enviaram Icabode e Ivanovitch, o vampiro mais forte do mundo para se livrarem de Saks. Ao chegarem na mansão, Ivanovitch matou todos os seguranças e avançou sobre o mafioso, mas Saks os enganara, empalara o vampiro e atirou em Icabode. O mafioso revelou que já havia sido transformado, e em seguida consumiu a alma de Ivanovitch, e ficou super poderoso. Antes que matasse Icabode, descobriu que o garoto não estava mais lá. 

 

Alguns dias atrás, Solomon Saks fora chamado por seus homens até um de seus galpões, pois algo acontecera. Havia um conversível batido no interior do depósito, com o motorista morto. E no chão, um cadáver estava coberto por um lençol. O capanga ao lado puxou o lençol e Solomon viu que o morto estava carbonizado, e tinha uma estaca no coração.

– O que está acontecendo aqui? – Solomon perguntou.

– Senhor, este aqui é o Rabino – um capanga apresentou um homem de roupas informais, cheio de tatuagem e colares.

– Eu não sou exatamente um judeu praticante – Solomon respondeu, olhando para o novato, sem paciência.

– Eu não sou exatamente um rabino – o outro respondeu, mostrando os colares com pingentes de várias crenças. – Estou mais para feiticeiro. O Gólgota aqui me chamou para explicar a situação – ele apontou para um dos capangas.

– Por que você trouxe um forasteiro para o meu galpão, Gólgota? – Solomon olhou para o capanga de cabelos e barbas encaracolados.

– Acredite em mim, chefe. Você precisa de alguém como o Rabino para explicar essa loucura – o capanga sorria de forma demente. Ele foi até o cadáver carbonizado e arrancou a estaca de seu coração.

O corpo começou a se mover, estendendo os braços para Gólgota, enquanto este sorria, dando tapas nas mãos do defunto. Os caninos que saíam da boca do cadáver eram compridos, e seus olhos, vermelhos. Rabino ficou de cócoras ao lado de Anatole, e ficou passando a mão diante de seu rosto, provocativo.

– Senhor Saks, isso é um vampiro. E pelo grau de queimadura, ele deveria estar morto. Acho que temos uma criatura antiga aqui. Se você quiser leva-lo para um lugar protegido, podemos estuda-lo. Seu sangue tem propriedades muito especiais para o organismo humano.

– Quem fez isso com ele? – Solomon olhava com espanto para Anatole.

– É um garoto, Icabode – Gólgota respondeu, limpando a baba do canto da boca. – Ele está na enfermaria. Ele viu nossas armas e tudo mais, quer que demos um fim nele? – ele passou o indicador pelo pescoço.

– Quem quer que seja – Rabino pegou a estaca manchada com o sangue do coração de Anatole. – Ele sabia o que estava fazendo. Se eu fosse você, faria umas perguntas antes de se livrar dele.

– Você consegue mesmo estuda-lo? – Solomon perguntou para Rabino. – Será que ele tem escapatória?

Rabino sorriu pra ele, ansioso.

 

Nos dias seguintes, Solomon acompanhou os estudos de Rabino acerca do vampiro. Anatole recuperou a consciência e se regenerou plenamente. O feiticeiro garantiu que ele estivesse o tempo inteiro amarrado e cercado por cruzes. Solomon assistia tudo com fascínio. Em sua frente estava o segredo para a imortalidade.

Somente depois ele foi conhecer Icabode. O garoto convidara Sunday, o expert em vampiros, e aparentemente eles sabiam do paradeiro de outras criaturas como aquelas. Eles se uniram e foram atrás do esconderijo de um vampiro. Solomon o capturou e dispensou a Icabode e Sunday. Agora ele tinha dois vampiros cativos, e cada um deles tinha habilidades sobrenaturais diferentes.

Rabino explicou que assim que Solomon virasse um deles, ele poderia absorver os poderes dos vampiros cujas almas ele consumisse. O processo parecia ser simples. Bastava ingerir completamente o sangue do outro vampiro, que a alma viria junto, assim como seus poderes.

Não era seguro manter os dois prisioneiros no mesmo lugar, então Solomon deixou Anatole em seu bunker subterrâneo, e Leon na fundição de Green Point, ambos cercados por crucifixos, pois aparentemente a fé cristã tinha bastante poder sobre eles.

Acompanhado de Rabino e Gólgota, Solomon decidiu se transformar. Eles cortaram o seu pulso e o penduraram de cabeça para baixo para deixa-lo exangue. Depois tiraram uma gota de sangue do vampiro de Green Point e a pingaram em sua língua. Quando Solomon acordou, ele estava preso no banheiro, cercado de galinhas mortas que foram usadas para saciar sua primeira fome.

