Icabode St. John [15]

Nos capítulos anteriores: Icabode foi levado até o apartamento do Conselho onde os vampiros de Nova York se reuniam. Durante a reunião, Fermín traiu a Juíza e a Dama do Véu Negro, declarando que elas eram as culpadas pela criação de Solomon. Em seguida, os vampiros ao redor exterminaram as duas mulheres diante de todos. 

 

Fermín havia tombado no chão, e agora ele estava de pé, vendo os cadáveres de suas colegas envelhecerem como múmias. Leo se colocou em sua frente e disse:

– E agora, meu príncipe, posso terminar o que comecei? – ele apontou o taco em direção a Drake Sobogo, e Fermín permitiu com a cabeça.

– Vossa Majestade – Lorena se curvou diante de Fermín. – Solomon Saks matou minha mentora. Como nós iremos captura-lo?

– O que vocês estão fazendo? – Lancelot, o velho albino perguntou, olhando de Leo a Lorena. – Não podem simplesmente escolher o príncipe em nome de todos nós.

– Sim! – alguém se manifestou. – É preciso fazer uma eleição.

– Vocês querem uma eleição? – Fermín foi até Icabode e arrancou a estaca de seu peito. Icabode caiu de joelhos, se livrando da paralisia. – Diga-me neófito. O que aconteceu com Ritzo quando ele tentou empalar Solomon Saks?

Icabode olhou para ele, surpreso.

– Como você sabe disso?

– Ainda não entendeu que sou telepata? – Fermín respondeu, cansado. – Estou lendo a sua mente pelas últimas duas horas. Agora responda! Diga a eles o que aconteceu no cemitério.

Foi por isso que você me poupou, Icabode pensou, olhando pra ele. Eu sou o único que sabe da magia de proteção de Solomon, e também que existe alguém que pode revertê-la.

– Solomon Saks está protegido por um ritual muito forte, e não pode ser empalado – Icabode revelou, olhando para os vampiros ao redor. – Ele removeu o próprio coração do peito.

– Mas isso é o de menos – alguém resmungou. – É possível matar um vampiro sem ter que empala-lo antes.

– Mas Solomon consumiu a alma de vários vampiros poderosos – Icabode disse, sério. – Seu corpo está se tornando uma coluna de pedra, e dificilmente alguém conseguirá feri-lo. Ele é praticamente imortal. Se não conseguirmos paralisá-lo, não conseguiremos causar dano algum em seu corpo.

– As coisas não são bem assim – Fermín colocou a mão no ombro de Icabode. – Por um lado, o jovem aqui está correto. Solomon é veloz e maciço. Ele se move como uma bola de canhão. Mas se for empalado, mata-lo será tão fácil quanto matar um filhote de gatinho.

– Mas você o ouviu – Lancelot apontou para Icabode. – Ele removeu o coração do peito. É impossível enfiar a estaca em uma coisa que não existe.

– Por isso que meu jovem escudeiro aqui – ele apertou o ombro de Icabode – irá para o México. Ele sabe onde está a única pessoa capaz de reverter essa situação.

Colabore, a voz de Fermín entrou na mente de Icabode. Se você obedecer, eu removerei sua condenação, e você poderá viver em Nova York em paz.

– Porém! – Fermín ergueu um dedo. – Eu serei o vosso príncipe interino durante essa caçada de sangue. Sem eleições até que eu mate Solomon.

– Ou que você fracasse – Lancelot inclinou a cabeça.

– Como quiser – Fermín sorriu para ele. – Todos estão de acordo?

Ao redor, os vampiros sussurravam e olhavam uns para os outros. Icabode tinha a sensação de ver um grupo de cobras em formatos humanos, sibilando tramas o tempo inteiro. Não houve uma discordância sequer. Fermín assentiu, satisfeito.

– Mas eu irei sozinho? – Icabode perguntou, quebrando o silêncio. – Não seria muito inteligente mandar um neófito sozinho para uma missão de tamanha importância, não acha?

– Claro que não – Fermín respondeu, entortando a boca com a observação. – Nós poderemos abrir espaço para voluntá…

– Ele vai comigo – Icabode apontou para Drake Sobogo. – Nós já trabalhamos juntos uma vez, e não confio em ninguém mais. Mas ele tem que permanecer assim, mortal. Eu preciso de alguém para fazer coisas durante o dia.

Drake se inclinou até conseguir se sentar. Estava muito fraco. Ele recostou contra a parede e assentiu, agradecido.

– Ele é meu – Leo disse, segurando o bastão de baseball com força.

– Ele continuará sendo seu – Fermín avisou. – É apenas uma missão. Ele voltará para ti.

Leo olhou de um lado para o outro, incerto. Por fim, assentiu, um segundo antes de girar o bastão com força e acertar o peito de Drake. Icabode ouviu o som dos ossos quebrarem, provavelmente perfurando o coração do boxeador. Sua caixa torácica estava esmagada, e Drake morreria em segundos.

– O que você fez? – Icabode gritou, cruzando a sala.

– Não é você quem decide se ele vai como mortal ou não – Leo o desafiou. – E se achar ruim, eu o deixo assim mesmo, e procurou outro para abraçar.

Drake cuspia sangue sem parar. Seu corpo deslizava pela parede, caindo no chão, de lado. Seus olhos também estavam cheios de sangue. Ele segurava seu peito afundado, tentando encontrar Icabode com os olhos. Morreu dois segundos depois.

Icabode caiu de joelhos. Estava farto daquilo. Era um homem temente a Deus. Seu pai, o reverendo, o ensinara sobre o caminho que devia andar, e Icabode sabia o que era certo e errado. Aquilo ali era muito errado. Ele queria mandar aquele salão pelos ares. Matar todos os vampiros, incluindo a si mesmo.

Só que você não pode, Sunday disse. Eu preciso de você. Não faça nenhuma loucura. Vá até o meu apartamento o mais rápido possível.

Eu não sei se aguento mais, Icabode respondeu, olhando para o corpo do Capitão Sangrento. Eles são muito malignos. São criaturas odiosas e infernais.

Mas eles são os únicos que podem ajuda-lo a enfrentar Solomon Saks, que é o pior deles! Sunday o lembrou. E se você não obedecer, eles irão mata-lo!

Talvez eu devesse morrer mesmo, Icabode concluiu.

Sua missão não acabou. Talvez sua alma não esteja completamente perdida. Deve haver um jeito de salvá-la… e eu… eu preciso de você.

Icabode limpou as lágrimas de sangue e balançou a cabeça. Sentiu vergonha de seu egoísmo. Sua alma era como um grão de areia. Ela podia estar perdida, mas ainda havia muitas coisas a serem feitas. Muitas criaturas malignas pra destruir. Sunday está clamando por minha ajuda! Não posso pensar só em mim.

