REINO DOS MORTOS [17]

Galdor e Jim estavam no pátio, diante do corpo de Clay. O mago tentara usar sua magia de cura no amigo, mas não adiantara. Seu líder estava morto permanentemente.

– Pelo menos a magia conseguiu reconstituir sua cabeça – Jim consolou o mago, olhando para o rosto que poucos minutos atrás estava esmagado.

– Rápido! Fechem a porta! – Kvarn gritou, correndo com Bob pelo salão da fortaleza. Uma hoste de zumbis os perseguiam. Galdor se levantou e fez sua magia de vento, fechando as portas no momento em que os dois passaram. – Jim, abra os portões da muralha! Bob, pegue uma dessas pedras reluzentes – ele apontou para o poste mágico.

Jim correu até a manivela do portão e Bob arrancou uma das pedras mágicas. Kvarn parou ao ver o corpo de Clay. O guerreiro foi até ele e o carregou nos braços. Não iria deixar seu líder ali.

Assim que o portão abriu, o grupo começou a correr pela ponte em “S” para o outro lado da imensa caverna. Galdor foi por último, deixando de segurar a porta da fortaleza. Ela se abriu e a hoste de zumbis começou a persegui-los. Os aventureiros atravessaram a ponte correndo. Kvarn ia à frente, carregando o cadáver de Clay nos braços.

Eles adentraram o túnel para os esgotos, e Bob ergueu a pedra reluzente para iluminar o caminho. Apesar das tentativas, o grupo não conseguiu despistar os inimigos. Os zumbis estavam quase os alcançando, quando eles chegaram até a saída do esgoto.

– A rua está cheia! – Jim gritou, olhando pelo buraco no teto. – Ainda é noite, e os zumbis estão na superfície! – O exército do necromante estava a poucos metros de distância, erguendo suas espadas e machados.

– Venham atrás de mim! – Galdor gritou, subindo a escada para a superfície.

O grupo o seguiu, e assim que subiram, o mago usou sua magia de vento, criando uma clareira ao redor. Os mortos foram arremessados para todos os lados. A uma quadra dali, estava a torre de Raíza, erguendo-se acima das cabeças dos mortos.

– Não estamos longe! – Kvarn gritou. – Galdor, consegue mantê-los afastados até lá?

– Há milhares deles ao nosso redor! – o mago gritou, usando o máximo de seu poder. Era como se o grupo estivesse no olho de um furacão. – Não conseguirei manter por muito tempo!

– Precisamos tentar! – Kvarn gritou, indo em direção à torre.

O grupo estava andando lado a lado, no ritmo em que Galdor conseguia manter seu furacão. O velho suava frio, e fazia careta, gastando toda sua energia. Assim que chegaram na metade da distância, o vento acabou, e ele cambaleou, tonto. Jim o segurou. Quando os mortos começaram a correr na direção do grupo, Galdor ergueu as mãos novamente e ativou outro furacão, só que muito menor. Enquanto eles encurtavam a distância, a ventania enfraquecia, e os mortos conseguiam se aproximar mais.

– Resista, Galdor! – Jim gritou, a poucos passos do portão. Mas infelizmente, o mago não resistiu.

Galdor caiu nos braços do arqueiro, desmaiado. Sua energia chegara ao fim. Os mortos se levantaram e voltaram a se jogar contra o grupo. Kvarn fechou os olhos e abraçou Clay com força. Ele engoliu em seco quando sentiu o peso de vários zumbis se jogando sobre seu corpanzil. Jim caiu no chão, ainda segurando Galdor em suas mãos. Sua visão escureceu quando dezenas de mortos o cobriram. Bob apenas gritou, enquanto era pisoteado.

Kvarn abriu os olhos, enquanto os esqueletos tentavam derrubá-lo. Ele viu os dentes morderem sua armadura, famintos por carne humana. Muitos já conseguiram arrancar nacos de Clay. O guerreiro girou o cadáver em seus braços, derrubando alguns zumbis ao redor. Ele olhou para trás e viu que os outros membros haviam sumido debaixo da montanha de mortos.

– Nós falhamos – ele sussurrou, olhando os portões abertos a tão poucos metros de distância. Ele achou isso estranho, pois Raíza não mantinha os portões abertos de noite. Uma visão o fez arfar.

Dedos compridos e cheios de folhas saíram da passagem, e longos cipós e raízes atravessaram o exército dos mortos, jogando dezenas deles para o alto. Kvarn sentiu sua cintura ser envolvida repentinamente, e ele foi puxado com força, atropelando uma tonelada de ossos pelo caminho.

– Clay! – ele gritou, assim que foi arremessado para dentro do jardim, rolando sem rumo, e largando o corpo do amigo.

Quando se levantou, não viu apenas o líder tombado em um canto, como viu Jim e Galdor sendo puxados pelas raízes para dentro. Os dois rolaram no capim, e pararam próximos ao guerreiro.

– Jim! – Kvarn foi até o arqueiro. – Você foi mordido?

