REINO DOS MORTOS [11]

Dhazil olhou para as próprias mãos esqueléticas e depois viu as expressões assustadas de Kvarn de Galdor. O anão bufou, aborrecido, e ficou de pé.

– Existe alguma chance de corrermos atrás deles sem eu ter que explicar o que está havendo? – Dhazil perguntou, apontando na direção onde Clay e Jim haviam partido.

– Sem chances – Kvarn cruzou os braços. O anão revirou os olhos e sentou novamente.

– É o seguinte. Eu fui mordido por um zumbi muito tempo atrás – ele explicou. – Alguns dias depois da mordida, eu morri. Depois de um tempo, minha mente despertou novamente, e eu estava diante de sor Kardum de Altopico, meu antigo mestre. Ele havia envelhecido, e eu percebi que se passaram anos entre a minha morte e minha “ressureição”.

Galdor e Kvarn trocaram olhares, desconfiados. Dhazil continuou.

– Ele colocou aquele colar em meu pescoço, e foi por isso que consegui voltar à vida. Sor Kardum me explicou que o colar era mágico, e ele pertencia a uma dríade poderosa. Me explicou também que a dríade estava furiosa e queria o colar de volta. Eu pensei que a minha maldição havia acabado pra sempre, mas quando removi o colar, o meu corpo voltou a se decompor, e minha mente não aguentou muito tempo até morrer novamente. E é isso o que vai acontecer se nós não recuperarmos aquele colar. Eu vou voltar a ser um zumbi!

– Por que essa dríade quer tanto esse colar? Ela também é uma zumbi? – Kvarn perguntou.

– Não. O colar suspende o efeito de qualquer feitiço – Dhazil explicou. – A dríade foi aprisionada por magia em uma torre, e somente com o colar, ela poderá sair.

– Você disse que a mordida de um morto te transformou em um zumbi – Galdor perguntou, preocupado. – Nosso líder, Clay, foi mordido ontem. Ele também vai virar um?

– Se o seu camarada foi mordido por um zumbi, pode ter certeza que ele vai se transformar – Dhazil respondeu, desconfortável.

– Precisamos ir atrás dele – Kvarn disse, pegando seu escudo e espada do chão. – Precisamos fazê-los voltar ao normal.

– Se eles estão presos por alguma magia de controle da mente – Galdor mostrou as mãos vazias. – Eu não tenho como reverter. Talvez se matarmos essa dríade… Sor Dhazil, como é essa torre? Acha que conseguimos invadir?

– Raíza controla todas as raízes das plantas dentro de sua muralha – Dhazil informou. – Vocês podem até invadir, mas não darão muitos passos antes de serem aprisionados pelos tentáculos das árvores.

– Ficar parado aqui também não vai resolver nada – Kvarn disse, caminhando para fora do pátio.

 

Horas depois, Raiza, a Senhora das Raízes, despertou de sua meditação. Ela estava dentro de uma redoma de cipós, acumulando energia verde em seus pontos de abastecimento espiritual. Elena, sua harpia, pousou ao lado da redoma, avisando que os enviados estavam de volta.

– Isso foi rápido – a dríade disse, quando os cipós se abriram para ela sair de seu enclausuramento.

Clay e Jim adentraram o salão principal da torre, onde Raíza os aguardava. Na gaiola ao lado, Toiva ainda dormia um sono profundo. Clay se adiantou, estendendo o colar para a dríade.

– Eu não posso acreditar – Raíza foi até ele, recuperando a joia de suas mãos. Ela a colocou ao redor do pescoço e fechou os olhos, deliciada. – Finalmente estou livre de meu cárcere. Elena, venha comigo. Me acompanhe em minha primeira caminhada fora desses muros depois de muitos anos!

A harpia emitiu um grito agudo, e ergueu voo, seguindo sua senhora. Raíza deixou a torre, adentrando seu pequeno bosque, tocando nas plantas ao redor, até chegar ao portão principal. Ele se abriu sozinho, e a dríade olhou para a rua de lajotas iluminadas pelo sol. Ela sorriu e deu o primeiro passo. Enquanto caminhava pelo lado de fora, era seguida pelos dois servos, e cercada pela sombra da harpia que voava lá em cima.

– Ei, boneca – Kvarn gritou, saindo de um beco não muito longe da muralha. Galdor e Dhazil o seguiam. – Sinto muito, mas nós precisamos desse seu colar.

– Vocês devem ser amigos dos meus mais novos lacaios – Raíza sorriu. Ela segurou a pedra sobre o decote. – Infelizmente, eu planejo ficar com ele. Caso vocês façam questão de brigar por isso… Clay, Jim, livrem-se dos seus amigos.

Raíza cruzou os braços e esperou. Seu rosto ficou tenso e surpreso quando sentiu a lâmina de Clay pressionar seu pescoço. Ele encostou os lábios em seu ouvido.

– Antes que você pergunte o que aconteceu, no caminho de volta pra cá, eles nos alcançaram e nos forçaram a usar esse brinquedinho – Clay segurou o colar e o arrancou de seu pescoço. – Ele nos despertou do seu feitiço.

– Não! – Raíza gritou, desesperada. – Se eu não usar o colar do lado de fora da torre, morrerei!

– Sinto muito – Clay a empurrou e se afastou, segurando a joia em uma mão. Jim recuou ao seu lado, apontando a flecha para ela.

– Vocês pediram! – Raíza gritou, e várias raízes atravessaram o portão de sua torre, mas pararam no caminho. Elas não eram compridas o suficiente.

– Jim, a harpia! – Galdor gritou, vendo a criatura dar um rasante no céu.

O arqueiro mirou para cima e disparou. A flecha acertou o peito da harpia, que caiu rodopiando do céu. Seu corpo atravessou o telhado de uma casa, e sumiu. A dríade caiu de joelhos, gritando. Sua pele azulada estava ficando ressecada, e as folhas de sua cabeça começaram a cair. Ela estava morrendo.

– Vocês não entendem! – Raíza gritou. – Eu sou a única que pode vencer o necromante de Negressus! Se eu morrer, vocês todos morrerão!

– Sinto muito, mas temos outros planos para o colar – Kvarn disse, se aproximando de Clay. – Chefe, você precisa usá-lo. A mordida de um zumbi é contagiosa. Se não colocar esse colar, você vai morrer.

– Ei, ei! – Dhazil protestou. – O colar é meu! Minha mente já está começando a se deteriorar! Se não me derem isso agora, daqui a pouco me tornarei um zumbi por completo!

– Deem o colar para a dríade! – Galdor interveio. – Precisamos saber do que ela está falando. Quem é esse necromante de que falou.

– Como assim, eu vou morrer? – Clay olhava para Kvarn com espanto. Ele tocou na cabeça, onde fora mordido.

Em seguida, tudo saiu do controle.

 

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Acelerando o Destino com FATE

FATE RPG é um sistema genérico com foco narrativo desenvolvido pela Evil Hat Productions e publicado no Brasil pela Solar Entretenimento. Ele divide-se em duas versões: O FATE Core, mais completo e robusto, e o FAE ou FATE Accelerated Edition, uma versão mais enxuta e dinâmica do sistema. Mas ao invés de simplesmente analisar os pontos fortes e fracos do sistema, desta vez vou fazer uma resenha diferente. Vou contar uma história.

Tudo começa uma vez, na escola de desenho onde trabalho, trocando uma ideia com alguns alunos sobre RPG. Eu nunca tinha jogado com eles, mas estávamos contando histórias de campanhas, coisa assim. Eis que, em dado momento, surge a pergunta.