Ele se levantou, relutante, e encarou a Leo.

– Então deixe-o descansar em paz – pediu. – Não o transforme.

– Descansar em paz? – Leo sorriu, ficando de cócoras e abraçando o corpo de Drake. – Eu estou fazendo um favor para este aqui, tirando-o do lugar onde ele está agora.

O vampiro bebeu todo o sangue do boxeador, e em seguida depositou algumas gotas do próprio sangue nos lábios do cadáver. Os vampiros ao redor começaram a se afastar, preocupados, menos Leo e Icabode. Algo feio estava prestes a acontecer. Sempre que um vampiro despertava do seu Abraço, ele se tornava uma besta violenta e sanguinária.

Icabode não sabia, mas os membros do clã de Leo eram piores ainda. Assim como Anthony Ritzo, Ivanovitch e Leo, os humanos transformados por um vampiro desse clã, eram naturalmente explosivos e dados à violência. Drake Sobogo se tornaria uma máquina de matar em três, dois, um…

Os olhos vítreos e mortos do boxeador se moveram repentinamente. Suas mãos empurraram o chão, e ele estava em pé no instante seguinte. Sua pele estava pálida, como se tivesse maquiagem. Os olhos cheios de sangue olhavam para cada pessoa ao redor. Ele abria as mãos como se tivesse garras ao invés de dedos.

– Cuidado! – alguém gritou.

Drake Sobogo se locomoveu mais rápido que um piscar de olhos, e três vampiros foram jogados para o alto. O boxeador atravessou a multidão, batendo e mordendo em todos que estavam em seu caminho.

– Que divertido! – Lorena bateu palmas, rindo. – Me sinto em Madri!

– Leo, controle sua prole! – Fermín gritou, exasperado.

Leo bateu o bastão na própria mão e começou a caminhar na direção da confusão. Icabode se pôs ao seu lado. Queria evitar danos maiores ao companheiro. Os vampiros saíam da frente enquanto os dois se aproximavam. Alguém começou a gritar de dor no fundo da multidão, onde Drake se enfiara.

– Vem, gatinho, gatinho, gatinho – Leo chamou, alcançando o canto do salão.   

Drake estava de cócoras, segurando o braço de um mortal. Ele mastigava a mão do sujeito, que agora era apenas um cotoco ensanguentado onde acabava o antebraço. O homem desmaiara de dor, enquanto uma vampira olhava para Leo, furiosa.

– Chegou a hora de você transformar o seu lacaio em um de nós – Leo deu de ombros, sorrindo.

– Ele nunca mais terá uma mão! – a vampira apontou para o mortal.

Drake olhou para eles, ainda mastigando. Seu rosto estava lambuzado, como se chupasse uma manga vermelha. Ele deixou o braço cair no chão, se virando para os dois. Icabode engoliu seco, percebendo o movimento de caçador. Drake se jogou sobre as pernas traseiras, mas foi interceptado no ar pelo bastão de Leo que se estilhaçou em sua cabeça.

Drake caiu de costas no chão, cheio de lascas de madeira no rosto. Leo ficou ao seu lado e enfiou a parte pontuda que o bastão se tornara, direto no peito do boxeador. Ele pegou o vampiro empalado e o arrastou até um quarto. Depois, voltou para a sala, segurando a estaca ensanguentada. Ele foi até o lacaio maneta e separou o resto de seu braço do ombro, e jogou o membro no quarto em que colocara Drake.

– O que você fez? – a vampira gritou, olhando para seu lacaio agora sem um braço inteiro. – Você pagará por isso, Leo!

– Ele já tinha perdido a mão mesmo! – Leo respondeu, segurando a maçaneta da porta, enquanto Drake se alimentava sozinho do outro lado.

Icabode olhou para o mortal no chão, perdendo litros de sangue no carpete. Depois se virou e viu todos os vampiros sorrindo da situação, como se ele fosse apenas um animal qualquer. Meu Deus, Icabode pensou, isso é um ninho de demônios.

Ele se recostou ao lado da porta e ignorou todo o resto, esperando que o Capitão Sangrento ficasse consciente de novo. Fermín disse mais algumas palavras e dispensou os outros vampiros da sala. Os últimos a ficarem, foram Leo e Lorena, os maiores apoiadores do novo príncipe.

– Você sabe que o meu clã é o mais numeroso de Nova York, não sabe? – Lorena disse, olhando para Fermín. – Enquanto eu decidir que você é o príncipe, as coisas estarão favoráveis a você. Ninguém quer me ver irritada.

– Confesso que fiquei surpreso quando você matou a Juíza e declarou seu apoio a mim, publicamente – Fermín disse, avaliando-a.

– Poucos tem o poder de remover e colocar governantes – ela disse. – Eu só queria que todos se lembrassem disso – ela se virou e sorriu. – Além do mais, ter um príncipe como um devedor é magnifique!

Lorena sumiu pela porta, deixando Fermín com Leo e Icabode. Leo olhou para o príncipe, incomodado.

– Tome cuidado com essa aí.

– Eu tomo cuidado com todos – Fermín mostrou um sorriso pra ele. – E você mostrou ser leal hoje. Eu irei recompensá-lo por isso.

– Me torne seu xerife – Leo pediu. – Eu caçarei quem você quiser, sem questionar.

Icabode assistia os dois, silenciosamente, quando a porta ao seu lado abriu, e dela saiu um Capitão mais Sangrento ainda.

 

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Icabode St. John [14]

Nos capítulos anteriores: Após descobrir que Solomon fizera um ritual para remover o próprio coração, evitando que fosse empalado e paralisado, Icabode descobriu que havia um homem no México capaz de reverter tal feitiço. Ele percorreu os esgotos e Nova York, escapando de um crocodilo gigante, enquanto Solomon matava vampiros em vários locais da cidade. Icabode foi até o apartamento de Sunday e se permitiu ser levado por capangas do Conselho, quando viu uma bituca de cigarro no cinzeiro, o que o levou a concluir que Sunday tinha passado durante o dia ali. 

 

Icabode estava paralisado com uma estaca no coração. O enviado do Conselho o enfiou em uma mala apertada, e a arrastou pelos degraus do prédio. Icabode sabia exatamente quando seu corpo fora jogado no porta mala de um carro, e minutos mais tarde, quando foi tirado. O barulho de um bagageiro batendo era inconfundível. Vozes em um lugar cheio de eco discutiram sobre quem o carregaria escadas acima.

Sunday, onde está você? Icabode pensou, lembrando da bituca do cigarro que avistara no apartamento do detetive. Eu sei que você esteve em casa. Por que não fala comigo?

Ele não sabia quem o levava pelas escadas, mas a má vontade era perceptível. O corpo de Icabode batia em cada degrau, arrastado por dezenas de andares.

