Florianópolis, em sua versão WoD, é um espelho geográfico e histórico da mesma cidade no mundo real, com pequenos ajustes que podem favorecer a narrativa. Sabe-se que nas crônicas da White Wolf, o cenário Latino Americano, e, portanto, o Brasil, é uma grande área de influência do Sabá, o que não significa que não existam outras seitas e grupos vampíricos carregando sua sede de sangue por aí.
Para esse cenário, decidi, junto com os jogadores, criar um ambiente em que todos os integrantes da mesa possam jogar e narrar. Uma tentativa de narrativa compartilhada, em que todos podem usar do cenário base e NPC’s que criei para produzir uma crônica e desenvolvê-la na mesa.
O contexto histórico mundial no momento da trama em que estamos jogando
Os movimentos da Gehenna estão pulsando, mas os de sangue fraco não foram envolvidos. Os vampiros de sangue mais forte voltaram para suas origens, e no Brasil ficaram os vampiros de sangue mais fraco. Na sociedade vampírica, os Independentes e o Sabá conquistaram quase todo o espaço nacional. O crescente do Movimento Anarquista assusta os vampiros mais presos às suas estruturas de poder. Todos esses movimentos da sociedade dos não-vivos têm repercussões diretas nas políticas da humanidade, sejam elas conservadoras ou revolucionárias.
Há em Florianópolis uma organização da Camarilla mostrando resultados ao se organizar. Será um novo levante da ordem? Será que os presságios da Gehenna foram interpretados de maneira precipitada? Porque a Torre está se levantando novamente?
Florianópolis
Sem grandes diferenças históricas e geográficas, mas com toda ambientação de que um cenário cyberpunk, gótico e distópico pode oferecer. A presença das criaturas noturnas, com sua sede de sangue e tramas políticas por poder e ganância acabam criando para as pessoas normais um ambiente que as torna também mais taciturnas, mesquinhas e egoístas. Os mortais não entendem o que acontece por detrás das cortinas, mas sabem que algo está se movimentando, fazendo crescer sombras, medos, horrores e até loucura. Todos fingem viver uma vida normal, mas os mais espertos e mais despertos pressentem os eventos que podem mudar tudo, e, provavelmente, a mudança vai ser pra pior.
Camarilla
Após o êxodo dos membros mais antigos para a Europa e Oriente Médio, onde parecem estar se concentrando os movimentos da Gehenna, o pobre Joker, um Malkavian inteligentíssimo, vadio, descolado e que, outrora, fora membro da terrível Camarilla de Sombrio City (um cenário bastante caótico que joguei há anos atrás)percebeu sua amada mestra agindo de maneira estranha, falando línguas estranhas, reagindo a alucinações, e, enfim, decidindo se juntar a grande guerra. Sem muitas explicações, Milena apenas disse: “Não se preocupe, Jo, eu vou voltar! Fique na minha casa, cuide dela, mantenha-a em ordem! Quando eu voltar, quero tudo no lugar!” Entregou-lhe um cartão com o endereço de um apartamento no hotel Majestic na Beira-Mar Norte de Florianópolis, e se foi.
Deste dia em diante, Joker, voltou a usar seu nome, Willian, assumiu a postura de um homem sério, rígido, perfeccionista, exigente e estratégico em política, finanças, militarismo e crimes. Passou as noites dos últimos dez anos transitando pelas noites das cidades, fazendo contatos, procurando membros com interesses em comum, até que conseguiu reunir um grupo de membros que julgou serem capazes de fazer de Florianópolis um reino para a sua amada mestra e majestade poder voltar e desfrutar. Se ela queria apenas a casa, ou queria algo maior, isso é algo que somente Joker, Adriano (um amigo misterioso) e ela podem saber.
Atualmente
Willian é o Príncipe da Camarilla de Florianópolis. Exerce seu domínio de maneira complicada, pois de alguma maneira ele consegue manter todos os anciãos subordinados a si, mesmo que o clima entre eles não seja sempre amistoso. Ele exige que os membros sejam treinados para batalha, espionagem e investigação e inclusive subsidia isso. Não quer que a sua Camarilla seja um clubinho de sanguessugas que se escondem juntos, mas quer que sejam um grupo de elite, com pouquíssimos e excelentes membros capazes de constituir o poderio de uma Torre. Sua palavra é a lei, quem não a segue sofre as duras consequências.
(P.S. Essa breve história sobre Joker, Adriano e Milena não é de conhecimento dos personagens dos Jogadores, mas é importante para quem quiser narrar. Eu fiz também um breve background para os demais personagens importantes da Camarilla, mas com menos profundidade que esse. Os outros, pretendo desenvolver posteriormente, bem como também pretendo apresentar algumas das personalidades terríveis que tínhamos na mesa de Sombrio City).
O ponto de vista da Camarilla sobre: Sabá
Como é de se esperar, muitos membros, muitos rituais, muitas orgias, muita bestialidade e liberdade para a besta. Mas isso não significa desordem e caos completo. Enquanto suas crias cainitas seguem se reproduzindo, os bispos, arcebispos e cardeais se organizam para aprofundar seus conhecimentos sobre as Trevas e sobre a Besta interior, para serem capazes de ser, cada vez mais, aquilo que realmente são: vampiros. É preciso viver essa natureza. O arcebispo Sirius perdeu muito de seu domínio nos últimos anos, mas pretende reconquistar com a ajuda de um Cardeal, recém chegado à ciadade. Em pouco tempo (para vampiros imortais), os ânimos podem ficar exaltados. Uma guerra é iminente, os mortais sentem a pressão e tensão da rivalidade entre as duas seitas, e mesmo sem entender, temem pelo que pode acontecer.
O ponto de vista da Camarilla sobre: Lupinos
Sabe-se que eles dominam os morros e matas da Ilha da Magia. A natureza exuberante lhes anima o espírito, ao passo que a urbanização e os turistas os causam cada vez mais incômodos. Seja como for, eles não se preocupam tanto com os movimentos da sociedade, seja dos vivos ou dos mortos, mas se dedicam a serem guardiões de Gaia e evitar o crescimento da Wyrm. Ainda não sabem o que é, mas um “ninho de Wyrm” apareceu no Mangue do Itacorubi. Esse fenômeno atraiu membros do Sabá, então os garou fizeram um acordo com a Camarilla. Ela deve manter os Sabá afastados do mangue, e os membros da Camarilla podem transitar nos domínios dos garou, desde que se comportem como se fossem humanos normais. Caso se alimentem de alguém ligado aos lobisomens, o ancião da tribo tem liberdade para execução sumária do membro incauto que o fizer.
O ponto de vista da Camarilla sobre: Magis
Certamente há presença de magos, mas quem os conhece? Quem sabe onde estão? O que fazem? Quais seus interesses?
O ponto de vista da Camarilla sobre: Fadas
Por mais estranho que pareça, a Camarilla foi vítima da traquinagem de uma fada há pouco tempo. Ela se mostrou e se apresentou como uma fada, mas parece complicado de acreditar, até porque ela tinha uma presença escura e fria, embora fosse uma mocinha do tamanho de uma criança, com asas de borboleta azul escuro e vestida nos estilo Sininho. O absurdo parece confundir e negar uma possível verdade.
O ponto de vista da Camarilla sobre: Caçadores
Até agora a Camarilla não foi vítima de caçadores, mas ocasionalmente algum membro do Sabá tem desaparecido. Alguns bandos dizem ter visto uma “freira que faz os vampiros virarem pó”, mas isso não tem nenhuma evidência até o momento. Exceto o fato de que os vampiros, que seriam capazes de entrar em Igrejas normalmente, não têm conseguido fazê-lo e tem evitado os símbolos cristãos com frequência e temor maior do que o normal.
Isso é Mundo das Trevas, incertezas e tramas complicadas e misteriosas a serem desenvolvidas. Sua própria não-vida a ser vivida e preservada é o que importa.
Bem vindos à Florianópolis Noturna!
Sobreviva! Se tiver forças pra isso.
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Uma explosão em um prédio que se descobre ser uma instalação governamental secreta, um vírus é liberado acidentalmente, se espalha pelo ar e contamina a maior parte das pessoas.
As pontes são fechadas, impedindo que os cidadãos saiam da ilha e são orientadas a ficar em isolamento em suas casas até segunda ordem, algo está muito errado.
No quarto, os três ouvem um estouro de madeira se partindo com um forte impacto.
Com o susto, Lindemberg se agarra no braço do irmão mais velho.
– Caramba, caramba, que que tá acontecendo?!
Ana, tendo um surto de adrenalina sai correndo para fora do quarto, buscando a razão de todo o alvoroço, correndo com os punhos cerrados, achando estar pronta para o que estiver acontecendo.
Assustado, Lindemberg tem ainda mais convicção que Ana realmente é maluca. Enquanto isso, Anira procura algo que possa usar para se defender.
O cético e algo incompreensível
Ao arrombar a porta com um chute, Paulo nota que a pessoa que estava do outro lado da porta foi arremessada para dentro do quarto.
Ao ver a pessoa, ele nota que é uma mulher e ela está totalmente ensanguentada, sua camisola goteja sangue.
Vendo a pessoa no chão, Paulo abre toda a porta e questiona preocupado.
– Moça, o que que aconteceu? – Ao dar o primeiro passo para dentro do quarto, Paulo vê que o chão está encharcado de sangue.
Em auxílio, ele se abaixa e tenta sentir a pulsação da mulher, mas não há nenhuma para ser sentida, porém ela está se mexendo, tentando se levantar novamente e tentando agarrar a mão de Paulo.
Porém ao tentar se levantar, ela escorrega e somente consegue acertar um tapa no braço de Paulo, que se ergue, apreensivo, vendo a hostilidade da moça e, agora apontando sua arma para ela, se afasta até o corredor.
Nesse momento, Ana, que havia saído do quarto 414, vê Paulo recuando de dentro de um apartamento, apontando a arma para algo que está lá dentro. Ainda em seu ápice de adrenalina, Ana corre em direção a Paulo.
Quando os mortos não ficam mortos
Dentro do quarto Anira e Lindemberg estão amedrontados, sem saber o que fazer.
Lindemberg vai para trás do irmão, que se direciona para a porta e diz.
– Não vai não cara, não vai. Tranca essa porta!
– Fica aqui e fica quieto, eu vou ver o que tá acontecendo.
Nesse meio tempo, a mulher ensanguentada consegue se levantar e avança em direção a Paulo.
– Senhora, último aviso, deita no chão!
