Refúgio de Ignis – Competição de Contos e Textos #01

Na Torre do Mago, todo mês ocorrem diversos eventos com premiações. No mês de novembro de 2021, realizamos o aguardado evento “COMPETIÇÃO DE CONTOS E TEXTOS”, pelo qual, seguindo determinadas regras, o participante poderia postar uma história, um gancho narrativo, uma experiência e, até mesmo, uma fanfic de sua mesa de RPG favorita e disputar o primeiro lugar por meio de votação do público do servidor.

As três melhores publicações serão postadas aqui para vocês, sendo que hoje trazemos nosso texto campeão do evento, intitulado Refúgio de Ignis, da autora Raquel Naiane, uma jogadora e artista do servidor.

Refúgio de Ignis

Tieflings são criaturas que eram humanas, mas que agora carregam em si a essência de Asmodeus por causa de um pacto feito há inúmeras gerações. E mesmo depois de anos, os humanos desconfiam da presença dessas criaturas e cochicham maldades umas às outras pela herança infernal que carregam. Por isso, há muito tempo, um senhor tiefling conhecido como Kairon, fugiu com um grupo de conterrâneos para além-mar afim de encontrar um lugar no mundo.

Após muitos meses de viagem, já cansados e quase sem suprimentos, eles encontraram uma ilha inabitada, localizada em um dos oceanos que se encontrava nos confins da terra, onde homens comuns não arriscavam ir e nem criaturas diferentes das quais já viviam lá ousavam visitar, e assim, começaram a construir um lugar onde pudessem ser eles mesmos, com seus chifres de diferentes formatos, suas caudas enormes, suas cores meio avermelhadas, cor de olhos sólidos e caninos afiados.

Os séculos foram passando e a ilha evoluiu, ficando conhecida como Refúgio de Ignis, de maneira que tieflings de várias partes iam até ali buscar abrigo, sendo reconhecida como um bom lar para aqueles com sangue infernal. Com o tempo e a prosperidade, eles aprenderam a se proteger, criar animais e plantas para consumo, aprenderam a fazer negócios com outras raças, e constituíram uma monarquia para liderar.

O povo, sempre feliz, agradecia pelo lugar próspero e seguro que havia sido formado, até que de repente, crianças começaram a nascer com a pele e chifres totalmente brancos, causando preocupação ao rei vigente que, após não ter sucesso em encontrar uma solução dentro da própria ilha, mandou aventureiros pelo mundo em busca de magos e estudiosos que pudesse ter a resposta.

As crianças continuavam nascendo sem coloração, porém muito saudáveis e, depois de anos, os aventureiros retornaram com um grande livro contendo histórias antigas, onde se dizia que em um passado muito distante, os tieflings nasciam todos incolores, e um ritual característico celebrado entre os 15 e 16 anos permitia que lhes fosse concedida sua “cor original”. Esse costume se perdeu com o passar dos anos e, após serem totalmente desprezados pelas outras raças, as cores avermelhadas passaram a prevalecer entre os da raça (uma nota de rodapé no livro dizia que a cor vermelha teria sido influência de Asmodeus).

Sabendo agora desse ritual, o rei começou a preparar a si e ao povo para quando as crianças completassem a idade prevista, pudessem passar pelo descrito, desse modo, ao chegar ao ano na qual inúmeros jovens teriam a idade próxima, o rei seguiu as instruções do livro: na maior lua cheia da primavera, todos os tieflings deveriam ficar no centro de uma grande arena, e assim que a lua encontrasse seu ponto mais alto, todos jogariam para o alto pétalas douradas (separadas da flor do Los, que conseguiram encontrar após muito esforço e passaram a cultivar no reino), e conforme os textos antigos, quando caíssem sobre os corpos e rostos ansiosos de vários jovens, suas cores começariam a surgir, começando pelos chifres e descendo até finalizar na cauda, permitindo que cores nunca antes vistas nessas espécies aparecessem. A partir desse ponto inicial, a cada dois anos o rei promove esse evento, que ficou conhecido como Ritual das Cores, para que todos pudessem adquirir suas cores originais.

Alguns anos à frente, Damaia e seu esposo Ekemon reinavam com suas duas filhas: a primogênita e sucessora do trono, Zendaya, e sua irmã, três anos mais nova, Maya.

Até que em um dia de tédio, a mais velha com 07 anos e a mais nova com 04, decidiram fugir das paredes do palácio sem os guardas perceberem e irem até a Floresta Esquecida, que era o lugar onde aventureiros da ilha iam para ficarem fortes, pois sempre apareciam monstros e criaturas para enfrentar, que de alguma forma, ficavam apenas na floresta (lendas diziam ser uma maldição que os tieflings trouxeram àquele lugar por causa de seu sangue).

Conseguiram chegar à floresta com muito esforço para não serem vistas, e imaginavam que conseguiriam ficar tão fortes quanto os aventureiros que ali adentravam. Andando pelo lugar, nenhum monstro elas encontraram, porém, acharam algo que chamou muito mais a atenção de ambas: um homem com roupas pretas, encapuzado e com uma bolsa lateral. Vivendo na ilha, elas apenas haviam visto em livros outros tipos de raças, e jamais imaginaram que encontrariam ali no reino criaturas sem chifres ou cauda, que tivesse pupila nos olhos ou dentes não pontiagudos, e assim, o interesse delas naquele ser totalmente esquisito cresceu.

O que elas não sabiam, é que por aqueles dias haviam acontecido inúmeros sequestros de crianças que por vezes não voltavam, ou quando acontecia de voltarem, estavam sem seus chifres e havia se descoberto que poderia ter algum intruso no reino que buscava pelos chifres, pois sem as cores, eles valiam um preço absurdo nas grandes capitais].

Começaram a conversar entre si e aos poucos o homem foi ganhando a confiança de ambas, até que disse que mostraria a elas uma magia muito bonita e a primogênita desconfiou sabendo dos perigos que a magia possuía. Ela começou a olhar em volta procurando por socorro e quando percebeu, o homem estava com a mão no ombro da mais nova enquanto proferia palavras e remexia sua outra mão na frente dos olhos da pequena, fazendo-a dormir e colocando seu pequeno corpo com cuidado no chão.

Zendaya, sem entender muito do que estava acontecendo, se aproximou do homem e viu quando, em um único golpe, ele cortou o chifre direito de Maya. Afoita, empurrou-o para o lado e começou a gritar pelos guardas, se dirigindo violentamente para cima do homem e arranhando-o no rosto com as mãos. Ele, por sua vez, de uma maneira muito fácil, jogou-a para longe, voltando-se para a tiefling caída, e antes que Zendaya pudesse fazer algo, ouviram os passos dos soldados que estavam procurando pelas princesas ao notarem seu desaparecimento.

O encapuzado, vendo-se prestes a ser pego, começou a se afastar em direção às árvores, mas enquanto andava, levantou sua mão para a criança adormecida e um enorme raio azul disparou. A irmã mais velha que já tinha se levantado e estava se dirigindo à caçula, vendo a situação, jogou-se na frente e tomou para si toda a dor daquela gélida magia.

O homem usou algum tipo de feitiço que não permitiu que fosse encontrado, e as crianças foram levadas ao castelo onde receberam tratamentos. A pele da primogênita ficou gelada, enquanto a caçula acordou com fortes dores de cabeça e com um chifre faltando, porém logo tomou chás específicos e a dor diminuiu. Após contarem a história para seus pais e receberem conselhos e advertências sobre o comportamento que elas haviam tido, principalmente a herdeira do trono, elas foram mandadas para a cama.

Ambas dormiam no mesmo quarto e no meio da noite Zendaya acordou de repente e, olhando em volta, percebeu que tudo estava brilhando em branco. Procurando o causador daquilo, olhou para si e percebeu que sua pele estava completamente azul escuro e que possuía linhas geométricas pelo corpo, da cor branca, a qual emitiam uma forte luz. Assustada, foi até seus pais, que se preocuparam instantaneamente.

O dia seguinte foi corrido para os pais que buscaram por magos e feiticeiros confiáveis para saber do que se tratava, mas eles não sabiam determinar o que a menina tinha, apenas que ela estava amaldiçoada e de alguma forma o Ritual das Cores havia se antecipado em sua pele, assim como, eles não sabiam dizer o que exatamente ela tinha e qual maldição haveria de acompanhá-la durante sua vida.