Ele sentiu seu corpo girar no ar e acertar algo fofo, uma cama, talvez. Luzes invadiram sua visão, e alguém colocou seu corpo em uma poltrona. A suíte era coberta com seda, veludo e molduras de ouro. Três rostos familiares o observavam do outro lado do quarto.

– Devemos mata-lo agora? – a Dama do Véu Negro perguntou.

– Não – a Juíza respondeu lambendo os lábios cheios de pústulas. – Devemos mata-lo em frente aos membros. Nós queremos que cada vampiro de Nova York canalize o seu julgamento a esse neófito.

– Concordo com a Juíza – Fermín Pedralbes disse, ajeitando o seu pince-nez sobre o nariz. – Esperem os membros chegarem. Nós diremos que foi esse garoto quem criou Solomon Saks. E que por causa disso, todos os vampiros que morreram esta noite são de responsabilidade dele.

– Teve mais algum ataque? – a Dama de Véu Negro perguntou.

– Mais dois vampiros foram mortos no Queens. O Coruja acabou de me informar – Fermín disse, encarando Icabode. – Solomon está fazendo um limpa na cidade.

– E se eles pedirem para o garoto falar? – a Juíza perguntou. – Ele dirá que nós o enviamos para lidar com o Solomon. Os vampiros ficarão furiosos ao saber que enviamos um neófito.

– A gente não sabia que Solomon iria fazer o que fez hoje – A Dama do Véu Negro ripostou, nervosa.

– Isso não importa, minha cara – Fermín se afastou das duas, olhando para o chão. – Solomon matou muitos vampiros importantes ontem e hoje. Ele exterminou os homens de Anthony na outra semana. Nossa única medida foi enviar um neófito para lidar com isso. Essa derrota causaria a nossa destruição. A estaca não pode sair dali – ele apontou para o peito de Icabode. – O garoto não pode nos delatar. Precisamos mata-lo antes que alguém queira ouvir seu depoimento.

Os três olharam para o prisioneiro, e Icabode sentiu sua vida ser pesada e analisada. Não importa a solução que o Conselho encontraria, ele sabia que não iria sobreviver aquela noite.

Alguém bateu a porta, e um homem de terno e chapéu entrou.

– O salão já está cheio, Juíza. Os membros estão impacientes.

– Então devemos resolver isso imediatamente – a Juíza disse, olhando para a Dama do Véu Negro.

A outra vampira ergueu a mão, e Icabode começou a flutuar. Ele viu seu corpo levitar pelo quarto até um salão onde um gramofone tocava Bach, Prelude From Cello Suite No 1. Aquela música enchia o coração de qualquer um de melancolia, tristeza e beleza ao mesmo tempo.

Como nunca ouvi essa música antes? Icabode pensou, sentindo a mão gelada da morte acariciar seu rosto.

Havia quase cem pessoas no cômodo, todos com expressões de raiva ou preocupação. Eles se viraram rapidamente em sua direção, mostrando os caninos.

Icabode quis gritar. Não imaginava que existiam tantos vampiros assim. Mais do que nunca, ele sabia que estava morto. Um vampiro com jaqueta de couro, segurando um bastão de baseball foi para o centro da sala, tirando os óculos escuros do rosto.

– Eu exijo ser ouvido primeiro! Onde está Anthony Ritzo? Nós dois somos os últimos sobreviventes do nosso clã, e vocês ainda estão o caçando? Isso é pura babaquice! Quero que isso acabe imediatamente!

– Babaquice, Leo? – uma mulher de longos cabelos vermelhos deu um passo a frente. – Pelo que ouvi falar, Solomon Saks foi abraçado e se fortaleceu debaixo das asas de Ritzo. Todos estão dizendo que eles estão trabalhando juntos.

O vampiro de jaqueta segurou o taco de baseball com firmeza e olhou para a mulher.

– Lorena, se é você quem anda espalhando essas mentiras, vou esmagar o seu crânio até ele virar farinha branca.

– Acalmem-se todos! – a Juíza ergueu as mãos. – Nós precisamos ser inteligentes para lidar com Solomon Saks.

Icabode foi colocado de pé, encostado a uma parede enquanto assistia a reunião. Seus olhos captaram num canto, uma pessoa deitada no chão. Capitão Sangrento! Ele reconheceu Drake Sobogo acorrentado ao pé da mesa, caído como um cachorro obediente. O soldado tinha o rosto cheio de feridas, e estava magro. O que eles fizeram com você?

– Por que eu deveria dar ouvidos a vocês? – Leo se colocou à frente da Juíza, apertando o taco. – Eu estou sozinho aqui. Não tenho ninguém do meu clã para cuidar das minhas costas. Solomon já matou todos os outros, incluindo Ivanovitch.

– O que você quer para se acalmar Leo? – Fermín perguntou, tentando controlar os nervos.

– Eu sou o último do meu clã. Isso não pode ficar assim!

– Você quer a permissão para o Abraço, é isso? – Fermín perguntou, atencioso.

– Pra começar, seria bom – Leo disse, controlando o tom de voz.

– Eu não veria problema nisso – Fermín olhou para a Dama do Véu Negro, que concordou com a cabeça. Os dois olharam para a Juíza.

– Claro, claro – ela abanou a mão para o vampiro em sua frente. – Você poderá escolher um mortal para torna-lo membro de seu clã.

– Eu quero aquele ali – Leo respondeu, apontando para Drake Sobogo.

– Você não deseja procurar com paciência alguém que se encaixe no perfil… – a Juíza começou a perguntar, mas foi interrompida.

– Não preciso – Leo atravessou a sala até onde Drake estava caído. – Eu conheço esse negro aqui. Ele é conhecido como Capitão Sangrento nos becos de Nova York. É o melhor boxeador que já vi. Se ele não faz o perfil do meu clã, ninguém mais faz.

– Que seja! – a Juíza disse, impaciente. – Mas saiba que ele estava envolvido com Solomon.

– Eu estava tentando mata-lo quando vocês me prenderam! – Drake gritou, fraco. – Se não tivessem atrapalhado, talvez eu tivesse conseguido.

– Silêncio! – a Juíza gritou, pega desprevenida. – Leo, mate-o antes que eu mude de ideia.

– Algo me diz que o seu companheiro não vai durar muito tempo depois do Abraço – Lorena, a ruiva, salientou, encarando a Juíza.

– O que está sugerindo, senhorita? – a Juíza perguntou, ofendida.

– Que se nem mesmo seu colega, Ivanovitch, o “vampiro mais forte do mundo” conseguiu vencer a Solomon, qual chance nós teremos? Afinal, o Conselho tem algum plano para enfrenta-lo?

– Talvez você queira fazer esse serviço – A Dama do Véu Negro disse, fechando os punhos das mãos.