À esquerda, Paulo ouve passos correndo em sua direção, se aproximando rápido. Voltando ao foco na moça que sedentamente avança em sua direção, ele atira, abrindo um rombo no peito dela, onde fica o local do coração.
Com um tiro à queima roupa, a moça é projetada para trás, caindo novamente no chão banhado de sangue dentro do apartamento.
O tiro foi tão letal que quase todo o coração da moça foi arrancado de seu peito, o estilhaçando para trás.
Neste momento, Ana chega ao lado de Paulo César, que aponta a arma para ela, mas vendo de quem se tratava, volta sua atenção à moça que se encontra estática no chão.
– Moça! Chama a polícia agora, chama reforço! Diz que é o Paulo César!
Nesse momento, vendo com um resquício de visão periférica, Paulo nota que a moça que ele acertou fatalmente está se mexendo, tentando se levantar.
Pavor
No quarto, no momento que Anira decide olhar pela porta, ouve o estouro seco do revólver, Lindemberg entra em pânico, gritando pelo nome do seu irmão, pedindo auxílio e procurando outra forma de sair do quarto, cogitando até a hipótese de pular do quarto andar.
Vendo o pânico de seu irmão, Anira lhe dá um tapa no rosto, para que ele recobre a consciência.
– Calma! – Ela diz ao seu irmão.
– Mas foi um tiro irmão!
– Eu sei que foi um tiro! Calma!
Nesse momento, Anira sai do quarto para ver o que está acontecendo no corredor. Dentro do quarto, Lindemberg tenta se acalmar, sentindo o calor do seu rosto, produzido pelo tapa.
Acontecimentos extremos pedem medidas extremas
Ana ignora o que Paulo pede e procura um extintor de incêndio, algo que possa usar para acertar a pessoa que teima em se levantar.
Ela encontra um próximo ao elevador, e quando chega perto dele, nota que o piso dentro está cheio de sangue, algo muito macabro aconteceu ali.
Paulo decide entrar no quarto novamente. Atônito, sem entender mais nada, ele só encara a mulher no chão, com um rombo no peito, perto do ombro esquerdo, que ainda tenta se levantar a todo custo.
Olhando com mais atenção, Paulo nota que o ombro dela não está mais respondendo a vontade do corpo, trazendo muita dificuldade para que a moça tente se levantar.
Pela primeira vez Paulo nota que os olhos dela estão completamente brancos e a boca, tentando morder algo, que ela não encontra.
Ele apoia seu pé no ombro que não foi danificado, impedindo que ela se levante e questiona.
– Moça, que droga é essa que a senhora está usando?!
Nesse meio tempo Ana agarra o extintor e se dirige para dentro do quarto. Entrando no local, ela vê Paulo imobilizando a moça e grita.
– ATIRA NA CABEÇA!
Vendo a situação, Anira, que estava no corredor, entra novamente no quarto e tranca a porta.
– Berg, essas pessoas são loucas! Fica quieto aqui!
Revelações? Ou drogas?
A moça imobilizada no chão tenta inutilmente mexer o outro braço, como se não entendesse o que está acontecendo, tentando morder Paulo a todo o custo, em uma fome doentia e insaciável.
– Moça do cabelo estranho, você não me ouviu ainda?! – Paulo olha para Ana e tenta novamente fazer com que ela o escute. – Essa moça aqui, ela está drogada, então chama uma ambulância e a polícia, bota os outros dois no quarto e larga essa porra de extintor que não té pegando fogo em lugar nenhum! E como assim atira na cabeça?
– Ela é um zumbi!
Rindo da situação, Paulo não tem condições de acreditar na constatação de Ana, seu ceticismo não o permite.
Nessa discussão, vendo que nenhum de seus argumentos seriam levados a sério, Ana tenta colocar Paulo para o lado a fim de acertar a mulher, que já deveria estar morta, na cabeça com o extintor.
Paulo tenta a impedir, se colocando na frente dela, porém a situação não está fácil para ele e Ana lhe dá um encontrão com o extintor, que o desestabiliza, saindo da frente, porém libertando a moça que estava se debatendo no chão.
Se aproveitando dessa situação, ela agarra a perna de Paulo, tentando freneticamente mordê-lo, mas em um golpe de agilidade, ele consegue se desvencilhar, se jogando para trás e se aproveitando dessa oportunidade, atira na cabeça da moça que o atacou.
Com um tiro à queima roupa, o zunido ensurdecer em seus ouvidos causa dor, toda a massa craniana se espalha sobre suas roupas, mais em Paulo, que estava ainda mais próximo, suas roupas sempre bem cuidadas agora estão encharcadas de sangue e miolos.
Vendo a cena, Ana entra em colapso, por maior que tenha sido seu impulso em acertar o extintor na cabeça da mulher, ela não estava pronta para isso e a cena de tiro a leva diretamente para o dia em que seu namorado foi morto, em um tiroteio.
– Menina, não sei o que aconteceu, mas não tá certo. – Paulo tenta dar direcionamento a situação. – Chama o André, chama o Lindemberg e vamos sair daqui.
Sem escutar o que Paulo lhe diz, em choque, ela senta no chão, chorando e soluçando, sem conseguir ter qualquer reação.
A verdade também está lá fora…
No quarto, com o segundo tiro, Lindemberg apavorado só acha que alguém está invadindo e matando todo mundo.
Tentando conter o pânico do irmão, Anira lhe dá mais um tapa, tentando chamá-lo novamente para a realidade.
– Quem estava armado era o seu segurança, ele que deve ter dado os tiros.
– Ou atiraram nele, se deram dois tiros, um foi nele e o outro na Ana.
– Calma, ou ele deu dois tiros em alguma coisa. Calma, vai dar tudo certo.
– A gente precisa procurar algo pra se defender e se esconder, ao menos a gente vive um pouco mais.
Dizendo isso, Lindemberg sai em busca de algo que possa ser usado como arma e de alguma outra rota de fuga.
Quando ele esta na janela, nota que está chovendo e que há algo realmente estranho acontecendo na rua.
Várias pessoas correndo, gritando, fugindo, umas das outras. Algumas pessoas frenéticas correndo atrás de outras e quando elas as alcançam, se lançam sobre elas, poças de sangue se formam, parece que umas estão devorando as outras.
– André! André! André! Vem cá cara! É o apocalipse zumbi cara!
– Eita porra! – Desolado com aquela visão horrenda.
Tentando localizar uma forma de sair do local pela sacada, Lindemberg inclina a cabeça para olhar para baixo. Nesse exato momento, um corpo cai do andar de cima! Se caiu, se jogou ou foi jogado, não há como saber.
A verdade os alcançará
No corredor, vendo que Ana estava em choque, Paulo decide investigar um pouco mais o local onde se encontra o cadáver.
Ele fecha a porta do quarto e tenta não encostar em nada relacionado ao ocorrido e depois disso, se dirige ao frigobar para procurar algo para beber.
Entrando mais no quarto, Paulo nota que ao lado da cama há um pequeno cadáver, um bebe.
Essa criança está parcialmente devorada, tendo grandes semelhanças faciais com a moça que Paulo recém deu dois tiros, indicando um parentesco.
Há roupas de outras pessoas no quarto, mas não tem mais ninguém além do bebê, da mulher morta e de Paulo.
Num ato piedoso, Paulo cobre o corpo da criança com um lençol branco. E vai até o frigobar e pega duas bebidas, que virou direto na boca, em uma sede por sanidade que só poderia ser concedida por estas bebidas.
Neste momento, olhando mais uma vez para o cadáver da criança que ele acabou de cobrir com o pano, ela começa a se mexer. Sem ter mais condições de ver algo assim, Paulo sai do quarto e tranca a porta atrás de si.
Ao sair, ele encontra Ana ainda em choque, agachada contra a parede, chorando.
– Ahmm moça, eu entendo que a situação seja grave, mas a gente não pode ficar aqui parado, temos que ver como estão os dois ali no quarto e depois irmos para uma delegacia, um lugar seguro, porque parece que ninguém ouviu os tiros, ninguém veio ver o que aconteceu. É possível que esse hotel já esteja vazio.
Prestando um auxílio, Paulo tenta levantar Ana do chão e direcioná-la para o quarto.
O ouvido deles ainda está prejudicado pelo barulho do tiro a queima roupa, mas à medida que ele vai melhorando, ambos começam a ouvir passos, vários passos, vindo da direção da escada.
Aumentando seu esforço, Paulo levanta Ana e ambos vão à porta do quarto 414.
Ana logo que chega a porta, tenta abri-la, porém, ela está trancada.
– Ei, vocês dois! Abram a porta!
– O que vocês fizeram aí fora? – Questiona Anira, preocupada – Nós ouvimos tiros!
– Nós fomos atacados, a gente precisa sair daqui rápido, os quatro!
– Onde que tá o Paulo?
– Lindemberg, André – Responde Paulo, que estava ao lado de Ana – Saiam do quarto, precisamos sair daqui agora.
O barulho dos passos está cada vez mais alto, agora nitidamente misturado a gritos e gemidos de agonia.
– Abre a porta! Abre a porta agora! – Exige Paulo, sentindo um arrepio que percorre toda a região de sua coluna. – Abre isso logo e vamos sair daqui!
Atendendo a exigência, Lindemberg abre a porta e é puxado para fora por Paulo que ordena – Vão pro elevador, agora!
Anira vem logo após, assustada, tentando separar Lindemberg das mãos de Paulo, e este ordena novamente.
– Corre pro elevador pessoal! Corre que tá complicada a situação!
– Ana pega a mão de Lindemberg e começa a puxá-lo em direção ao elevador, ambos irmãos estão assustados com todo o sangue na roupa dos outros dois, que nitidamente não pertence a eles.
Sem tempo para explicações, todos correm em direção ao elevador, que fica ao lado da escada de incêndio, de onde vem os passos, que estão cada vez mais próximos, parecendo cada vez mais até dentro de suas cabeças.
Apertando o botão para que as portas do elevador se abram, a porta da escada também se abre e alguém sai de lá, a primeira pessoa de dezenas que se aglomeram nos corredores.
Todos entram no elevador e por impulso apertam o térreo, local onde deixaram os carros e onde imaginam ser mais viável a saída.
Quando a porta se fecha, o elevador começa a descer.
– É verdade que é um ataque zumbi? – Questiona Lindemberg, aflito com a situação.
– Ataque zumbi o que?! – Tentando se apegar a sua experiência, Paulo nega com toda sua convicção. – Todos vocês reiniciem os celulares, a rede deve estar com problemas, liguem para os pais de vocês que eu deixo vocês em casa.