Preocupados com o equilíbrio do reino e a situação geral, os pais conversaram com os conselheiros e perceberam que se falassem e mostrassem a criança ao povo, poderiam causar um grande tumulto, e talvez a ideia de que haviam voltado a ser impuros pudesse surgir ou que a maldição que a criança tinha poderia recair sobre toda a ilha ou qualquer outra bobagem poderia causar uma grande revolta em todos, principalmente pelo fato de não saberem com o que estavam lidando, e num impasse de desespero e medo, optaram por uma solução pouco fácil para os dois: fingiriam que a sucessora do trono havia morrido defendendo a irmã.

Assim sendo, foram realizados feitiços de memória nos soldados e funcionários que viram as crianças juntas e, principalmente, nas duas crianças, mudando os fatos de ordem e tirando qualquer informação relevante dali. Na tarde do dia seguinte, após muita aflição, apenas os pais, uma conselheira e um mago sabiam da verdade e enquanto os reis anunciavam ao povo a morte de Zendaya, herdeira e sucessora do trono, a caçula chorava sem que ninguém visse.

A criança amaldiçoada foi levada dormindo e escondida para bem longe dali em um navio que partiria do reino naquele dia, juntamente com a conselheira Nya, que passou a ser considerada sua ama e tinha por missão, encontrar a cura para a maldição da criança.

Crescendo, a criança percebeu que quando ficava sob os raios lunares, suas marcas brancas e geométricas brilhavam, fazendo com que aprendesse a se esconder de todos.

Autora: Raquel Naiane
Revisão e Arte da capa: Oblitae

 

Lembranças da Criação #04 – Demônio: A Queda

— Olá novamente! Aqui está. — Diz, uma vez mais, a garçonete, em quanto coloca um novo pedido sobre a mesa: um cappuccino. — Espero que não se ofenda, senhor, mas gostaria de avisá-lo que nosso expediente se encerrará em breve. Em 30, 35 minutos.

— Claro, sem nenhum problema. — Digo.

Mediante sua saída, torno a perguntar:

— Como assim éramos cegos?

— Tolos, na verdade. Vocês eram pouco melhores que macacos. Não possuíam a real compreensão das coisas. Sendo limitados, somente, a experiência física. Não a lógica, ou a racional. — Responde Mariah. — Isto nos entristecia…

— Longe de mim querer insinuar algo, mesmo neste assunto. Mas e se tudo, inclusive essa “burrice generalizada”, fosse parte dos designas divinos?

— Bem, se era, ou não, não tínhamos como saber! Acredite, o futuro era turvo, impossível de prever! Mesmo os Fados mais habilidosos viam-se impedidos, compilados a dúvida e a incerteza de estarmos, ou não, fazendo a coisa certa.

— E então?

— E então Ahrimal viu algo! Uma catástrofe vindoura, que colocaria fim ao nosso trabalho. E a notícia se espalhou rapidamente, até as esferas mais distantes e longínquas! Nossos líderes, os mais proeminentes, debateram sobre o acontecido por dias, até que nosso maior general intervisse…

— Lúcifer…

— Tamanho era o seu esplendor! Um ser de pura graça e luz, tão retumbante quanto encantador, em fogo e luz! Nosso comandante supremo, tinha suas próprias interpretações sobre a visão.

— Não enrole, Profanador. — Digo, me inclinando. — Conte!

— Julgou ser a imersão humana na ignorância, a causa da catástrofe! E nos incumbiu de, ao seu lado, trazer conhecimento verdadeiro e sublime razão a vocês!

— Fala de uma rebelião por receio? Temor?

— Não, antigo cainita… Falo de uma queda! Uma descida sem volta, por amor a vocês!


Esta história foi escrita por Rafael Linhares que faz parte da Guilda Aliada Recanto das Trevas. O Recanto das Trevas é o maior servidor brasileiro do Discord dedicado a Mundo das Trevas. Lá você vai encontrar todo o suporte de narradores e jogadores para que todos tenham a melhor experiência em RPG.

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Lembranças da Criação #4

Autor: Rafael Linhares.
Padronização e Arte da Capa: Raul Galli.

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Lembranças da Criação #03 – Demônio: A Queda

— Este Po-Boy estava ótimo! — Diz Mariah, após a degustação. — É o meu favorito!

— Sei bem disso. — Comento. — Fico feliz que tenha gostado.

— Você fez, mesmo, o dever de casa, em? Alguns teriam me levado ao GW Fins, ou ao Upperline. Quando aceitei o seu convite, não imaginei que insistiria em me encontrar neste lugar. — Ela diz, olhando para o já quase esvaziado bar. — Sabe, não trabalho aqui à toa. Este local costumava ser o canto preferido desta mortal que hoje possuo. Como consequência, é o meu também.

— Tenho convicção de que me explicará isso depois, sim?

— Certamente. — Responde ela, com um sorriso provocante e um tanto malicioso. — A próxima Casa é, justamente, a minha. A Casa da Imensidão. Dos Padrões e dos Ciclos. Governávamos do mar, buscando,
sempre, influenciar a humanidade rumo a arte, a beleza e a mutabilidade. Desejávamos inspirar o seu desenvolvimento cultural e intelectual. Ainda que estivéssemos separados de vocês, por causa da superfície, próximos sempre estávamos. Depois de nós, a Sexta Casa. Lar dos Anjos da Natureza, dos supervisores do mundo selvagem. Responsáveis por controlar todo o sistema ecológico, eles estabeleceram as criaturas prototípicas, a flora, a fauna e as interações que estes exerceriam uns sobre os outros. Era algo bastante complexo, acredite. Ainda mais complexo do que hoje, uma vez que qualquer mudança abrupta, por menor que fosse, poderia vir a desencadear o descontrole e a imperfeição no universo.

— E a Sétima Casa?

— Tente adivinhar. — Ela ri.

— Bem… — Digo, pensativo. — Tudo o que é necessário para a vida já me parece ter sido encarregado a uma destas últimas. Na verdade, quase tudo. Seria a última a encarregada de fazer sua manutenção?

— Isto. Exatamente! — Diz, empolgada. — A Casa do Segundo Mundo era formada, principalmente, por sábios e solenes. Sua função, como você mesmo já supôs, era a de dar fim a certos elementos da Criação.
Ainda que mal compreendidos, inicialmente, pelos outros, eram, realmente, essenciais. Afinal, o princípio mais básico não é o de mudança? Mudança para que o novo possa surgir?

— Evidentemente, claro. Mas e os humanos? Também sucumbiam ao toque de transformação?

— Oh, não. A humanidade foi o nosso maior e mais sublime feito. Não podíamos dar fim a aquilo que era, de fato, perfeito! Fizemos vocês com nossos maiores conhecimentos e dádivas. O próprio Criador os admirava!

— E vocês? Também sentiam o mesmo?

— É claro!

— Não entendo. — Digo. — Então por que a insurreição aconteceu? Por que se rebelaram?

— Duas razões específicas, se quer saber. — Ela responde. — Primeiro, nossas ordens. Deus nos deu duas,
antes de os Anjos do Firmamento lhes darem vida. Primeiro, a de amar vocês, incondicionalmente. Em mesma proporção ao amor que tínhamos por Ela. Segundo, nos esconder! Nunca fazer contato, nunca nos apresentar…. Deveríamos deixá-los sós! Isolados! Alheios a nós, seus protetores dedicados. Consegue entender, gatinho? Compreende a piada? Vocês, a quem a hoste desejava servir. Vocês, para qual tudo foi estabelecido. Para qual tudo foi criado! Deveriam se imaginar abandonados, meio a um mundo indiferente e mecânico!

Após novos instantes de reflexão, olhando Mariah, continuo:

— E a segunda razão?

— Essa já não é tão fácil de resumir. Para que compreenda inteiramente, preciso te explicar até onde o abandono da humanidade a levou. Além de, claro, te contar o que fizemos a respeito. Te contar qual foi a nossa atitude.


