Escritor e professor carioca, J.V. Teixeira é o autor do romance Torres de Wynlla, um dos mais recentes contos no Universo de Tormenta, que fala sobre um grupo de personagens enfrentando a alta sociedade arcana de Wynlla, o reino da Magia, e vivendo altas aventuras por lá. O autor nos concedeu uma entrevista no finalzinho de 2024 e você pode conferir ela por aqui.
Cara, primeiramente tudo bem, como você tá?
Cara, tirando o calor, tudo certo!
Disclaimer
A entrevista abaixo contêm SPOILERS do livro As Torres de Wynlla, leia por sua conta em risco!
As Torres de Wynlla
Para começar a entrevista legal, mesmo que eu tenha lido o livro e esteja com as coisas frescas na cabeça para perguntar, queria que você o apresentasse. Fique à vontade!
Torres de Wynlla é um ótimo ponto de entrada para quem não conhece Tormenta, mas para quem é familiar ao cenário, acredito que vai servir para enxergar aquele reino de um modo diferente.
Até porque, por mais que Tormenta seja um cenário de fantasia medieval, tem espaço para muita coisa. Quem for introduzido no cenário pelo Torres vai conhecer um lado um pouco diferente da fantasia medieval mais “clássica”, e, de repente, pode acabar sendo levado a se interessar pela fantasia mais tradicional quando procurar os outros livros.
Uma história de aventura igual a um desenho animado
Quando a gente conversou na Taverna do Anão Tagarela, eu achei engraçado descobrir como os autores são convocados. Você escrevia desde livro sobre a sua vivência como professor até histórias de terror e então foi chamado para escrever um livro infanto-juvenil. Contudo, a minha impressão é que o Torres tá no meio termo de maturidade entre o Dado Selvagem e a Cidade da Raposa.
Considerando esses três como essa pegada dos novos autores de Tormenta, Dado Selvagem é o mais infantil, Cidade da Raposa é um pouco mais maduro (fala sobre drogas, vida adulta e etc), mas enquanto eu lia o Torres eu imaginava muito um desenho do fim dos anos 2000, ou início dos anos 2010, como Ben 10 ou Liga da Justiça Sem Limites. Algo voltado para adolescentes saindo da puberdade e entrando na vida adulta, que tem suas partes bobinhas, mas também tem assuntos mais sérios.
Eu queria saber se isso foi proposital, se você gosta de colocar isso nos seus livros ou se a sua inspiração foi outra e essa impressão foi errada.
Foi totalmente proposital. Eu quis fazer um livro que tivesse camadas de compreensão, mas não consigo nem afirmar se eu fui feliz nisso, pois não sei se o leitor vai reconhecer os subtextos dentro dele.
Por exemplo, se pegarmos os vilões Alcyanda e Vergil. Eu quis tornar os dois odiosos, só que não sei se um adolescente vai sentir tanto ódio deles, porque tem coisas que talvez um adulto consiga captar um pouco mais.
Tem toda uma leva de animações que seguem esse caminho de ter camadas. A criança assiste de boa, mas se você é um pouco mais velho, vai ver aquela aventura divertida como algo mais profundo.
Fico feliz de ouvir isso porque foi o sentimento que tive. Eu estava lendo o livro, aí em um momento o Cidney perde o braço e eu tomei um susto. Não é algo que a gente espera em uma aventura para crianças e normalmente representa um momento de virada do personagem. Em Hora de Aventura algo do tipo acontece e é um choque.
Os Vilões do Torres
Você falou dos vilões, e uma coisa que eu fiquei curioso foi pela escolha deles. Quando li a sinopse, acreditei que seria um livro contra a Magocracia, de gente querendo derrubar essa “democracia”. Também é, mas tem muitas pessoas querendo levantar uma monarquia de novo (o que é mais real do que gostaríamos). E essas pessoas não tem escrúpulos para chegar aos seus objetivos, então eles se unem aos minotauros escravagistas e aos puristas.