Ana tenta explicar a situação que aconteceu no quarto, toda a estranheza da situação, uma mulher levando um tiro certamente letal no peito e continuar se mexendo, até levar um tiro na cabeça, mas isso é algo que só conceitos de filmes poderiam explicar, como zumbis.
Antes que ela pudesse continuar, o elevador dá um solavanco, ficando preso entre o térreo e o primeiro andar.
– A gente vai morrer! A gente vai morrer! – É a única coisa que passa pela cabeça de Lindemberg.
E mais um dos tapas calmantes de Anira faz com que Lindemberg recobre a lucidez.
– Presta atenção, eu vi um monte de gente correndo na rua e outras atrás comendo elas, parecia mesmo como um ataque zumbi, um monte deles! E a gente tá indo lá pra porta do hotel!
– Olha só, agora falando sério, eu não sei o que vocês tão na cabeça… – Paulo ainda incrédulo.
– Você nunca viu filmes não Paulo?
– Eu não sei o que está acontecendo, não sei se isso é um apocalipse zumbi, mas precisamos sair daqui!
Paulo ainda tenta justificar, dizendo que são drogas, alguma guerra entre gangues ou algo do tipo, mas nada é tão razoável quanto a explicação de um apocalipse zumbi.
– Paulo, vamos pensar que são drogas mesmo, você sabe como abrir essa porta do elevador?
– Aperta o botão de emergência Ana, isso vai chamar alguém.
Uma luz dentro do elevador começa a piscar, mas nenhum sinal de auxílio pode ser notado, nenhuma voz aconchegante indicando que há esperança do lado de fora das portas.
Olhando ao redor, Anira decide olhar para cima e vê um alçapão no teto, enquanto Paulo tenta abrir a porta do elevador na força bruta.
Anira pede ajuda para subir e recebe apoio de Paulo, ela consegue levantar o alçapão e subir na parte superior do elevador.
Cabos e uma imensidão escura se direcionam acima deles, na frente metade da porta do primeiro andar se faz visível.
Ela explica a situação para as pessoas ainda dentro do elevador e todos decidem por tentar abrir a porta de dentro do elevador e pular para o térreo.
Procurando por algo que possa ser usado para servir como alavanca, Anira encontra uma chave de fenda, esquecida entre os cabos sobressalentes soltos sobre o teto do elevador.
– Eu achei uma chave de fenda! Vou descer!
Com calma, para não quebrar a chave de fenda, com tempo, finalmente conseguem abrir as portas e ver a recepção.
Paulo decide descer primeiro, para ajudar os outros depois, se esticando o máximo possível para ver a situação na recepção.
Vários vidros quebrados, mesas e poltronas viradas, muito sangue em todos os lados, nas paredes, no piso e corpos, pessoas mortas para todos os cantos.
Com pouco cuidado, Paulo desce do elevador, fazendo barulho quando seus pesados pés tocam o chão da recepção após o pulo.
Nesse momento, Ana já se prepara para descer do elevador quando nota que alguns cadáveres agora estão sentados, olhos brancos, desorientados.
Quando ela desce, causa outro estouro no chão, o som de seu corpo se projetando no amplo cômodo da recepção.
A próxima a descer é Anira. Quando ela se projeta para descer, os corpos sentados estão procurando algo, confusos, parecem atordoados, como se recém despertos de um longo e conturbado sono.
Vendo isso, ela decide tomar cuidado para não emitir mais sons e acordar ainda mais os recém despertos.
Porém, nesse momento, Ana nota que as pessoas começam a levantar, desorientados ainda, procurando o que os acordou.
Anira ajuda seu irmão a descer enquanto Ana mostra a cena para Paulo.
– Eles podem nos ver? – Ele questiona – Tem outra saída?
– Talvez, vamos ter que sair pela porta dos fundos, sei lá..
– De qualquer forma vamos ter que passar pelo saguão…
Lindemberg pensa em sair e tentar abrir um caminho, quando a mão de Paulo o agarra pelo colarinho.
– Onde que tu vai guri? Tá maluco?
Quando Paulo termina de falar, todos os corpos param de se mover aleatoriamente e começam a fazer um barulho, um som gutural baixo, que parece estar na mesma frequência, parece estarem se comunicando.
E todos olham na direção dos quatro.
Continua…
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Baseado na campanha Floripa em Chamas mestrada por: Douglas Quadros Texto de: Diemis Kist Revisão de: Milles Araujo e Douglas Quadros Arte dos Personagens: Iury Kroff
Uma explosão em um prédio que se descobre ser uma instalação governamental secreta, um vírus é liberado acidentalmente, se espalha pelo ar e contamina a maior parte das pessoas.
As pontes são fechadas, impedindo que os cidadãos saiam da ilha e são orientadas a ficar em isolamento em suas casas até segunda ordem, algo está muito errado.
E no meio dessa confusão, Lindemberg, um garoto de apenas 16 anos, jogador e streamer de jogos de computador, filho de um renomado senador, morando atualmente em Brasília, está em Florianópolis visitando seu irmão André, que mora na região de Canasvieiras, e sendo escoltado por Paulo César, com seus mais de 50 anos, sendo 32 a serviço honroso à Polícia Civil, o qual lhe presenteou com uma calvície e cabelos grisalhos, prestando um favor para o pai de Lindemberg.
Quando o caos começou a se espalhar e a ordem de isolamento social foi dada, Lindemberg e Paulo César se encontravam em uma espécie de convenção criada por Dead Seeker, alter ego de Lindemberg quando faz streams de jogos de computador, como o aclamado Counter Strike Go.
Sabendo dessa ordem de isolamento, André saiu em auxílio de seu irmão, para avisá-lo e auxiliar no que fosse possível.
André é uma pessoa fora dos padrões de sua época, talvez por isso sempre houve rebeldia com os padrões familiares tão cuidadosamente tecidos por seu pai e mãe. Ele desde muito cedo viu nas roupas, saltos e joias da mãe um alento a máscara tóxica que, pelos padrões de sua família, era obrigado a seguir.
Até o ponto em que saiu de casa, em uma briga familiar, vindo se abrigar na vida noturna de Florianópolis como a drag queen Anira Dick.
A convenção estava sendo realizada na praia de Canasvieiras, no Resort Canas Plus, mais nobre resort da região.
Paulo César, André, todo transformado em Anira Dick, e Lindemberg já se encontram isolados no quarto 414 do resort. Impedidos de sair de forma alguma, recebendo alimentação e toalhas limpas sempre deixadas na porta do quarto.
O clima está tenso e piorando com o passar das horas, um policial clássico e conservador com seus 53 anos, um adolescente medroso e um adulto no auge de sua rebeldia, transformado em seu personagem drag queen, Anira Dick, com certeza não é uma junção saudável em um pequeno quarto de hotel e para piorar, já se passaram 3 dias desde que esta ordem de isolamento começou.
Hoje, ainda o serviço de quarto não veio e já está atrasado, quando repentinamente, os três ouvem bater na porta.
Más notícias…
Lindemberg corre para procurar e colocar sua máscara, sua personificação de Dead Seeker, com medo de que alguém possa o reconhecer e de alguma forma, ligá-lo a sua família.
– Vai dormir moleque… – esbraveja Paulo, já acordado a algumas horas, como todo bom senhor de idade e ainda mais irritado do que de costume.
Olhando para Lindemberg, com uma cara de desaprovação, André, ou melhor Anira, o provoca.
– O mundo lá fora acabando e você preocupado que vão descobrir que você é um youtuber?
– E você? Ainda toda vestida de Anira… – Lindemberg retruca e deixa a conversa se perder na animosidade do ambiente.
E novamente as batidas na porta, desta vez com maior intensidade e Paulo vocifera na mesma proporção.
– Já vai porra!
Agindo em impulso, Anira levanta da cama e abre a porta, já irritada.
– Que que é?!
Do outro lado, uma jovem moça, sem esperar a visão que teve ao abrir a porta, só consegue balbuciar– Ahhhh, aqui é o quarto do Lindemberg?
E Anira questiona sem aguardar resposta.
– Aqui é o quarto do Lindemberg, Lindemberg? Vem aqui que é pra você!
Com isso, Paulo tirando Anira da frente da porta, assume a frente com sua postura inquisidora.
– Moça, bom dia… ah não é serviço de quarto isso.
– Ahhh desculpa, que?
– Não é serviço de quarto isso e tá meio cedo pra visita, não?
– Ah não não, eu não sou serviço de quarto, eu queria falar com o Lindemberg mesmo. – E colocando a cabeça para dentro da porta, a moça direciona um “Oi!” bem entusiasmado para Lindemberg, reconhecido por ela mesmo atrás de sua máscara.
Lindemberg tenta se esconder nas cobertas, mas completamente inútil enquanto ela continua.
– Oi, sou eu a Aninha Santos, eu debuguei a bomba outro dia contigo!
Completamente sem compreender coisa alguma dessa frase, Paulo se manifesta chocado.
– O que que tu fez???? – e desistindo dessa conversa sem sentido – ohhhh Lindemberg, a moça quer falar contigo, vem logo aqui.
Sem entender como aquela moça de cabelos pretos, com mechas coloridas, sabia quem ele era e se questionando “como ela sabe quem eu era” ele sai da cama e vai conversar com a jovem.
Após Ana entrar, Paulo olha ao redor no corredor e nota algo estranho…
Ao olhar o corredor, ele nota que as bandejas postas nos carrinhos de serviço, que normalmente eram retiradas à noite para a limpeza e no dia seguinte, já terem serviço o café, permaneceram lá, da mesma forma, sem serem retiradas.
Paulo começa a achar a situação incomum, mas reserva a informação para um momento oportuno.
No quarto, uma conversa entre Lindemberg e Ana.
– Peraí, você é a Aninha que joga com a gente? – ele inicia timidamente, puxando assunto.
– Sim…
– E como você sabe quem eu sou? Meu nome?
– Ahhh longa história, será que a gente pode conversar, assim, só eu e você?
Ruborizado, ele busca alento na sabedoria de Paulo e Anira, vendo o que passava na cabeça de seu irmão, já diz.
– Vai lá conversar com ela, não se preocupe, não é o que você tá pensando, ninguém quer com você o que você tá pensando!
– Não conhece mulher, tchê?! – Paulo já dispara sem dó.
E tomando as rédeas da situação, Ana pega a mão de Lindemberg e diz – Eu realmente preciso conversar com você a sós! – E vai carregando Lindemberg, que está tremendo com tamanho contato físico inesperado.