– Nas outras cidades, eles possuem príncipes – um vampiro disse, brotando do meio das pessoas. Ele era velho e albino. – Na maioria dos lugares os conselhos foram destituídos. Muita burocracia, muita conversa fiada. Também me questiono se vocês têm o que é preciso.

– Poucas cidades são como Nova York, senhor Lancelot – a Juíza informou. – Nosso Conselho sabe trabalhar de forma que as decisões sejam rápidas, eficazes e com quatro cabeças pensantes.

– Três – Lorena corrigiu, mostrando um sorriso. – O mais forte de vocês foi morto e derrotado. Então só restaram três de vocês.

– Vocês ousam desafiar a autoridade do Conselho? – a Dama do Véu Negro perguntou, indo para o centro da sala.

– Acalme-se, minha senhora – Fermín se colocou ao lado dela. – Nós iremos resolver isso da maneira correta – ele se virou para a multidão. – Antes de falarmos sobre a estratégia de capturar Solomon Saks, precisamos desatar uns nós. Sei que muitos de vocês estão confusos sobre quem causou toda essa situação. Sobre quem teria criado Solomon Saks sem nossa autorização.

– E não foi Anthony Ritzo? – alguém perguntou.

– Acho que foi a sua mãe, seu merdinha! – Leo respondeu ao vampiro, com o pé sobre as costas de Drake.

– Por favor, acalmem-se – Fermín pediu, guardando seu pince nez no bolso do colete. – O culpado não foi Anthony Ritzo. Na verdade, ele foi apenas o bode expiatório para levar a culpa.

Todos os convidados franziram suas testas, sussurrando palavras de indignação. Inclusive a Juíza e a Dama de Véu Negro.

– Então você confessa que está jogando a culpa em um inocente só para se safar? – Lorena perguntou com um sorriso incrédulo.

– Não, não – Fermín mostrou a mão para ela. – Eu nunca faria isso. Mas elas sim – ele se virou para a Juíza e a Dama do Véu Negro. – Assim como elas capturaram aquele neófito só para depositar no pobre rapaz a culpa de tudo.

– Você enlouqueceu? – A Juíza perguntou, se aproximando do colega. – O que acha que está fazendo, Fermín Pedralbes.

– Não adianta fingir que não sabe, Excelência – Fermín sorriu pra ela. – Todo mundo sabe que sou telepata. Eu sei que não tenho permissão para entrar na cabeça dos membros, mas em tempos extremos como esse, acha que não iria vasculhar cada um de vocês? Achou mesmo que sua traição passaria desapercebida?

– Traição? Do que você está falando? – Leo perguntou, batendo com o taco na própria mão.

– Elas duas se uniram e abraçaram Solomon Saks com o objetivo de instalar o terror em Nova York – Fermín disse. – Elas acharam que assim, vocês nos dariam poder absoluto para consumir a alma de outros vampiros, para nos equipararmos a Saks. Com o polonês morto, nosso poder e autoridade seriam inquestionáveis. Ninguém poderia se equiparar ao Conselho. Apesar de tal premissa, eu não me deixo levar por tais seduções. O destino de todo megalomaníaco é a morte precoce.

Icabode não acreditava no que estava vendo. Por que Fermín estava mentindo? Por que ele o estava protegendo?

– Eu vou destruí-lo, seu verme traidor! – A Dama do Véu Negro estendeu seus braços, e fez Fermín levitar.

– Tem algum telepata por aí? – o velho Lancelot perguntou, olhando ao redor. – Precisamos verificar se o que Fermín diz é verdade.

– Não existe outro telepata entre nós – a Juíza ripostou, assustada. – E o Fermín sabia disso. Ele sabe que ninguém podia desmenti-lo!

– Agora cabe a vocês escolherem – Fermín disse, se debatendo no ar. – Quem vocês acham que criou o vampiro que aterroriza Nova York, um neófito recém abraçado ou duas vampiras velhas que vivem tramando jogos de manipulação?

– E se você estiver mentindo, Fermín? – Lancelot perguntou, receoso.

Fermín sorriu.

– Por favor, vocês não estavam insatisfeitos com o Conselho? Por que simplesmente não aproveitam a oportunidade de extingui-lo?

– Eu vou te matar agora, sua criatura vil – a Dama do Véu Negro disse, e abriu os braços, usando a telecinese para rasgar o corpo do colega.

Os olhos de Fermín se encheram de sangue, e todos os vampiros ficaram imóveis, assustados. Icabode assistia a cena, aflito. Se elas ganhassem, ele morreria antes que pudesse falar qualquer coisa.

Acontece que antes que ela partisse Fermín em dois, um taco de baseball acertou sua nuca. A Dama de Véu Negro caiu de quatro no chão. Leo, colocou seus óculos escuros de volta e começou a golpeá-la até tornar sua cabeça um grande monte de creme crocante no assoalho.

A Juíza recuou dois passos, apavorada, quando uma estaca surgiu de sua barriga. Em suas costas Lorena sussurrou algo. Os vampiros ao redor agarraram seus membros e a destruíram com as próprias mãos.

Fermín havia tombado no chão, mas se levantara novamente, vendo os cadáveres de suas colegas envelhecerem como múmias. Ele olhou para os lacaios das duas vampiras e ordenou que fossem mortos imediatamente. Ele colocou o chapéu na cabeça e começou a folhear os livros da mesinha enquanto os convidados terminavam a matança.

No fim, Leo se colocou em sua frente e pediu:

– E agora, meu príncipe, posso terminar o que comecei? – ele apontou o taco em direção a Drake Sobogo, e Fermín permitiu com a cabeça.

– Vossa Majestade – Lorena se curvou diante de Fermín. – Solomon Saks matou minha mentora. Como nós iremos captura-lo?

Fermín sorriu e virou o rosto lentamente em direção a Icabode.

 

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Icabode St. John [12]

Nos capítulos anteriores: Icabode e Leon se uniram a Anthony Ritzo para caçarem Solomon, mas antes que sequer saíssem do esconderijo, o polonês apareceu com seu séquito, revelando que havia consumido a alma de todos os membros do clã de Anthony. Um confronto teve início, e no final, Anthony empalou Solomon. Mas antes que pudesse matá-lo, o séquito do polonês interveio e resgatou o corpo de seu senhor, levando-o para longe. Como Icabode e seus companheiros falharam em deter o inimigo, eles decidiram fugir, pois sua derrota atrairia a fúria dos vampiros do Conselho. 

 

Quando criança, Icabode fora mordido por um rato dos esgotos de Nova York. Foi uma mordida daquelas que te deixam vários dias doentes. Seu trauma começou aí, e naquela briga de bar ficou mil vezes pior. Ratos vinham de todas as direções e o mordiam como se ele fosse um grande pedaço de queijo.