Esta história foi escrita por Rafael Linhares que faz parte da Guilda Aliada Recanto das Trevas. O Recanto das Trevas é o maior servidor brasileiro do Discord dedicado a Mundo das Trevas. Lá você vai encontrar todo o suporte de narradores e jogadores para que todos tenham a melhor experiência em RPG.

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Lembranças da Criação #3

Autor: Rafael Linhares.
Padronização: Douglas Quadros.
Artista da Capa: Raul Galli.

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Lembranças da Criação #02 – Demônio: A Queda

— Aqui está. — Diz a garçonete cuidadosamente, olhando-me em quanto coloca o pedido sobre a mesa. Pela primeira vez, reparo em suas feições. Ela é baixa e magra, com, no máximo, 59 ou 60 kg. É mulata. Possui olhos castanhos e cabelo cacheado. Além disso, teve ter entre 19 ou 20 anos. — Dois chopes e um Alligator Tenderloin Po-Boy.

Agradeço cordialmente, com um aceno. Quando ela, finalmente, sai, continuo:

— O Criador é uma mulher? Sério?

— Sim. É tão difícil acreditar? Veja como ela é perfeita. — Diz Mariah, sobre a garçonete. — A pele, o cabelo. O maneirismo! A forma como se porta com os clientes. Atente-se a roupa! Acredita mesmo que detalhes tão sutis, tão complexos, tão profundos, poderiam ser estruturados por outro, se não uma de nós? Não é a estética e a preocupação com ela a maior virtude feminina?

— Tá. Realmente, confesso que faz sentido. — Respondo, pegando um dos chopes e levando-o até a boca. Após um gole, continuo. — O universo, como um todo. Como Ela o concebeu?

— Não sabia que a sua espécie podia consumir tais coisas. A maldição dada por nós enfraqueceu tanto assim?

— Não é bem isso. Alguns preservam, mesmo depois do Abraço, características mortais essenciais. Muitos não são tão pálidos quanto deveriam. Outros, como eu, podem consumir alimentos e bebidas normalmente, ainda que seja preciso removê-los de nosso organismo, cedo ou tarde.

— Fascinante. Deve ser bem útil, em certas circunstâncias.

— Não faz ideia. Continuando…

— Ah, sim. Perdão. — Diz ela, pegando o outro chope e levando-o até a boca, também. — No princípio, havia duas infinidades: a infinita ausência, ou aquilo que não era Deus, e a infinita existência, aquilo que era Deus. Uma continha a outra, eternamente separadas. Porém, em um dado instante, o Criador, para iluminar a fronteira entre estas duas, criou os primeiros anjos. O propósito deles era propagar a sua vontade. Traçar o equilíbrio perfeito entre o ser e o não-ser. Consegue compreender?

— Não perfeitamente.

— Veja bem… — Diz, com um suspiro. — Deus era tudo, todas as coisas. O que não era ele, nada era. A função dos primeiros anjos, os Anjos da Aurora, era distinguir os fundamentos divinos daquilo que o Criador poderia ser e não poderia ser. A partir desta distinção, originou-se o cosmo: a forma discreta e básica que seria trabalhada, posteriormente, pelos outros de nós.

— E esse foi o primeiro dia?

Ela ri, por alguns segundos.

— Sim, basicamente. Ainda que esta distinção seja equivocada, é claro. Noções de tempo e duração, simplesmente, eram complexas naquela época. O todo era constituído por realidades variadas e inter-relacionadas, com cada qual a revelar diferentes experiências e pontos de vista. Assim, um acontecimento em uma realidade, com duração de um dia, poderia ter centenas de anos em outra. — Responde Mariah.

— Compreendo. Estes ditos Anjos da Aurora, fizeram algo mais? Os outros, que você mencionou, quem eram? Em que se diferenciavam?

— Bem, Deus, em sua sabedoria, criou Sete Casas Celestiais. Sete grupos distintos, com funções diferentes. A primeira, já mencionada, era a mais próxima dele. Nossos líderes, se quer saber, pois eram encarregados de nos comunicar as decisões e vontades do Criador. O nome é esse mesmo: Casa da Aurora. Depois deles vieram a Casa do Firmamento, a Segunda Casa. Senhores dos ventos e do movimento, eles foram incumbidos de transmitir a vida para cada criatura. Também deveriam zelar por estas, agindo como guardiões e protetores invisíveis.

— Quase como “anjos da guarda”, certo? — Indago.

— No passado, bem poderiam ser chamados assim. Muito se comentou, durante os primeiros dias, sobre as capacidades que estes anjos possuíam. Ao sentir quaisquer ameaças sob os seus protegidos, partiam imediatamente, a fim de defende-los.

Ao fim da sentença, seu telefone toca, anunciando o recebimento de uma mensagem. Não me acostumei muito com isto, mas, se bem me lembro, os mortais o chamam de WhatsApp. Mariah o olha, imediatamente, recolhendo o aparelho de uma pequenina bolsa que carrega consigo. Alguns segundos se passam, mediante a leitura da mensagem e a sua resposta, por parte dela.

Ao fim disto, enquanto guarda o celular, ela pergunta:

— Onde eu estava mesmo?

— Me explicando as Casas da Criação. Tinha acabado de revelar a função da Segunda Casa e, se não fosse o celular, certamente estaria a me explicar a função da terceira. — Respondo, com certa indelicadeza.

— Perdão por isso, gatinho. — Diz ela, com um sorriso. — Possuo certas ocupações que tomam, muito, o meu tempo. Não fique “chateadinho”, sim? — Diz, tomando, novamente, o chope. — Sobre isto… A Terceira Casa era o Fundamento. A Casa da Matéria, do Tangível. Tudo o que tocamos, hoje, é trabalho deles. A função desses artesões era a de desacelerar a energia, para que ela se tornasse matéria. Após isso, de transformá-la. De moldá-la, segundo a necessidade e o desejo de Deus.

Mariah, então, para, permanecendo pensativa por alguns novos instantes. Certamente, estava ela a relembrar desta época:

— Fiz muitos amigos entre eles, sabe? Principalmente durante o embate, após o nosso rompimento. Eram, acima de tudo, artistas. Escultores dos aspectos mais acessíveis e observáveis do mundo. Depois deles, os Fados. A Casa das Esferas. A Quarta Casa. Foram encarregados de estabelecer a trajetória dos astros e das luzes cósmicas. Estavam tão distantes da Terra quanto os membros da Primeira Casa, mas sempre a influenciavam, principalmente após a imersão dela no tempo. Como você bem sabe, esta noção está diretamente interligada ao movimento que este planeta executa, em relação aos outros corpos celestes. Isto foi ideia deles.


Esta história foi escrita por Rafael Linhares que faz parte da Guilda Aliada Recanto das Trevas. O Recanto das Trevas é o maior servidor brasileiro do Discord dedicado a Mundo das Trevas. Lá você vai encontrar todo o suporte de narradores e jogadores para que todos tenham a melhor experiência em RPG.

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Lembranças da Criação #2

Autor: Rafael Linhares.
Padronização: Douglas Quadros.
Artista da Capa: Raul Galli.

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Égide da Tempestade – Parte Final – Contos de Thull Zandull

Anteriormente em Égide da Tempestade – Parte 9, nosso protagonista acreditou que estava em seu último dia de vida. No entanto, a revelação de um segredo o aguardava… Fique agora com Égide da Tempestade – Parte Final.

Égide da Tempestade – Parte Final

Dargon, sentou-se em uma pedra próxima enquanto aquele dia triste dava sinais plenos de vida. A luz divina pairava sobre ele como um acalento pelo líder, o tutor e um quase amigo que acabara de perder. A carta deixada foi lida com cautela. Mas o pequeno livro; claramente um diário; demandaria mais tempo.

A revelação 

“Dargon, nascido como Morog-Thar, filho de Turok-Thar, venho por meio desta carta deixar meus sinceros pedidos de desculpa, por ter mantido uma parcela de sua história guardada comigo. Fiz uma promessa a seu pai e para conseguir honrá-la precisei esquivar-me da dor que senti ao perceber que a verdade poderia ser libertadora para sua mente. Mas jamais para seu corpo e espírito. Para isso eu precisava esperar o momento certo, a oportunidade certa e graças a providência divina encontramo-nos com uma guerreira que segue códigos há muito esquecidos desta terra.