Você disse que queria muito que a vilã fosse odiosa, mas tem muitos momentos em que a gente tá na cabeça dela. Quando você escolheu apresentar o ponto de vista da Alcyandra e dos vilões ao redor dela, qual foi o seu objetivo?
Vamos por partes. Você citou que tem um momento em que o leitor entra na cabeça da Alcyandra e tem um vislumbre do que passa na mente dela e do Vergil também. Eu acho importante esse tipo de coisa, porque tem algo que está caindo em desuso, que é o cara ser mau só porque ele é mau. Eu não queria colocar apenas duas pessoas que estão em uma posição elevada e por isso são maus, eu quis dar um porquê. Tanto é que talvez outras pessoas na situação deles se tornassem herois ao invés de vilões.
Principalmente o Vergil.
Ele vem muito da literatura e de filmes de guerra que eu consumo, principalmente os filmes de guerra revisionistas que colocam os soldados como herois de guerra que quando voltam não são ninguém. Juntei isso com as pessoas que fazem o bem, mas querendo algo em troca.
A Alcyranda, apesar de tudo, tem influência do meio em que foi criada. Ela é obrigada a repetir estereótipos para sobreviver naquele mundo, chegando a um ponto de odiar algo que ela é. Isso é bizarro demais, e eu quis passar esse paradoxo. Ela não escolheu isso, mas ódio não tem explicação.
Esses dois foram pensados desde o começo para serem vilões.
Quando comecei a preparar o livro eu não havia definido os dois, só que um deles viria do Conselho e o outro da Guerra Artoniana. Essa base estava certa, mas a quem estariam ligados não.
Só fui pensar nesse escopo quando me enviaram o capítulo do Atlas de Arton relacionado a Wynlla, então comecei a preencher as lacunas com informações que haviam lá.
Respondendo sua pergunta sobre os puristas e os minotauros: eu queria colocar uma escalonação de perigo e conforme lia o Atlas, percebia que havia alguns espacinhos que eu poderia usar.
O Tavikus é um personagem que tá no livro Vectora – Cidade nas Nuvens. Eu peguei ele, juntei com o histórico recente de Tapista e aí surgiu essa espécie de levante de Minotauros. Também fiz isso pensando naquela questão de quem perdeu algo que achava bom ficar revoltado. Os minotauros estavam em uma situação favorável até a escravidão acabar e não vão aceitar isso quietos. “Antigamente que era bom”, algo do tipo.
Os puristas, tirando a Tormenta, são o ponto máximo de perigo em Arton, com todo aquele radicalismo. Não havia porque usar a Tormenta no livro, então eu coloquei os puristas para serem o topo desse escalonamento de inimigos que o grupo se depara.
Tem muita coisa que surge conforme eu vou escrevendo. Por exemplo, o retorno do Alvar. Ele só apareceria no começo. Quem termina o livro acredita que ele é uma peça fundamental, mas a ideia de trazer ele de volta veio conforme eu escrevia. Eu o criei para ser um vilão pontual, mas ele ganhou uma vida que me encantou. Nem passado ele tinha, aquele histórico surgiu quando eu escrevi o capítulo.
Outro exemplo desse tipo é o Lamond ser irmão da fantasma que os protagonistas encontram. Essa ligação surgiu conforme eu escrevia e enriqueceu muito a história.
Eu não havia pensado nisso, mas esses dois realmente pareciam que foram pensados dessa forma desde o início.
Valkaria vs Wynna
A gente conversou na CCXP sobre a subtrama que me fisgou e ao meu amigo Antônio (que terminou o livro antes de mim). Estou falando do prólogo, onde tem meio que uma guerra acontecendo entre Valkaria e Wynna, que me deixou muito curioso.
Wynna tem um nicho dentro dos alinhamentos e sempre foi muito Neutra. Ela não tem um lado, mas é boa, distribui magia para todo mundo. Valkaria normalmente é colocada como heroína, mas muitas vezes age como uma vilã. Da maneira que você colocou o embate delas, Wynna parece muito a vilã.
Não sei se você pensou alguma delas como vilã ou heroína, mas com vilã eu quero dizer a antagonista da história, porque Wynna não quer que o Cid encontre o que ele tá procurando e fica “irritada” por tudo dar certo.