– Galdor estava em cima de mim – Jim balançou a cabeça. – Não sinto nenhuma dor. Acho que estou bem.

Os dois foram até o mago (ainda desmaiado), e não acharam nenhuma marca de dentes. Eles se olharam e sorriram, aliviados. O arqueiro e o guerreiro se abraçaram por um bom tempo, até notarem a aproximação de alguém.

– E então? – Raíza perguntou, entre duas árvores. – Conseguiram pegar o orbe?

– Onde está Toiva? – Kvarn perguntou, sério.

– Ela está na jaula dela – Raíza respondeu. – E o orbe?

– Ele se quebrou – Kvarn informou, temendo as consequências daquelas palavras. – Mas nós tentamos. O anão nos traiu, e Clay está morto.

– Se o seu líder está morto, não há motivos para vocês ficarem com a Chama de Amon – a dríade disse. – Me dê o colar, e eu soltarei sua amiga.

– Fique com ele – Jim pegou o colar que estava com Galdor e o jogou para Raíza. – Agora solte-a.

A dríade colocou o colar no pescoço, sorriu, acariciando-o, e olhou para os dois, pensativa. Em seguida, ela se virou e se afastou, e várias raízes saíram da terra e prenderam Kvarn e Jim.

 

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REINO DOS MORTOS [12]

– Há um necromante em Negressus, e ele controla os mortos desta cidadeRaíza explicou, vendo seu corpo murchar aos poucos. – Eu sou a única pessoa que sabe como mata-lo. Se eu morrer, vocês nunca conseguirão deixar a cidade.

– Essa conversa é muito conveniente – Kvarn a acusou.

– Vocês viram a aberração! – ela disse. – Eu sei que viram. Quem acha que abriu os portões da cidade para vocês entrarem e depois os fechou? Isso é uma armadilha. Negressus é como uma planta carnívora. Ela atrai forasteiros para transformá-los em zumbis. Em soldados do exército do necromante!

– E como podemos mata-lo? – Clay perguntou, preocupado.

– Como vocês conseguirão passar pelo seu exército e adentrar em sua fortaleza? – Raíza perguntou com escárnio. – Vocês não conseguirão! Eu sou a única que pode, e sabe por quê? Porque eu sou sua irmã.

– Você é a irmã do necromante? – Galdor perguntou, incrédulo. – E como nós podemos saber se é verdade?

– Vocês não saberão – ela mostrou o braço murchando. – A não ser que me devolvam o colar, não poderei comprovar nada. Estou morrendo.

– Pegue – Clay estendeu o colar para ela.

– Não! – Kvarn bateu com o lado da espada na parte de baixo do braço de Clay, fazendo a pedra voar para cima. O guerreiro ergueu o escudo e a aparou. – Você está louco? Vai acreditar na palavra dessa criatura?

– Kvarn, Clay ainda é o nosso líder – Jim mirou seu arco e flecha na direção do guerreiro.

– Nós só poderemos saber como vencer esse necromante se ela estiver viva, Kvarn – Clay estendeu a mão para ele devolver o colar, mas Kvarn recuou.

– É você quem deve usá-lo, Clay. Não ela – o guerreiro fechou o punho ao redor da joia. – Isso é só um truque da dríade.

Dhazil aproveitou o momento para girar seu martelo na parte de trás do joelho de Kvarn, derrubando-o. Os dois rolaram no chão, disputando a joia. Raíza começou a correr de volta para sua muralha.

– Parem já com isso! – Galdor usou a ventania para jogar todos para um lado diferente.

– Galdor, pegue! – Kvarn, ainda caído, jogou o colar para o mago. – Proteja-o!

Mas uma flecha passou por dentro da corrente da joia, desviando-a da rota, e prendendo-a contra uma parede de madeira. Quando Galdor correu para pegá-la, o martelo de Dhazil rodopiou pelos ares e o acertou na cabeça.

– Jim! – Clay gritou, vendo Dhazil correr em direção ao colar e Kvarn correr atrás de Raíza. – Não deixe o anão pegar a pedra, e eu impeço que Kvarn mate a dríade.

A dois passos da joia, Dhazil sentiu uma flecha atravessar seu joelho, e depois o outro, derrubando-o no chão. Jim saltou sobre ele e resgatou o colar da parede. Ao se virar para disparar outra flecha, seus dedos se fecharam no nada. O alforje estava vazio. Suas flechas acabaram. Nessa hora, Dhazil o acertou como uma bala de canhão, agarrando-o pela cintura. Os dois rolaram pelo chão, brigando pela joia.

Kvarn corria com sua espada em uma mão e escudo na outra, tentando alcançar a dríade antes que ela se enfiasse entre os muros do bosque mágico. Mas ela parou diante dos portões, e se virou para ele. O guerreiro não percebeu a armadilha, e quando se aproximou o suficiente, as raízes se projetaram pelo portão, em sua direção.