O custo para a liberdade de vários foi pequeno, apenas a vida de um velho moribundo, pertencente a uma época muito distante. Alguém que já não encontrava sentido com tantas mudanças que estavam por vir, claro que esse é apenas meu sarcasmo agindo, exceto o trecho de velho moribundo. A utilização de poções, elixires com ingredientes antigos e proibidos custou um alto preço. Mas precisava ser assim, afinal de contas a viagem de barco até o local onde estava e o retorno para esta terra eram necessários. Sempre acreditei que ao retornar poderia obter com meus antigos contatos meios para garantir que tivesse aquilo que seu pai tanto desejava. Porém um encontro inesperado foi o suficiente para conseguir isso. 

Quando participei dos combates em terras Tauricas seu pai conseguiu meu respeito. No entanto, os acordos oferecidos pela Autarquia garantiam que filhos de nobres deveriam passar por processos de educação no Império. Nunca contei a ninguém, mas seu pai salvou minha vida oferecendo a dele em troca. Durante seu último suspiro me fez jurar que eu o procuraria e o traria de volta para assumir a liderança da linhagem. 

Observando o Império começar a ruir, segui seus passos, sempre cauteloso em cobrir minha intenção com as necessidades imperiais inerentes a minha posição. Consegui enfim achá-lo. Mas ainda precisava garantir a parte legal, para manter sua sobrevivência. Isso eu obtive por meio de Mira, pois há muitas testemunhas que poderão confirmar nossas mortes. Você é apenas mais um Minotauro entre tantos que invadiram este local, terá passagem segura para voltar a sua terra. 

Fique tranquilo, Mira e eu trocamos informações importantes, dei a ela e ao superior dela algo que muito queriam e isso dá a você finalmente a liberdade que havia prometido a seu pai. A história é longa, minha vida tem vários percalços e aprendizados que gostaria de compartilhar e por isso peço que leia minhas memórias, mas antes de tudo, construa as suas. Me perdoe por não ter lhe confidenciado, mas era necessário e espero sinceramente que um dia entenda minhas escolhas.”

A transformação 

Dargon ficou confuso com aquilo que acabara de ler, pois já não havia mais Soren, para confrontar. Não desejou continuar a leitura, mesmo porque o diário demandaria tempo e cuidado. Guardou tudo e pôs-se a retornar. Avistou a distância os escombros do torrilhão, posto abaixo por tiros poderosos da bombarda. Havia sinais de luta, provavelmente uma luta épica, pois mesmo a distância pôde contar quarenta covas. Realmente, aquele Exarca parecia ter gravado agressivamente sua imagem na mente de muitos guerreiros naquele dia! 

Apesar de acreditar nas palavras escritas por Soren, não era tão inocente a ponto de confiar plenamente na horda que se espalhava por aquela terra. Analisou a armadura e ficou pensativo se ela poderia ser colocada em seu corpo, porém percebeu que havia uma certa ressonância emitida pelas inscrições mágicas dentro da armadura que de certa maneira tentavam sussurrar em sua mente palavras incompreensíveis. 

Ao começar a colocar a armadura parte por parte percebeu o motivo do Exarca nunca pedir apoio para colocá-la, pois fivelas amarravam-se sozinhas e placas sobrepostas em pontos distantes se posicionavam rapidamente. Era estranho ouvir o estalar do metal e a sensação de calor com a ampliação de toda estrutura defensiva que cobria seu corpo. Aquilo tinha vida e tinha como única meta proteger seu usuário. 

Dargon, tentou influenciar as alterações que ocorriam e realmente houve resposta. Preferiu um equipamento intimidatório, com tons acinzentados e com esporões projetados em manoplas, grevas e ombreiras. O elmo fechado se adaptou à curvatura do chifre e era completamente selado. Ao empunhar o escudo sentiu que da mesma maneira ele atendia às vontades do novo usuário.

Assim munido de arma, armadura e suprimentos Morog-Thar surgia entre as mazelas da guerra que ainda estava longe de terminar. Sua intenção não seria vingança, não seria conquista. Mas sim a busca por sua história e identidade. Morog não era servo e subserviente a ninguém e isto era uma experiência nova para ele. Poderia escolher seu rumo e sentia que as terras Tauricas seria uma parada necessária em sua longa jornada. O legado da Égide da Tempestade viveria enquanto ele respirasse…


Égide da Tempestade – Parte Final – Contos de Thull Zandull

Autor: Thull Zandull
Revisão de: Isabel Comarella
Artista de Capa: Douglas Quadros

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Na parte Final de Égide da Tempestade, será  revelado para nosso protagonista um grande segredo. Venha descobrir com ele o que o aguarda…

Lembranças da Criação #01 – Demônio: A Queda

Durante toda a eternidade — ainda que, principalmente, nos tempos atuais —, muito se comentou sobre o fim deste mundo, não sobre o seu princípio. A razão para isto é tanto que, se me atentasse, daria um material por si só. Até mesmo eu, em meus quase 8 mil anos de não-existência, nunca me preocupei com isso. Tudo mudou há muito pouco tempo, durante minha estadia em Nova Orleans, na Luisiana.

A garota — de, aproximadamente, 27 ou 28 anos, pele clara e cabelo rosa —, era Mariah Wood, uma popular cantora do Bourbon Street Drinkery. Este áudio, que chega aos seus ouvidos após certo trabalho de minha parte, nada mais é do que a transcrição literal de seu relato. Compartilhe-o, se puder, entre os nossos. Os verdadeiros, não os Molochim! Diga-lhes que eu retornei e que, tal qual nosso antigo líder, arrebatarei esta sociedade rumo as sombras!

Chuva em Nova Orleans? Nenhuma novidade. Mesmo em meados de junho, com máximas de 33° durante o dia. Tal como é lógico concluir, isto me é irrelevante, de todo o modo. Estando sentado próximo à janela, com vista para o tradicional Bourbon Street — movimentado mesmo agora, às 3h de uma terça-feira —, entendo, facilmente, as razões que levam esta cidade a ser um ícone de poder para a Torre de Marfim. Estariam os dois, Gaius e sua progênie, Doran, satisfeitos com aquilo que suas ambições se tornaram?
De todo o modo, vamos aos fatos: estou prestes a encontrar um demônio!

Ouvi boatos sobre estas criaturinhas na Idade das Trevas, admito, durante minhas viagens pelo Leste Europeu. Mas conversar com um? Conhecer alguns de seus mais obscuros segredos? Nunca, jamais. Felizmente, cultivei excelentes contatos sobrenaturais, com o passar dos anos. Uma dica para você: faça-os também! Independente do preço ou do favor a se pagar.

Alguns minutos se passam e nada. Ela, de fato, está atrasada. De maneira sutil, olho ao redor do ambiente. São 7 mortais, fora a garçonete e o trio de músicos, no palco. Nenhum outro cainita. Sorrio, prepotentemente, ao pensar nestes últimos. A esta hora, certamente, situam-se ocupados com a pilha de corpos que deixei em Storyville. Gargalho. Lhe traz boas lembranças, Calbullarshi? Asseguro, não me encontrará.

Quantos, como você, enganei com isto? Decoração da Alma, se bem me lembro o nome do dom.
No instante em que me irrito com a demora, estando inquietante sobre a cadeira, uma fragrância familiar me golpeia, violentamente. J’adore Dior 1999, claro. Impossível de confundir. É quando vislumbro sua fonte, descendo da escada que dá acesso ao segundo andar do estabelecimento, vindo em minha direção. Estonteante de muitas e indescritíveis maneiras, ela me fascina de uma forma que somente uma, em tantas, conseguiu: aquilo que sempre sonhei e desejei…

Oh céus! Luto contra minha vontade, a cada passo dela. Desejo olhar, novamente, ao meu redor, para ver se todos, não somente eu, são atraídos por ela. Não consigo. Talvez por causa de seu cabelo: rosa e ondulado, belo e único por si só. Talvez por causa de sua pele: branca e pura, tal como a mais branda neve de inverno. Ou talvez por causa de seu gracioso cetim, preto e provocante, a destacar cada parte de seu corpo.