Todo esse jogo de tabuleiro ao redor me lembrou muito as discussões entre Khalmyr, Nimb e os demais deuses no primeiro romance da Trilogia da Tormenta e em Holy Avenger: Paladina. Qual foi a ideia para ter o embate das duas?
São deusas que a gente nunca imaginou interagindo muito. Valkaria naturalmente tem ligação com todo o panteão, mas Wynna nunca pareceu ter algo contra alguém. O livro tem uma interação de irmandade muito legal com elas.
Enfim, o que você tem para falar sobre o relacionamento dessas duas deusas e dessas partes?
Eu coloquei as deusas por dois motivos.
Quando li Inimigo do Mundo eu surtei, porque, por mais que Tormenta tenha essa abertura, até o Inimigo do Mundo eu imaginava os 20 deuses do mesmo modo que as pessoas veem Deus no mundo real. Algo divino e acima de todos. Eu não os enxergava como algo falho, com desejos e tudo mais. Após a leitura, comecei a enxergá-los mais como deuses gregos e romanos.
Minha ideia inicial era apresentar as duas deusas só no final. Seria o plot twist: Valkaria manipulou toda a aventura vivida por Cidney e s outros.
Eu demonstraria isso do mesmo modo que os deuses aparecem naqueles filmes clássicos de mitologia grega dos anos 60 e 70, em que estão tomando um vinhozinho no meio de um lago, vendo os herois na água.
Mas aí em uma conversa com o meu editor, o Cassaro, ele sabiamente falou que como a gente estaria apresentando Tormenta para novos leitores, era interessante os deuses aparecerem antes, para o pessoal não chegar no fim da leitura e falar: “mas que diacho é esse de deuses conversando?”.
Quem conhece Tormenta ia entender de boa, mas quem tá entrando não. Então, o que seria o epílogo do livro foi particionado em quatro momentos: a introdução, o interlúdio, o epílogo e o fechamento do romance.
Sobre a mudança em relação a Wynna, foi proposital. O que eu tentei passar é que ela teme até onde os mortais conseguem ir sem a magia. Por isso ela baniu o Lawson, afinal, ele começou a ter avanços tecnológicos que não precisariam mais dela. Um exemplo é o Ferrugem, que é um golem teoricamente mágico, mas que de certa forma poderia funcionar sem magia.
Essa é uma visão que eu não tive. Eu havia entendido que ela estava incomodada com a tecnologia vindo para substituir a magia, mas não havia entendido que Wynna se sentia ameaçada por ela. E ai entra de novo naquelas questões que a gente não sabe se é proposital ou não, mas as Engenhocas no Tormenta20 simulam magias, então podem “substituir”. Tem dois inventores nos últimos dois livros que fazem coisas incríveis, mas que não são magias.
Até no momento em que o Cidney tá para baixo, se achando incapaz, a Dacila diz que ele consegue fazer coisas que nem ela que é maga conseguiria, usando apenas a Inteligência.
Sim! E ele simula um monte de magias. Pensando mecanicamente, usar “magia sem magia” deixaria Wynna pistola.
Eu não vi a questão mecânica em si, mas pensei dessa forma.
Representatividade em Tormenta
O Cidney é o personagem principal. Muita coisa gira ao redor dele e por causa dele. A gente conversou sobre na CCXP, mas ele é um dos poucos protagonistas negros de Tormenta.
São poucos protagonistas negros, mas as coisas estão mudando, pois hoje em dia tem reflexões que não existiam antigamente. A cultura pop em geral está passando por isso e muita gente tá incomodada (o que mostra que estamos indo pelo caminho certo).
Mas realmente são tão poucos protagonistas negros que muita gente ao ver as primeiras imagens do Cid pensou que o Torres era um livro sobre o jovem Nargom.
A tendência é mudar, podemos ver que no próprio Torres tem entre os protagonistas o Cid, o Vergil e a Dacila, que são negros, além da Nasus, que não é preta, mas tem um tom de pele diferenciado.