Kvarn girou sobre os tornozelos, decepando o máximo de raízes que conseguiu, até que duas prenderam seu braço direito, e outras três sua perna esquerda. O guerreiro começou a ser arrastado para dentro do bosque, quando Clay surgiu com suas adagas, libertando-o. Os dois estavam cercados por dezenas de raízes que os açoitavam e os prendiam. Era uma batalha perdida para os humanos.

– Já chega! – Raíza gritou, e as raízes recuaram.

Kvarn e Clay ficaram lado a lado, com as armas erguidas, ofegantes, com suor escorrendo em seus corpos.

– Vamos negociar – a dríade disse, dando um passo para dentro do portão e sentindo a magia do bosque a revitalizar. – Eu proponho uma trégua. Devemos chegar a um consenso. Garanta a proteção do colar, e eu solto a sua amiga.

– Jim! – Clay olhou para trás. – Dê o colar para sor Dhazil se ele concordar a se unir a nós!

O anão e o arqueiro pararam de lutar, e os dois concordaram com a cabeça. Dhazil colocou o colar, e seu corpo voltou ao normal, enchendo-se de carne, músculos e pele. As flechas haviam sido arrancadas. Os dois pegaram Galdor ainda inconsciente e o trouxeram até o portão. A dríade havia sumido, mas poucos minutos se passaram quando ela voltou, seguida por Toiva.

A bárbara parecia um pouco confusa, mas quando viu o grupo do lado de fora, correu em sua direção. Ela envolveu Clay em um longo abraço .

– Qual a necessidade disso? – Kvarn murmurou, incomodado.

– Vocês tem algo que eu quero – a dríade disse. – E eu tenho algo que lhes interessa muito. Minha proposta é fazermos essa troca.

– E quanto a mim? – Dhazil interveio. – Se lhe dermos o colar, eu volto a ser um zumbi!

– Você já morreu – Raíza respondeu, impaciente. – Seu lugar não é entre os vivos.

– Não – Clay se opôs. – Não vamos negociar a vida de ninguém.

– E quanto à sua, Clay? – Kvarn olhou para ele. – Você vai se transformar em zumbi a qualquer momento, lembra-se? A vida do anão vale mais que a sua?

Toiva olhou para Clay, surpresa com a informação. E a ampulheta da vida estava chegando ao fim.

 

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REINO DOS MORTOS [11]

Dhazil olhou para as próprias mãos esqueléticas e depois viu as expressões assustadas de Kvarn de Galdor. O anão bufou, aborrecido, e ficou de pé.

– Existe alguma chance de corrermos atrás deles sem eu ter que explicar o que está havendo? – Dhazil perguntou, apontando na direção onde Clay e Jim haviam partido.

– Sem chances – Kvarn cruzou os braços. O anão revirou os olhos e sentou novamente.

– É o seguinte. Eu fui mordido por um zumbi muito tempo atrás – ele explicou. – Alguns dias depois da mordida, eu morri. Depois de um tempo, minha mente despertou novamente, e eu estava diante de sor Kardum de Altopico, meu antigo mestre. Ele havia envelhecido, e eu percebi que se passaram anos entre a minha morte e minha “ressureição”.

Galdor e Kvarn trocaram olhares, desconfiados. Dhazil continuou.

– Ele colocou aquele colar em meu pescoço, e foi por isso que consegui voltar à vida. Sor Kardum me explicou que o colar era mágico, e ele pertencia a uma dríade poderosa. Me explicou também que a dríade estava furiosa e queria o colar de volta. Eu pensei que a minha maldição havia acabado pra sempre, mas quando removi o colar, o meu corpo voltou a se decompor, e minha mente não aguentou muito tempo até morrer novamente. E é isso o que vai acontecer se nós não recuperarmos aquele colar. Eu vou voltar a ser um zumbi!

– Por que essa dríade quer tanto esse colar? Ela também é uma zumbi? – Kvarn perguntou.

– Não. O colar suspende o efeito de qualquer feitiço – Dhazil explicou. – A dríade foi aprisionada por magia em uma torre, e somente com o colar, ela poderá sair.

– Você disse que a mordida de um morto te transformou em um zumbi – Galdor perguntou, preocupado. – Nosso líder, Clay, foi mordido ontem. Ele também vai virar um?

– Se o seu camarada foi mordido por um zumbi, pode ter certeza que ele vai se transformar – Dhazil respondeu, desconfortável.

– Precisamos ir atrás dele – Kvarn disse, pegando seu escudo e espada do chão. – Precisamos fazê-los voltar ao normal.

– Se eles estão presos por alguma magia de controle da mente – Galdor mostrou as mãos vazias. – Eu não tenho como reverter. Talvez se matarmos essa dríade… Sor Dhazil, como é essa torre? Acha que conseguimos invadir?

– Raíza controla todas as raízes das plantas dentro de sua muralha – Dhazil informou. – Vocês podem até invadir, mas não darão muitos passos antes de serem aprisionados pelos tentáculos das árvores.