Não, nada disso. É a sua postura, a forma como ousa comportar-se! Como se todos, inclusive eu, estivessem em suas mãos, sujeitos aos seus encantos. Lembro-me dela, neste instante. Aquela pela qual me apaixonei. Aquela pela qual tolamente, segundo alguns, me sacrifiquei. Dou-me conta do que ocorre e reajo a isto, com minha experiência. O encanto sobrenatural de Mariah se quebra, coincidente a sua chegada a mesa.

— O local está ocupado, gatinho? — Ela pergunta, cinicamente, já ciente da resposta.

— Não. — Respondo. — Perfeitamente livre. — Levanto-me ao fim da sentença. Caminhando em sua direção, educadamente, puxo a cadeira para ela, a fim de garantir que fique confortável e à vontade. Ela me olha neste momento, com seus olhos verdes e claros. A fragrância J’adore Dior me atinge novamente.
Felizmente, porém, consigo resistir, uma vez mais, a este poder.

— Elegante e cavalheiro? Seu tipo é raro, gatinho. Mesmo aqui, na cidade mais sensual da América. — Diz, sentando-se.

— Sinto-me honrado em sua companhia, Forneus. Engraçado você comentar isso. Iria começar nossa conversa com coisa parecida: elegante, sensual e rara. — Digo, também me sentando.

— Elegante, cavalheiro e convencido? — Ela ri. — Vejo que fez o dever de casa, cria de Arikel. Fico contente. De verdade! Será a primeira conversa que terei, desde o meu retorno, em que comentários sobre minha real natureza serão dispensados. Confesso que me situo honrada também. Poucos são os que, educadamente, me contatam. Dos que o fazem, mais poucos são os de natureza sobrenatural.

— Nosso contato em comum me disso isso. — Digo. — Justamente por esta razão, não pensei que aceitaria o convite.

— E mesmo assim você o fez. Por quê?

— Fé.

Mariah sorri, sensualmente.

— O quanto sabe, realmente? — Ela pergunta.

— Pouco, se comparado a aquilo que você pode me revelar.

— E por onde devo começar?

— Do princípio. Literalmente. — Respondo.


Esta história foi escrita por Rafael Linhares que faz parte da Guilda Aliada Recanto das Trevas. O Recanto das Trevas é o maior servidor brasileiro do Discord dedicado a Mundo das Trevas. Lá você vai encontrar todo o suporte de narradores e jogadores para que todos tenham a melhor experiência em RPG.

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Lembranças da Criação

Autor: Rafael Linhares.
Padronização: Douglas Quadros.
Artista da Capa: Raul Galli.

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Égide da Tempestade – Parte 9 – Contos de Thull Zandull

Anteriormente em Égide da Tempestade – Parte 8, Soren sabendo que vencer uma batalha contra o exército que acompanhava Mira não seria possível, fez com ela um acordo, para que ele e Dargon possam morrer honradamente, e os outros homens se salvem. Fiquei agora com Égide da Tempestade – Parte 9.

Égide da Tempestade – Parte 9

Os legionários estavam confusos, mas ao mesmo tempo aliviados com as ordens recebidas para recuar. Havia uma miríade de agradecimentos, louvores e bênçãos dos aldeãos. Dargon ouvia palavras de apoio, daqueles que serviram por tanto tempo ao lado dele, muitos inclusive apontavam que a melhor opção seria a fuga, nenhum deles entregaria um líder tão competente, que por tantas vezes salvou-os daquilo que muitos apontariam como morte certa. Infelizmente, o centurião refutava as sugestões de salvação e agradecia veementemente todos que se aproximavam. O destino final seria encontrado apenas no dia seguinte, mas havia necessidade de organização para a partida imediata de legionários e aldeões. Já ao cair da noite, todos começaram a se organizar e deixar o torrilhão. Soren estava ao lado de Dargon nas últimas despedidas e assim que todos estavam distantes, puderam retornar para a pequena fortaleza solitária.

Soren sonda a vidade Dargon

Soren foi o primeiro a quebrar o silêncio:

-Sinto muito por não poder permitir sua salvação, mas os termos de Mira eram claros e para nós não havia muita opção.

Dargon retrucou calmamente:

-De maneira nenhuma estou incomodado com sua decisão. Conseguimos o melhor acordo possível em nossas condições. Fico apenas chateado por não ter tido a opção de visitar lugares dos quais apenas tive conhecimento por livros e histórias. Deixei a terra de minha raça, muito cedo, lembro-me pouco das feições, mas muito das dores do treinamento de redenção pelo qual passei.

-Se lembra de familiares? Ou de algo de seu passado nas terras distantes Taurinas?

-Na verdade não. Apenas soube que muitos filhos de membros importantes de outras raças eram entregues aos sacerdotes da Autarquia como uma maneira de selar acordos entre reinos hereges. Provavelmente meus pais deveriam pertencer a algum círculo importante ou serem nobres no reino Taurino, mas sobre isso nunca obtive muitas informações, sempre haviam barreiras sobre isso e depois de ser destacado para locais tão distantes eu simplesmente deixei de procurar algo a respeito.

Houve um breve silêncio. Soren pediu para que Dargon pegasse comida e vinho para continuarem a conversa no andar superior. Em uma pequena mesa no aposento do Exarca, ambos sentaram-se lado a lado e enquanto bebiam e comiam o que restava das provisões, contemplaram por alguns momentos o horizonte escuro, do qual apenas observavam e ouviam os movimentos e os efusivos cânticos do acampamento órquico.

-Sinto muito por ter perdido tanto tempo servindo nas legiões Dargon. Sempre achei triste ver membros de seu povo passando por cerimônias humilhantes de redenção. Eu servi no Estreito da Tempestade quando era mais jovem. Lutei contra seu povo e aprendi a conhecê-los depois de tantos anos. Lá entendi muitos valores que ainda carrego comigo e descobri que apesar de estarmos em lados opostos no campo de batalha, se nenhuma maneira eu poderia nutrir raiva daqueles que defendiam com tanto afinco seu lar. Depois de selado o acordo e de muitos como você serem indicados para educação religiosa e militar eu decidi me afastar e por isso fui indicado para atuar em províncias distantes.

Dargon começou a olhar o céu:

-Eu queria conhecer outras terras, queria viajar e aprender mais. Já superei meu passado, mas infelizmente nunca aceitei o futuro que me impuseram nas legiões. Conheci bons homens e pessoas terríveis, vi mais sofrimento do que muitos poderiam suportar. Queria ter tido algum poder de decisão sobre o curso de algumas situações, mas isso não faz mais diferença. Fico feliz por tê-lo conhecido, senhor. As histórias que compartilhou, suas experiências foram inspiradoras. Como disse, fui doutrinado nas trilhas da Fé e ainda mantenho minhas crenças em uma figura de poder muito diferente daqueles que me foram apresentados pela Autarquia. 

-Dargon, amanhã lutaremos com honra, mas hoje peço que procure por uma garrafa de vinho, pois essa que trouxe não será suficiente para aplacar minha sede nessa última ceia!

O centurião calmamente desceu e revirou o local procurando por mais alguma bebida, por sorte encontrou mais duas garrafas, ao subir percebeu que Soren preparava algo com a comida que sobrara. 

-Meu caro centurião, os temperos que ainda tinha e os segredos de um adorador de boa comida devem ser compartilhados!

Ambos se alimentaram e beberam. Continuaram falando sobre suas lembranças durante algumas horas e logo o sono se abateu sobre ambos. Dargon sentia sua cabeça rodar e estava incomodado, pois a quantidade de bebida que havia ingerido não seria suficiente para causar tais efeitos. À medida que se dirigia para uma cama sentia dormência completa em seu corpo e aos poucos começou a perder os sentidos. Havia agora uma agonia pelo que estava ocorrendo e sobre seu destino no dia seguinte…

O que havia acontecido? 

Os raios de Sol ardiam no rosto de Dargon, que aos poucos recobrava a consciência. Sua cabeça ainda doía, principalmente com a luz forte. Não entendia, por onde tanta luz adentrava o torrilhão, mas assim que os sentidos estabilizaram-se, viu-se deitado sobre a grama, em uma colina levemente distante do torrilhão. Suas mãos estavam acorrentadas, assim como suas pernas. Ao seu lado, um Orc que conhecia bem, o brutamontes caolho e musculoso que portava um machado grande de duas faces. Kagror.