Chegando no banheiro, Ana tranca a porta, coloca Lindemberg contra a parede, com suas mãos sobre os ombros do jovem rapaz e vai direto ao assunto.
– Eu preciso de ajuda! Tem uma merda muito grande acontecendo e você é a única pessoa que pode me ajudar, que pode denunciar o que está acontecendo aqui!
– Ahhmm eu … eu não to entendendo, do que você tá falando?
– EI! EI! – sacudindo fortemente Lindemberg – Você não percebeu que a gente tá no meio de uma merda na cidade! O que eles tão falando nos jornais é só metade da história! ELES VÃO EXPLODIR FLORIANÓPOLIS!
– E você quer que eu jogue videogame? O que você quer que eu faça?
– Você tem a porra de um canal no Youtube! Seu pai é um deputado federal! Você pode denunciar isso!
– Tá, mas peraí… como que você sabe disso tudo? Ninguém sabia disso…
– É que… bom… ahmm… então, é meio difícil de explicar… eu… enfim… conheço você…
– Tá… olha, presta atenção… eu tenho um canal no youtube de jogar CS Go… você sabe que aquilo lá é só um jogo neh? Não é real. Você sabe que a maioria de quem assiste aquilo lá é criança…
– Ok, eu sei, eu não estou te confundindo com o teu personagem, mas eu preciso que você use a sua audiência para chegar em alguém, no seu pai ou qualquer coisa.
– Tá… é melhor a gente falar com o Paulo então.
– E quem é Paulo?
– É meu segurança…
– E quanto que você conhece ele? Porque a informação que eu to te passando é sigilosa, eu tô arriscando meu pescoço vindo aqui falar contigo, aliás eu não deveria nem estar mostrando meu rosto pra você!
– Ué e nem eu o meu pra você…
– Mas o seu eu já conhecia!
– É, e eu não sei como… mas a maioria das pessoas não conhece
– Ok… ok… digamos que eu tenha facilidade de conseguir acesso a informações privadas…
– Se tá falando que você é uma hacker?
– Eu não gosto do termo hacker, é um termo muito mau, prefiro usar detetive virtual, e eu não digito 35 mil palavras por segundo ou uso touca preta enquanto faço as coisas.
– Tá… Digamos que eu fizesse uma live falando alguma coisa, o que eu precisaria falar?
– Bom, eu não pensei exatamente nisso. O seu pai deve querer fazer alguma coisa, ele não deve querer que a cidade onde estão os dois filhos dele exploda!
– É, você tem razão, mas é melhor irmos ali falar com eles.
Lindemberg abre a porta e sai, pálido e aflito, seguido por Ana, ao ver esta cena, Anira prontamente fala.
– Usou camisinha Berg?
– Na.. na.. na.. não… não é nada disse que você tá pensando! – O menino atônito sacode os braços em negativa. – Peraí que ela tem uma coisa pra falar pra gente.
– Primeiro eu preciso saber quem são vocês… – Inquere Ana para se sentir mais confortável com a situação.
– Pra quê guria? – Reage Paulo, mas sem aguardar resposta, Lindemberg se pronuncia.
– Ele é meu irmão André e esse é meu segurança, Paulo.
– Segurança teu cu rapaz! Sou policial de profissão, tô fazendo um favor pro teu pai, nada mais que isso!
– Bom, eu não acho que eu tenho muita opção – Inicia Ana – e se você é o André, irmão dele, pode ser que você consiga me ajudar mais que seu irmão, porque ele tá sendo meio inútil.
– Ah bem vinda ao meu mundo. – Concorda Anira – Que que tá acontecendo?
– Bem… Como que eu vou dizer isso… Sabe esse probleminha que estamos tendo na cidade?
– Que tá fazendo a gente ficar três dias presos neste hotel?
– Isso é coisa do tráfico, só pode ser drogas! – Interrompe Paulo já irritado – Isso já vai passar
– Ignora ele, ele é só um velho – Anira, já cortando o posicionamento de Paulo – Continua, moça.
– Ahh não, isso é coisa do governo, eles fizeram uma merda, eles trancaram a ponte e estamos a dois dias de sermos explodidos!
– Isso é história da carochinha, não existe. – Paulo completamente incrédulo.
– E eles vão explodir a cidade? – Anira tenta retomar o foco da conversa.
– Sim..
– Mas o que aconteceu de tão grave para eles quererem explodir Florianópolis? Ok que é Florianópolis e ninguém se importa mesmo, mas…
Vendo toda a conversa, sem participar muito, Lindemberg se aproxima de seu irmão e diz.
– Acho que ela é maluca, ela tá confundindo isso com um jogo de videogame, só pode.
Anira olha para Lindemberg, depois para Ana, sem saber o que dizer.
– Ela jogou comigo algumas vezes… – Completa Lindemberg.
Já sem nenhuma paciência, Paulo esbraveja.
– Peraí peraí… só um pouquinho… esse papo pra mim não tem nenhum sentido, vocês se resolvam como gurizada que são e eu vou procurar o café da manhã que tá atrasado, se precisar, liga pra recepção.
– Não é melhor você ficar aqui, Paulo? – Pede Lindemberg.
– O café não tá atrasado mesmo, falando nisso? O pessoal do hotel não entrou em contato conosco hoje mesmo.
– É André, é o que eu vou resolver. – Responde Paulo. – Vou conversar com eles do meu jeito, a moda antiga.
Seguindo o rumo da conversa, Ana se lembra que foi bem fácil entrar no hotel, na verdade fácil demais, não havia segurança alguma, nenhum funcionário, nem na recepção.
Com este comentário Paulo coloca seu revólver no coldre e sai do quarto, batendo a porta.
Agora com o ambiente só com os três jovens, Anira questiona novamente, dando mais ênfase ao que Ana contou.
– Você tava dizendo que foi fácil entrar aqui? É estranho isso, porque eu mesma tentei sair algumas vezes e sempre me mandaram voltar.
– Então, eu tinha até um plano de como eu ia me vestir de moça da limpeza e subir até o quarto de vocês, mas na verdade eu só precisei entrar.
– Isso quer dizer que não tinha ninguém lá embaixo? – Questiona Lindemberg.
– Não, ninguém…
– Teria sido muito legal – Completa Anira – Um visual de moça da limpeza para entrar, seria muito Hollywood!
– Viu.. – Lindemberg cortando o entusiasmo nascente de Ana e Anira. – A gente precisa descobrir se não tem mais ninguém no hotel.
Sangue…
No corredor, Paulo investiga a demora na entrega do café da manhã.
Ele olha para ambos os lados do corredor, porém, silêncio, somente o som da conversa no interior do quarto 414, conversa que não lhe interessava.
Paulo vai em direção ao elevador, rumo a recepção para questionar o que está acontecendo.
Em alguns quartos, as bandejas não estão do lado de fora. Atrás da porta de um destes quartos ouve-se tosses incessantes, agoniadas e, bom, preocupantes.
Logo mais a frente, bem próximo ao elevador, uma porta se encontra entreaberta, a bandeja ao lado de fora se encontra derrubada, os pratos estão fora dela, xícaras rolaram para a parede adjacente do corredor, parece que alguém saiu do local com muita pressa e tropeçando.
No botão do elevador, uma marca de mão… com muito sangue, demonstra que alguém passou por ali e talvez esteja ferido.
Ao passar pela porta que estava entreaberta, Paulo fecha, voltando sua atenção à marca de sangue no elevador.
A marca de sangue no elevador é relativamente recente, ainda está úmida, mas mais nenhuma marca é perceptível, talvez a pessoa machucada esteja no elevador.
Qual é a verdade?
Tentando entender mais sobre o assunto Anira questiona sobre o que está acontecendo realmente e Ana explica que os relatos oficiais são de um acidente em um laboratório, mas o que ninguém está contando é que na verdade é muito pior, houve uma evacuação de algumas pessoas importantes e saudáveis da cidade, mas, posteriormente, a ordem foi de confinamento e para o governo se preparar para destruir a ilha e todas as pessoas que estão aqui.
O que se sabe é que o laboratório que explodiu estava cuidando de uma arma biológica de alto contágio, que está colocando todos em risco e que em dois dias ocorrerá a destruição de Florianópolis.
– Eu vim aqui porque preciso da ajuda de vocês para expor a situação, porque eu não estou nem um pouco a fim de morrer na verdade, e imagino que vocês também não estejam, eu acho que o Lindemberg pode usar a fama dele para relatar o que está acontecendo aqui ou mesmo o pai de vocês poder nos ajudar.
Lindemberg não consegue acreditar no que a moça está contando, acredita que se algo realmente estivesse para acontecer, seu pai já estaria providenciando a retirada dos dois da ilha, porém há alguns dias nenhum deles conversa com qualquer pessoa da família.
A verdade está lá dentro…
Na porta do quarto que Paulo acabara de fechar a porta, agora é possível ouvir batidas. Ouvindo as batidas incessantes, o policial vai até a porta e tenta acalmar a pessoa do outro lado.
– Amigo, calma que já vai chegar o serviço de quarto, tá atrasado hoje mesmo, mas não se preocupa.
Em resposta, do outro lado da porta, começa a se ouvir grunhidos, guturais, animalescos, algo em sofrimento, com dor.
Por baixo da porta sangue escorre para o corredor, como se a pessoa que estivesse batendo e gemendo na porta estivesse com um terrível sangramento.
Nas costas de Paulo, o elevador chega ao quarto andar.
Palavras de esperança soltas ao vento
Nisso, Anira se pronuncia.
– Bom, vamos fazer um teste então – Ela pega seu celular e começa a digitar o número do seu pai, quando nota que estão sem sinal. – Uhmm to sem sinal e ontem eu não tava. O seu celular tem sinal Berg?
O celular de Lindemberg está sem sinal também. Anira vai em direção a televisão e liga, porém só estática em todos os canais.
– Primeira coisa que acontece em um apocalipse é cortarem a comunicação – Ana já reforçando seu argumento – Então, assim, mais um sinal.
– Bom moça estranha, que levou meu irmão pro banheiro, tenho duas notícias pra você, a boa é que eu to acreditando no que você tá falando, a má é que não tem como falar com ninguém sobre isso.
– Então, eu não pensei muito no plano se isso acontecesse…
– Você não pensa muito nos seus planos não né moça?
– Mas tem um lugar que deve ter comunicação, com certeza!
– Onde? – Lindemberg e Anira questionam em coro.
– No laboratório que explodiu, lá com certeza deve haver comunicação. – Ana tenta expor sua ideia.