– Ficar parado aqui também não vai resolver nada – Kvarn disse, caminhando para fora do pátio.

 

Horas depois, Raiza, a Senhora das Raízes, despertou de sua meditação. Ela estava dentro de uma redoma de cipós, acumulando energia verde em seus pontos de abastecimento espiritual. Elena, sua harpia, pousou ao lado da redoma, avisando que os enviados estavam de volta.

– Isso foi rápido – a dríade disse, quando os cipós se abriram para ela sair de seu enclausuramento.

Clay e Jim adentraram o salão principal da torre, onde Raíza os aguardava. Na gaiola ao lado, Toiva ainda dormia um sono profundo. Clay se adiantou, estendendo o colar para a dríade.

– Eu não posso acreditar – Raíza foi até ele, recuperando a joia de suas mãos. Ela a colocou ao redor do pescoço e fechou os olhos, deliciada. – Finalmente estou livre de meu cárcere. Elena, venha comigo. Me acompanhe em minha primeira caminhada fora desses muros depois de muitos anos!

A harpia emitiu um grito agudo, e ergueu voo, seguindo sua senhora. Raíza deixou a torre, adentrando seu pequeno bosque, tocando nas plantas ao redor, até chegar ao portão principal. Ele se abriu sozinho, e a dríade olhou para a rua de lajotas iluminadas pelo sol. Ela sorriu e deu o primeiro passo. Enquanto caminhava pelo lado de fora, era seguida pelos dois servos, e cercada pela sombra da harpia que voava lá em cima.

– Ei, boneca – Kvarn gritou, saindo de um beco não muito longe da muralha. Galdor e Dhazil o seguiam. – Sinto muito, mas nós precisamos desse seu colar.

– Vocês devem ser amigos dos meus mais novos lacaios – Raíza sorriu. Ela segurou a pedra sobre o decote. – Infelizmente, eu planejo ficar com ele. Caso vocês façam questão de brigar por isso… Clay, Jim, livrem-se dos seus amigos.

Raíza cruzou os braços e esperou. Seu rosto ficou tenso e surpreso quando sentiu a lâmina de Clay pressionar seu pescoço. Ele encostou os lábios em seu ouvido.

– Antes que você pergunte o que aconteceu, no caminho de volta pra cá, eles nos alcançaram e nos forçaram a usar esse brinquedinho – Clay segurou o colar e o arrancou de seu pescoço. – Ele nos despertou do seu feitiço.

– Não! – Raíza gritou, desesperada. – Se eu não usar o colar do lado de fora da torre, morrerei!

– Sinto muito – Clay a empurrou e se afastou, segurando a joia em uma mão. Jim recuou ao seu lado, apontando a flecha para ela.

– Vocês pediram! – Raíza gritou, e várias raízes atravessaram o portão de sua torre, mas pararam no caminho. Elas não eram compridas o suficiente.

– Jim, a harpia! – Galdor gritou, vendo a criatura dar um rasante no céu.

O arqueiro mirou para cima e disparou. A flecha acertou o peito da harpia, que caiu rodopiando do céu. Seu corpo atravessou o telhado de uma casa, e sumiu. A dríade caiu de joelhos, gritando. Sua pele azulada estava ficando ressecada, e as folhas de sua cabeça começaram a cair. Ela estava morrendo.

– Vocês não entendem! – Raíza gritou. – Eu sou a única que pode vencer o necromante de Negressus! Se eu morrer, vocês todos morrerão!

– Sinto muito, mas temos outros planos para o colar – Kvarn disse, se aproximando de Clay. – Chefe, você precisa usá-lo. A mordida de um zumbi é contagiosa. Se não colocar esse colar, você vai morrer.

– Ei, ei! – Dhazil protestou. – O colar é meu! Minha mente já está começando a se deteriorar! Se não me derem isso agora, daqui a pouco me tornarei um zumbi por completo!

– Deem o colar para a dríade! – Galdor interveio. – Precisamos saber do que ela está falando. Quem é esse necromante de que falou.

– Como assim, eu vou morrer? – Clay olhava para Kvarn com espanto. Ele tocou na cabeça, onde fora mordido.

Em seguida, tudo saiu do controle.

 

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REINO DOS MORTOS [10]

Era de manhã, e a cidade estava vazia novamente. Nenhum zumbi ao redor. Dhazil caminhava no pátio cheio de destroços da explosão da bile de dragão. Ele carregava um barril no ombro. Kvarn estava sentado em cima de uma pedra grande, olhando para a ferida purulenta em sua perna.

– Eu faço o melhor hidromel da cidade – Dhazil colocou o barril no chão, em frente a Kvarn. – Eu pego água do rio Aluin, e o mel da colmeia que encontro na muralha. Depois é só fermentar – ele riu, batendo na tampa do barril. – Leva meio ano pra ficar bom, mas fazer o quê?.

– Você vai nos dar esse hidromel? – Kvarn perguntou, desconfiado.