-O que isso significa? Por quê não me matou? Onde está Soren?

As perguntas foram abafadas pelo som da bombarda e da agitação no campo de batalha. Naquela distância não conseguia ver os detalhes da luta, mas rapidamente sentiu um desespero ao ver o torrilhão ruir. A agitação o silenciou por pouco tempo, já que em minutos ouviam um som ecoando por toda planície, no qual Orcs e outras raças comemoravam a queda daquele bastião esquecido pelo tempo.

Dargon sentiu-se destruído, não entendia o que havia acontecido.

Kagror se aproximou dele e o libertou. Dargon, não reagiu, estava pasmo ainda.

-Minotauro, do outro lado deste monte há um bom cavalo com um estandarte que vai garantir sua segurança na viagem que quiser por essas terras do Norte. Tem comida e água por algum tempo. Boa sorte.

Kagror seguiu caminho contrário ao apontado para Dargon, afastando-se apressadamente, enquanto o Minotauro se levantava e seguia na direção apontada. Lá encontrou o cavalo e a armadura de Soren, seu escudo e arma. Pendurado na árvore, uma pequena corda com uma bolsa de couro. Ao abrir, encontrou um pequeno livro e uma carta. Havia um aperto em seu peito e então começou a ler a carta…

Continua…


Égide da Tempestade – Parte 9 – Contos de Thull Zandull

Autor: Thull Zandull
Revisão de: Isabel Comarella
Artista de Capa: Douglas Quadros

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Égide da Tempestade – Parte 8 – Contos de Thull Zandull

Anteriormente em Égide da Tempestade – Parte 7, Dargon descobriu que todo O poder do Exarca não vem apenas da Fé que ele prega mas da magia que ele luta contra. E o embate entre a tropa de Mira e os legionários se aproxima cada vez mais. Fique agora com Égide da Tempestade – Parte 8.

Égide da Tempestade – Parte 8 

Um sopro de esperança

O amanhecer daquele dia era um misto de prantos e ansiedade. Podiam todos observar no horizonte as forças com as quais o confronto ocorreria em breve. Orcs, Goblins, Humanos e criaturas oriundas de animais selvagens, possivelmente fortificadas e alteradas por magias, encantos antigos. Havia a temível bombarda montada sobre uma estrutura móvel e uma organização invejável.

Os batedores relatavam que as forças que se colocavam no campo eram menores do que as observadas, devido a organização elaborada para proteção das linhas de suprimento. Era nítido que o comando estava nas mãos firmes dos Orcs. Eles estavam acostumados a doutrina militar e combatentes ferozes. 

Provavelmente os Humanos, faziam parte dos incontáveis inimigos adquiridos pelo Império. Apesar das buscas por respostas, o que realmente importava a todos dentro do torrilhão, era a sobrevivência. 

Os olhares de legionários e aldeãos se encontravam na mesma angústia de saberem que uma vitória naquela batalha era impossível, mesmo para um Exarca, servidor divino do Diáfano.

Soren se esforçava em manter o ânimo das tropas e por isso convocou Dargon para uma conversa em seus aposentos. O minotauro ainda estava relutante, mas mantinha a disciplina mesmo discordando profundamente das estratégias e artimanhas que alegava terem sido usadas pelo líder da companhia.

Ao entrar, o centurião fez seu cumprimento formal e aguardou ordens.

-Dargon, preciso que envie um mensageiro até as forças que se colocaram contra nós neste campo. Desejo conversar com a líder deles e encontrar um acordo que possa ser a chave para salvação dos aldeões que estão conosco.

-Me perdoe, comandante, mas se sua intenção era salvar vidas, porque fez uma bravata ontem para aquele que trouxe uma possibilidade de acordo?

-Simples, ele precisava levar para sua líder a impressão que mantemos a unidade e coragem, mesmo diante das dificuldades impostas por falta de suprimentos, equipamentos e legionários. Uma cortina de fumaça e teatralidade para garantir que em uma segunda oportunidade tenhamos moeda de barganha. Lembre-se Dargon, levar o inimigo a repensar seu desejo pelo combate é igualmente importante para nós.

O centurião refletiu sobre as palavras e percebeu que havia sentido em tudo que havia sido dito. Lidavam com Orcs, guerreiros ferozes, mas que respeitavam as tradições antigas e acima de tudo a honra no campo de batalha. Seria provável que a comandante Mira trouxesse consigo alguns destes valores e como guerreiro experiente Soren tentava usar isso em favor de todos que ali estavam. 

Diante dos argumentos Dargon retirou-se e agilmente se pôs a executar a ordem 

Uma líder de honra

O mensageiro enviado por Dargon havia retornado e ficou acordado que na manhã do próximo dia deveriam se encontrar em um pequeno monte próximo. Deveriam comparecer apenas os líderes e um guardião a fim de evitar animosidades maiores do que as que já existiam.

Assim Soren solicitou a Dargon que o acompanhasse. O Exarca solicitou que o centurião limpasse sua armadura e mantivesse os equipamentos com aparência de melhor zelo possível. Havia nisso a mesma intenção de antes, manter a imagem de resiliência das tropas inalterada.

O Exarca caminhou pelo torrilhão todo paramentado para a guerra, de maneira que os ânimos foram aplacados até o momento em que ambos partiram para o ponto de encontro.

Ao chegarem perceberam que os Orcs já os aguardavam. Mira era uma fêmea de grande porte. Tinha cabelos curtos, porém bem cuidados para os padrões de seu povo. Tinha adornos cerimoniais amarrados em mechas curtinhas próximas a seu rosto. Vestia um peitoral de aço bem ajustado ao corpo, feito em bom material, mas sem detalhes, portava manoplas e grevas e proteções bem posicionadas, mas aquilo que mais causava espanto era um dos braços, feito inteiramente em algum metal enegrecido, dos quais era possível ver sulcos, por onde um brilho esverdeado era emitido. 

Seu guardião era um Orc brutamontes caolho, bem alto e musculoso que portava um machado grande de duas faces. Seu corpo era inteiramente protegido com uma armadura pesada de placas sobrepostas, uma versão aprimorada da loriga usada pelas legiões. Ao se apresentarem descobriu que o nome dele era Kagror.

Mira contemplava a visão do alto do monte quando chegaram. Foi a primeira a falar:

-Então você é portador de ira e relâmpagos. Aquele que desafiou e venceu minhas forças avançadas?

-Sim, servidor da Fé e dos dogmas do Diáfano. Exarca Soren Larsen, a quem chamam de Égide da Tempestade. Fico lisonjeada por conhecê-lo pessoalmente, mas você já sabia sua história assim que escolheu voltar a esta terra. Nunca imaginei que você voltaria para proteger a Autarquia. Pelo que soube seu título foi ganho décadas atrás, na batalha do Estreito da Tempestade, dentro do reino Taurino, quando sua resistência se demonstrou tão ferrenha que ganhou o respeito do próprio rei. Ser banido depois de ter construído um legado tão impressionante demonstra o respeito dado por seus superiores aqueles que dedicaram a vida a proteger sua Fé.

Dargon se espantou com aquela revelação, mas manteve-se sob controle.

-Eu agradeço Mira. Imaginei que espiões já estivessem em pontos estratégicos para lhe trazer informações sobre a chegada de reforços. Aliás, este é o centurião Dargon, meu guarda-costa. Venho aqui para conversarmos sobre os termos que desejo apresentar, afinal de contas eu ainda desejo ter meu momento na grande cidade de Basil e acredito que você também.

Mira o olhou com estranheza e Kagror não conteve seu riso.

-Me perdoe Soren, mas Basil caiu há uma semana atrás. Nossa posição apenas garantia que o cerco não seria quebrado por quaisquer forças que tentassem tal feito.

O Exarca não conseguiu esconder sua decepção e então disse:

-Eu ainda terei minha última batalha. Que seja neste campo, porém peço para que possamos conversar a sós enquanto contemplamos a bela visão deste monte. 