– Tem um vírus letal circulando no ar e infectando as pessoas, e você quer ir direto pra onde esse vírus letal foi explodido? Ou seja, é onde tem mais vírus letal?!
– Ei! Foi a primeira ideia que me passou pela cabeça, ao invés de ficar criticando, por que você não dá outra opção.
– Bom já que o velho foi embora, o que é ótimo, sorte nossa, vamos aproveitar e sair daqui e ver o que tá acontecendo na rua, porque pelo que você tá contando, eles não falaram tudo que tá acontecendo e eu to ficando um pouco preocupada com isso.
Enquanto isso, mesmo sem sinal, mas com esperanças, Lindemberg escreve uma mensagem de texto para seu pai, esperando que, uma hora, assim que retornar o sinal, sua mensagem seja enviada.
Grunhidos
Paulo decide tomar uma atitude, se preocupando com todo o sangue que se esvai pela porta, ignora o elevador e dá duas fortes batidas na porta.
– Polícia, tá?! Eu vou entrar! Se afasta da porta, agora!
As batidas e grunhidos continuam, incessantes, incansáveis.
– Por favor! Se afaste da porta que eu vou entrar!
A resposta é a mesma, batidas e grunhidos. Paulo aguarda alguns segundos e, com um chute próximo a maçaneta, arromba a porta.
Continua…
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Baseado na campanha Floripa em Chamas mestrada por: Douglas Quadros Texto de: Diemis Kist Revisão de: Milles Araujo e Douglas Quadros Arte dos Personagens: Iury Kroff
Jim começou a sentir a dor, e os primeiros ossos serem quebrados. Ele fez careta e pressionou os lábios. Sabia que iria morrer. Seus olhos varreram o céu, que apesar da fumaça do incêndio, era azul bebê. Um pássaro voava lá em cima.
– Não… – ele murmurou. – Não… não é… não é um pássaro.
– O quê? – O necromante inclinou o ouvido, confuso.
Algo acertou sua nuca com força, arremessando-o contra o chão. A harpia fez um rasante, e Toiva pousou na laje, encharcada. Ela foi até o Martelo de Gerion que jogara na cabeça do necromante, e o pegou do chão.
Com a metade do crânio amassado, Nagond estendeu o braço, mas Galdor pegou o cajado de osso primeiro, e o jogou para longe.
– Nada de cajado mágico pra você – o mago disse.
O necromante rastejou, assustado, enquanto via Toiva com a única arma capaz de mata-lo.
– Toiva! – Kvarn gritou, pulando para cima da laje de novo. Ele gritou de felicidade, rindo. – Você conseguiu! Você está viva!
– Não me abrace – ela mostrou a mão para Kvarn. – Eu me enfiei em um esgoto e fui jogado no mar, cheio de criaturas gosmentas. Não estou muito cheirosa. Aliás, tenho novidades, mas primeiro, vamos lidar com esse aí.
Nagond rastejava em direção à borda, desesperado, mas Jim pulou sobre ele, segurando-o. Kvarn foi para trás do necromante e se preparou. Jim fez o inimigo ficar de joelhos, com a cabeça contra o chão. Toiva ficou do outro lado da laje, segurando o martelo.
– Segure-o firme – Kvarn disse para Jim. – Eu não posso errar.
O guerreiro recuou um pouco antes de correr e chutar a bunda de Nagond. Galdor usou todo o resto de magia que tinha e fez o necromante voar com força em direção à bárbara. Toiva girou o quadril, colocando toda força no martelo. Ela acertou a cabeça de Nagond, fazendo seus miolos explodirem para todos os lados e quebrando sua espinha em vários lugares. A bárbara empurrou o cadáver pela borda da casa, fazendo-o sumir na multidão de zumbis.
O grupo se olhou, inseguros. Não sabiam se haviam conseguido. Ficaram esperando o necromante surgir a qualquer momento, conduzindo seu exército de mortos até a laje. Mas não, isso não aconteceu. Toiva olhou para o Martelo de Gerion e sorriu.
– Funcionou de verdade. Matamos o maldito.
Todos suspiraram aliviados, mas a alegria durou pouco. Eles estavam sem energias, famintos e feridos. Não havia mais flechas ou magia. A harpia havia sumido, e o grupo estava por conta própria. Ao redor, centenas de milhares… ou até milhões de zumbis cercavam a casa, desnorteados. Com a morte do seu necromante, eles não se movimentavam mais sincronia. Ou se escondiam nos esgotos.
– Você disse que tinha novidades, Toiva – Jim perguntou, segurando o peito feirdo.
– Não faz tanta diferença assim. Eu vi um navio de elfos atracado no porto. Parecia ser uma frota militar. Eles poderiam nos dar uma carona para fora da cidade. Mas pelo visto nunca chegaremos lá.
– Todos morreremos então – Galdor suspirou, olhando furtivamente pela borda da laje.
– Kvarn pode fugir – Jim disse. – Ele tem o colar.
Kvarn removeu o colar do pescoço, decidido.
– Eu não irei sobreviver sozinho. Se vocês forem morrer, eu também vou.
– NÃO SEJA IDIOTA! – Toiva rosnou. – Morrer em vão não é nada nobre! É idiotice.
– Você precisa alertá-los, Kvarn – Jim disse. – Tem que avisar os outros reinos sobre o exército de mortos aqui. Eles precisam fazer alguma coisa a respeito. Se os portões se abrirem, eles devastarão a todos.
Kvarn abaixou a cabeça, teimoso.
– Ouça, Kvarn – Galdor rastejou até ele. – Eu sou o líder desse grupo, e estou lhe dando uma ordem. Sobreviva e alerte os outros!
Kvarn mostrou os olhos cheios de lágrima e concordou com a cabeça.
Ele saltou da laje e sumiu no meio dos mortos, fingindo ser um deles.
Horas se passaram e a noite caiu. Toiva ficou olhando as gaivotas no céu. O porto não estava longe dali. Mas eles nunca conseguiriam atravessar o grupo de mortos que estava no caminho. Os três continuaram deitados, esperando a sua hora chegar.
Toiva foi a última a fechar os olhos para dormir. E assim que começou a sonhar, um som de corneta a acordou. Talvez tinha sido um pesadelo, mas Galdor e Jim também estavam de pé, igualmente assustados. Outra corneta foi tocada. Não era um sonho.
Os três olharam em direção ao porto. O som foi ficando mais próximo. E agora eles podiam ouvir algo tilintar. Sons metálicos. Espadas fatiando.
– Os elfos! – Jim exclamou ao ver a cena.
Cerca de duzentos elfos com roupas douradas e capacetes pontudos marchavam em formação de flecha. Na frente deles, Kvarn destruía o máximo de zumbis possível.
– Rápido, vamos ao encontro deles! – Galdor ordenou. – Vamos fugir daqui antes que os outros mortos venham na direção do barulho. Pelo visto, vamos sobreviver – os três sorriram.
Algum tempo depois, o grupo se reuniu na proa da embarcação élfica enquanto cruzavam as ondas do mar. O capitão do navio disse que fazia aquela rota por Negressus há muito tempo, mas nunca ia para além do porto, e por isso não sabiam daquele exército de mortos ali. Esse devia ser o motivo porque os mortos sempre se escondiam durante o dia, para não serem vistos.
O navio se afastava enquanto deixavam Negressus, a cidade dos mortos, com uma grande coluna de fumaça que tocava as nuvens.
O grupo sabia que havia falhado em sua missão de recuperar um quadro perdido para um rico de Deloran. Mas haviam descoberto uma missão muito maior. A missão de proteger o mundo dos vivos. E eles estavam muito otimistas com isso.
Kvarn, Galdor e Jim olhavam para Nagond, o necromante, que os encarava de volta, do topo da laje de uma casa. Entre eles, o exército de zumbis vagueava sem rumo. Com uma ordem sussurrada do necromante, todos os mortos se viraram para o trio.
– Se eu tirar o colar, eu volto a me tornar um morto? – Kvarn perguntou, segurando o colar ao redor do pescoço.
– Seu corpo, sim – Galdor confirmou. – Mas sua mente continua consciente por um período de tempo. Depois ela se deteriora também e você volta a ser um zumbi por completo.
– Bem, então tenho tempo – Kvarn retirou a Chama de Amon do pescoço, e sua pele voltou a ficar pálida, e seus lábios, roxos. – Se protejam. Eu vou lá dar um chute no traseiro daquele magrelo.
– Você deveria se tratar – Galdor colocou a mão no ombro do guerreiro. – Essa mania de se jogar em missões suicidas não é normal.
– Agora é tudo ou nada – Jim colocou a mão no outro ombro de Kvarn. – Também não tentarei te impedir. Mas se não conseguirmos derrotar o necromante, você deve fugir da cidade e colocar o colar de volta, e avisar os outros sobre o exército de mortos.
– Se nada der certo – Kvarn olhou ao redor. – Eu vou trabalhar para o necromante. Ouvi dizer que ninguém é demitido aqui. Benefícios vitalícios e tal. Me parece promissor.
Kvarn piscou para os colegas e se afastou, correndo. Ele sumiu entre os outros mortos, fingindo ser um deles.
– Rápido, por ali! – Galdor apontou para o buraco de esgoto por onde tinham passado no dia anterior.
Kvarn corria e empurrava os zumbis no meio do caminho, sem tirar os olhos do necromante, logo do outro lado da rua. O guerreiro sorriu, sabendo que estava se aproximando do seu objetivo, que era basicamente chutar o traseiro daquele magrelo.
Ao chegar na casa, se apoiou na janela e pulou para cima, alcançando a laje com um movimento rápido. O necromante se apoiava em seu cajado de osso, calmo. Ao ver Kvarn, gargalhou, divertido.
– O que exatamente você acha que vai fazer aqui, criatura? Medir forças comigo.
– Eu vou chutar o seu traseiro magrelo – Kvarn respondeu, caminhando em sua direção.
– Chutar o quê? – o necromante riu, surpreso. Ao ver que Kvarn não reduziria, ele perdeu o sorriso. – Pare aí mesmo! Ei, não se aproxime mais, o que está fazendo…
Quando Kvarn desferiu o soco, Nagond desviou facilmente, e acertou o cajado na nuca do guerreiro. Kvarn cambaleou para frente. Depois girou sobre os tornozelos e começou a dar golpes rápidos e precisos. Graciosamente, o necromante desviou de todos. Mas seu pé pisou em falso, fazendo-o cair no chão com uma cara de surpresa.