Inclusive, ela era uma personagem que não existia no planejamento até eu escrever a parte que ela aparece.
O livro em si teve muita surpresa pra mim, porque muita coisa surgiu durante a escrita. O Cid não perderia o braço, eu decidi na hora que aconteceu. Como isso aconteceu, ele teria que ganhar um novo, e aí veio a tia dele com essa função.
Enquanto eu escrevo, as ideias surgem.
Por exemplo, o grupo de aventureiros que coloquei no prólogo do livro era pra ser um grupo aleatório, mas quando cheguei na parte em que a Nasus conta a história do grupo dela e do avô do Cidney, eu juntei com essa parte da introdução. Eu acho que enriqueceu ainda mais a trama, para mostrar como muitas vezes Valkaria é perversa. Ela tá mexendo todos os pauzinhos para Wynna aceitar o que ela quer, fazendo a irmã pensar que foi por acaso.
No fim, Wynna tá lá “pô, minha irmãzinha, perdi”, e Valkaria tá com a face plena aceitando a vitória.
Família Tradicional Artoniana
Você falando que a Nasus foi pensada no meio do livro me deixou surpreso, porque “não é necessariamente a família tradicional artoniana” parecia uma passagem pensada, com antecedência. É bem legal que a família do Cidney seja composta por um avô goblin, uma tia centaura e um golem deformado.
Falando no Ferrugem, você disse para mim no podcast que ele seria um personagem que o pessoal ia gostar bastante e isso se provou verdade. Ele tá ali para resolver muitos problemas, salva muita gente da morte certa e tem um dilema muito legal, de personagens como o Data do Star Trek, que leva tudo no literal e que estão montando um senso crítico.
Qual foi a sua maior inspiração para ele?
O Ferrugem é a junção da teimosia do Obelix com a curiosidade do Data de querer compreender o mundo. Ele fica indignado quando algo está acontecendo e aparentemente não tem sentido.
Além disso, tem o temperinho que surgiu no meio da escrita, graças a minha noiva que me perguntou se o livro teria piada. Até então não teria, mas por causa da pergunta dela eu coloquei.
A Dacila foi baseada na sua esposa então? Porque ela é a única que presta atenção nas piadas do Ferrugem e ri.
Pior que não foi, hahaha.
O motivo dela ser a única que ri foi uma tática de escrita que eu aprendi com o Marv Wolfman, um roteirista de quadrinhos das antigas, que criou os Novos Titãs. Lendo uma entrevista há muito tempo fiquei fascinado em como ele criou a equipe, fazendo uma escala de proximidade entre os personagens.
No caso do Torres eu defini que o Cidney não ia achar nada engraçado, a Gnal uma coisa ou outra e a Dacila riria de tudo. Daí a relação fica mais fácil, porque se você coloca uma comédia, você já sabe como eles vão interagir.
Essa escala pode ser usada para qualquer aspecto, inclusive os combates. Por exemplo, o Cidney tem uma pistola, então ele ataca de longe. A Dacila tem os bastões e a magia, então ela pode combater de perto e longe. O Ferrugem só de perto pois usa os punhos. Por fim, a Gnal nunca ataca. Com isso consigo criar boas cenas de ação, além de poder subverter as coisas, colocando o Ferrugem para enfrentar alguém que bate de longe. Ele precisando pensar em como atacar o inimigo a distâcia, isso dá um destaque maior em cenas de ação.
Subvertendo a expectativa no combate
Isso até ajuda a subverter as coisas, porque quando o Ferrugem enfrenta o elfo de pedra ele resolve na conversa e o Cid quando ganha o braço novo dá uma porrada.
Aproveitando o gancho, como você escreve bem cena de luta!
Muito obrigado, hahaha.
Tem gente que não gosta de escrever essas cenas porque dá um trabalho danado, mas acho que é a parte que eu mais me divirto.
Você tem uma ótima visão espacial e tem saídas criativas para os combates. Mesmo com essas subversões que você falou, quando o Ferrugem começa a apanhar da pra saber que é porque tem alguma coisa errada.