Nos dias seguintes após a destruição do Portões do Inferno, Icabode continuou sendo perseguido pelas criaturas. Elas estavam sempre escalando seu corpo, penduradas em suas roupas, vindo das ruas, das paredes, do meio da água. Eles estavam em todos os lugares. Uma semana depois ele parou de sentir a dor das mordidas, como se seu corpo tivesse acostumado com a sensação. Mas ainda assim os minions dos esgotos estavam sempre ao seu redor.

Um belo dia eles sumiram. Icabode saiu de seu esconderijo, aliviado pela primeira vez e foi até o parapeito de aço. Ele olhou ao redor, cem metros acima do chão. A ilhota estava cercada de água. As luzes da cidade estavam a quilômetros dali, como se até mesmo os prédio soubessem que era inteligente manter a distância entre eles. Icabode mal se lembrava de como tinham achado aquele esconderijo.

– Você está melhor? – Leon perguntou, se aproximando por trás. – Não acordou gritando hoje.

– Eles sumiram – Icabode gaguejou, olhando a câmara metálica ao redor. – Eu fiquei quanto tempo nesse estado? E onde está Solomon Saks?

– Duas semanas – Leon respondeu, preocupado. – E Saks continua desaparecido.

– Não mais! – Anthony Ritzo subiu as escadas, vestindo uma calça bege e camisa regata, branca. – Eu consegui uma informação sobre o paradeiro do polonês.

– Ele voltou à mansão? – Leon perguntou, surpreso.

– Não, mas eu encontrei um de seus capangas.  – Anthony respondeu e jogou dedos decepados no chão. – O polonês fez uma visitinha ao Sombra. Ele é um traficante de informação que mora em um cemitério aqui de Nova York. É pra lá que vamos – ele olhou para Icabode. – Você parece lúcido. Virá conosco?

– Essa é uma pergunta idiota – Icabode respondeu, vestindo a jaqueta que trazia pendurada no ombro.

– Acalme-se, garoto – Anthony mostrou a palma da mão. – Iremos no meio da madrugada, quando a cidade estiver dormindo.

 

Às três da manhã, os três saltaram o muro de pedra como se fosse uma cerca para cachorros. Dentro do cemitério, não se podia ver o chão debaixo da névoa. As árvores pareciam dedos pelados, numa teia de galhos que cobriam suas cabeças. As lápides eram cobertas de musgo e teias de aranha, como se nenhum zelador passasse ali há anos.

– Quando alguém diz “cemitério”, em minha mente sempre vem o Cemitério Nacional de Arlington, um grande campo verde, cheio de lápides brancas e alinhadas – Leon disse, estalando os dedos, assustado.

– Pensei que vampiros não tivessem medo de cemitério – Icabode comentou, segurando o revólver.

– Não tem nem um mês que você é um de nós e já quer bancar o sabe tudo – Leon deu um soco em seu ombro. – Os vampiros não são as únicas coisas perigosas nas noites de Nova York.

– Silêncio! – Anthony ia à frente, com a escopeta encostada no ombro. – Vocês conseguem ouvir algo?

Leon e Icabode ativaram seus ouvidos aguçados e olharam ao redor.

– Ouço o barulho de correntes – Icabode disse, engolindo seco. – O som vem dali.

– Por que não vai na frente, valentão? – Leon o empurrou de leve.

Os três avançaram, cada um segurando sua arma. E Anthony ergueu a escopeta assim que viram um mausoléu antigo, com uma gárgula em seu topo. Icabode abriu seus ouvidos e escutou batidas abafadas e rítmicas, bem baixinhas vindo do mausoléu.

– Estou ouvindo o coração… é um humano.

– Sombra, saia do seu esconderijo! Se preferir, eu o trago arrastado! – Anthony gritou, cuspindo saliva.

Um gemido veio do mausoléu. Em seguida, correntes sacudiram e caíram no chão. O portão de ferro rangeu enquanto era aberto por mãos de unhas compridas. Um sujeito negro e corcunda apareceu, mancando. Usava calças de couro e um colete folgado. Em seu peito, havia uma corrente da cruz ansata, um Ankh.

– Qual o seu assunto com Solomon Saks? – Anthony perguntou, mostrando-lhe o cano da escopeta. – O que ele veio fazer aqui?

– Saiba que eu não sou a única pessoa em risco aqui – Sombra respondeu com sotaque estrangeiro, erguendo as mãos. Ele parecia assustado. – Se fizer algo comigo…

– Você está me ameaçando, seu merdinha? – Anthony se aproximou, colando a escopeta no rosto do homem. – Antes que você faça qualquer coisa, eu mando seu cerebelo para o topo daquela gárgula.

– Tudo bem – ele gaguejou. – Não precisamos fazer loucuras aqui. Mas no momento que eu quebrar o sigilo que tenho com o meu cliente, nunca mais confiarão em mim – ele viu a impaciência no olhar de Anthony e começou a falar. – Ele veio atrás de ingredientes para um ritual de bruxaria. Eu não sei qual ritual, ainda mais porque ele não tinha motivos de revelar uma coisa tão pessoal pra mim, um traficante de informações, não é? – ele sorriu, nervoso. – E os ingredientes serviriam para vários rituais diferentes, então não poderia nem lhe dizer algo específico. Depois ele me pagou e eu agradeci pela confiança – ele olhou para o cano em seu rosto.

– Eu acredito nele – Icabode disse, olhando ao redor.

– Eu também – Anthony disse, e apertou o gatilho.

O Sombra foi arremessado, e seu corpo rolou pelo chão. Ele segurou a barriga aberta e olhou para os três, surpreso.

– Ele disse o que queríamos! – Icabode gritou, se colocando na frente de Anthony. – Por que você fez isso?

– Não quero deixar um rastro de onde estive – Anthony respondeu, encarando-o nos olhos. – Ele entregou a Solomon, não entregou?

– Vocês deveriam ter saído daqui – Sombra disse, fazendo careta de dor. – Eu teria deixado vocês partirem.

– Do que você está falando? – Leon perguntou, se aproximando dele.

– Ei, se afaste daí – Anthony disse, receoso.

Uma luz verde emanou por dentro do moribundo, refletindo por seus olhos, como uma pequena explosão, e no instante seguinte, Sombra estava morto. Os três olharam ao redor, atentos.

– Vamos sair daqui, rápido – Anthony disse, se afastando do mausoléu. E no terceiro passo, ele tropeçou na raiz de uma árvore e caiu, ou pelo menos ele achou que fosse uma raiz.

Dedos começaram a abraçar seu tornozelo, prendendo-o no chão. Uma mão ossuda saiu de outra parte da areia e agarrou a outra perna. Outros dedos surgiram, segurando sua cabeça e braços. Um esqueleto de terno e gravata, cheio de vermes, saiu da terra agarrando o vampiro. 