Kvarn ergueu o joelho e pisou com toda força em seu nariz. O rosto do necromante afundou com sons de crânio quebrando. O guerreiro se afastou, incrédulo. Fora muito fácil. Ele se virou e colocou o colar de volta no pescoço, tentando achar seus amigos. Sua atenção se voltou para trás, quando o Necromante se levantou. Os pedaços da máscara de caveira caíram no chão, mostrando o rosto angelical e bonito, e olhos azuis, mágicos.
– Eu sou imortal, criatura – Nagond sorriu. – E nem adianta colocar esse colar em meu pescoço, como fez com as minhas outras aberrações. Isso não adiantará.
Kvarn fechou os punhos, tenso. Estava sem opções. Ao lado da casa, uma explosão de vento fez os dois se virarem. Zumbis voaram para todos os lados, e Galdor e Jim foram lançados para cima, caindo na laje, ao lado do guerreiro.
– Ele é imortal galera – Kvarn os lembrou.
– Isso significa que poderemos chutar a bunda dele para sempre – Jim sorriu.
– Vamos começar com isso – Galdor distanciou as bases dos pés, girou a mão à frente, e disparou sua primeira bola de fogo.
Nagond aparou a explosão com seu cajado mágico, e depois deu ordem aos seus zumbis para escalarem a casa. Ao ver os mortos se amontoando, Kvarn saltou da laje, e sumiu no mar de mortos.
Enquanto o guerreiro tentava impedir os montes de mortos escalarem a casa, Galdor e Jim se uniram para enfrentar Nagond. O mago e o arqueiro deixaram suas principais técnicas e sacaram suas espadas, armas que raramente usavam. Os dois flanquearam o inimigo, e descobriram que ele era muito mais habilidoso que os dois juntos.
Não demorou muito para serem derrotados pelo necromante. Galdor e Jim estavam caídos, feridos e sem forças. Nagond apoiou o cajado no peito do arqueiro, e seu rosto cobriu o sol, mostrando o sorriso sádico.
– Vou quebrar sua caixa torácica – o necromante avisou, empurrando o cajado contra seu peito. – E encherei o seu coração com pedaços de ossos.
– Não! – Galdor estendeu a mão e expeliu uma rajada fraca de vento. Ele não tinha mais forças.
Jim segurou o cajado do necromante com as duas mãos e tentou empurrá-lo para cima, mas seus braços não conseguiram mover um centímetro sequer.
– Vocês realmente acharam que viriam aqui, me intimidar, e chutar o meu traseiro? – Nagond sorriu, pressionando o cajado lentamente para matar o arqueiro.
O grupo estava diante de sor Dhazil, a aberração do necromante. Todos preparados para o combate final. Galdor deu um passo à frente e girou sua mão, fazendo um ventania em direção ao anão, para jogá-lo pela beirada da torre.
Dhazil se ajoelhou e enfiou os dedos na pedra, se segurando. O vento foi violento, mas não o tirou do lugar. Ao ver que seu plano não funcionaria, o mago girou a outra mão e arremessou uma bola de fogo.
A aberração continuou de joelhos, tomado pelas chamas. Ele não se moveu. Todos ficaram assistindo até o fogo se apagar. A criatura que se levantou dali não era mais Dhazil. A armadura derreteu e se fundiu com a carne, transformando-o em um ser totalmente novo, mais blindado ainda.
– Acho que isso não é bom – Kvarn comentou.
– Agora é minha vez – Dhazil disse, e em uma velocidade sobrenatural, cruzou o espaço entre o grupo e enfiou sua mão na barriga de Raíza, atravessando-a até sair pelas costas. – Seu irmão manda lembranças.
O grupo ficou em choque, incrédulo. Raíza cuspiu seu sangue esverdeado, olhou para os outros, e caiu de joelhos. Quando Dhazil puxou sua mão de volta, ensanguentada, a dríade tombou sem vida no chão.
Jim usou seu último dardo naquela hora. Ele era o melhor naquilo, e sabia que não poderia errar. O dardo entrou na lateral do olho do anão, atravessando o outro e saindo do outro lado.
Enquanto Dhazil gritava de fúria, Jim colocou o dedo sobre os lábios, pedindo para os outros fazerem silêncio. Galdor e Kvarn obedeceram, sem se mover.
Dhazil se controlou e se virou, inclinando os ouvidos para tentar encontrar o resto do grupo. Ainda imóveis, os três começaram a se comunicar com sinais. Galdor fez menção de usar sua ventania novamente para empurrar o anão. Então pediu para Jim jogar sua besta perto da beirada, para causar distração.
O jovem obedeceu e jogou sua arma do outro lado, fazendo-a acertar o chão de pedra com um barulho metálico. O anão caiu no truque e correu até o local, dando socos no ar, esperando acertar alguém.
– Agora! – Kvarn gritou e começou a correr.
Galdor girou o braço, fazendo a ventania acertar Dhazil novamente. Ao sentir a força do vento, o anão se inclinou num último instante e se segurou na beirada da torre, com as pernas esvoaçando para fora. Kvarn sabia o que devia ser feito, e por isso correra sem avisar ninguém. Ele pulou na frente da ventania, erguendo seu machado, e se deixou levar pelo poder do mago. Assim que sobrevoou o anão, seu machado desceu com tudo, acertando os dedos que se seguravam na beirada.
Os dois voaram para longe, sumindo na cortina de fumaça.
– Não! – Jim gritou, caindo de joelhos.
– O filho da mãe pulou – Galdor sussurrou, incrédulo. – Ele pulou na frente da minha ventania e se matou.
Debaixo de seus pés, o chão começou a tremer. A torre estava sacudindo. Ela ia desabar a qualquer momento.
– Precisamos sair daqui – Jim avisou, e o mago concordou, relutante.
Os dois correram até a escadaria e desceram os degraus, sentindo tudo ao redor sacudir, pedrinhas caírem sobre suas cabeças e poeira ser expelida das paredes.
– Não vamos conseguir sair a tempo! – Jim gritou.
Em suas costas, o teto começou a desabar, soterrando a escada, violentamente. Os dois pularam pelo arco do térreo no último instante, enquanto tudo caía. Eles ainda estavam no salão de entrada da torre, e faltavam alguns metros até fugirem dali.
– Galdor, rápido! – Jim ajudou o mago a se levantar e os dois voltaram a correr, debaixo de uma chuva de pedras e vigas. Tudo estava vindo à baixo.
A porta não estava muito longe, mas o topo da torre já estava caindo sobre eles.
Em uma lufada de poeira, a torre desabou no centro do jardim, e em uma grande área, tudo ficou coberto, sem visibilidade.
O necromante assentiu, satisfeito. Certamente sua aberração havia morrido também, mas ele poderia fazer outra. O importante é que aqueles aventureiros nunca mais iriam incomodá-lo, e nem iriam contar para o mundo externo sobre seu exército poderoso.
Quando o necromante saísse de Negressus, ninguém estaria esperando. Ele iria marchar com seu exército de mortos e dominaria o mundo da noite para o dia. Nenhum reino estaria preparado para aquilo.
Algo chamou sua atenção diante dos portões da muralha. Uma lufada de vento apagou um grande rastro de fogo e limpou o campo de visão. Dois homens surgiram, correndo pela estrada de paralelepípedos. Eram Galdor e Jim.
– Como isso é possível? – Nagond fechou os punhos, furioso. – Como eles sobreviveram?
Jim parou e segurou o braço de Galdor. Os dois se abaixaram e pegaram algo no chão. O necromante não entendeu o que era a princípio, mas após franzir o cenho, notou que era um colar.
– A Chama de Amon!
Logo em seguida, ele viu a aberração, sor Dhazil, se arrastando em direção à dupla. O velho colocou o colar no pescoço do anão, tornando-o mortal novamente. O mais jovem pegou uma pedra e a acertou na nuca de Dhazil, até virar uma massa no chão.
Depois, um zumbi cambaleou em direção à dupla, era Kvarn.
Galdor tirou a Chama de Amon do pescoço de Dhazil, foi até o zumbi de Kvarn, e enfiou o colar em seu pescoço. No mesmo momento, Kvarn piscou, confuso. Ele gritou de dor e caiu no chão. O mago se ajoelhou na frente do amigo e usou sua magia de cura nele. Os três se abraçaram, dando risadas de alegria. Depois eles olharam em direção ao necromante, putos da vida.
O grupo estava amontoado nos primeiros degraus da escadaria, esperando os mortos invadirem a torre. Ali ia ser a sua última resistência. Galdor, o mago, teve uma ideia, e disse para os outros que voltaria logo. Ele subiu a escada e sumiu de vista.
– Será que o velho vai nos abandonar? – Kvarn perguntou, desconfiado.
– Ele é o nosso líder – Jim o lembrou. – E é um homem bom. Eu confio nele.
– Nós precisamos dele aqui – Raíza gemeu, assustada. – Nós três não conseguiremos segurar o ataque sozinhos. Em alguns instantes, milhares de zumbis irão cair sobre nós.
– Tenha fé em Galdor – Jim aconselhou, mirando sobre seu último dardo. – Não temos outra opção.
– Só estou dizendo que ele tem a magia do fogo e do vento. Sem ele, iremos morrer em instantes.
O primeiro corpo caiu do lado de dentro da torre, passando pela brecha da porta. Em seguida, a porta inteira tombou, arremessando poeira para as laterais. Uma enxurrada de esqueletos invadiu a torre, correndo em todas as direções. O primeiro grupo que apareceu pela arcada da escadaria, foi esmagado pelo trio de aventureiros e pelos outros mortos que vinham logo atrás.
– SEGUREM! – Kvarn gritou, flexionando os joelhos para erguer o escudo.
Ao ver a onda de mortos, Jim guardou sua besta e sacou a espada. Ele ficou ao lado de Kvarn, fatiando zumbis, freneticamente. Raíza ergueu os braços, e raízes brotaram do chão, criando uma espécie de tranças grossas entre eles. Ela ergueu uma barreira, isolando-os dos inimigos. O trio se afastou, recuperando o fôlego.
– Se não fosse pelas suas raízes, teríamos morrido – Jim olhou para Raíza, assustado.
– Não sei quanto tempo elas irão durar.
– E onde está aquele velho? – Kvarn gritou, furioso. – Eu sabia que ele iria nos abandonar!
– Cuidado com as palavras, criatura de pouca fé – Galdor respondeu, surgindo pela curva da escadaria. – Eu estava ganhando tempo para Toiva trazer o Martelo de Gerion.
– O que você fez? – Kvarn perguntou, desconfiado.
– Eu subi até o topo da torre e comecei a lançar bolas de fogo em todo o jardim da muralha interna. Daqui a pouco, ele se tornará um anel de fogo entre nós e os mortos.
