Reino dos Mortos - 10 - A Flecha

REINO DOS MORTOS [10]

Era de manhã, e a cidade estava vazia novamente. Nenhum zumbi ao redor. Dhazil caminhava no pátio cheio de destroços da explosão da bile de dragão. Ele carregava um barril no ombro. Kvarn estava sentado em cima de uma pedra grande, olhando para a ferida purulenta em sua perna.

– Eu faço o melhor hidromel da cidade – Dhazil colocou o barril no chão, em frente a Kvarn. – Eu pego água do rio Aluin, e o mel da colmeia que encontro na muralha. Depois é só fermentar – ele riu, batendo na tampa do barril. – Leva meio ano pra ficar bom, mas fazer o quê?.

– Você vai nos dar esse hidromel? – Kvarn perguntou, desconfiado.

– Não seja tolo – Dhazil fechou a cara. – Óbvio que não. Mas posso vendê-lo.

– Sor Dhazil? – Galdor chamou, saindo de dentro do poço. Ele trazia um pergaminho na mão. – Onde conseguiu esse grimório?

– Na catedral – o anão apontou para o centro da cidade. – Acho que os sacerdotes estavam tentando queimar objetos de magia. Eu encontrei a pilha de cinzas de uma fogueira antiga. A única coisa que consegui salvar foi isso aí. Mas nunca entendi essas runas.

– Isso é uma magia de cura – Galdor explicou, alisando a longa barba branca. – Você pode não entender nada, mas para um mago, é algo bem simples. Se importaria se…

– Claro que me importaria – Dhazil o interrompeu, marchando em sua direção e arrancando o papiro de sua mão. – Você acha que eu fico arriscando minha pele pra conseguir essas coisas importantes, simplesmente para dar aos outros?

– Eu posso pagar – Galdor puxou uma bolsinha de seu manto, mas o anão a rejeitou com a mão.

– O que você acha que vou fazer com dinheiro? Eu quero é itens, velhote!

– E o que acha disso? – Galdor puxou um cristal do manto, do tamanho de um punho. – “Criassio” – ele sussurrou, e o cristal se acendeu como uma lâmpada. Galdor o estendeu. – É só você falar essa palavra, que o cristal acende ou apaga.

Dhazil pegou o objeto, hipnotizado. Ele riu, satisfeito, e entregou o grimório para o mago.

– Isso vai ser muito bom para as minhas escavações – o anão balbuciou, guardando o cristal sob seu peitoral. Em seguida, se virou para Kvarn. – E você, como vai me pagar pelo hidromel?

Kvarn nunca conseguiu responder. O anão tombou para trás, com uma flecha afundada em seu peito. Ele caiu duro no chão, morto.

– Kvarn! – Galdor gritou, olhando em direção à rua. Duas pessoas caminhavam pela fumaça que saía das cinzas da noite anterior.

– Jim? Clay? – Kvarn ficou de pé com dificuldade, vendo seus dois companheiros surgirem no pátio. – O que estão fazendo? Por que mataram o anão?

Mas os dois não responderam. Eles olhavam diretamente para o corpo de Dhazil, com as expressões de seus rostos tão frias quanto dos zumbis. Kvarn mancou em sua direção, erguendo a mão.

– O que está acontecendo? Por que não respondem? – Jim lhe respondeu com um movimento rápido, erguendo o braço sobre o ombro e depois atirando com o arco.

A flecha acertou o joelho de Kvarn, derrubando-o no chão como uma jaca madura. Enquanto o guerreiro gritava de dor, Jim puxava a próxima flecha. Ele apontou para a cabeça de Kvarn, e soltou a corda.

O guerreiro viu a ponta metálica vir em sua direção, e soube que não conseguiria reagir a tempo. Mas algo inesperado aconteceu. Uma ventania fez a flecha rodopiar, assim como os corpos de Jim e Clay, que voaram para cima e caíram fora do pátio.

Galdor fizera o vento jogá-los longe o suficiente para ele chegar até Kvarn. O mago ficou de cócoras, arrancou a flecha da perna do guerreiro, e impôs suas mãos nas duas feridas. Uma luz brotou desse toque, e os cortes se fecharam. Kvarn mexeu as pernas, surpreso. Não havia mais dor.

– O que está acontecendo? – perguntou, ficando de pé.

– Eu não sei, mas nós não conseguiremos dialogar com eles. Vamos observar de um lugar seguro – os dois correram até o poço e se esconderam atrás das pedras.

Kvarn não sabia o que dizer. Estava completamente perdido, mas obedeceu as ordens do mago. Os dois ficaram observando quando Jim e Clay surgiram no pátio novamente.

Clay foi até o corpo do anão e arrancou algo de seu pescoço. Um colar. Ele se virou e se afastou, seguido por Jim. Assim que ganharam certa distância, Galdor e Kvarn saíram do esconderijo e foram até o cadáver.

– Eles estão sob efeito de alguma magia – Galdor explicou. – Estão cumprindo ordens de alguém.

– Essa ordem era de roubar o colar de Dhazil?

– Foi o que pareceu – Galdor respondeu, e ficou estático, olhando para o anão. – Mas que diabos…

Os dois ficaram paralisados, olhando para o corpo diante de seus pés. Dhazil não possuía mais pele, carne ou músculo. Seu rosto e braços eram caveira e ossos esbranquiçados. No lugar do nariz, duas fendas. No lugar dos lábios, dentes expostos. Era como se ele estivesse morto há muito tempo. Apenas os olhos continuavam no mesmo lugar.

– Mas que filho de uma porca sebosa! – O esqueleto gritou, sentando-se imediatamente. Sua armadura estava folgada e balançando ao redor dos ossos. Ele segurou a flecha presa no peito e a arrancou. – Quem fez isso? Onde ele está?

Kvarn tapou a boca com as mãos, segurando o grito na garganta. Ele e Galdor se olharam, esperando que um deles pudesse explicar o que estava havendo. Mas nenhum deles podia.

 

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Publicado por

Felipe Cangussu

Felipe Cangussu é advogado, teólogo, professor, escritor e narrador de RPG há mais de uma década. Amante de todos os gêneros de literatura e filmes, gosta de rock e pagode, fala "biscoito" e "bolacha", crê no casamento de religião e ciência, gosta do calor e do frio.

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