– Os mortos estão se levantando – Icabode disse, se virando a tempo de ver centenas de mãos se projetando para fora das covas.

A escopeta cuspiu algumas vezes, e Anthony estava em pé novamente.

– Rápido! – gritou ele. – Sigam-me!

Anthony começou a correr, e Icabode e Leon iam em seu encalço pulando sobre os esqueletos derrubados no caminho.

– Ele é um rinoceronte! – Leon disse, vendo Anthony derrubar dezenas de cadáveres, deixando um caminho de zumbis esmagados no chão.

Depois de percorrerem o labirinto de lápides, uma bola de fogo acertou uma cripta logo em frente ao grupo, fazendo-os parar. Uma figura comprida e esguia pousou diante deles.

– SAKS! – Icabode gritou ao ver o polonês.

Em seguida, Rabin surgiu ao seu lado, e Troche, o Judeu de Ferro, do outro. Solomon segurou suas mãos nas costas, sorrindo. Os zumbis fizeram um círculo ao redor do grupo, parados.

– Eles não vão nos atacar? – Solomon perguntou.

– Eles sabem que somos aliados do Sombra – Rabin respondeu.

– Perfeito. Não quero interrupções.

– Parece que você quer levar outra surra – Anthony jogou a escopeta no chão e foi até a árvore ao lado, arrancar um galho grosso.

– Na verdade estou surpreso de vê-los aqui – Solomon disse, observando Anthony tornar aquele galho em uma grande estaca. – Mas acho que precisamos terminar aquela nossa disputa, sim.

– Dessa vez, terminamos isso aqui – Anthony respondeu e marchou ao seu encontro com uma estaca improvisada na mão direita.

Ele avançou sobre Solomon e esticou o braço sem qualquer resistência. Solomon nem sequer saiu do lugar. A estaca entrou em seu peito e saiu em suas costas.

– Isso! – Leon gritou, excitado.

Icabode se manteve em silêncio. Rabin e Troche estavam sérios, olhando para o seu senhor. Nenhum deles fez qualquer tentativa de impedir Anthony. Tinha algo de errado.

– Funcionou? – Troche perguntou, subitamente.

– Claro que sim – Rabin respondeu. – Mestre?

Solomon Saks olhou para baixo, deixando os oponentes perplexos. Em seguida, ele arrancou a estaca do peito e a enfiou no coração de Anthony com tanta força que o empurrou alguns metros para trás. O polonês tirou seu sobretudo e mostrou seu torso nu, branco e pálido. Havia um buraco sobre seu peito, por onde Icabode e Leon podiam ver através. O coração de Solomon não estava ali.

Icabode ficou imóvel ao ver que o polonês removera o próprio coração, mas ao ver Anthony empalado e paralisado, saiu do transe e correu em sua direção.

– Rabin, termine isso – Solomon disse, e uma bola de fogo nasceu na mão do feiticeiro.

Rabin a arremessou, e ela virou uma coberta de fogo ao redor do corpo de Anthony. Icabode voou para trás, sentindo um pavor pior do que quando sentira com os ratos. Ver o fogo assim tão perto era como se tocasse o próprio sol infernal.

– Venha, rápido! – Leon o ajudou a se levantar e o puxou dali.

– Matem esses dois vermes – Solomon disse, e os zumbis começaram a avançar novamente.

– Use seu poder, rápido! – Leon disse, e desapareceu do nada.

Icabode se encolheu atrás de uma lápide e também ficou invisível. Os zumbis ao seu redor olhavam de um lado para o outro, procurando-o. Com muito cuidado, ele entrou em um mausoléu com o portão tombado, e sentou no chão de mármore. A luz da lua cobria seus pés, mas ninguém o via, mesmo se olhasse direto em seus olhos. Diante do portal, cadáveres bamboleavam e mancavam, com pedaços de pele e musgo pendurados em seu corpo.

Icabode abriu os ouvidos e escutou a voz de uma quarta pessoa se juntando ao séquito de Solomon. Ele reconheceu a voz do homem que lhe mandara os ratos, era Gólgota.

Mestre, eles mataram o Sombra! – Gólgota avisou.

– Malditos! – Solomon disse, furioso.

Acalme-se – Rabin pediu, tranquilo. – Veja o lado bom disso.

– Lado bom? – Troche perguntou, impaciente. – O Sombra finalmente encontrou o endereço de Maxiocán, o único que pode reverter o feitiço de Solomon, e agora o Sombra está morto. Como iremos encontrar esse mexicano? Como iremos mata-lo?

– Se Maxiocán é o único que pode reverter o feitiço de Solomon – Rabin explicou com calma –, e o Sombra é o único que pode encontra-lo, nossos problemas estão resolvidos. Com o Sombra morto, ninguém encontrará Maxiocán.

– E ninguém saberá onde eu escondi meu coração – Solomon finalizou. – Finalmente me tornei Solomon Saks, o Imortal!

Icabode se lembrou do dia em que atacaram o esconderijo de Leon, ao lado de Saks e Sunday, quando pensava que Solomon iria iniciar uma “Guerra Santa” contra os vampiros. No final da noite ele os traíra, e dissera que todos ouviriam falar em “Solomon Saks, o Imortal”. Sua profecia estava se cumprindo.

Icabode abraçou os próprios joelhos e ficou balançando pra frente e para trás.

 

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Icabode St. John [10]

Nos capítulos anteriores: Após o infrutífero ataque à propriedade de Solomon Saks, Icabode foi separado de Sunday e Drake, sendo capturado pelo vampiro responsável por aquele setor do Brooklyn. O vampiro Anthony Ritzo o levou até o Conselho, onde estavam os cainitas governantes de Nova York. Icabode revelou que Solomon Saks pretendia criar um exército de vampiros, e em seguida, um dos membros do conselho, Ivanovitch, o levou para matarem o mafioso pessoalmente. Ocorre que ao chegarem lá, foram surpreendidos por Solomon, que já era um vampiro. Ele empalara a Ivanovitch e consumira sua alma, se tornando incrivelmente forte. Icabode foi resgatado por Leon, o prisioneiro de Saks, e ambos foram para o apartamento de Sunday, esperando que encontrassem o detetive desaparecido por lá, coisa que não aconteceu. 

 

Icabode abriu os olhos sem saber se era o dia seguinte. Ele não sonhara. Não se sentia descansado. Ligou o rádio ao lado da cama, e descobriu que se passara mais de doze horas desde que fechara os olhos. A sensação que tinha era de que apenas dera uma longa piscada. Como se seu corpo estivesse…. morto… esse tempo todo.

Seu estômago doía e, e suas mãos tremiam. A fome estava pior do que na noite passada. Ele precisava sair imediatamente para se alimentar, caso contrário, a besta tomaria conta. Olhou para baixo e viu que vestia apenas um par de calças rasgadas. Abriu o guarda roupa de Sunday, e escolheu uma jaqueta de couro, camiseta branca e calças jeans.