Dargon e Kagror se afastaram apenas observando os dois líderes conversando lado a lado. Mantiveram o silêncio e seriedade por todo período em que aquele importante diálogo ocorria. Eles ficaram lá por muito tempo, ao passo que Dargon viu seu líder entregando um livro e papéis a Mira, após um cumprimento respeitoso. Soren veio em sua direção.

-Terminamos aqui, precisamos retornar e preparar tudo para amanhã.

O acordo

Durante o retorno, Dargon precisava saber o que ocorrera naquela conversa.

-Soren, lutaremos amanhã?

-Sim, lutaremos, porém apenas nós dois. Consegui convencê-la a nos dar uma morte honrada no campo de batalha, mas solicitei clemência aos aldeões e últimos legionários que irão recuar para a cidade costeira. Creio que em breve a cidade vai capitular também, já que a notícia da queda de Basil ainda é recente. Entenda Dargon, não há outra opção para nós. Um Exarca e um centurião seriam julgados após tudo isso e depois de uma longa espera seríamos condenados a execução por crimes contra o Império, então para nós não faz sentido retornarmos.

Dargon ouvia atentamente as palavras. Estava irritado, mas não demonstrava nada, aprendeu ao longo dos anos a suplantar decepções e sentimentos. Se irritava, pois infelizmente Soren estava certo. Se recuassem, haveria questionamentos sobre a luta em nome da Fé e tudo acabaria com a prisão e julgamento. Eles não fugiriam das responsabilidades e não viveriam como párias. Talvez ele pudesse aguentar o peso de uma fuga, mas Soren, jamais faria isso. Ele mesmo repetia que seguia um código de honra e um juramento. Dessa maneira cabia a ele, exercer sua última função como guardião leal.

-Soren, acredito que alguns legionários desejarão ficar ao nosso lado. 

-Negativo, pode ficar tranquilo que irei me encarregar de assumir essa responsabilidade, ainda hoje todos terão partido e amanhã teremos nosso último dia nesta terra. Me entristeço que não tenha vivido o suficiente centurião. Eu já estou velho e tive minhas parcelas de vivências. Algumas dignas e outras nem tanto…

Dargon respirou fundo. Limpou sua mente de dúvidas e retomou a postura de centurião, aceitando seu destino.

Continua…


Égide da Tempestade – Parte 8 – Contos de Thull Zandull

Autor: Thull Zandull
Revisão de: Isabel Comarella
Artista de Capa: Douglas Quadros

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Égide da Tempestade – Parte 7 – Contos de Thull Zandull

Anteriormente em Égide da Tempestade – Parte 6, o grupo de centuriões ficou a mercê da natureza, presos por uma tempestade,  e ao fim dela descobriram que os inimigos eram muitos e bem mais preparados. Dargon acredita que essa guerra está perdida. Fique agora com Égide da Tempestade – Parte 7.

Égide da Tempestade – Parte 7

Prenúncios de calamidade

Era um dia que remetia as melhores lembranças de Soren. O Sol, o semblante vivo de sua divindade ali finalmente trazia seus fulgurantes raios para aquecer corpos e mentes de legionários cansados. 

Apesar do desafio, o trabalho feito naquela semana foi intenso. Havia um pequeno fosso e a terra retirada foi utilizada como ponto elevado, suas bases reforçadas com madeira, assim a terra não facilmente cederia. 

Espigões de troncos também foram espalhados pela estrutura, fato que impediria cargas de quaisquer montarias que avançassem. O local no qual estavam tinha dois andares subterrâneos, que foram limpos e organizados. A estrutura como um todo não passava de um torrilhão de vigilância. Porém apesar do abandono ainda tinha uma forte estrutura. 

Com o passar dos dias, alguns aldeões juntaram-se à guarnição. Estes traziam notícias sobre os diversos ataques e as derrotas sucessivas das forças de defesa. Nada de novo para aqueles que ali estavam no limite da tormenta, que em breve estaria à vista. Fato que a construção em suas épocas áureas podia contar com até 70 pessoas, entre soldados e viajantes à procura de segurança durante a noite. Mas naquele dia, a contagem já passava de 200. Infelizmente uma boa parcela destes não eram combatentes treinados, mas recusaram-se a deixar a segurança que a posição oferecia. 

Dargon, utilizava parcela de seu tempo em treinar os mais fisicamente aptos com o mínimo necessário. Enquanto refletia sobre quanto tempo as provisões durariam. Havia racionamento de tudo e com organização todos conseguiam espaços para descanso, tudo era compartilhado e de certa forma a presença do Exarca trazia paz e ordem, mesmo em condições difíceis não havia reclamação, mas sim um esforço contínuo. 

O Minotauro não ignorava esses detalhes, pensava consigo que em outras condições, com mais pessoas e com uma estrutura adequada, o Exarca poderia ser um governante digno. Porém todas as vezes que deixava sua mente divagar, rapidamente era trazido de volta com alguma urgência a resolver. 

Aquele realmente era um dia tranquilo, mas rapidamente a tranquilidade momentânea cessou com o retorno apressado de um batedor. Dargon o interceptou:

-Quais informações trás de sua posição?

-Centurião, há soldados em marcha, acredito que tem o dobro de nossas forças. Linhas de suprimento bem estabelecidas, trazem consigo uma bombarda senhor! Não acreditei quando vi, mas trouxeram uma das temíveis armas construídas pelos infiéis do oeste distante. A arma maldita cuspidora de ferro e fogo!

Uma verdade dolorosa

Dargon conhecia bem o poder de tal arma. Havia temor quando as primeiras foram utilizadas nos campos de batalha do sul do Império. 

Desde então a Fé Diáfana tentava compensar com crença cega o desequilíbrio trazido pelos estrangeiros. Para piorar, havia ordens para que nenhum tipo de equipamento de infiéis fosse usado, já que estavam maculados. O centurião nunca entendeu o motivo, pois aquelas armas faziam grande diferença quando funcionavam adequadamente. De posse da informação imediatamente procurou o Exarca. 

Ao chegar no pequeno aposento privativo no topo do torrilhão, percebeu a porta entreaberta. Lá percebeu um brilho avermelhado e ao se aproximar sorrateiramente presenciou Soren preparando uma espécie de poção com pequenos cristais, seu corpo estava castigado, mais magro e com feridas que resistiam a cicatrização. Estava sem camisa e desta maneira, Dargon viu chagas variadas e manchas escuras parecidos com hematomas. A armadura do líder ali estava no suporte, com uma luminescência constante vinda da parte interna onde rumas cristalinas existiam.

O centurião entrou abruptamente:

-Soren? O que é tudo isso?

Soren se virou calmamente:

-O último recurso meu caro amigo. Desde que chegamos a esta terra tive que usar tudo que tinha à minha disposição para manter a chama de esperança viva. A fé é sincera, mas os poderes nem tanto. Há magia, mas não da fonte que imaginava. Lembra que falei a você sobre os conhecimentos e poderes ocultos deixados de lado pela Autarquia? Pois bem, elixires preparados com fragmentos de geodos arcanos podem potencializar qualquer tipo de magia utilizada, porém a um alto custo para saúde do usuário. Meu grande poder, minha dádiva é verdadeira, mas sua força nem se compara a de outrora. Minha poderosa armadura também tem pedras e encantos abominados pelos mais fanáticos e puritanos praticantes da fé, apenas desta maneira é possível usá-la em combate. Com todos estes recursos, este velho corpo decidiu fazer um sacrifício digno. Meu estoque não durará muito e minha intenção agora é garantir que o assombro desta manifestação em campo garanta a vida do máximo de pessoas que eu puder. Não chegaremos a cidade de Basil, não tombaremos gloriosamente em campo. Vou honrar meu juramento Dargon, isso eu garanto.

-Eu e todos os outros acreditamos em sua força divina, mas agora percebo que não passavam de embustes, os mesmos usados pelos Venéficos que caçamos, estou confuso em ver que a dádiva que orgulhosamente citou não passava de uma demonstração da corrupção dos geodos arcanos?

-Dargon, a corrupção e os instrumentos que cita SEMPRE foram um argumento, um ponto de vista nesta luta de ideologias! Não aprendeu nada em todo este período que estamos em campanha. Eu te tirei daquela maldita fortaleza assim como seus comandados, com uma única esperança… SAIA, É UMA ORDEM!