“Mestra pra gente”

Eles jogavam há alguns anos, mas toda a sua experiência com RPG, em termos de sistemas, se limitava a Tormenta RPG e D&D 3.5. Eles pensavam o RPG de uma forma tática. Estavam acostumados a fazer fichas combadas. Então coloquei como condição que não mestraria nenhum desses sistemas. Queria um sistema que os ajudasse a focar na interpretação e na história. Minha resposta foi “Mestro sim, mas nada de d20. Vamos jogar FATE RPG”. 

A Experiencia

Mestrei usando a versão acelerada do FATE no cenário de Tormenta. A própria construção de personagens já tirou o chão de alguns deles. Ao invés de atributos e perícias rigorosamente especificados, apenas cinco Aspectos descrevendo seu personagem (Conceito, Dificuldade e mais três livres) e 6 Abordagens que vão de +0 a +3. “Quero que meu personagem seja um elfo mago de 8 séculos de idade”. “Beleza, escreve isso aí na ficha”. “Só isso?” “Sim”.

A proposta do sistema é muito interessante se você está acostumado com RPGs mais tradicionais. Se o seu personagem é um “elfo mago de 8 séculos de idade”, você pode gastar um Ponto de Destino (usamos fichas de poker para representá-los na mesa) e receber um bônus em qualquer teste em que este Aspecto seja relevante. Pode ser lançar uma magia (pois ele é um mago), saber algo sobre a sociedade ou a história élfica (pois ele é um elfo muito velho) ou qualquer coisa que faça sentido. Da mesma maneira, o Mestre e outros jogadores podem invocar este aspecto CONTRA o jogador pagando para ele um ponto de destino. Por exemplo, ao fazer o uma marcha forçada, por conta da fragilidade da saúde do elfo (ele tem 8 séculos de idade, afinal), o mestre dá ao jogador a opção de receber um Ponto de Destino em troca de algum tipo de punição (dano, estresse, etc.) ou pegar um Ponto de Destino para superar temporariamente esta desvantagem.

A parte do jogo é interessante. Num RPG tradicional como D&D, a gente tende a olhar para a ficha em busca de recursos para superar desafios. Eventos durante o jogo costumam ser tratados de forma mais abstrata. Se o mago elfo idoso quer invocar uma Bola de Fogo para atacar um oponente em D&D, você pode ver a descrição da magia e saber exatamente quanto dano ela vai causar. Mas se o mesmo mago elfo idoso quer utilizar a mesma Bola de Fogo para incendiar uma mesa molhada de cerveja em uma briga de taverna, a descrição do Livro do Jogador já não é suficiente. Em FATE, este ação criaria um Aspecto temporário chamado “Mesa em Chamas”, por exemplo, que pode ser invocado com Pontos de Destino exatamente do mesmo jeito que os Aspectos de Personagem (“eu pago um Ponto de Destino e tento empurrar o cara em cima da mesa pegando fogo”, por exemplo).

Dados Fudge

Naturalmente, isso foi uma dificuldade que os jogadores tiveram durante a campanha. Acostumados a rolar dados apenas para causar dano, eles demoraram para aprender a tirar proveito dos Aspectos Situacionais. FATE RPG usa dados Fudge (dados que vão de -1 a +1), não muito comuns aqui no Brasil, mas que tem uma curva de probabilidade muito acentuada nos valores médios, fazendo com que seja fundamental saber usar bem os Aspectos Situacionais. Mas foi legal porque os forçou a pensar fora da caixa. Quando eles começaram a pegar o jeito, um dos personagens, um bardo, chegou a acumular quatro ou cinco Vantagens para enganar uma tropa da Aliança Negra.

A parte da resolução de conflitos do FATE é muito interessante. Não há diferença entre combates e quaisquer outros tipos de conflito que podem surgir. Mesmo o “dano” é indicado por dois marcadores genéricos chamados Estresse e Consequências, que podem representar tanto dano físico quanto fadiga, dano mental, loucura e qualquer outro elemento narrativo que faça sentido dentro da história.

A campanha que jogamos durou alguns meses e foi muito da hora. Depois dela, jogamos outras coisas também, como 3d&t, Mundo das Trevas e Old Dragon e alguns dos jogadores acabaram integrando meu grupo regular de jogo.

Onde Encontrar

FATE RPG está disponível em PT-BR pela Solar Entretenimento e em inglês pela Evil Hat Productions. É um ótimo sistema iniciantes, por sua simplicidade e foco na narrativa, e para veteranos que querem sair um pouco dos sistemas mais tradicionais. Os dados fudge podem ser adquiridos pela internet, mas também podem ser facilmente substituídos por d6 comuns (foi o que fizemos). Leva um tempinho para se acostumar a ‘converter’ os valores de cabeça, mas nada que atrapalhe jogadores espertos como vocês, não é mesmo?

Bom jogo a todos, mas antes leia também minha resenha de 3D&T!

REINO DOS MORTOS [10]

Era de manhã, e a cidade estava vazia novamente. Nenhum zumbi ao redor. Dhazil caminhava no pátio cheio de destroços da explosão da bile de dragão. Ele carregava um barril no ombro. Kvarn estava sentado em cima de uma pedra grande, olhando para a ferida purulenta em sua perna.

– Eu faço o melhor hidromel da cidade – Dhazil colocou o barril no chão, em frente a Kvarn. – Eu pego água do rio Aluin, e o mel da colmeia que encontro na muralha. Depois é só fermentar – ele riu, batendo na tampa do barril. – Leva meio ano pra ficar bom, mas fazer o quê?.

– Você vai nos dar esse hidromel? – Kvarn perguntou, desconfiado.

– Não seja tolo – Dhazil fechou a cara. – Óbvio que não. Mas posso vendê-lo.

– Sor Dhazil? – Galdor chamou, saindo de dentro do poço. Ele trazia um pergaminho na mão. – Onde conseguiu esse grimório?

– Na catedral – o anão apontou para o centro da cidade. – Acho que os sacerdotes estavam tentando queimar objetos de magia. Eu encontrei a pilha de cinzas de uma fogueira antiga. A única coisa que consegui salvar foi isso aí. Mas nunca entendi essas runas.

– Isso é uma magia de cura – Galdor explicou, alisando a longa barba branca. – Você pode não entender nada, mas para um mago, é algo bem simples. Se importaria se…

– Claro que me importaria – Dhazil o interrompeu, marchando em sua direção e arrancando o papiro de sua mão. – Você acha que eu fico arriscando minha pele pra conseguir essas coisas importantes, simplesmente para dar aos outros?

– Eu posso pagar – Galdor puxou uma bolsinha de seu manto, mas o anão a rejeitou com a mão.

– O que você acha que vou fazer com dinheiro? Eu quero é itens, velhote!

– E o que acha disso? – Galdor puxou um cristal do manto, do tamanho de um punho. – “Criassio” – ele sussurrou, e o cristal se acendeu como uma lâmpada. Galdor o estendeu. – É só você falar essa palavra, que o cristal acende ou apaga.

Dhazil pegou o objeto, hipnotizado. Ele riu, satisfeito, e entregou o grimório para o mago.

– Isso vai ser muito bom para as minhas escavações – o anão balbuciou, guardando o cristal sob seu peitoral. Em seguida, se virou para Kvarn. – E você, como vai me pagar pelo hidromel?

Kvarn nunca conseguiu responder. O anão tombou para trás, com uma flecha afundada em seu peito. Ele caiu duro no chão, morto.

– Kvarn! – Galdor gritou, olhando em direção à rua. Duas pessoas caminhavam pela fumaça que saía das cinzas da noite anterior.