Inclusive, nesse capítulo que você tá citando, eu me desafiei a escrever como se fosse um plano sequência de filme.
Eu costumo colocar muita quebra nos capítulos, então se tem uma luta, foco no Cid, ai ponho um quebra, vou pro Ferrugem, coloco outra quebra, volto o foco pro Cid e por aí vai. Isso é o normal da minha escrita, por que sou um leitor de ônibus e leitor de ônibus sabe que é uma merda você estar no meio do capítulo e ter que parar a leitura para descer no ponto.
Contudo, essa cena em específico que você citou (talvez a luta mais épica do livro) não tem quebra.
Acho que só no final, quando tem a “morte” do Ferrugem.
Que é algo que me deixou muito apreensivo, afinal, o Ferrugem era o ponto de segurança do grupo. Quando acontece, o leitor fica doido, pensando no que pode acontecer.
É muito importante que esse combate aconteça perto do fim, pois luta chama mais atenção do leitor, contudo, o desfecho do livro não poderia ser apenas uma pancadaria. É por isso que no final, o Cid vence um conflito na fala e com inteligência e não na força.
Tem uma senhora nessa cena final, inclusive, que eu acho que nunca foi citada. Ela dá moral para o Cid, deixa ele falar e eu achei muito legal porque para o plano dele dar certo ele teria que ser ouvido.
Sim. Tanto que essa senhora chama ele de inocente por pensar que não poderia ser parado, mas ela apresenta diversas formas diferentes de fazer isso.
Ela já existia sim, eu tirei do Atlas. De personagens criados por mim tem os quatro principais, a Nasus, o avô do Cid, Alvar, os dois vilões e eu acho que só.
O Vergil apareceu antes na Dragão Brasil como a ilustração do Mago de Combate. Inclusive, só fui perceber que era ele depois de ler o livro. O Cid também apareceu antes no Ameaças de Arton na página de Golens despertos.
Sim! E o pior é que quando a imagem saiu eu não sabia se podia falar ou não, hehehe.
Continuando sobre o plano do Cid: muitas vezes para as pessoas ascenderem precisam de oportunidades para serem ouvidos e, a partir daí, elas conseguem.
Sim. No começo do livro já é visível que o Cidney tem muito potencial, afinal, ele venceu o torneio. Contudo, a fala preconceituosa é tão forte que ele não consegue ver a importância que é vencer um torneio tão disputado.
Esse começo do livro fica melhor ainda quando percebemos que é uma insciente falando para outro insciente de um crime que não existe. “Você tá lutando com um Golem que não é mágico” mas, na verdade, ele é! Tanto que quando a Dacila usa Visão Mística, ela vê isso, mas ninguém em Wynlla teve esse cuidado.
É o puro preconceito. Viram aquele “troço” diferente do padrão e começaram a rir na hora, a preocupação só surgiu conforme ele foi vencendo as lutas.
Existe um pequeno detalhe para evitar o furo. Quando a Alcyanda desce e o Cid pede pro Ferrugem descansar, ele tira a esfera do golem, que é o componente mágico dele.
Então, se alguém tentou usar o Visão Místico depois disso, não viu que ele era mágico, porque ali só estava a parte mecânica e mais nada.
O avô do Cid tava dentro da esfera o tempo inteiro? Ou foi adicionado no meio do livro também?
Não, ele estava o tempo inteiro.
Anões e Magia
O preconceito mais “fácil” de colocar no livro é o do Cid porque ele é insciente e a gente liga muito a nossa realidade, comparando com a questão racial, mas o que me pegou de surpresa foi a Dacila. Eu não esperava o preconceito dos magos com os anões. Tem a destruição da Escola de Semi-Humanos pelos vilões, a Dacila ser uma maga com apenas duas magias e etc. De onde vem isso?
A escola vem do antigo Reinado D20. Quando eu reli e depois li o Atlas, percebi que tinha coisa em um que não estavam no outro. Quando indaguei o Cassaro: “Tem algum motivo para a escola não estar mais aqui?”, ele falou que saiu porque não tinha espaço para colocar tudo no Atlas e que no antigo Tormenta existia esse preconceito dos magos com anões, achando que eles não podiam lançar magia, mas isso não existe mais atualmente. Daí perguntei se poderia colocar que esse problema ainda existe no pessoal mais velho e assim trouxe a escola de anões de volta, criando o motivo dela não tá no Atlas (já que foi destruída) e o preconceito contra a Dacila.