Tambores da guerra

Dargon bateu a porta atrás de si, à medida que caminhava dava ordens aos soldados, preparando assim todos para o combate, porém as palavras que ouvira de Soren ecoavam em sua cabeça. Ele se lembrava de sua juventude, se lembrava do período anterior a seu rito de purificação, se lembrava de tudo que viveu antes da legião, mas nada mais importava, havia mais um combate, provavelmente seu último.

Um de seus oficiais se aproximou:

-Senhor, um mensageiro Orc se aproxima, devemos abatê-lo?

-Negativo, desejo ouvir o que ele tem a dizer.

O mensageiro em imponente couraça de aço montava um lobo atroz, parou a dez metros da torre e solicitou audiência, Dargon foi a seu encontro.  

Foi então que o Orc disse:

-Venho em nome de Mira, comandante das tropas em marcha. As forças que defendem este torrilhão devem se render ou faremos o fogo chover sobre vocês ainda está noite!

Antes que Dargon pudesse responder, Soren surgiu gloriosamente respondendo:

-NÓS RETRIBUIREMOS, COM IRA E RELÂMPAGOS!

Dargon ouviu o clamor de exaltação dos legionários com a bravata proferida pelo Exarca. Havia determinação e coragem quando a figura heróica de Soren surgia, isto era inegável, porém nem toda coragem do mundo seria capaz de deter as forças que investiriam contra eles…

Continua…


Égide da Tempestade – Parte 7 – Contos de Thull Zandull

Autor: Thull Zandull
Revisão de: Isabel Comarella
Artista de Capa: Douglas Quadros

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Égide da Tempestade – Parte 6 – Contos de Thull Zandull

Anteriormente em Égide da Tempestade – Parte 5 a comitiva continua na extenuante viagem. Dargon está impressionado com o poder que a Fé concedeu ao Exarca Soren. Mas sua própria fé ainda será testada em sua jornada. Fique agora com Égide da Tempestade – Parte 6

Égide da Tempestade – Parte  6

Maus presságios.

A jornada pela estrada régia persistia e como um sinal de mau presságio o tempo começou a castigar a todos. Já era o segundo dia com chuvas torrenciais, algo atípico para aquela época do ano. A estrada apesar de mal cuidada ainda mantinha-se firme, uma lembrança agradável dos dias de glória do Império. Porém, assim como ele, dava sinais claros que a inércia dos responsáveis pela manutenção causava prejuízos nítidos quando a análise ocorria a longo prazo. 

Fora, as divagações, o Exarca Soren refletia consigo até que ouviu o chamado do centurião Dargon, indicando que haviam chegado a outra estrutura comunal usada pelos antigos destacamentos de vigilância das estradas. Assim como esperavam, a construção estava em péssimo estado, porém com algum esforço poderia servir de guarnição fortificada. 

Os esforços naquela noite foram maximizados pela agressividade do temporal. Não havia outra alternativa ao experiente líder daquela companhia a não ser permanecer naquele local por mais tempo, até que as chuvas dessem uma trégua. Ainda durante a madrugada, Soren começou a rascunhar ordens e pensar na melhor utilização daquele local. Implorou por iluminação e recebeu uma resposta misteriosa. Ele sabia que teriam que permanecer naquele local por uma semana, não entendia a natureza do presságio, mas ele era um homem de fé, algo diferente de toda estrutura de poder que o circundava e ao qual ele firmemente criticava. Permanecia firme a outros dogmas, outros juramentos e por isso seus vínculos pareciam tão diferentes de outros Exarcas.

Soren chamou Dargon para uma conversa. O centurião prontamente atendeu ao chamado mas não conseguia esconder sua curiosidade, ainda mais por conta do momento da madrugada ao qual fora convocado. 

-Dargon, peço desculpas pelo incômodo, mas preciso conversar sobre nossa atual situação. 

-Estamos sob seu comando. Adianto que tentamos avançar com os trabalhos para organizarmos uma área fortificada, mas infelizmente estamos lutando contra a exaustão e as forças da natureza.

-É exatamente sobre isso que desejo conversar. Não temos condições de avançar para Madras nesse momento. Precisamos permanecer neste local, amanhã você passará ordens aos soldados para derrubarem árvores e iniciarem os reparos deste local no qual estamos, dará ordens para construírem estruturas básicas de vigília, cavarão um fosso que será preenchido com estacas. Precisaremos utilizar nossos esforços nesses trabalhos, apesar do mau tempo. Quero que confie em minha decisão, pois nossa sobrevivência e verdadeira função nesse campo de ações será definido pelo passos cuidadosos que daremos. 

Um servo de pouca Fé

O centurião estranhou aquela postura e questionou a decisão.

-Estaremos cercados se permanecermos parados aqui, não compreendo sua decisão.

Soren continuou:

-Já estamos cercados há muito tempo e já havia citado isso a você. A tempestade traz mensagens ocultas, eu entendo e leio estes sinais por tempo demais para compreender que precisamos parar aqui. Você não está entendendo, não conseguiremos irem além deste ponto! Aqui teremos uma revelação de vida ou morte e por isso desejo que todos os dias você utilize seu tempo para progredirmos em nossas conversas.

O centurião assentiu e pediu permissão para retornar ao descanso. Durante aquela noite Dargon não conseguiu retornar ao sono, além da tempestade e preocupações, a fala do Exarca o deixou mais atento. 

Havia naquelas palavras tanta insuspeição que o Minotauro sentiu receios em relação ao que poderia estar esperando todos em Madras. Levantou-se ainda antes dos primeiros raios de luz e procurou seu melhor batedor, cedeu-lhe a melhor montaria que tinham e ordenou que viajasse até os arredores da próxima vila, trazendo informações. O batedor escolhido conhecia trilhas antigas e disse que tentaria fazer o melhor que pudesse, mesmo porque qualquer caminho seria um terreno de difícil avanço, porém a segurança urgia por caminhos ocultos. Equipamentos foram cedidos e ele partiu.

O centurião voltou a suas responsabilidades e durante todo o dia mantiveram as ordens recebidas por Soren.

Já ao cair da noite o Minotauro retornou para diálogo com o Exarca, que permaneceu isolado em seus aposentos.

Assim que adentrou o ambiente, Dargon percebeu sinais de cansaço físico extremos ao velho servo divino. Durante horas Soren retomou ensinamentos básicos sobre a Autarquia e sobre a Fé Diáfana. Aquele momento era agradável, pois havia domínio e paixão naqueles ensinamentos proferidos. Parecia que uma pessoa ou energia diferente operava pelo corpo cansado do velho combatente da Fé, mas ainda assim persistia com afinco em seu ofício.

Revelações divinas

Permaneceram nesses momentos de reflexão até o terceiro dia, momento no qual a ira da natureza demonstrava sensível redução e também momento de retorno do batedor enviado.

Dargon rapidamente foi ao encontro do homem, que parecia aterrorizado.

-O que encontrou em Madras?

O batedor respondeu:

-Encontrei nossa morte, meu líder! Existem homens, Orcs, Kobolds, Goblins e muitas criaturas selvagens trabalhando juntas, você acredita? Juntas! A cidade parece uma grande fortaleza móvel com tantos homens, armas de cerco de seres que mais parecem aríetes vivos. Eu contei uma força aproximada de 400 soldados, bem armados e preparados para luta além é claro das criaturas, pelo menos 50 de variados tamanhos. Não teríamos a menor chance contra aquela força e sinceramente não deve ser nem a força principal. Pelo Grande Deus, se tivéssemos prosseguido, já estaríamos mortos. Temos que recuar para o mar senhor. Basil está perdida, não existem caminhos que levam a cidade.

O centurião abateu-se com a informação e repentinamente Soren se aproximou, não disse nada, apenas olhou para ambos e fez sinal para retornarem às atividades. 

Dargon olhou para seu comandante e seu respeito ganhará novo patamar, deveria sim confiar nas palavras daquele verdadeiro servo divino. Iriam esperar o tempo necessário para encontrarem a revelação.

Continua…


Égide da Tempestade – Parte 6 – Contos de Thull Zandull

Autor: Thull Zandull
Revisão de: Isabel Comarella
Artista de Capa: Douglas Quadros

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