– Não seja tolo – Dhazil fechou a cara. – Óbvio que não. Mas posso vendê-lo.

– Sor Dhazil? – Galdor chamou, saindo de dentro do poço. Ele trazia um pergaminho na mão. – Onde conseguiu esse grimório?

– Na catedral – o anão apontou para o centro da cidade. – Acho que os sacerdotes estavam tentando queimar objetos de magia. Eu encontrei a pilha de cinzas de uma fogueira antiga. A única coisa que consegui salvar foi isso aí. Mas nunca entendi essas runas.

– Isso é uma magia de cura – Galdor explicou, alisando a longa barba branca. – Você pode não entender nada, mas para um mago, é algo bem simples. Se importaria se…

– Claro que me importaria – Dhazil o interrompeu, marchando em sua direção e arrancando o papiro de sua mão. – Você acha que eu fico arriscando minha pele pra conseguir essas coisas importantes, simplesmente para dar aos outros?

– Eu posso pagar – Galdor puxou uma bolsinha de seu manto, mas o anão a rejeitou com a mão.

– O que você acha que vou fazer com dinheiro? Eu quero é itens, velhote!

– E o que acha disso? – Galdor puxou um cristal do manto, do tamanho de um punho. – “Criassio” – ele sussurrou, e o cristal se acendeu como uma lâmpada. Galdor o estendeu. – É só você falar essa palavra, que o cristal acende ou apaga.

Dhazil pegou o objeto, hipnotizado. Ele riu, satisfeito, e entregou o grimório para o mago.

– Isso vai ser muito bom para as minhas escavações – o anão balbuciou, guardando o cristal sob seu peitoral. Em seguida, se virou para Kvarn. – E você, como vai me pagar pelo hidromel?

Kvarn nunca conseguiu responder. O anão tombou para trás, com uma flecha afundada em seu peito. Ele caiu duro no chão, morto.

– Kvarn! – Galdor gritou, olhando em direção à rua. Duas pessoas caminhavam pela fumaça que saía das cinzas da noite anterior.

– Jim? Clay? – Kvarn ficou de pé com dificuldade, vendo seus dois companheiros surgirem no pátio. – O que estão fazendo? Por que mataram o anão?

Mas os dois não responderam. Eles olhavam diretamente para o corpo de Dhazil, com as expressões de seus rostos tão frias quanto dos zumbis. Kvarn mancou em sua direção, erguendo a mão.

– O que está acontecendo? Por que não respondem? – Jim lhe respondeu com um movimento rápido, erguendo o braço sobre o ombro e depois atirando com o arco.

A flecha acertou o joelho de Kvarn, derrubando-o no chão como uma jaca madura. Enquanto o guerreiro gritava de dor, Jim puxava a próxima flecha. Ele apontou para a cabeça de Kvarn, e soltou a corda.

O guerreiro viu a ponta metálica vir em sua direção, e soube que não conseguiria reagir a tempo. Mas algo inesperado aconteceu. Uma ventania fez a flecha rodopiar, assim como os corpos de Jim e Clay, que voaram para cima e caíram fora do pátio.

Galdor fizera o vento jogá-los longe o suficiente para ele chegar até Kvarn. O mago ficou de cócoras, arrancou a flecha da perna do guerreiro, e impôs suas mãos nas duas feridas. Uma luz brotou desse toque, e os cortes se fecharam. Kvarn mexeu as pernas, surpreso. Não havia mais dor.

– O que está acontecendo? – perguntou, ficando de pé.

– Eu não sei, mas nós não conseguiremos dialogar com eles. Vamos observar de um lugar seguro – os dois correram até o poço e se esconderam atrás das pedras.

Kvarn não sabia o que dizer. Estava completamente perdido, mas obedeceu as ordens do mago. Os dois ficaram observando quando Jim e Clay surgiram no pátio novamente.

Clay foi até o corpo do anão e arrancou algo de seu pescoço. Um colar. Ele se virou e se afastou, seguido por Jim. Assim que ganharam certa distância, Galdor e Kvarn saíram do esconderijo e foram até o cadáver.

– Eles estão sob efeito de alguma magia – Galdor explicou. – Estão cumprindo ordens de alguém.

– Essa ordem era de roubar o colar de Dhazil?

– Foi o que pareceu – Galdor respondeu, e ficou estático, olhando para o anão. – Mas que diabos…

Os dois ficaram paralisados, olhando para o corpo diante de seus pés. Dhazil não possuía mais pele, carne ou músculo. Seu rosto e braços eram caveira e ossos esbranquiçados. No lugar do nariz, duas fendas. No lugar dos lábios, dentes expostos. Era como se ele estivesse morto há muito tempo. Apenas os olhos continuavam no mesmo lugar.

– Mas que filho de uma porca sebosa! – O esqueleto gritou, sentando-se imediatamente. Sua armadura estava folgada e balançando ao redor dos ossos. Ele segurou a flecha presa no peito e a arrancou. – Quem fez isso? Onde ele está?