– Jim? Clay? – Kvarn ficou de pé com dificuldade, vendo seus dois companheiros surgirem no pátio. – O que estão fazendo? Por que mataram o anão?

Mas os dois não responderam. Eles olhavam diretamente para o corpo de Dhazil, com as expressões de seus rostos tão frias quanto dos zumbis. Kvarn mancou em sua direção, erguendo a mão.

– O que está acontecendo? Por que não respondem? – Jim lhe respondeu com um movimento rápido, erguendo o braço sobre o ombro e depois atirando com o arco.

A flecha acertou o joelho de Kvarn, derrubando-o no chão como uma jaca madura. Enquanto o guerreiro gritava de dor, Jim puxava a próxima flecha. Ele apontou para a cabeça de Kvarn, e soltou a corda.

O guerreiro viu a ponta metálica vir em sua direção, e soube que não conseguiria reagir a tempo. Mas algo inesperado aconteceu. Uma ventania fez a flecha rodopiar, assim como os corpos de Jim e Clay, que voaram para cima e caíram fora do pátio.

Galdor fizera o vento jogá-los longe o suficiente para ele chegar até Kvarn. O mago ficou de cócoras, arrancou a flecha da perna do guerreiro, e impôs suas mãos nas duas feridas. Uma luz brotou desse toque, e os cortes se fecharam. Kvarn mexeu as pernas, surpreso. Não havia mais dor.

– O que está acontecendo? – perguntou, ficando de pé.

– Eu não sei, mas nós não conseguiremos dialogar com eles. Vamos observar de um lugar seguro – os dois correram até o poço e se esconderam atrás das pedras.

Kvarn não sabia o que dizer. Estava completamente perdido, mas obedeceu as ordens do mago. Os dois ficaram observando quando Jim e Clay surgiram no pátio novamente.

Clay foi até o corpo do anão e arrancou algo de seu pescoço. Um colar. Ele se virou e se afastou, seguido por Jim. Assim que ganharam certa distância, Galdor e Kvarn saíram do esconderijo e foram até o cadáver.

– Eles estão sob efeito de alguma magia – Galdor explicou. – Estão cumprindo ordens de alguém.

– Essa ordem era de roubar o colar de Dhazil?

– Foi o que pareceu – Galdor respondeu, e ficou estático, olhando para o anão. – Mas que diabos…

Os dois ficaram paralisados, olhando para o corpo diante de seus pés. Dhazil não possuía mais pele, carne ou músculo. Seu rosto e braços eram caveira e ossos esbranquiçados. No lugar do nariz, duas fendas. No lugar dos lábios, dentes expostos. Era como se ele estivesse morto há muito tempo. Apenas os olhos continuavam no mesmo lugar.

– Mas que filho de uma porca sebosa! – O esqueleto gritou, sentando-se imediatamente. Sua armadura estava folgada e balançando ao redor dos ossos. Ele segurou a flecha presa no peito e a arrancou. – Quem fez isso? Onde ele está?

Kvarn tapou a boca com as mãos, segurando o grito na garganta. Ele e Galdor se olharam, esperando que um deles pudesse explicar o que estava havendo. Mas nenhum deles podia.

 

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O Guerreiro: O Mestre da Guerra

Olá meus jovens! Depois de muito tempo estou dando as caras aqui novamente e confesso que estou bem empolgado com esse material que preparei para vocês. Vou iniciar agora uma série de compêndios com tema medieval que tem por objetivo auxiliar jogadores inexperientes. O material também visa ajudar os que estão tendo práticas erradas ao tentar exercer a função que propuseram assumir dentro do seu grupo.

Não é incomum encontrarmos jogadores despreparados para conseguir desenvolver um bom jogo com aquele personagem. Isso geralmente se deve ao fato de possuírem informações erradas ou limitadas que possivelmente farão os resultados serem os mais desastrosos possíveis. Além disso, o maior causador de personagens e interpretações vazios é a preguiça do jogador em dedicar um pouco de tempo para buscar mais informações munindo-se de insumos que o ajudem a construir algo legal e bem feito.

Considerando isso, vamos enfim discutir sobre…

O Guerreiro

Nenhum outro maneja uma arma com tamanha excelência e nenhum outro é possuidor de tantos conhecimentos, técnicas e táticas relativas à batalha. Jovem, se você quer ser um mestre da guerra, sua escolha precisa ser um Guerreiro.

Antes de dar a “pincelada” inicial, é importante entendermos que em nossa tradução acabamos tratando como O Guerreiro, entretanto, na versão original e literal, o nome correto seria O Lutador. Entendermos isso é essencial para termos a ciência que nem sempre um guerreiro portará uma espada e um escudo. Um lutador é alguém que utiliza qualquer forma possível para um combate, mas que entende(ou pode vir à entender) de maneira minuciosa e completa sobre o assunto.

Absorvidas essas informações, podemos iniciar considerando que se existe alguém que entende de combate, esse alguém com certeza é O Guerreiro. E não saber isso é um dos primeiros e mais corriqueiros erros que os jogadores cometem e acham que ele só serve para “escovar geral”.

Muito mais que causar um bom dano e ter uma grande defesa ele sabe o que está fazendo. Conhece qual arma é mais efetiva para cada tipo de situação, sabe analisar (e se preocupa com isso) quando uma arma precisa de reparos, sabe analisar e criar uma tática de combate que mude o rumo da cena, enfim, um guerreiro é muito mais complexo do que a maioria pensa.

 

Conselhos

Para otimizar o entendimento eu escolhi aqui 6 tópicos com aconselhamentos que julgo os mais importantes para você exercer a função essa função com excelência e fazer grande diferença nos resultados do seu grupo.

Entenda sobre as regras de combate básicas 

Manobras de combate, propriedades e vantagens de cada arma e armadura e os talentos. Aqui eu entendo que talvez esteja sendo mais seletivo e utilizando detalhes mais pertinentes ao D&D, entretanto, converta essas informações para os detalhes condizentes com o sistema que você irá jogar.

Organize as formações/disposições do grupo

A negligência desse detalhe é um dos maiores causadores de desastres no grupo. Uma formação que prevê a defesa dos mais frágeis, o cuidado com a retaguarda e até táticas específicas como flanquear ou então aproveitar da melhor forma possível as habilidades especiais de alguma classe como o ataque furtivo dos ladinos. Independente do sistema que você vá jogar esse tópico é crucial para ter um resultado positivo justamente nas situações mais críticas que o seu grupo irá atravessar. Conduza a interpretação do seu personagem de maneira que ele questione as habilidades que cada membro possui para que você como um Guerreiro possa usá-las em suas táticas. Organize e combine códigos para agilizar as formações o que também evitará que os inimigos saibam o que vocês estão fazendo e/ou planejando fazer.

Se preocupe em investigar de antemão os detalhes da próxima missão

Embora esse não seja um tópico exclusivo do guerreiro, ele é um dos que mais se beneficia de sua execução. Imagine descobrir que o local onde irão é muito frio ou muito quente e isso impossibilita a utilização de armaduras de metal. Imagine descobrir que as criaturas que vocês irão se deparar não são afetadas por armas mundanas, ou então que tem maior resistência a armas perfurantes. Que tipo de vantagem o seu grupo teria ao saber dessas informações antecipadamente? Ou melhor, a pergunta correta é: Imagina o tamanho do problema que o seu grupo teria se não tomasse ciência dessas informações de antemão? Esse tópico é CRUCIAL!!!!

