— Deve ter sido algo magnífico… — Comento, enquanto me agasalhava.
— Estava presente, na ocasião. — Ela diz, fechando a porta do local e saindo para fora, para caminhar ao meu lado. — Nosso líder encarregou alguns de nós, os mais aptos e propícios a se comunicarem, para realizar o contato. Recordo-me de minha ansiedade na hora, bem como do nervosismo de todos…
— Medo de serem rejeitados?
— E de não sermos compreendidos… — Mariah acrescenta. — Adão e Eva, como já lhe disse, eram o auge da perfeição. Contemplá-los, tão intimamente, era vislumbrar a personificação mais sublime de todo o nosso esforço. Visitámo-nos durante o crepúsculo, quando o Criador “fechou os olhos” e ficou alheio a situação deles.
— Então esse é o fruto proibido? — Pergunto, interessado. — Está me dizendo que o “pecado original” se resume no fato deles aceitarem suas companhias?
— E de aprenderem conosco! De explorarem, como deveriam, suas capacidades e totalidades.
— Fascinante… — Comento, parando no meio-fio, enquanto o sinal impossibilitava a passagem.
— Zombas disso?
— Certamente não. — Respondo. — Só acho curioso o fato de suas boas intenções originarem uma sociedade como essa… Não sei como é o seu amor a eles hoje, caído, mas não vejo nada. Nada além de parasitas! Seres imundos, fadados a uma vida de miséria…
— Você já foi um deles…
— Sim, há muito tempo… E quer saber? Não sinto falta.
— Como assim? O que quer dizer?
— Quero dizer que o problema, na sua história, não tem nada a ver com a causa… Ou a razão. — Explico. — O problema reside neles, demônio. Nos humanos pelos quais se sacrificaram e descaíram.
— Não eram assim, no início…
— Mesmo depois de tudo… Você ainda os defende…
— Como poderia não defender? — Ela pergunta. — São vítimas, cainita. Moldados por nossas atrocidades, disputas e, principalmente, tolices.
— Do que está falando?
— Da época após nossa “descida”. Dos tempos de ira, de guerra e de embate celestial…
Lembranças da Criação #5
Autor: Rafael Linhares.
Padronização e Arte da Capa: Raul Galli.