Kvarn tapou a boca com as mãos, segurando o grito na garganta. Ele e Galdor se olharam, esperando que um deles pudesse explicar o que estava havendo. Mas nenhum deles podia.

 

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REINO DOS MORTOS [9]

O líder e o arqueiro do grupo desceram o buraco para o subsolo. Clay havia pego uma tocha criada pela explosão da bile de dragão, e ela era a única luz que existia lá embaixo. O esgoto era um túnel circular, feito de tijolos vermelhos, cobertos por musgos e trepadeiras.

– O Rei Jules II construiu esse esgoto – Clay disse. – Não me admira Negressus ter sucumbido tão rápido à praga. Imagine a facilidade que os ratos tinham para percorrer a cidade e se esconder.

– Ouça – Jim o interrompeu, puxando uma flecha da aljava, atento ao som que vinha em sua frente. – São passos de algum ser rastejante.

– O que será? – Clay sussurrou, sem conseguir ver nada fora do halo de luz.

Jim mirou a flecha em direção à escuridão, ergueu um pouquinho o ângulo e soltou a corda. A flecha sumiu no breu, e o som de resposta foi um guincho estridente, seguido pelo fim dos passos. Os dois se aproximaram, e a luz da tocha revelou uma ratazana caída de lado, atravessada pela flecha.

– Eu não sei se fico mais surpreso com sua habilidade de mirar com o ouvido, ou com a possibilidade de encontrarmos mais dessas criaturas por aqui – Clay disse, vendo Jim resgatar sua flecha.

Os dois seguiram pela escuridão, mantendo sempre o fogo aceso, substituindo a haste sempre que encontravam pedaços de paus no caminho. Por três vezes, tentaram subir em bocas de esgoto diferentes, mas não conseguiram sair, por causa das hostes de zumbi do lado de fora. Na quarta tentativa, Clay conseguiu deixar o esgoto para verificar a localização.

– Estamos pertos – os dois saíram para um beco. Eles entraram pela janela de uma casa e subiram até a laje.

Lá de cima, podiam ver a torre onde estava Toiva.  Ela ficava a poucas quadras de distância, e era cercada por uma muralha de pedra. Milhares de zumbis vagueavam ao redor.

– Há uma espécie de jardim no interior da muralha – Jim disse. – E o portão está intacto. Talvez não haja mortos lá dentro.

– Vamos esperar amanhecer – Clay deitou na laje. – Dhazil disse que eles voltam para os esgotos durante o dia. E nós precisamos de um descanso.

– Eu irei rezar aos deuses para protegerem Toiva até lá.

Os dois dormiram, e foram acordados pelo sol da manhã. As ruas de Negressus estavam vazias, como uma cidade fantasma. Eles desceram da casa e se aproximaram da muralha. Sem aviso, os portões começaram a se abrir, e Jim sacou uma flecha.

– Isso me cheira a emboscada – Clay disse, hesitante. – Mas se dermos a volta pela muralha, não fará diferença. A pessoa que abriu o portão já sabe da nossa presença, e já tem os olhos sobre nós. Jim, fique mais atrás, e me dê cobertura.

Os dois atravessaram o portão para dentro de uma espécie de floresta negra, densa e volumosa.

– Há magia aqui – Jim observou, vendo as árvores grandes e fortes, com raízes brotando para todos os lados, cipós grossos, e todo tipo de flores. – Essas plantas não cresceram de forma natural.

Os dois atravessaram a trilha pela floresta até o portal da torre. O interior da construção fora tomado pela vegetação, com plantas, raízes, árvores e insetos voando ao redor. No piso, havia uma pintura feita nos ladrilhos, mostrando um demônio sendo perfurado por algum herói lendário.

No lado oposto do salão, havia um pedestal com uma gaiola de ferro no topo. Toiva dormia lá dentro, sentada.

– Lá está ela – Jim começou a correr, mas Clay o segurou pelo braço, censurando-o. Jim entendeu o aviso de cautela, e assentiu.

– Vocês vieram atrás da donzela – uma voz feminina e melódica ecoou pelo salão.

– Você pode até chama-la de donzela – Clay puxou as adagas das costas. – Mas ela é a pessoa mais perigosa que conheço. E sequestra-la foi um erro.

– Eu não pretendo mantê-la em minhas correntes – a interlocutora saiu de trás de uma pilastra.

Seus cabelos curtos eram feitos de folhas sobrepostas. As sobrancelhas eram minhocas peludas, que se mexiam sem sair do lugar. Os olhos eram dois insetos negros que moviam em harmonia. A boca era uma fenda no rosto cheio de penugem. Ela vestia um vestido de seda, branco, sobre a pele azulada.