A Dacila foi um presente. Tem muita amiga minha que ficou feliz de vê-la na capa. Ela é tão interessante que às vezes rouba o protagonismo. Tem planos de trazer ela em uma conto a parte?
Se encomendarem e me pagarem, estou disponível pra bastante coisa, hehehe. Tanto que na Dragão Brasil 211 teve um conto sobre o adversário que tomou porrada do Ferrugem no início do livro.
Isso me lembra um nicho específico que são fan games de personagens aleatórios de jogos clássicos, como Abobo’s Big Adventure e Green Biker Dude, que são baseados em personagens secundários.
Alcynda voltará?
Vamos falar sobre o gancho que você colocou na história. A Alcynda tá engatilhada para voltar. Ela tá presa na masmorra de Valkaria e uma hora vai sair. É como a gente comentou, Valkaria tanto traz a solução como o problema.
Essa foi mais uma daquelas questões que eu queria acrescentar ao cenário. Tem até a chance dela voltar, mas pra mim foi mais interessante colocar a possibilidade do jogador trazer ela de volta do que pensar em outro livro. Ela tá lá, se alguém quiser pode fazer uma aventura com isso.
E se voltar, vai vir chutando bundas pra caramba, muito nervosa e mais forte.
Tem uma coisa que muitos autores de fantasia voltados para RPG fazem, e você fez muito bem, que é dar gancho de aventura.
Isso foi totalmente planejado, pois Tormenta, essencialmente, é RPG. Eu queria muito acrescentar não só para o lore, mas também para o jogo.
Só nesse livro, os jogadores podem usar em suas mesas o Conclave Vermelho, o final da Alcyndra, o Lawson, os escravagistas do submundo de Vectora.
O Submundo de Vectora
Esta questão de pessoas a venda coloca em pauta um dos personagens mais amados do cenário, que é o Vectorius. E isso é muito bom! Eu não gostaria que o Vectorius fosse um “Elon Musk” de Arton que o pessoal vê como alguém muito bonzinho.
Acredito que a escrotidão do Vectorius ficou clara.
Uma passagem que eu me orgulho é quando eles estão vendo a encenação da criação de Vectora. O que é mostrado é muito pomposo e a Alcyandra fica pensando que a encenação não mostra os acordos que ele fez e etc.
Eu gostei bastante dessa cena. Eu ouvi algumas pessoas comentando “Pô, Vectorius, um dos heróis que enfrentou a Tormenta, faz vista grossa para a venda de escravos?” Sim! Tem muitos amigos meus que gostam do Vectorius por ele ser esse cara que veio do nada e construiu Vectora com magia e suor do próprio trabalho.
Essa ideia já existia em livros antigos, eu só trouxe à tona no meu para fazer ligação à Deusa do Labirinto.
Por isso fiquei em dúvida. Não sabia se era algo já presente no cenário ou se foi criação sua. Mesmo sendo algo antigo, pouca gente fala.
O antigo livro do Reinado é muito rico! Na época que eu jogava 3D&T mais fervorosamente usava muito ele.
As Várias Faces do Fascismo
Algo que tivemos problema na comunidade foram pessoas querendo jogar de Puristas e fazendo falsa dicotomia da época que dava pra jogar de Minotauro, mesmo sendo uma raça de escravistas. Os três últimos romances falam sobre temas que me surpreenderam muito por terem sido abordados. Dado Selvagem entra na questão do preconceito com imigrantes, você aborda várias facetas diferentes do fascismo e de estruturas de poder opressoras, de uma maneira que eu não esperava.
Quando tu trás essa outra face do Vectorius e coloca que ele tem que se dobrar às burocracias “calado”, eu achei muito interessante.