Rabino e Gólgota ficaram maravilhados e pediram para também serem transformados, mas Solomon disse para esperarem. Depois, ele foi até o bunker e mandou colocarem quadros com imagens de cruz no meio do cômodo, todos virados para Anatole. Solomon ficava atrás desses quadros, em segurança.

– Por que você não pediu para eu transforma-lo? – Anatole perguntou, prestativo. – Eu poderia fazer isso pra você. Eu tenho séculos de idade. Minha força é muito maior do que qualquer vampiro de Nova York.

– Do que você está falando? – Solomon olhou para ele com desprezo. – Acha que eu me tornaria cria de um negro? Você deve estar louco!

– Então me dê outra tarefa – Anatole pediu, engolindo o orgulho. – Faço qualquer coisa em troca de minha liberdade.

– Liberdade? – Solomon sorriu com deboche. – Você é a minha melhor carta na manga. Por que eu deixaria você ir?

– Diga-me, se eu tirasse esses quadros agora – Solomon disse, tocando na parte de trás da parede de cruzes. – Sua força voltaria ao normal, não voltaria? Quão forte você é?

– Muito – Anatole assegurou. – E eu poderia ensiná-lo a ficar assim.

– Você conseguiria quebrar uma parede com um soco?

– Facilmente – Anatole sorriu pra ele. – Solte-me e te mostro como fazer.

– Ensinar pra quê, se posso apenas consumir sua alma?

Anatole arregalou os olhos.

– Eu ficaria incrivelmente forte, não é? – Solomon perguntou, fechando os punhos, pensativo.

 

Não se passaram dois dias depois dessa conversa quando Solomon recebeu a ligação de que estavam invadindo a fundição. Era Icabode, Sunday e um homem negro. Solomon mandou que Troche protegesse ao vampiro. Poucos minutos depois, o Judeu de Ferro ligou, avisando que Icabode era um vampiro, e que fugira com o negro. E o prisioneiro havia fugido. Irritado, Solomon mandou que Troche voltasse à mansão imediatamente.

– Eles virão até mim – disse ele, e mobilizou os guardas da mansão para ficarem em alerta. Depois, foi até o bunker.

– Parece que sua hora chegou – declarou a Anatole, atrás dos quadros. – Eles virão me matar.

– Então me solte! – o vampiro pediu. – Eu posso ajudá-lo!

– Você vai me ajudar, sim. Mas não irei te soltar.

– Você precisa de aliados, Saks! Sozinho, você nunca irá vencer o Conselho de Nova York.

– Você está certo. Eu já estou em negociação com alguns aliados. Mas você não está entre eles. Como já disse, tu és minha carta na manga.

O barulho de tiros veio pela portinhola do bunker. Solomon fez um sinal para que seus capangas seguissem com o plano. Alguns deles foram até Anatole com estacas nas mãos.

– Eu posso ser muito útil! Sei de tantas coisas que você não iria acreditar.

– Eu sei que você sabe – Solomon respondeu com as mãos para trás. – E eu gostaria muito de ouvir sobre elas, mas infelizmente não temos tempo. Terei que usá-lo como meu último recurso.

Anatole chorou quando os capangas o empalaram direto no coração. Em seguida, eles derrubaram a parede de quadros, liberando o caminho para Solomon. Ele se aproximou e bebeu todo o sangue do vampiro, sugando até sua alma, enquanto os capangas subiam para enfrentar os invasores. Depois, o corpo de Anatole se desintegrou em um montículo de cinzas.

Solomon sentiu as veias de seu corpo pulsarem, e seus músculos bombearem. Ele sentia o poder percorrer o seu corpo, mais ainda do que quando sentira ao despertar como vampiro pela primeira vez. Anatole era poderoso, e agora seu sangue se misturara ao corpo do polonês. Ele tocava o próprio rosto, maravilhado. Controlou-se para não sair quebrando tudo ao redor. A tentação de explorar seu novo poder era grande, mas ele precisava lidar com os invasores.

– Você terá tempo de sobra para testar sua nova força – disse para si mesmo. Então pegou uma pistola e uma estaca e os guardou em seu roupão.

A portinhola do bunker dava para dentro de uma sala da mansão. Ele subiu as escadas para o segundo andar e encontrou com Gólgota, Rabino e outro capanga.

– Chegou a vez de vocês se tornarem imortais – Solomon declarou. – Façam os invasores pensar que nossa defesa é fraca. Deixe-os baixarem a guarda. Quando nos vermos novamente, vocês serão divindades.

Rabino assentiu, e Gólgota riu, ansioso. O outro capanga sentia apenas medo, mas os três foram em direção aos invasores. Solomon aguardou e ouviu o último tiroteio. Seus homens estavam todos mortos. Agora é a minha vez de agir, pensou, surgindo na galeria de sua sala de estar. Icabode e um vampiro corpulento estavam no térreo, esperando-o. Ele fez questão de descer, repassando o plano em sua mente.