– Então trate de soltá-la imediatamente – Clay gaguejou e Jim mirou uma flecha, ambos surpresos por sua aparência

– Ela nunca foi o alvo de minha Elena – disse a mulher, e um pássaro do tamanho de um cavalo saltou de uma galera, planando ao redor do salão, até pousar na gaiola de Toiva. A harpia tinha o rosto de uma mulher com nariz adunco e cabelos loiros. – Mas sim, o anão que estava com vocês. Infelizmente ele é uma criatura muito esguia, e difícil de ser capturada. Por isso, preciso que vocês façam isso por mim. Em troca, soltarei sua perigosa donzela.

– Tenho uma contraproposta – Clay fez um sinal para Jim que esticou mais ainda a corda, mirando na cabeça da mulher azul. – Solte-a agora, ou nós plantaremos uma flecha no meio da sua testa.

– Por que você não tenta fazer isso? – ela sorriu, divertida.

– Não era assim que eu pretendia resolver isso, moça – Clay apertou os lábios, desgostoso. – Mas se é isso que você quer – ele olhou para Jim, e o arqueiro soltou a corda.

A flecha atravessou o salão, mas no meio do caminho, uma raiz brotou do chão, fazendo ladrilhos voarem para os lados, e quebrou a flecha ao meio. Antes que Clay ou Jim pudessem reagir àquilo, outras raízes agarraram seus braços, pernas e pescoços, como tentáculos, deixando-os imóveis.

– Pelo visto, faremos do meu jeito – a mulher sorriu, aproximando-se deles. – Podem me chamar de Raíza, a Senhora das Raízes.

Em seguida, brotos saltaram das raízes ao redor de seus pescoços, e pequenas flores se abriram. Clay e Jim as encararam, surpresos. E então, cada flor borrifou um gás azulado nos rostos dos aventureiros, e o que aconteceu em seguida, não foi nada bom.

 

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REINO DOS MORTOS [8]

Uma criatura alada havia sequestrado Toiva e a levado até uma torre no centro de Negressus. Os aventureiros não iriam abandonar sua companheira assim. Jim e Clay estavam escondidos em um beco, cercados por centenas de zumbis, sem saber o que fazer.

– Veja – Clay apontou para um cano que saía da parede de uma construção. Depois apontou para outro na parede ao lado. E mais outro. – É por onde passavam os dejetos dos antigos moradores.

– Um rato pode passar por esses canos, mas nós nunca caberíamos.

– Eu sei, mas… – Clay apontou para baixo, onde o chão ficava curvo. – Estamos sobre uma vala inclinada. Olhe para onde ela vai – ele apontou para a rua onde os zumbis caminhavam. Seu dedo subiu e indicou uma coluna de vapor que se projetava acima das cabeças das criaturas. – Do outro lado há uma boca de esgoto.

– E os zumbis estão todos na superfície! – Jim entendeu onde ele queria chegar. – Se passarmos por esse grupo de mortos, conseguimos entrar no esgoto e seguir nossa viagem em segurança.

– Não sabemos se lá embaixo o caminho estará completamente livre – Clay o alertou. – Mas deve estar melhor do que aqui. Ainda assim, como faremos para atravessar essa multidão?

Os dois ficaram em silêncio quando um zumbi parou diante do beco, olhando para baixo. Ele se movia como um pêndulo, para frente e para trás. Seu rosto pútrido, com carne arroxeada e cheia de larvas se virou na direção do beco.

– Ele nos ouviu? – Jim perguntou, preocupado. Os dois estavam de cócoras, no meio das sombras, mas não havia nada no beco que pudesse lhes dar cobertura.

– Teremos que mata-lo silenciosamente – Clay disse, apertando o punho de sua adaga. – Eu farei isso.

Os olhos do zumbi vaguearam pela escuridão até que congelaram em cima dos aventureiros. Ele ergueu os braços e começou a morder o ar, avançando sobre eles. Clay girou a adaga entre os dedos e a enfiou no olho do morto. E nesse momento, tudo deu errado.

O zumbi começou a cair para trás, e Clay tentou puxar a faca de seu olho. Acontece que a lâmina havia fincado no crânio da criatura, e não estava tão solta quanto ele pensava. Quando a cabeça tombou, Clay sentiu o punho da arma escorregar de sua mão. Tentou segurá-la no ar, em vão. A faca quicou no chão de pedra, fazendo o metal tilintar pelo beco. Imediatamente, os zumbis mais próximos da entrada se viraram para eles… dos dois lados do beco.

– Eu matei a nós dois – Clay olhou para Jim, culpando-se. – Me perdoe, garoto.

– Nós estamos indo conhecer os nossos deuses – Jim puxou uma flecha da aljava. – Isso não pode ser tão ruim.

Clay ergueu as adagas, e Jim esticou a corda do arco, prontos para o último combate de suas vidas. Os zumbis se aproximavam, sedentos por sangue, quando uma ventania forte fez os aventureiros cobrirem os próprios olhos. Eles se viraram para trás e viram a rua vazia novamente. Galdor estava parado próximo ao beco, com os braços abertos, provocando uma lufada forte o suficiente para manter os zumbis afastados.

– O que estão esperando? – o mago gritou. – Venham logo!