A galera, às vezes, tem uma visão muito distorcida da realidade… Eu sou meio descrente com algumas coisas. Acredito que a pessoa, para atingir certos patamares, ou teve que se sujar em algum momento ou alguém teve que se sujar por ela.
E o Vectorius teve que se sujar para criar Vectora, isso mesmo é citado no Atlas. Muita gente não entende o peso disso até ler em um romance.
Aproveitando, você respondeu outra pergunta no livro, que é onde raios tava o Talude! Enquanto o Vectorius tá de cabelo branco com saudade do namorado, você mostrou que ele tava de boa em Magika, hehehe.
Eu tinha que preencher o espaço naquela cena, e decidi colocar o Talude lá relaxando com a deusa dele, hehehe.
O Arquimago dentro da Máquina
Mudando de assunto, tem algo que eu queria falar. Para mim, o Karias Theuderulf aparecendo da estátua foi um deus ex machina. Eu pude imaginar o Cristo Redentor levantando e falando: Milícias do Rio! Vocês estão errados!
Não acho que foi ruim, mas quando eu li a parte dele saindo da estátua e resolvendo o problema entendi como um deus ex machina. Meio como Hermes entregando a Molly para Odisseu. Mas eu queria entender o por quê de usar esse artifício dessa maneira, qual foi o pensamento?
Tem alguns pontos ai. Ele foi usado assim porque no Atlas é falado que isso é algo que acontece com certa frequência (para fins de consulta, veja Atlas de Arton pág. 111). O segundo ponto é um detalhe que não é perceptível na primeira leitura, mas no capítulo 3 é citado que o Karias poderia aparecer.
A estátua dele já é mostrada lá.
A distância entre as citações pode causar esse estranhamento, então, se você sentiu isso, pode ser algo para eu me atentar no futuro, mas eu tive essa preocupação para não parecer um Deus Ex Machina.
Valkaria até fala depois que Se Wynna não quisesse que isso acontecesse, não teria dado para o espírito do Karias possibilidade de agir assim.
Aspectos dos Deuses
Algo curioso é que nos últimos lançamentos de Tormenta, inclusive o Deuses de Arton, tivemos um uso regular dos Aspectos dos Deuses, da diferença entre eles e os Avatares. No Torres aparece dois Aspectos de Valkaria apresentando uma maneira clara de como eles são usados.
Quando escolheu colocar eles na história, já sabia dessa cosmovisão dos Aspectos ou foi algo pedido para ser colocado?
Então, Aspecto e Avatar são diferentes, mas eu não tinha a mínima ideia, só fui descobrir estudando para escrever o livro.
Mas, de qualquer forma, teria a presença divina de forma física na história. Eu só decidi colocar essa diferenciação quando li o Atlas ou o Ameaças, não vou lembrar. De repente, foi até em conversas com o Cassaro.
Algo que eu acho interessante é que todos os Aspectos que aparecem morrem fora de cena e tu percebe que era ela quando nota o anagrama no nome.
Respondendo a dúvida anterior, sobre ordenarem que eu escrevesse sobre os aspectos, isso não existiu.
Na verdade, eu tinha muita liberdade, a única “imposição” era que a trama se passasse em Wynlla.
Isso me deixa feliz, eu tinha muito receio que vocês três (Lucas Borne, Kali e o J.V) tivessem pouca liberdade, mas pelo menos dois de vocês me falaram que tinham muita.
O Futuro de Torres
Dos três últimos livros que saíram, acho que o seu é o que mais mexe com o cenário em si, mesmo que seja naquele microcosmo de Wynlla. Eu queria saber, se Guilherme Dei Svaldi chegasse pra você e falasse: “J.V, esgotou todos os nossos estoques de Torres de Wynlla, o livro foi um sucesso, a gente precisa de um segundo, começa a escrever, pode pensar na trama e brincar a vontade, só precisa ter os mesmos personagens“.
Como você seguiria a história?
Antes de responder, só vou comentar uma coisa.
Eu enxergo os três livros para faixas etárias bem diferentes. Não acompanho tanto redes sociais e eu não sei se foi divulgado dessa forma, mas não acho que o livro da Kali e o meu são voltados para o mesmo público base.