– Galdor – Jim estava apavorado. – Essa torre está no centro do jardim. Se ele virá um anel de fogo, nós estaremos dentro de uma panela de pressão. Todos nós iremos morrer.
– É melhor adiar a morte sempre que pudermos, não acha? – Galdor colocou a mão em seu ombro. – Ou você prefere morrer pelos nossos amiguinhos ali fora?
– Ei, escutem isso – Kvarn se inclinou, colocando o ouvido na barreira de raízes. – As criaturas pararam de grunhir e arranhar.
Todos se inclinaram e também notaram o silêncio. Mas um som duro e seco fez as raízes tremerem. Depois outro. Era som de um machado cortando tronco. Uma grossa raiz caiu no chão, abrindo um buraco pequeno entre eles.
Olhos vermelhos surgiram pelo buraco, cercados por um elmo de bronze e uma barba cor de ferrugem. Era sor Dhazil, a nova aberração do necromante.
– Que o deus Spólios tenha misericórdia de suas almas – a voz gutural e monstruosa de Dhazil ecoou pela escadaria.
– Você ainda não entendeu que Spólios não é um deus? – Kvarn gritou e enfiou o cabo do machado pelo buraco, acertando os olhos de Dhazil com tudo. – Subam!
O grupo subiu a escadaria correndo, ouvindo o grito de raiva do anão crescendo em suas costas. Em seguida, ele voltou a cortar as raízes, movido pelo ódio.
O grupo chegou até o topo da torre, cujas paredes e telhado eram apenas ruínas, com acesso ao céu aberto. Eles foram até a borda e viram que o jardim inteiro pegava fogo, e os mortos cambaleavam em chamas, desnorteados. Uma fumaça negra começava a se erguer ao redor da torre, criando uma cortina escura entre eles e o mundo lá fora.
– É aqui pessoal – Kvarn reconheceu. – Não há outro lugar para fugir. Estamos encurralados. Esse é o lugar onde iremos morrer. Hoje mesmo terei uma morte honrada e irei para Heimvel.
– Eu só tenho um último dardo – Jim disse, segurando sua besta.
– Eu não tenho mais minhas raízes – Raíza murmurou, olhando para o seu jardim destruído.
– Eu também estou fraco – Galdor revelou.
Não demorou muito para passos surgirem pela abertura da escada. Sor Dhazil os alcançara, vestido em uma armadura completa, com espinhos saltando para fora.
O grupo se preparou para o combate final, e cinzas começaram a nevar sobre eles.
Nagond, o necromante, assistia a muralha ser coberta pela fumaça densa. Ele aguardava em segurança no topo de uma laje, olhando através de sua máscara de caveira. Logo, logo tudo estaria terminado.
A harpia oscilava no ar, batendo suas asas com dificuldade. De sua ferida no peito ainda escorria sangue fresco. Toiva acariciou seu pescoço, dizendo palavras de motivação. Elas precisavam chegar até o esconderijo onde ficava o Martelo de Gerion, uma arma feita com os ossos do pai do necromante Nagond e da dríade Raíza. A única arma capaz de matar o necromante.
O local eram ruínas colossais, de pedras vermelhas e colunas caídas, no topo de uma colina, no centro de Negressus. A harpia pousou numa clareira, erguendo uma onda de poeira.
– Descanse para a nossa viagem de volta – Toiva saltou, segurando sua espada gigantesca com as duas mãos.
A Bárbara avançou entre as ruínas, cautelosamente. Um buraco no chão revelava uma escada subterrânea. Um frescor úmido vinha lá de baixo. Não hesitou, pois não tinha tempo pra isso. Rapidamente desceu os degraus e encontrou uma caverna cheia de cristais coloridos saltando das superfícies rochosas. No centro, um riacho surgia e desaparecia entre dois túneis apertados. Em cima de cada túnel, havia uma plataforma de madeira, segurando pedras grandes, como se fossem rolhas.
Do outro lado do riacho, havia uma espécie de parede esculpida com formas e inscrições. Nessa mesma parede, um objeto comprido estava pendurado sobre dois ganchos. Ele era completamente branco, como o leite. Era um martelo, cujas extremidades do topo eram formadas por um crânio de um lado, e dois punhos de ossos do outro.
– O Martelo de Gerion! – Toiva ficou otimista, mas isso durou pouco tempo.
Cabeças começaram a se projetar do riacho, e criaturas surgiram lado a lado, entre Toiva e o item mágico. Eles eram humanoides esverdeados, com guelras e barbatanas. Tinham cabeças de peixe e corpos viscosos e arqueados.
– Por Ishkar – ela resmungou, enojada.
Duas criaturas foram até um dos túneis e removeram os suportes de madeira, fazendo a rolha de pedra cair, e bloquear a passagem. O fluxo da água começou a se espalhar ao redor, rapidamente. Toiva recuou, assustada. Ela não sabia nadar, então precisava fazer algo imediatamente.
– Por Ishkar! – gritou, arremessando sua espada, fazendo-a girar pela caverna, acertando três criaturas de uma vez. Em seguida, ela disparou como um dardo.
Seus pés tocaram a água gelada e começou a atravessar o riacho, percebendo que ele ficava mais fundo a cada passo. Ela passou pelas criaturas que havia ferido com a espada e seguiu em frente, saindo na outra margem.
Chegou até a parede, tirou o Martelo de Gerion dos ganchos e se virou a tempo de ver que estava cercada. Cerca de vinte homens com cara de peixe se aproximavam, com seus dedos cheios de membranas e olhos negros. A água enchia a caverna rapidamente, e o chão ficara completamente submerso.
– Ishkar… – sua voz tremia. Estava cercada, nos fundos de uma caverna prestes a ficar submersa. Seus dedos apertaram o martelo com firmeza. – Clay, não posso me encontrar com você ainda. Os outros dependem de mim. Por favor, me ajude de onde quer que esteja.
Ela fechou rapidamente os olhos, respirou fundo, os abriu novamente e avançou, com água nos joelhos. Girou os braços, fazendo o martelo explodir a cabeça de uma criatura, enquanto jogava o ombro sobre o peito de outra. Seu pé afundou, e ela caiu junto com o inimigo. De repente, estava debaixo da água, abraçada por braços fortes e gélidos. Toiva se debateu, tentando se soltar, mas a criatura não cedia. Na escuridão, a bárbara mordeu a primeira coisa que conseguiu, e arrancou um naco de carne do pescoço do inimigo.
Em seguida ela saltou pra fora da água, com um líquido negro escorrendo de sua boca. Seu martelo girou mais uma vez e derrubou a criatura mais próxima. Ela aproveitou para se afastar, mas a água batia em sua barriga, e não conseguiu ir muito longe até sentir dedos segurarem o seu pé.
Caiu de frente, desaparecendo na escuridão novamente. Outras mãos a alcançaram. Ela tentou se levantar, mas seus pés foram puxados, e ela perdeu o apoio. Conseguiu enxergar por cima da água uma última vez, vendo a luz vindo da escadaria. Em alguns instantes a caverna estaria completamente submersa.
Mergulhou pela última vez, sentindo pernas e braços presos pelas criaturas aquáticas. Não havia o que fazer. Não havia movimentos restantes. Se debater não adiantava. Parou de forçar. Precisava controlar o desespero. Mas não havia muito o que fazer.
Sua sorte virou quando algo veio de cima, mergulhando sobre elas, bicando e rasgando as criaturas. Era a harpia Helena. Toiva ergueu a cabeça e respirou novamente. Elas estavam coladas na parede, próximas ao túnel bloqueado. Pelo ritmo da enchente, nunca chegariam a tempo até a escadaria. Toiva não sabia nadar, e com certeza ela morreria no meio do caminho. Helena, encharcada, também não poderia mais erguer voo.
– Calma – a bárbara disse. – Eu vou tirar a gente daqui.
Ela se virou para a pedra que tapava o túnel e enfiou o martelo em sua base. De todo o seu grupo, Toiva era a mais forte. A haste do martelo seria uma ótima alavanca para desobstruir o caminho. Se o osso de Gerion não resistisse à força de Toiva, ela destruiria a única arma capaz de matar o necromante.
– Ishkar, Clay, Helena, me ajudem! – ela gritou, e começou a empurrar.
Mãos começaram a agarrar seus ombros e braços, puxando-a. As criaturas a alcançaram, e num último movimento, aos berros, os músculos de Toiva se encheram de veias, e a pedra rolou para o lado.
De repente, toda aquela água da caverna começou a escorrer pelo túnel, como uma grande descarga, levando todos que estavam ali para a escuridão.
Enquanto o jardim era tomado pelo exército dos mortos, algo chamou a atenção de Raíza. Ela estreitou os olhos, e viu uma criatura alada erguer voo de uma casa, não muito longe dali. Um sorriso se abriu, e Raíza percebeu quem era.
– Helena! – gritou para sua harpia.
A criatura voava, oscilando no céu. Ela ainda tinha a flecha de Jim presa em seu peito. Raíza pensava que se a flecha não a tivesse matado, o tombo faria isso, mas estava enganada. A harpia pousou na beirada da torre, muito ferida. Raíza a abraçou com força e a acariciou, emocionada. Com cuidado, removeu a flecha de seu peito. A harpia encostou o nariz adunco no colar da dríade.
– Eu consegui – Raíza beijou o colar. – Eles me deram a Chama de Amon. Estamos livres para partir, doce Helena! – ela olhou para baixo, e viu os aventureiros enfrentando os mortos, concentrados. – Vamos fugir enquanto podemos! Que eles se virem sozinhos! Consegue me levar?
Helena inclinou o pescoço, e Raíza montou em seu torso. Nesse momento, ela se desconectou das raízes do jardim, e se concentrou em sua fuga.
Lá embaixo, os aventureiros foram surpreendidos quando as raízes deixaram de chicotear e esmagar os zumbis. De repente, a única barreira que impedia a invasão completa dos mortos, cessara.
– Galdor! – Kvarn gritou, com o escudo em uma mão e o machado na outra.
Jim atirava com sua besta e recarregava com os dardos em uma velocidade absurda. Toiva estava completamente cercada, mas a sua espada era tão grande, que ela conseguia acertar vários inimigos com um só golpe.
Galdor olhou para cima, tentando descobrir o que acontecera, e então viu a harpia erguendo voo com a dríade em seu torso. O mago ergueu as mãos e fez uma ventania acertá-las de cima para baixo. Ele amorteceu a queda, mas a harpia acertou o gramado com um baque. Raíza rolou até os pés de Galdor.