Enquanto se vestia, ouviu um barulho de porta vindo da sala. Ele aguçou o seu ouvido e descobriu que Leon conversava com uma mulher, não, eram duas.

Esse relógio é de ouro mesmo? – uma delas perguntou. – Se não for…

Eu não mentiria pra vocês, garotas – Leon prometeu. – E vocês sabem onde moro. Eu não daria um relógio falso a vocês. 

Icabode abriu a porta do quarto e viu o vampiro sentado no sofá, entre duas mulheres de roupas coloridas, com maquiagens fortes, plumas no pescoço e lantejoulas nos ombros. Leon vestia calças largas e uma bata branca.

– Olhe só, Matilda – uma delas disse, olhando para Icabode. – O amigo dele é realmente uma gracinha!

– Ele parece aquele ator que conhecemos na Broadway. Como era mesmo o nome?

– Dean Martin? Sim, a roupa pelo menos é igualzinha à da peça!

– Icabode, está com fome? – Leon perguntou. Em seu olhar, havia um alerta, como se pedisse para ele colaborar.

Icabode viu que Matilda tinha um relógio de ouro na mão. Provavelmente Leon havia encontrado nas coisas de Sunday. Aquilo era furto. Mas a fome não o deixava pensar muito sobre o caso. Ele precisava comer imediatamente, contando que não matassem as prostituas.

– Como vamos fazer isso? – Icabode perguntou, engolindo seco.

Antes que alguém respondesse, a porta de entrada tombou no carpete. Várias pessoas começaram a invadir a sala, todas encapuzadas, com espadas presas às cinturas. Depois, um homem magrelo, de chapéu coco, e pince-nez pendurado no nariz, adentrou o ambiente, olhando ao redor com nojo. Em seguida, uma dama com véu negro escondendo o rosto se pôs ao seu lado. Por último, uma criatura grotesca se enfiou no meio deles. Ela tinha dentes deformados, que atravessavam suas próprias bochechas.

Essa última, que Icabode conhecia como “Juíza”, olhou para as garotas no sofá e apontou seu dedo escamoso para elas.

– São cainitas ou mortais?

– São mortais, excelência – a dama de véu respondeu.

– Matem-nas – a Juíza disse, olhando para o lado.

Um dos homens encapuzados desembainhou a espada e avançou.

– O que é isso? Vocês sabem pra quem nós trabalhamos? – uma prostituta começou a gritar.

– Vocês não vão matar ninguém aqui! – Icabode se pôs entre eles, mas de repente, a dama de véu ergueu a mão em sua direção, e ele começou a flutuar, ficando preso no teto. – Me solte! Parem já com isso! Deixem as garotas em paz!

As prostitutas se agarravam em Leon que estava de olhos fechados, resignado. Elas gritavam ao aproximar do encapuzado. O homem enfiou a espada na barriga de uma e girou o punho vários vezes, perfurando vários órgãos internos. Depois ele foi até a outra e fez o mesmo. Icabode gritava sem conseguir se soltar do teto. Leon abraçou as duas mulheres, olhando para o encapuzado com ódio.

– Por que você não fez o serviço direito? Precisava dar uma morte lenta e cruel a elas? – ele as puxou para si e fechou os olhos.

Elas choravam com desespero. Leon fez suas presas surgirem e mordeu a Matilda, bebendo seu sangue até que ela desmaiasse. Depois, ele fez o mesmo com a outra que olhava para ele, como uma garotinha espantada.

A dama de véu pousou Icabode no sofá, e os encapuzados ao redor sacaram suas espadas, ameaçadoramente.

– Onde está Ivanovitch? – a Juíza perguntou a Icabode. – Ele não nos deu notícias desde ontem.

Ao ver que Icabode tentava controlar sua raiva, Leon interferiu.

– Ivanovitch está morto. Solomon Saks o empalou e consumiu sua alma.

– Mas que loucura está dizendo? – Fermín Pedralbes perguntou, exasperado. – Saks é um vampiro?

– Sim! – Icabode ficou de pé. – O seu amigo Ivanovitch foi um tolo! Ele estava todo confiante, partindo pra cima de tudo e de todos, como se fosse intocável! Mas Solomon nos fez de bobos, a mim e a vocês!

– Você disse que Solomon era mortal! – Fermín o lembrou. Os olhos estavam arregalados. – Isso tudo fazia parte do seu plano! Se livrar de Ivanovitch e fugir do julgamento do Conselho! Acha que iria nos enganar, não é? Mas você não contava com meus poderes telepáticos. Graças ao seu amigo negrinho, nosso prisioneiro, eu descobri onde era o seu refúgio! E agora, para onde irão fugir?

– Se você realmente tem poderes telepáticos – Icabode se aproximou dele. – Então entre na porra da minha cabeça e veja o que aconteceu de verdade! Caso contrário, pare de achar culpados pela sua derrota!

– Minha derrota? – Fermín olhou para a Juíza. – Vai permitir que ele fale assim com um membro do Conselho, excelência? Estripe-o, agora! Eu exijo!

– Não faça isso – a dama do véu negro disse. – Conforme o extraído do nosso prisioneiro, foram eles três quem fizeram com que Solomon se tornasse o que é. Eu sugiro que eles resolvam o problema. Assim que os membros cainitas de Nova York descobrirem o que aconteceu com Ivanovitch, eles procuração culpados. Se nós interferirmos agora, eles pensarão que poderíamos ter feito isso a qualquer momento. Mas se essa responsabilidade não for nossa, não há motivos para levarmos a culpa.

–  Isso – Fermín olhou para ela com admiração. – E também que culpem a Anthony Ritzo. De Green Point a Brooklyn Heights, todo aquele território é dele! Se ele tivesse nos avisado a tempo, isso não teria acontecido. Que eles culpem a Ritzo também! Aquele maldito permitiu que tudo acontecesse bem debaixo de seu nariz. E por sua causa, Ivanovitch está morto!

A dama de véu negro e Fermín olharam para a Juíza. Esta assentiu:

– Eu condeno os réus a uma ordália, cuja missão seja destruir Solomon Saks e cada vampiro ou testemunha mortal criada pelo mesmo. Caso os réus fracassem, sua pena é a morte final, assim como a morte do prisioneiro que vocês conhecem como Capitão Sangrento. E agora vamos até Ritzo. Sabem onde é o bar dele?

– Fica na Quarta com a rua Keap, em frente a um parque – Fermín disse, e se virou para Icabode. – Vocês precisarão se aliar. Ritzo tem muitas armas. O nome do bar é Portão do Inferno – ele se virou e saiu, junto com a Dama do Véu Negro e a Juíza.