Como eu comentei, o seu eu acredito ser mais parecido com um desenho dos anos 2010, o da Kali me tem algo que parece mais um desenho mais jovem, e o do Lucas parece uma historia mais madura.
Batendo papo com a Kali, eu comentei que acho que ela foi mais feliz em pegar um público mais abrangente. Assim como eu acredito que Joia da Alma é ótimo livro de entrada para Tormenta, por também abraçar um público maior do que os livros do Leonel até aquele momento.
Sobre a pergunta do convite: tudo depende do modo que vai ser feito hehe. Colocando um cenário como o primeiro, me dando liberdade para escrever o que eu quisesse, a única certeza que eu tenho é que o Cidney e o Ferrugem iriam continuar, porque eu enxergo eles como Asterix e Obelix, uma dupla que passa por diversas aventuras. Já os amigos podem voltar ou não em outras aventuras.
A outra certeza é que um segundo livro não teria um foco tão grande em preconceito como o primeiro, para não virar algo repetitivo. No final do livro, o Cidney tá bem resolvido com isso, mas pode ser que depois de muitos anos ele tenha que lidar com isso de novo. Como, por exemplo, se tiver um filho e precisar se preocupar com a criança passando pelo mesmo que ele.
Eu acho importante que um segundo livro, se existir, lide com outros assuntos, até para evitar comparação com o primeiro. No segundo, a galera já vai esperar algo, então eu tenho que ir por outro caminho, para gerar a surpresa.
Agora, onde se passaria o livro eu não tenho como falar, porque gosto de pensar na trama lendo o Atlas e o Reinado para saber o que a região que eu estou escrevendo tem para oferecer. Wynlla ainda tem muita área para explorar, mas o que não falta são regiões em Arton com potencial para histórias.
Quem sabe as Sanguinárias, ou o Império de Jade com seus Kaiju.
Imagina Ferrugem lutando contra um Kaiju como um robô gigante!
Conclusão
Cara, para finalizar, eu queria que você usasse o espaço para falar do teu trabalho e fazer teu marketing. Fica à vontade!
É sempre bom receber feedback da galera, porque na nossa cabeça tudo é muito claro no livro. A gente tenta ao máximo deixar tudo compreensível, mas uma coisa ou outra pode não ter funcionado tão bem quanto o esperado e com um bate-papo a gente absorve os feedbacks para não cair nas mesmas armadilhas.
Fico muito feliz de poder participar de podcasts, entrevistas e etc, até para deixar mais informações sobre o livro na internet. Já aconteceu várias vezes de eu ler uma obra e não achar nada sobre ela.
Estou sempre disponível no Instagram para conversar com quem quiser.
Sobre os projetos para Jambô, eu escrevi o conto na Dragão Brasil 211. Ele se passa em Wynlla e é sobre um personagem “quartiário” do Torres de Wynlla.
Na Amazon tem muito conto e livro meu para ler no Kindle. Tem fantasia medieval, investigação sobrenatural e ficção científica. Quem gostou das cenas de ação do Torres, leiam Satélite 616 e Planeta Odarus que são livros de ficção científica sobre mercenários espaciais que usam armadura estilo Halo e caem na porradaria franca.
Para o pessoal da fantasia medieval, tem o Desgarrados: A Caçada Prateada. Ele começa num velório e cai um raio onde a princesa está morta. Ela acorda com o corpo todo prateado, mergulha e nada em direção ao continente obrigando o imperador a enviar um Samurai para matá-la. Pelo caminho ele encontra dois companheiros que o auxiliam nesta jornada. Esse trio do barulho vai arrumar altas confusões atrás dessa Yokai.
Muito obrigado pelo papo, J.V!
Eu que agradeço, obrigado pelo feedback.
Torres de Wynlla já está disponível para compra no site da Jambô Editora! Quando for lá adquirir, use o cupom mrpg10 para garantir 10% de desconto!
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Entrevistador e Transcrição: Gustavo “AutoPeel” Estrela
Revisão: Raquel Naiane.