Guerreiros são soldados treinados

Um guerreiro pode ser caótico, mas sempre terá uma noção da mínima de ordem e organização. É óbvio que nem todos falavam “Sim senhor!” para os seus mestres, entretanto, nenhum guerreiro aprendeu sozinho! Na grande maioria das vezes, aprender uma técnica exige disciplina, esforço e obediência, mesmo que por medo. Entendam que nem o guerreiro mais adepto do caos vai se deixar levar totalmente ao caos em todos os momentos da sua vida. Um guerreiro mais do que todos sabe que sempre existe alguém mais forte e/ou mais capacitado que ele para tal função. É lógica, inteligência e sabedoria, não humilhação ou lealdade.

Entenda e respeite o seu limite de conhecimento

Aqui vai mais um tópico que é genérico e que provavelmente irei adicionar a todos os compêndios das classes. Ninguém entende mais de batalha e de armas do que o Guerreiro. Entretanto, cuide para não ultrapassar o limite e começar a dar “pitacos” sobre detalhes que não são sua especialidade. Assim como você é especialista em batalha, o Mago do grupo é o especialista em magias, o Druida, especialista em sobrevivência, etc. Costumo dizer que qualquer um pode exercer sua opinião, mas conselho, somente o especialista é quem tem propriedade para dar. Parece algo bobo, mas é um erro muito comum e que desestabiliza a sinergia e a calma do grupo muitas vezes para tomar decisões que seriam simples se esse tópico fosse levado em consideração.

Puxe a responsabilidade sobre o equipamento do grupo

Ajude seus companheiros a manter os equipamentos sempre em bom estado. Imagine se a armadura do paladino quebra no meio de uma batalha. Imagine se a corda do arco ou até mesmo o arco do arqueiro se partem por falta de cuidados. Nem todo mestre entra nesse nível de detalhes, entretanto, interpretar esses detalhes leva o roleplay a outro nível. 

 

Multimídia

Agora eu preparei uma lista de literaturas e filmes para recomendar a fim de ajudá-los terem mais informações práticas comportamentais de personagens Guerreiros.

Livros

As Crônicas de Artur – Bernard Cornwell – Certamente três dos melhores livros que já li na minha vida. Tudo que você lê do Bernard te agregará na descrição das suas ações em combate, táticas e técnicas.

A Busca do Graal – Bernar Cornwell – Outra excelente sequência do Bernard. Repito o que mencionei no primeiro, mas o interessante aqui é detalhes sobre a utilização e as técnicas verídicas no uso do arco.

Filmes

Senhor dos Anéis – Dispensa comentários né? Maior clássico dos RPGístas. Filme obrigatório pra quem quer jogar RPG. Ótimas informações sobre guerreiros com Aragorn, Boromir, Gimli, os cavaleiros de Rohan. Enfim, assista e deleite-se. Assista de novo e de novo.

Gladiador – Cara, excelente filme para demonstrar o comportamento de um guerreiro que possui liderança.

Rei Artur – Outro excelente filme para demonstrar o comportamento de um guerreiro líder. Mas aqui você analisa vários estilos e comportamentos dos personagens. Mesmo tão diferentes eles se entendem e se submete ao líder. Ótimo para técnicas de combate também.

 

Bom, com certeza existem muitos outros livros e filmes para recomendar. Entretanto, a ideia não é falar todos e sim alguns que eu julgo ter conteúdo de sobra para ajuda-lo em suas ideias.

Antes de encerrar eu gostaria de recomendar a leitura do post do Vulto sobre Guerreiros pra lhe dar ideias de background!

Espero que tenham gostado aventureiros. Nos vemos nos campos de batalha e até a próxima!!!

REINO DOS MORTOS [9]

O líder e o arqueiro do grupo desceram o buraco para o subsolo. Clay havia pego uma tocha criada pela explosão da bile de dragão, e ela era a única luz que existia lá embaixo. O esgoto era um túnel circular, feito de tijolos vermelhos, cobertos por musgos e trepadeiras.

– O Rei Jules II construiu esse esgoto – Clay disse. – Não me admira Negressus ter sucumbido tão rápido à praga. Imagine a facilidade que os ratos tinham para percorrer a cidade e se esconder.

– Ouça – Jim o interrompeu, puxando uma flecha da aljava, atento ao som que vinha em sua frente. – São passos de algum ser rastejante.

– O que será? – Clay sussurrou, sem conseguir ver nada fora do halo de luz.

Jim mirou a flecha em direção à escuridão, ergueu um pouquinho o ângulo e soltou a corda. A flecha sumiu no breu, e o som de resposta foi um guincho estridente, seguido pelo fim dos passos. Os dois se aproximaram, e a luz da tocha revelou uma ratazana caída de lado, atravessada pela flecha.

– Eu não sei se fico mais surpreso com sua habilidade de mirar com o ouvido, ou com a possibilidade de encontrarmos mais dessas criaturas por aqui – Clay disse, vendo Jim resgatar sua flecha.

Os dois seguiram pela escuridão, mantendo sempre o fogo aceso, substituindo a haste sempre que encontravam pedaços de paus no caminho. Por três vezes, tentaram subir em bocas de esgoto diferentes, mas não conseguiram sair, por causa das hostes de zumbi do lado de fora. Na quarta tentativa, Clay conseguiu deixar o esgoto para verificar a localização.

– Estamos pertos – os dois saíram para um beco. Eles entraram pela janela de uma casa e subiram até a laje.

Lá de cima, podiam ver a torre onde estava Toiva.  Ela ficava a poucas quadras de distância, e era cercada por uma muralha de pedra. Milhares de zumbis vagueavam ao redor.

– Há uma espécie de jardim no interior da muralha – Jim disse. – E o portão está intacto. Talvez não haja mortos lá dentro.

– Vamos esperar amanhecer – Clay deitou na laje. – Dhazil disse que eles voltam para os esgotos durante o dia. E nós precisamos de um descanso.

– Eu irei rezar aos deuses para protegerem Toiva até lá.

Os dois dormiram, e foram acordados pelo sol da manhã. As ruas de Negressus estavam vazias, como uma cidade fantasma. Eles desceram da casa e se aproximaram da muralha. Sem aviso, os portões começaram a se abrir, e Jim sacou uma flecha.

– Isso me cheira a emboscada – Clay disse, hesitante. – Mas se dermos a volta pela muralha, não fará diferença. A pessoa que abriu o portão já sabe da nossa presença, e já tem os olhos sobre nós. Jim, fique mais atrás, e me dê cobertura.

Os dois atravessaram o portão para dentro de uma espécie de floresta negra, densa e volumosa.

– Há magia aqui – Jim observou, vendo as árvores grandes e fortes, com raízes brotando para todos os lados, cipós grossos, e todo tipo de flores. – Essas plantas não cresceram de forma natural.

Os dois atravessaram a trilha pela floresta até o portal da torre. O interior da construção fora tomado pela vegetação, com plantas, raízes, árvores e insetos voando ao redor. No piso, havia uma pintura feita nos ladrilhos, mostrando um demônio sendo perfurado por algum herói lendário.

No lado oposto do salão, havia um pedestal com uma gaiola de ferro no topo. Toiva dormia lá dentro, sentada.

– Lá está ela – Jim começou a correr, mas Clay o segurou pelo braço, censurando-o. Jim entendeu o aviso de cautela, e assentiu.

– Vocês vieram atrás da donzela – uma voz feminina e melódica ecoou pelo salão.

– Você pode até chama-la de donzela – Clay puxou as adagas das costas. – Mas ela é a pessoa mais perigosa que conheço. E sequestra-la foi um erro.