O séquito do Conselho de Nova York deixou o apartamento tão subitamente quanto chegaram.

– O que é uma ordália? – Icabode perguntou, ainda exasperado com a visita.

– É uma prova judiciária para provar se alguém é culpado ou inocente. Caso o réu fracasse, ele é considerado culpado – Leon virou o rosto, como se ouvisse algo. – Rápido, precisamos sair daqui. Estou ouvindo sirenes. Certamente alguém ligou para a polícia depois dos gritos – ele olhou para as prostitutas. – Beba tudo o que conseguir. Depois vou levar os corpos pela janela para não acharem que Sunday fez isso.

Icabode se alimentou de Mtailda, plenamente consciente de que estava ingerindo sangue de uma pessoa morta. As tripas da mulher caíram em seu próprio colo, pelo buraco feito com a espada. O sangue ainda vertia pelo vestido e fazia uma poça sobre o vestido.

– Precisamos levar esse tapete sujo de sangue, sofá e os cadáveres para fora daqui – Leon apontou para a sacada. – Eu consigo fazê-los levitar, mas você terá que voar por conta própria. Você tem esse poder, Icabode, e precisa usá-lo agora! Não posso erguer tudo sozinho.

– Certo, leve-as. Eu darei um jeito – Icabode disse, pegando o relógio de Sunday de volta. Leon ergueu as mãos e fez o sofá sair do chão, seguido pelo tapete. Os cadáveres estavam deitados para não caírem. Com muito cuidado, Leon passou tudo pela varanda, e voou atrás das coisas.

Icabode se inclinou sobre o parapeito e viu as viaturas parando em frente ao prédio. Ele fechou os olhos e esperou que seus pés saíssem do chão, mas nada aconteceu. Ele ativou os sentidos aguçados, e ouviu os policiais subindo as escadas do prédio. Vamos, garoto, saia daí! Sunday disse em sua mente. Onde está você? Icabode perguntou, surpreso. Por que não está em casa?

Agora não é hora pra falarmos sobre isso! Sunday ripostou. Saia daí! E Icabode tentou mais uma vez. Ele sentiu uma pressão no centro de seu corpo. Em seguida, sentiu-se sendo puxado para cima. Oscilou sem sair do lugar por mais um tempo, quando ouviu os policiais adentrando o apartamento. Você precisa agir agora! Sunday gritou.

– Foda-se – Icabode não conseguira sair mais que dez centímetros do chão. Então subiu no parapeito e saltou. A queda era alta, e os dados foram rolados. Para sua infelicidade, ele não conseguiu voar. O chão vinha em sua direção quando a queda foi interrompida dois metros acima da avenida, só pra continuar em seguida.

Icabode caiu de peito no asfalto, e alguns carros buzinaram, desviando do caminho. Ele olhou ao redor e se enfiou no primeiro beco que viu. Não conseguira voar, mas amortecera a queda em pleno ar. Isso era um avanço. Parou o primeiro táxi que viu e mandou que fosse para o Brooklyn, na Quarta com a Keap.

Levou quinze minutos para chegar no local. O bar Portão do Inferno tinha janelas temperadas coloridas. Em frente, uma fila de motos ladeavam a calçada, a maioria, Harleys. Nada japonês ou alemão, obviamente. Ele deu o relógio de Sunday ao taxista incrédulo e entrou no bar.

O estabelecimento estava cheio de clientes, tomado por fumaça de cigarro, jukebox alta e luzes coloridas. No balcão, Leon conversava com um homem que Icabode reconhecia da noite anterior, musculoso, vestindo suspensórios e quepe. Era Anthony Ritzo. Eles trocaram olhar, e Ritzo indicou uma porta com a cabeça. Leon reparou que Icabode chegara, e os três foram em direção à porta. Ritzo olhou para um sujeito mal encarado e mandou que cuidasse do balcão.

A cozinha estava cheia de sacos e barris, com legumes, bebidas e cigarros. Um rato fugiu ao vê-los. Ritzo enrolou o tapete do chão, revelando um alçapão escondido. Ele o abriu e mandou que os dois descessem.

Icabode e Leon olharam ao redor, surpresos. O subsolo do Portão do Inferno era um armazém de armas. Ritzo começou abrir caixas e mostrar seus brinquedinhos.

– O Conselho saiu de seu esconderijo no Upper East Side e veio pessoalmente até o meu bar – ele disse, com deboche. – Acho que estão mesmo com medo do polonês.

– Se eles tivessem levado a sério o meu aviso, Solomon Saks poderia estar morto agora. Mas Ivanovitch agiu como se a ameaça não fosse real – Icabode disse, amargo.

– Quem diria que aquele filho da mãe fosse derrubado por um neófito? – Ritzo parou um momento, reflexivo. Depois ele olhou para os dois, ressentido. – Não sei como eles deixaram vocês vivos depois de tudo que fizeram.

– Eles precisam de um bode expiatório – Leon explicou. – Se você faz parte da sociedade, deveria conhecer o modus operandi do Conselho. Quando todos descobrirem que Ivanovitch morreu, a Juíza fará questão de dizer que a culpa é minha e de Icabode, e que tudo isso ocorreu no seu domínio, senhor Anthony.

– Sim, sim – Ritzo o interrompeu, irritado. – Eu sei como as coisas funcionam por aqui. E a culpa de tudo isso é de vocês! – ele fechou os punhos, inconformado.

– A culpa de tudo isso é de Saks! – Icabode o corrigiu. – E se não nos unirmos para impedi-lo, ele ficará mais forte a cada dia. Saks tem dinheiro, armas e capangas.

– Eu sei disso – Anthony apontou para as próprias armas. – O polonês e eu vendemos armas no mesmo território. Nossos homens já trocaram tiros algumas vezes. Mas isso acaba hoje!

– Hoje? – Leon perguntou. – Você quer que o ataquemos hoje? Mas não seria melhor gastarmos um tempo preparando um plano à prova de falhas? Não foi por causa desse impulso que Ivanovitch está morto?

– Eu concordo com ele, Leon – Icabode disse, pegando uma pistola de uma caixa. – O tempo é aliado de Solomon. Acho que sou o único que entendeu até agora que o mafioso é ardiloso e astuto. Ele deve estar articulando coisas maléficas neste exato momento, e quero derrubá-lo antes que continue.

– Mas nós nem sabemos onde ele está – Leon disse, receoso.

– Sabemos sim – Anthony respondeu, erguendo um cinto de granadas ao redor do ombro. – Desde o tiroteio de ontem, tenho homens vigiando a mansão do polonês.

– E quando partimos? – Icabode perguntou, examinando uma metralhadora Thompson.

– Agora – Ritzo tirou uma máscara de carranca da parede e colocou no próprio rosto. – Esse filho da puta vai morrer hoje.

 

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