Ele iria sacar sua pistola para trazer a atenção dos dois adversários pra ela, enquanto com a mão esquerda, iria enfiar a estaca no peito do grandão. Assim que chegou a hora, ele sentiu o sangue de seu corpo inteiro se mover com força para o braço esquerdo. Suas pernas ficaram bambas e ele ficou tonto. Sentiu os lábios secarem, e usou a maior parte do sangue para fazer um simples movimento. Se aquilo desse errado, ele seria morto, sem dúvida.

Sacou a pistola, e como esperava, o vampiro se jogou contra ela, erguendo-a para cima. Solomon puxou a estaca do roupão e a enfiou no peito do outro. No início, houve grande resistência. Ele achou que iria falhar, mas o sangue que ele gastara para aquela ação, mais a força sobrenatural de Anatole fizeram a diferença. Seus bíceps ficaram cheios de veias, e cinco vezes maiores. Seus dedos seguraram firmes a estaca, e ela penetrou a pele pétrea do vampiro. Os olhos de Ivanovitch ficaram molhados, e a ponta de madeira atravessou seu coração.

Eu estou fraco e posso cair a qualquer momento, e Icabode irá me destruir, Solomon pensou, deixando o vampiro paralisado em sua frente. Ele puxou a pistola, deu um passo para o lado e atirou várias vezes contra o garoto. Icabode caiu no chão, terrivelmente ferido.

O plano de solomon funcionara, e ele tinha mais duas fontes de vitalidade vampírica para consumir. Icabode e o vampiro corpulento. Com eles, ele teria ingerido a alma de três vampiros, e isso já lhe daria a força necessária para enfrentar a maioria dos cainitas de Nova York.

Para não perder tempo, Solomon mordeu o pescoço de Ivanovitch e bebeu todo o sangue, até sentir sua alma adentrar seu corpo. No fim, o grandalhão parecia uma grande ameixa com braços e pernas.

Em seguida, Solomon se sentiu a força e o poder correrem de volta em seus músculos, e ele sabia que era invencível. Foi até o seu carro que por algum motivo estava no meio da sala de estar, e o partiu em dois. Estou terrivelmente forte! Ele queria gargalhar, e estava ansioso para consumir a alma de Icabode também. Aquela sensação era boa, e ele estava ficando viciado nisso. Mas ao olhar para o lado, o garoto havia sumido.

Procurou desesperadamente por ele, mas nunca o achou. Troche chegou logo depois, e Solomon disse para ajuda-lo a levar os corpos para o bunker.

– O sol vai nascer daqui a pouco – Solomon disse ao Judeu de Ferro depois de colocarem o último corpo no bunker.  – E a polícia virá antes disso. Você precisa dizer a eles que estou em uma viagem, incomunicável. Reúna alguns homens e diga que eles trocaram tiros com bandidinhos que tentaram assaltar a mansão. Diga que os delinquentes fugiram assustados – ele girou a mão, como se não tivesse importância.

– E o carro na sua sala de estar? – Troche perguntou, olhando para o buraco na parede. – O que devo dizer?

– Se você quiser ser meu braço direito, terá que ser criativo e independente – Solomon rosnou para ele. – Se vire! E amanhã, ao anoitecer, leve comida ao bunker.

Solomon desceu a escada do bunker e fechou a portinhola. Havia mais de quinze cadáveres de seus capangas no centro. Ele sugou o sangue de todos eles, deixando-os completamente secos. Em seguida, fez um corte no braço e pingou uma gota na boca de cada um. Não tinha tempo de pegar animais para que eles se alimentassem ao acordar, e provavelmente a loucura da fome os fariam atacar uns aos outros.

– Que a lei do mais forte me dê os melhores – Solomon disse, se trancando em um quarto de metal.

No início da noite seguinte, ele abriu a porta e olhou ao redor. Havia tripas e pedaços humanos em todas as direções. A batalha fora sangrenta, e apenas dois sobreviveram. Rabino e Gólgota se viraram para ele, instintivamente. Ao verem seu mestre, ambos curvaram a cabeça em submissão. Seus olhos ainda estavam levemente vermelhos.

A portinhola abriu e Troche desceu. Solomon olhou para os três, todos caminhando sobre restos mortais, e disse:

– E assim começa a nova ordem de Nova York. Eles serão meus súditos, e eu serei seu rei. E vocês, meus caros – Solomon olhou para os três, mostrando um sorriso -, serão os príncipes desta cidade.

 

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Publicado por

Felipe Cangussu

Felipe Cangussu é advogado, teólogo, professor, escritor e narrador de RPG há mais de uma década. Amante de todos os gêneros de literatura e filmes, gosta de rock e pagode, fala "biscoito" e "bolacha", crê no casamento de religião e ciência, gosta do calor e do frio.

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