– Eu não pretendo mantê-la em minhas correntes – a interlocutora saiu de trás de uma pilastra.

Seus cabelos curtos eram feitos de folhas sobrepostas. As sobrancelhas eram minhocas peludas, que se mexiam sem sair do lugar. Os olhos eram dois insetos negros que moviam em harmonia. A boca era uma fenda no rosto cheio de penugem. Ela vestia um vestido de seda, branco, sobre a pele azulada.

– Então trate de soltá-la imediatamente – Clay gaguejou e Jim mirou uma flecha, ambos surpresos por sua aparência

– Ela nunca foi o alvo de minha Elena – disse a mulher, e um pássaro do tamanho de um cavalo saltou de uma galera, planando ao redor do salão, até pousar na gaiola de Toiva. A harpia tinha o rosto de uma mulher com nariz adunco e cabelos loiros. – Mas sim, o anão que estava com vocês. Infelizmente ele é uma criatura muito esguia, e difícil de ser capturada. Por isso, preciso que vocês façam isso por mim. Em troca, soltarei sua perigosa donzela.

– Tenho uma contraproposta – Clay fez um sinal para Jim que esticou mais ainda a corda, mirando na cabeça da mulher azul. – Solte-a agora, ou nós plantaremos uma flecha no meio da sua testa.

– Por que você não tenta fazer isso? – ela sorriu, divertida.

– Não era assim que eu pretendia resolver isso, moça – Clay apertou os lábios, desgostoso. – Mas se é isso que você quer – ele olhou para Jim, e o arqueiro soltou a corda.

A flecha atravessou o salão, mas no meio do caminho, uma raiz brotou do chão, fazendo ladrilhos voarem para os lados, e quebrou a flecha ao meio. Antes que Clay ou Jim pudessem reagir àquilo, outras raízes agarraram seus braços, pernas e pescoços, como tentáculos, deixando-os imóveis.

– Pelo visto, faremos do meu jeito – a mulher sorriu, aproximando-se deles. – Podem me chamar de Raíza, a Senhora das Raízes.

Em seguida, brotos saltaram das raízes ao redor de seus pescoços, e pequenas flores se abriram. Clay e Jim as encararam, surpresos. E então, cada flor borrifou um gás azulado nos rostos dos aventureiros, e o que aconteceu em seguida, não foi nada bom.

 

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REINO DOS MORTOS [8]

Uma criatura alada havia sequestrado Toiva e a levado até uma torre no centro de Negressus. Os aventureiros não iriam abandonar sua companheira assim. Jim e Clay estavam escondidos em um beco, cercados por centenas de zumbis, sem saber o que fazer.

– Veja – Clay apontou para um cano que saía da parede de uma construção. Depois apontou para outro na parede ao lado. E mais outro. – É por onde passavam os dejetos dos antigos moradores.

– Um rato pode passar por esses canos, mas nós nunca caberíamos.

– Eu sei, mas… – Clay apontou para baixo, onde o chão ficava curvo. – Estamos sobre uma vala inclinada. Olhe para onde ela vai – ele apontou para a rua onde os zumbis caminhavam. Seu dedo subiu e indicou uma coluna de vapor que se projetava acima das cabeças das criaturas. – Do outro lado há uma boca de esgoto.

– E os zumbis estão todos na superfície! – Jim entendeu onde ele queria chegar. – Se passarmos por esse grupo de mortos, conseguimos entrar no esgoto e seguir nossa viagem em segurança.

– Não sabemos se lá embaixo o caminho estará completamente livre – Clay o alertou. – Mas deve estar melhor do que aqui. Ainda assim, como faremos para atravessar essa multidão?

Os dois ficaram em silêncio quando um zumbi parou diante do beco, olhando para baixo. Ele se movia como um pêndulo, para frente e para trás. Seu rosto pútrido, com carne arroxeada e cheia de larvas se virou na direção do beco.

– Ele nos ouviu? – Jim perguntou, preocupado. Os dois estavam de cócoras, no meio das sombras, mas não havia nada no beco que pudesse lhes dar cobertura.

– Teremos que mata-lo silenciosamente – Clay disse, apertando o punho de sua adaga. – Eu farei isso.

Os olhos do zumbi vaguearam pela escuridão até que congelaram em cima dos aventureiros. Ele ergueu os braços e começou a morder o ar, avançando sobre eles. Clay girou a adaga entre os dedos e a enfiou no olho do morto. E nesse momento, tudo deu errado.

O zumbi começou a cair para trás, e Clay tentou puxar a faca de seu olho. Acontece que a lâmina havia fincado no crânio da criatura, e não estava tão solta quanto ele pensava. Quando a cabeça tombou, Clay sentiu o punho da arma escorregar de sua mão. Tentou segurá-la no ar, em vão. A faca quicou no chão de pedra, fazendo o metal tilintar pelo beco. Imediatamente, os zumbis mais próximos da entrada se viraram para eles… dos dois lados do beco.

– Eu matei a nós dois – Clay olhou para Jim, culpando-se. – Me perdoe, garoto.

– Nós estamos indo conhecer os nossos deuses – Jim puxou uma flecha da aljava. – Isso não pode ser tão ruim.

Clay ergueu as adagas, e Jim esticou a corda do arco, prontos para o último combate de suas vidas. Os zumbis se aproximavam, sedentos por sangue, quando uma ventania forte fez os aventureiros cobrirem os próprios olhos. Eles se viraram para trás e viram a rua vazia novamente. Galdor estava parado próximo ao beco, com os braços abertos, provocando uma lufada forte o suficiente para manter os zumbis afastados.

– O que estão esperando? – o mago gritou. – Venham logo!

Jim e Clay passaram por Galdor, voltando para o pátio de Dhazil. Ao longe, Kvarn vinha mancando, com uma tocha na mão.

– Vocês acham que ficaríamos lá em cima da muralha assistindo vocês dois morrerem? – o guerreiro perguntou. – Nós viemos correndo para assistir mais de perto.

Dhazil vinha correndo, carregando uma jarra de barro pesada.

– Saiam da frente, rápido! – ele gritou, passando pelos aventureiros, em direção à rua. – Movam, seus bufões!

Clay e Jim ficaram olhando enquanto o anão jogava a jarra no meio da rua, espatifando-a em mil pedaços. O conteúdo líquido se espalhou pelo chão, próximo das pernas de Galdor. O mago e o anão voltaram correndo para trás, e ficaram ao lado dos outros.

– O que era aquilo? – Clay perguntou, vendo os zumbis enchendo a rua novamente. Tanto os que já estavam ali, quanto os do beco que vieram do outro lado. – É alguma espécie de pez? Eles ficarão presos?

– Eles não estão ficando presos – Jim alertou, vendo os zumbis passarem sobre o líquido viscoso, vindo em suas direções.

– Oh, não – Dhazil mostrou para eles um sorriso amarelo, sem alguns dentes. Ele bateu no meio elmo enferrujado, ansioso. – Aquilo é bile de dragão.

– Abram caminho para Kvarn, o Poderoso – Kvarn disse, passando por eles e arremessando a tocha numa espiral de fumaça e fogo.

Assim que a chama atingiu o chão sob os pés dos zumbis, uma explosão derrubou todo o muro de madeira e o arco que dividia o pátio da rua. Os aventureiros foram jogados para trás, tendo seus cabelos e barbas chamuscadas. Eles rolaram no chão, esfumaçando.

De repente, foram cobertos por uma chuva de tripas e sangue. Dhazil gargalhou.