– Me dê isso – o mago arrancou o colar à força. – Essa é a última vez que você nos trai – ele jogou a Chama de Amon para cima e fez um vento leva-lo para longe, sumindo no meio dos zumbis.
– Não! – Raíza gritou, erguendo um braço, incrédula. – Agora eu vou morrer com vocês!
– Ou você morrerá sozinha! – ele ripostou, jogando uma bola de fogo nos zumbis que se aproximavam. – Rápido, faça suas raízes voltarem a lutar! Nós podemos fugir com a harpia e deixa-la aqui.
– Helena nunca faria isso – Raíza respondeu, exasperada, e as raízes se ergueram do chão, esmagando e rasgando zumbis. – E ela está ferida. Talvez conseguisse levar um ou dois de vocês até uma zona segura, mas em seguida o jardim seria completamente tomado pelos mortos, e o resto de vocês morreria.
– Eu sei disso – Galdor respondeu. – E é por isso que devemos matar o necromante.
– Matar o necromante? Mas o orbe se quebrou!
– Exatamente! – Galdor respondeu. – Ele servia apenas para ativar as armadilhas do esconderijo do Martelo de Gerion, a única arma capaz de matar o necromante. Se o orbe está quebrado, não tem como o seu irmão descobrir que alguém está invadindo o esconderijo, e nem poderá ativar as armadilhas. O caminho está livre.
– Mas como…
– Com a sua bendita harpia!
– Nem tudo que protege o Martelo de Gerion são armadilhas – ela retrucou. – Há outras criaturas guardando a arma, e haverá combate. Vocês estão sem comer e sem dormir direito há dias. Como irão enfrenta-los?
– Uma de nós está bem descansada e alimentada. Você garantiu que ela passasse os últimos dias dormindo – Galdor olhou para trás, e viu a bárbara não muito longe dali. Então ele gritou. – Toiva! Você precisa montar na harpia e ir atrás do Martelo de Gerion! Precisamos matar o necromante!
A bárbara abriu caminho e correu até ele. Galdor lhe explicou o plano, e Raíza ensinou o caminho até o esconderijo do Martelo de Gerion. Toiva aceitou sua missão e montou na harpia. A criatura permitiu ser cavalgada, e ergueu voo com dificuldade, dando uma volta pela torre e desaparecendo das vistas do mago.
– Rápido! – Galdor gritou para os outros. – Voltem para dentro da torre!
Sem Toiva para completar o círculo de defesa, eles estavam mais vulneráveis. O mago ordenou que entrassem na torre, pois o jardim havia sido completamente tomado pelos zumbis.
Assim que todos entraram na torre cilíndrica, feita de pedra sobre pedra, Kvarn e Jim fecharam a porta, passando uma viga de ferro entre as duas maçanetas. A vegetação tomara o interior do salão, e no canto ainda estavam as jaulas da dríade. No chão, os ladrilhos coloridos estavam quebrados, e borboletas e passarinhos voavam ao redor do grupo.
– Assim ganharemos mais um tempo – Jim disse, se afastando da porta. Os quatro se uniram no centro do salão. – Enquanto a porta resistir…
Antes que ele terminasse de falar, a porta começou a sacudir com os golpes que vinham de fora. As rachaduras vieram logo em seguida, e as lascas caíam aos montes. Uma fenda se abriu no centro, e um morto colocou o rosto na abertura. Ele ainda possuía sua pele sobre a caveira, e seus olhos eram brancos e opacos, mas eles focavam direto no grupo.
– Toiva nunca chegará a tempo – a dríade caiu em si. – Nós iremos morrer agora.
– Aquele portal ali é para a escadaria? – Kvarn apontou para uma passagem no interior do salão, e ao ver que a dríade não iria responder, ele ordenou: Corram para lá! Iremos fazer nossa defesa na escadaria.
O grupo obedeceu, e assim que entraram na passagem estreita e escura, eles fizeram uma fila, parados nos degraus que levavam para cima, e se viraram para o portal. Kvarn estava na frente de todos, esperando a chegada dos inimigos. Ele colocou o escudo diante do corpo, e ergueu o machado acima da cabeça. Sobre seu ombro, Jim apontava seu último dardo. Galdor erguia uma mão para a magia do vento, já que não daria para soltar uma bola de fogo naquele lugar apertado. A dríade fechou os punhos frágeis e torceu para ter uma morte rápida.
Antes da batalha, o grupo se reuniu debaixo de um carvalhobranco com folhas douradas. Eles cavaram uma cova no chão onde colocaram o corpo de Clay envolto em um lençol. A dríade ficou longe, respeitando o funeral. A pelagem azulada estava eriçada sob o vestido branco. Seus cabelos em forma de folhas balançavam com o vento pútrido que vinha de fora da muralha, onde o exército dos mortos esperava a ordem para invadir.
– Clay – Toiva ficou à beira da cova, olhando o rosto pálido de seu amigo. – Eu sei que você não acreditava muito nos deuses, mas eu vou rezar para que sua alma seja levada para o paraíso do povo de Ishkar, para nos reencontrarmos. Você foi embora sem se despedir, e isso, eu não aceito.
– Não importa se ele não acreditava nos deuses – Kvarn afastou Toiva para o lado, e se aproximou da cova. – Esse cabeça oca morreu enfrentando um inimigo muito mais poderoso. Nem mesmo os deuses podem ignorar isso. E se ele for para algum paraíso, que seja para Heimvel. Só pra avisar – ele disse para Clay -, em Heimvel nunca faltam mulheres e bebidas!
– Clay foi o maior líder que eu já vi – Jim declarou. Sua voz estava trêmula. – E eu contarei sobre seus feitos pelo resto da minha vida – ele enfiou o rosto nas mãos e começou a soluçar.
– Não se entristeçam – Galdor disse, erguendo o monte de terra ao redor com a sua magia. – “Morte” é apenas o nome de uma das fases da vida – dito isso, ele jogou a terra no buraco, tapando a cova de Clay.
– Se já terminaram – Raíza disse, se aproximando. Ela abriu os braços, e várias raízes se aproximaram, carregando armas e armaduras.
Jim pegou uma besta com fio de aço, e uma aljava cheia de dardos. Kvarn encontrou um machado para usar com seu escudo em forma de gota. Toiva abandonou suas duas espadas por uma imensa e pesada. E por último, uma raiz estendeu um pergaminho ao mago. Galdor o abriu cautelosamente, e quando viu o que tinha dentro, ele gritou, vibrando como se fosse um jovem novamente.
– Bola de Fogo! – ele mostrou o grimório para o grupo. – Faz tempo que não vejo um desses!
– Finalmente você será útil – Kvarn disse, testando o machado. – Já era hora de você deixar de ser um peso para o grupo.
– Uma pena que essa magia só apareceu na nossa batalha final – Jim disse, praticando tiro com sua besta. – Antes do fim da tarde, estaremos todos mortos.
– Pode até ser – Toiva disse. – Mas antes, vamos povoar o inferno com os nossos inimigos.
– Acho que ficaria melhor se você dissesse “vamos adubar as ruas de Negressus com esses bostas” – Kvarn sugeriu, enfiando o machado no tronco de uma árvore.
Na próxima hora, o grupo se alimentou e rezou. Jim reuniu algumas ervas que encontrou e fez uma poção.
– Quando eu era criança, minha mãe fazia esse tônico para me dar mais energia – ele explicou, amassando as folhas em um chá. Depois deu um pouco para cada um.
– Precisamos batizar essa bebida tônica – Kvarn disse depois de um golão. – Que tal Jim Tônica?
– Sua criatividade é impressionante – Toiva disse, tomando por último.
– Começou – a dríade os interrompeu, olhando para trás. Suas raízes saíam do jardim para cima da muralha, em todas as direções. Elas limpavam os merlões e ameias dos zumbis que escalavam as pedras.
– Precisamos de um líder – Jim se virou para o grupo, assustado. – Eu sou o mais novo daqui, então não estou apto pra isso.
– Eu não penso muito bem sob pressão – Kvarn negou com a cabeça. – Meu negócio é… – ele começou a bater em inimigos invisíveis, como argumento.
– Deve ser você, Galdor – Toiva se virou para o mago. – Você é o mais experiente de nós.
– Claro, ele deve ter uns mil anos – Kvarn murmurou.
– Muito bem, muito bem – o mago assentiu, alisando sua longa barba branca. – Vamos nos espalhar. Cada um para um canto do jardim. Precisamos cercar a maior parte da fortaleza. Nós precisamos abater os zumbis que passarem pelas raízes.
Então o grupo se espalhou pelo jardim, ao redor da torre. As raízes de Raíza chicoteavam e arremessavam os zumbis que escalavam a muralha. Mas não demorou para que eles conseguissem atravessar.
– O necromante trouxe essa batalha até nós! – Galdor gritou, e sua voz ribombou até os seus companheiros. – Mas nós lutamos pelo lado dos vivos! E não serão alguns esqueletos que nos vencerão!
– Alguns esqueletos? – Kvarn gritou de volta. – Deve ter cerca de um milhão deles lá fora – ele sacudiu a cabeça, sorrindo. – As coisas escalonam muito rápido nas Terras Mortas.
– Mas minhas flechas são mais rápidas – Jim gritou, e disparou a primeira flecha quando viu um zumbi cair do lado de dentro do muro.
– Assim como a minha espada – Toiva gritou, ao pé da muralha. Ela girou sua arma imensa, cortando dois mortos que caíam em pleno ar.
– Ou como as minhas bolas de fogo – Galdor ergueu as mãos sobre a cabeça, e um pequeno sol se formou do nada. Ele o arremessou em linha reta, passando pelas árvores, até acertar o primeiro grupo de zumbis que viu. Voou pedaços de roupa e ossos para todos os lados.
A dríade havia subido no topo de sua torre, onde observava a batalha de cima. Ela andava de um lado para o outro, observando todos os lados do jardim. Sua muralha era como uma bacia no meio do oceano de zumbis, afundando aos poucos, e sendo tomada pelas águas salgadas da morte.
Suas raízes não estavam conseguindo impedir a entrada das hostes dos mortos, e não seriam um arqueiro, um mago, um guerreiro e uma bárbara que impediriam a vitória dos mortos. Ela olhou para fora do jardim, e os inimigos eram como um formigueiro gigantesco, se amontoando e subindo uns em cima dos outros. E seu exército se estendia por ruas e ruas, e ela não conseguiu ver nenhuma parte da cidade onde não houvesse zumbis vindo em sua direção. Esse era o fim.