– Eu realmente não estava esperando por uma explosão desse tamanho – o anão sentou, com o rosto fumegante. – Era a minha última jarra de bile de dragão, mas valeu a pena!

– Ótimo – Galdor disse, olhando para o anão. – Temos um novo Kvarn no grupo.

– Rápido – Clay ficou de pé, meio zonzo, e apontou para Jim. – O caminho até a entrada do esgoto está livre. Precisamos ir!

– Vocês não deram nem dez passos e já foram encurralados – Dhazil protestou. – Continuar nessa missão é suicídio!

– Você entende bem de suicídio – Galdor disse com mal humor, apagando o fogo da ponta da barba.

Clay e Jim ignoraram a advertência do anão e seguiram seu caminho, rumo à boca de esgoto, e rumo ao resgate de Toiva. No dia seguinte, um deles morreria, infelizmente.

 

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REINO DOS MORTOS [7]

Assim que tiveram certeza de que a aberração não estava por perto, o grupo saiu do poço e subiu novamente a muralha. Dhazil apontou para a cidade. A luz da lua mostrava milhares de cabeças perambulando pelas ruas.

– Durante o dia, isso parecia uma cidade fantasma – Galdor os lembrou, embasbacado com a quantidade de zumbis. – Agora há centenas de milhares deles!

– Isso é culpa do Rei Jules II – o anão explicou. – Ele construiu um sistema de esgoto terrivelmente grande. Ele tem o triplo do tamanho da própria cidade. Durante o dia os zumbis ficam lá embaixo, fazendo coisas de zumbis. E de noite, eles voltam à superfície.

– A não ser que algum tolo faça barulho e os chame para cima – Jim disse, sentindo-se culpado.

– Você fez isso! – Kvarn começou a rir, mas a ferida em sua perna latejou, fazendo-o engolir o riso.

– Nós só precisamos de algumas cordas – Clay deu às costas para a cidade e olhou para o campo lá fora. – A muralha é alta, mas tenho certeza que encontraremos cordas o suficiente para descermos.

– Vocês não farão isso – bufando, Dhazil escalou o parapeito e sentou na beirada. Ele apontou para a floresta não muito longe dali. – Se vocês saírem da cidade, o portão se abrirá, e os zumbis os perseguirão. Vocês estão carregando armas, armaduras e alforjes, e isso irá cansá-los. Se por algum milagre, vocês não cansarem antes de serem pegos, lá na floresta será o seu fim. Existem criaturas a serviço dos zumbis, que estão apenas esperando vocês correrem para lá.

– Do que você está falando? – Toiva perguntou. – “Criaturas a serviço dos zumbis”? Você fala como se os zumbis tivessem alguma espécie de hierarquia ou ordem.

– E eles têm, minha querida – Dhazil assegurou. – Há um mal terrível em Negressus. Eu já vi diversos grupos de viajantes entrarem nesta cidade e nunca mais saírem.

– Ninguém, nunca conseguiu fugir da cidade? – Galdor perguntou.

– Não que eu saiba. Na verdade, ocasionalmente algum navio atraca no porto e depois vai embora.

– E por que você não vai embora com eles? – Clay perguntou.

– Eu vou para onde Spólios manda – Dhazil saltou para a passarela novamente. – E não tem lugar melhor para o Cavaleiro da Sucata do que aqui – ele esticou o braço para a cidade em ruínas. – Mas se vocês realmente quiserem tentar partir, pelo mar seria sua melhor alternativa.

– A gente deve ir de dia – Kvarn sugeriu, e depois colocou a mão no ombro de Jim. – Se nosso amigo aqui não chamar a atenção dos zumbis de novo, dará tudo certo.

– Pare de incomodar o garo… – Toiva começou a dizer, mas foi abduzida por um vulto alado.

Uma criatura batia as asas sobre a cidade, carregando a bárbara para longe da muralha.

– Não gritem – Dhazil se enfiou na frente do grupo, erguendo as mãos. – Não chamem mais atenção – ele olhou para cima, preocupado. – Mas algo me diz que vocês nunca mais verão a sua amiga.

– Não, isso não vai acontecer – Clay se virou para o arqueiro. – Jim, veja bem para onde ela está indo. Kvarn, volte com Sor Dhazil. Você está ferido. Galdor, você deve ficar também.

Kvarn fechou o punho com raiva. Ele queria protestar, mas sabia que só iria atrasá-los.

– Eu não seria muito útil em uma missão de velocidade – o velho reconheceu, a contragosto.

– Ela pousou naquela torre – Jim apontou para uma alta construção no centro da cidade. – Devemos ir agora.

– Amanhã estaremos de volta – Clay disse para os outros, se virou e saiu correndo com Jim.

– Em minha humilde opinião, não voltarão – Dhazil disse, triste, vendo os dois correrem pela muralha até a escadaria.

Clay e Jim atravessaram o pátio de Dhazil e pararam diante do portal para uma rua. Havia pouco mais de dez zumbis por perto. Os dois se olharam e souberam o que devia ser feito. Clay rolou, atravessando a rua e se enfiando em um beco escuro. Ele sabia ser furtivo como ninguém.

Jim atravessou o portal e parou logo à frente, sacando as flechas da aljava. Ele começou a atirar nos zumbis ao redor, atraindo sua atenção. Quando eles começaram a se aproximar, o arqueiro recuou para dentro do pátio, fazendo-os o seguirem pelo portal, em uma espécie de fila. Clay saiu do beco, sacando suas facas do cinto e acertando as cabeças das criaturas, uma a uma, por trás. Quando a última caiu, os dois voltaram para a rua, agora vazia.

Eles se enfiaram no beco e saíram na outra quadra. Quando examinaram o caminho, perceberam que o seu plano de chamariz não funcionaria ali. Havia muitos zumbis, e atrás deles, a rua que estava vazia, começava a se encher novamente.

– É como Kvarn sempre diz – Clay sussurrou. – “As coisas escalonam muito rápido nas Terras Mortas”.

– Se fizermos barulho, estaremos mortos em menos de dez segundos – Jim percebeu, olhando ao redor. – E em cinco segundos se houver algum zumbi corredor por perto. O que faremos Clay?

– Eu não sei, garoto. Eu, sinceramente, não sei.

 

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REINO DOS MORTOS [6]

Eles corriam pela muralha em direção ao desconhecido que acenava de longe. Ao chegarem até a torre, o sujeito os fez passar pelo portal e descer a escadaria até o térreo, onde ficava um pequeno pátio cercado por um muro de madeira. Clay olhou para cima e viu a aberração correndo entre as ameias da muralha. Ela iria alcança-los em poucos instantes.

– Me sigam! – o estranho disse, indo em direção a um poço de pedra.

O sujeito era um anão, usando meio elmo e uma armadura enferrujada. Sua barba era da cor da ferrugem, e ela se abria como um leque sobre o peito. Ele subiu no peitoril do poço e saltou. Os aventureiros cercaram o buraco e olharam para o fundo, mas não viram nada além de escuridão.

– Podem pular – a voz veio lá de baixo. – Há feno o suficiente para aguentar a queda de um cavalo.

– E como vamos subir de volta? – Toiva perguntou, indecisa.

– Por Spólios! – a voz gritou, impaciente. – Olhem para a parede interna! As pedras formam sulcos de escalada. Eu entro e saio desse poço todos os dias!

Toiva e Clay se olharam e assentiram. Ele pulou primeiro e avisou que estava tudo bem. Kvarn estava com a perna ferida, e pulou com a ajuda dos outros.

– Eu acho que ele começou a descer as escadas – Jim alertou, olhando para a torre atrás do grupo. – Ele está vindo.

Toiva ajudou o mago e o arqueiro a pularem primeiro, e ela foi por último. Assim que se soltou do parapeito, sua visão foi tomada pela escuridão, e seus pés se enfiaram em um bolo fundo de feno. A queda não fez barulho. Mas antes que se levantasse, ele congelou, olhando para cima, onde as estrelas eram cercadas por um anel de escuridão. Dedos gigantescos surgiram do nada, se apoiando na pedra, e uma cabeça se enfiou na frente do céu. Trapos soltos esvoaçavam ao redor dos olhos que vasculhavam o interior do poço.

Toiva ficou imóvel, esperando que seu grupo tivesse notado a aberração lá em cima. A criatura era imortal e sanguinária. Se alguém fizesse um barulho sequer, seria o fim. Mas ninguém fez. O silêncio se tornara completo. Nuvens passavam acima da cabeça de trapos, no céu estrelado, e a aberração movia a cabeça lentamente, como se esperasse ouvir os batimentos cardíacos de alguém. Subitamente ela se virou e saiu. Toiva conseguiu respirar novamente.

– Venham – o anão sussurrou, e alguém pegou na mão de Toiva.

– Não vá se apaixonar – Kvarn avisou, dando duas pressionadas leves na mão da bárbara. – Eu sou um lobo solitário. Não sou do tipo que se casa.

– Claro que não – ela respondeu. – Nenhuma mulher seria tão tola para casar com você.

– Por Spólios. Silêncio – o anão os censurou, enquanto caminhavam por um túnel. Eles chegaram até uma área espaçosa, e de repente, faíscas de uma pederneira acenderam uma lâmpada. O anão surgiu no halo de luz e começou a acender as velas ao redor.

Eles estavam em uma câmara rochosa e úmida. O lugar estava cheio de entulhos, como um covil de dragão. Em pouco tempo, dezenas de velas foram acesas.

– Sejam bem vindos ao meu humilde lar – o anão disse, mostrando um sorriso sem muitos dentes. – Eu sou sor Dhazil, o Cavaleiro da Sucata.

– Eu sou Clay – o líder apertou sua mão, e apresentou os outros integrantes do grupo. – Muito obrigado por nos salvar, Dhazil.

– “Sor” Dhazil – o anão o corrigiu.

– Então o lance de “Cavaleiro da Sucata” é real? – Kvarn perguntou, sentando em uma cadeira de espaldar alto, almofada vermelha e encosto de veludo.

– Claro! – o anão apontou para a própria armadura velha. – Fui ungido por Sor Kardum de Altopico, escolhido e treinado para lutar em nome do deus Spólios!

– Spólios não é um deus – Kvarn sorriu, balançando o dedo em sua direção. – Espólios são as coisas que você pega depois de uma batalha.

– O quê? – o anão sacudiu os braços, ofendido. – Como ousa blasfemar contra o meu deus?

– Só que “Spólios” não é um deus – Kvarn deu de ombros. – Então não houve blasfêmia.

– Cale-se! Ele é um deus, sim. Meu único deus e senhor!

– Não – Kvarn olhou para as unhas da mão, distraído. – Esse nome não existe. É ridículo.

– Eu deveria ter te jogado para a aberração! – Dhazil apontou para cima. – Você deve ser punido…

– Por favor, acalmem-se – Clay ficou entre os dois. Ele se virou para Kvarn. – Por que você está fazendo isso? Nunca desonre o deus de alguém!

– Como eu vou desonrar algo que não existe… – Kvarn começou a falar, mas Toiva chutou sua perna ferida. – AH! Sua filha da…

Ela lhe lançou um olhar desafiador. Ele colocou a mão na boca e não terminou a frase. Jim deu um passo para a frente.

– Espero que Spólios perdoe nosso amigo – o arqueiro disse, colocando a mão no peito, humildemente. – Se houver algo que possa fazer para compensar, me coloco à disposição.

– Algum dia eu penso em uma compensação – Dhazil abanou para eles com descaso. – Por enquanto temos que fazer algumas buscas pela cidade. Minha despensa durará poucos dias. Precisamos de mais mantimentos.

– Na verdade, não pretendemos ficar em Negressus – Clay informou. – Se você permitir que passemos a noite aqui, amanhã cedo deixaremos a cidade.

– Deixar a cidade? – Dhazil gargalhou, segurando a própria barriga. – Deixar a cidade! Essa é boa! Vocês acham que vão conseguir fugir!

O grupo se entreolhou, e o lugar ficou mais frio e escuro repentinamente.

 

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REINO DOS MORTOS [5]

A aberração não caminhava bamboleando, mas como um vivo, como uma criatura racional. Seu rosto era coberto por trapos, e espinhos de marfim se projetavam das costas, como uma crista.

– Jim? – Clay olhou para o arqueiro.

– Ele parece usar um exoesqueleto – o garoto avisou, tirando sua flecha mais larga e afiada. – Não acho que vou conseguir feri-lo.

– Você quer desistir garoto? – Kvarn segurava a espada com as duas mãos, firme. – Porque se quiser, ninguém vai te julgar. Somente eu.

A flecha de Jim passou rente aos cabelos enferrujados do guerreiro, atravessou o pátio, acertou o peito do inimigo e caiu no chão.

– Essa era a minha melhor flecha! – Jim gritou correndo em direção à escadaria da muralha externa. – Eu vou cobri-los por cima.

Toiva usava um gibão de texugo, e cintos de couro. Ela abaixou até uma carroça carbonizada e usou suas cinzas para pintar o rosto. Latkhar, o deus abutre, iria gostar disso. Ela deslizou três dedos da testa até o maxilar, criando listras negras. Toiva da tribo de Ishkar estava pronta para a batalha. Ela segurou uma espada em cada mão e começou a correr.

Kvarn se juntou a ela na corrida, erguendo sua espada acima da cabeça para dar o ataque mais brutal que podia. Enquanto isso, Clay corria sob os arcos laterais, escondido nas sombras. Seus pés eram rápidos e silenciosos. Ele tirou duas adagas das costas, e conseguiu se aproximar da aberração pela lateral.

O encontro da criatura com Kvarn foi explosivo. O monstro girou seu longo martelo e acertou o guerreiro em cheio, arremessando-o contra uma pilastra. Toiva aproveitou o movimento para saltar num amontado de barris e dar uma pirueta, passando sobre a aberração e caindo atrás dela.

– POR ISHKAR! – a bárbara gritou, passando as espadas nas panturrilhas da criatura.

A aberração se virou, gritando de dor. Clay surgiu das sombras, e enfiou as duas adagas em suas costas. O monstro se afastou dos dois, mancando e gemendo de dor, quando uma flecha acertou seu pescoço. Jim estava no topo da muralha, e já sacava sua próxima flecha.

– Você mexeu com o grupo errado, maldito! – Galdor girou as mãos e fez uma ventania empurrar o monstro com força.

A aberração caiu, rolando no chão, junto com tudo que estava no alcance do mago. Esqueletos e entulhos foram empurrados até acertarem a muralha interior.

– Kvarn, agora! – Clay gritou

A aberração colocou os cotovelos no chão para se levantar, quando Kvarn saltou sobre ele. O guerreiro enfiou a espada em seu peito, cortando músculo e quebrando ossos.

– Isso! – Toiva gritou. – Obrigado Latkhar!

– Meu nome é Kvarn – o guerreiro a corrigiu.

– Os deuses ajudaram – Clay disse, olhando a criatura tombada. – Mas foi o nosso trabalho em equipe que fez a diferença.

Antes que alguém pudesse responder, mãos gigantescas seguraram os tornozelos de Kvarn e o arremessaram contra a parede.

– ELE ESTÁ VIVO! – Jim gritou, disparando a próxima flecha. Ela atravessou o crânio do monstro, mas isso não pareceu surtir efeito algum.

A aberração ficou de pé e pegou seu martelo de volta.

– Chame a atenção dele enquanto eu pego Kvarn – Clay ordenou a Toiva. Depois ele se virou para Galdor. – Afaste-o!

O velho mago girou suas mãos, fazendo um pequeno furacão erguer o inimigo do chão em um impulso. A criatura caiu para trás, rolou e ficou em pé novamente. Toiva saltou em sua frente, impedindo-o de alcançar os outros. Clay ajudou Kvarn a se levantar e ambos saíram de perto do monstro.

– Para a muralha, todos! – Clay apontou para onde Jim estava.

A aberração girou o martelo, mas Toiva rolou para o lado, desviando do golpe por pouco. Em seguida, Galdor usou a ventania para empurrar o monstro novamente, enquanto a bárbara fugia. Todos conseguiram subir a escadaria e chegaram no topo da muralha. Kvarn mancava de forma brusca, fazendo careta de dor. Ele olhou para o grupo, sério.

– Não vou conseguir fugir – disse, apoiando-se em uma ameia. – Aquele filho da mãe me pegou de jeito.

Lá embaixo, a aberração já começava a subir a escadaria. Clay enfiou a cabeça entre os merlões e viu que a queda deixaria a todos aleijados.

– Saltar para fora não é uma opção.

– Então corram – Kvarn o empurrou. – Eu ganho tempo para vocês.

– Você quer desistir, garoto? – Jim lhe perguntou. – Porque se quiser, ninguém vai te julgar. Só eu.

– Ei, venham aqui! – uma voz cortou a noite. Um desconhecido acenava alguns metros à frente, na muralha. Ele saíra do portal de uma torre de guarnição.

– Viu só? – Clay passou o braço de Kvarn por cima de seu ombro. – Os deuses mandaram ajuda. Você precisa correr só um pouco.

– E se ficar muito difícil te carregar – Toiva pegou o outro lado de Kvarn -, a gente te solta no caminho.

– Rápido, corram! – Jim disparou uma flecha contra a criatura que subia a escadaria de três em três degraus.

O grupo correu, e Galdor ficou por último para empurrar a aberração quando fosse preciso.

 

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REINO DOS MORTOS [4]

O grupo batizou o beco sem saída como “Baixada da Égua”, uma viela de barro cercada por muros prestes a tombar sobre eles. Se alguma horda os visse ali, eles estariam encurralados.

– Não sei se alguém reparou, mas anoiteceu – Kvarn observou.

– Acredito que todo mundo reparou nisso – Toiva rebateu, mal humorada.

– E então? – Kvarn perguntou batucando o escudo com os dedos. – Não vamos sair?

– Você ainda não entendeu nada, seu bruto? – Galdor perguntou, impaciente. – Existem zumbis corredores nesta cidade. Se sairmos, estaremos mortos!

– Então vamos ficar para sempre aqui, é isso? – Kvarn sussurrou com sua voz grave. – Pois isso não me parece uma opção muito melhor.

– Não – Clay se intrometeu. – Vamos apenas ter certeza de que o perímetro está seguro.

– E como vamos saber disso se ficarmos aqui? – Kvarn perguntou.

– Eu esperava receber algum sinal – Clay assumiu, decepcionado. – Algum barulho longe daqui, alguma pista de que eles estão longe… Mas não ouço nada. O jeito é fazermos uma varredura.

– Eu vou – Toiva se ofereceu.

– Não – Clay balançou a cabeça. – Sou o mais silencioso do grupo. Eu irei.

– E se você ficar cercado? – Jim perguntou.

– Eu afastarei os zumbis – Galdor disse, olhando para Clay.

– Obrigado – o líder assentiu para o velho, e ambos deixaram a Baixada da Égua.

– A gente espera aqui – Kvarn brincou. – A não ser que fiquemos entediados.

Clay ignorou o comentário do guerreiro, e cobriu sua cabeça com um capuz. Galdor o seguiu, erguendo as mãos para realizar sua magia, caso fosse preciso. A rua era iluminada pela luz da lua, e o silêncio era tamanho que eles podiam ouvir o som das ondas quebrando nos cais. Desceram a rua em sentido sul, cuidadosos. Chegaram até um local onde podiam ver a rua por vários quilômetros à frente, numa longa descida. Clay sorriu.

– O caminho inteiro está livre.

– Então vamos chamar os outros – Galdor sugeriu.

Eles fizeram o percurso de volta até a Baixada da Égua, quando encontraram o grupo acuado, todos com armas em mãos. Eles pareciam assombrados.

– Vocês viram? – Toiva inquiriu, olhando ao redor. – Vocês o viram?

– De quem você está falando? – Clay indagou, preocupado.

– Ele era grande – Jim disse, umedecendo os lábios secos. – Ele era… era muito grande.

– Mas de quem diabos vocês estão falando? – Galdor perguntou, impaciente.

– Depois que vocês saíram – Toiva sussurrou –, ele passou em frente ao beco. Graças aos deuses, não olhou em nossa direção. Ele caminhava como uma pessoa normal, de forma calma e coordenada. Esse monstro não era como os outros. Eu nunca vi um zumbi assim.

– Seu rosto era coberto por trapos – Jim acrescentou. – Seu martelo se arrastava pelo chão, abrindo um sulco na terra. Espinhos compridos saíam de suas costas…

– Espere – Galdor o interrompeu. – Martelo? Zumbis não usam armas. Eles são criaturas irracionais. Incapazes de manusear qualquer objeto.

– Então o que vimos não era um zumbi – Kvarn garantiu, soturno. – Precisamos dar o fora daqui.

– Temos que sair desta cidade – Jim disse, colocando a mão no ombro de Clay.

– Mas o nosso contratante… – Clay começou a responder.

– Foda-se o contratante – Kvarn o interrompeu. – Existem zumbis corredores e uma aberração nesta cidade. O contratante não falou nada disso. O nível de dificuldade da missão subiu consideravelmente.

– Não sabia que você fazia o tipo assustado – Toiva disse.

– Eu não faço o tipo filantropo – Kvarn rebateu. – Se vocês quiserem que eu continue, o meu pagamento precisa subir também.

– Eu concordo com ele – Galdor ficou ao lado de Kvarn. – Zumbis corredores e uma aberração são coisas demais para mim.

– Todos pensam assim? – Clay se virou para Toiva e Jim que concordaram com a cabeça. – Então a missão está cancelada. Vamos dar o fora de Negressus.

O grupo deixou o beco e seguiu de volta ao norte. Todos seguravam suas armas em prontidão, atentos a qualquer barulho. Não demorou para chegarem na muralha da alfândega, recheada de cadáveres pelo chão e corredores.

– Oh, me foda! – Kvarn disse assim que adentraram o pátio entre os portões.

O grupo olhou em direção à saída da cidade e se depararam com o imenso portão levadiço fechado. As válvulas e correntes para abri-lo não estavam mais ali. Foram arrancadas à força e levadas para algum lugar. Seria impossível abrir aquele portão. Clay olhou ao redor, para o muro interno da alfândega e percebeu que só havia uma passagem disponível, a que levava de volta para dentro da cidade. E sob o umbral dessa passagem, um homem gigantesco os observava.

– Emboscada! – Clay gritou.

 

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