Jim e Clay passaram por Galdor, voltando para o pátio de Dhazil. Ao longe, Kvarn vinha mancando, com uma tocha na mão.

– Vocês acham que ficaríamos lá em cima da muralha assistindo vocês dois morrerem? – o guerreiro perguntou. – Nós viemos correndo para assistir mais de perto.

Dhazil vinha correndo, carregando uma jarra de barro pesada.

– Saiam da frente, rápido! – ele gritou, passando pelos aventureiros, em direção à rua. – Movam, seus bufões!

Clay e Jim ficaram olhando enquanto o anão jogava a jarra no meio da rua, espatifando-a em mil pedaços. O conteúdo líquido se espalhou pelo chão, próximo das pernas de Galdor. O mago e o anão voltaram correndo para trás, e ficaram ao lado dos outros.

– O que era aquilo? – Clay perguntou, vendo os zumbis enchendo a rua novamente. Tanto os que já estavam ali, quanto os do beco que vieram do outro lado. – É alguma espécie de pez? Eles ficarão presos?

– Eles não estão ficando presos – Jim alertou, vendo os zumbis passarem sobre o líquido viscoso, vindo em suas direções.

– Oh, não – Dhazil mostrou para eles um sorriso amarelo, sem alguns dentes. Ele bateu no meio elmo enferrujado, ansioso. – Aquilo é bile de dragão.

– Abram caminho para Kvarn, o Poderoso – Kvarn disse, passando por eles e arremessando a tocha numa espiral de fumaça e fogo.

Assim que a chama atingiu o chão sob os pés dos zumbis, uma explosão derrubou todo o muro de madeira e o arco que dividia o pátio da rua. Os aventureiros foram jogados para trás, tendo seus cabelos e barbas chamuscadas. Eles rolaram no chão, esfumaçando.

De repente, foram cobertos por uma chuva de tripas e sangue. Dhazil gargalhou.

– Eu realmente não estava esperando por uma explosão desse tamanho – o anão sentou, com o rosto fumegante. – Era a minha última jarra de bile de dragão, mas valeu a pena!

– Ótimo – Galdor disse, olhando para o anão. – Temos um novo Kvarn no grupo.

– Rápido – Clay ficou de pé, meio zonzo, e apontou para Jim. – O caminho até a entrada do esgoto está livre. Precisamos ir!

– Vocês não deram nem dez passos e já foram encurralados – Dhazil protestou. – Continuar nessa missão é suicídio!

– Você entende bem de suicídio – Galdor disse com mal humor, apagando o fogo da ponta da barba.

Clay e Jim ignoraram a advertência do anão e seguiram seu caminho, rumo à boca de esgoto, e rumo ao resgate de Toiva. No dia seguinte, um deles morreria, infelizmente.

 

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REINO DOS MORTOS [4]

O grupo batizou o beco sem saída como “Baixada da Égua”, uma viela de barro cercada por muros prestes a tombar sobre eles. Se alguma horda os visse ali, eles estariam encurralados.

– Não sei se alguém reparou, mas anoiteceu – Kvarn observou.

– Acredito que todo mundo reparou nisso – Toiva rebateu, mal humorada.

– E então? – Kvarn perguntou batucando o escudo com os dedos. – Não vamos sair?

– Você ainda não entendeu nada, seu bruto? – Galdor perguntou, impaciente. – Existem zumbis corredores nesta cidade. Se sairmos, estaremos mortos!

– Então vamos ficar para sempre aqui, é isso? – Kvarn sussurrou com sua voz grave. – Pois isso não me parece uma opção muito melhor.

– Não – Clay se intrometeu. – Vamos apenas ter certeza de que o perímetro está seguro.

– E como vamos saber disso se ficarmos aqui? – Kvarn perguntou.

– Eu esperava receber algum sinal – Clay assumiu, decepcionado. – Algum barulho longe daqui, alguma pista de que eles estão longe… Mas não ouço nada. O jeito é fazermos uma varredura.

– Eu vou – Toiva se ofereceu.

– Não – Clay balançou a cabeça. – Sou o mais silencioso do grupo. Eu irei.

– E se você ficar cercado? – Jim perguntou.

– Eu afastarei os zumbis – Galdor disse, olhando para Clay.

– Obrigado – o líder assentiu para o velho, e ambos deixaram a Baixada da Égua.

– A gente espera aqui – Kvarn brincou. – A não ser que fiquemos entediados.

Clay ignorou o comentário do guerreiro, e cobriu sua cabeça com um capuz. Galdor o seguiu, erguendo as mãos para realizar sua magia, caso fosse preciso. A rua era iluminada pela luz da lua, e o silêncio era tamanho que eles podiam ouvir o som das ondas quebrando nos cais. Desceram a rua em sentido sul, cuidadosos. Chegaram até um local onde podiam ver a rua por vários quilômetros à frente, numa longa descida. Clay sorriu.

– O caminho inteiro está livre.

– Então vamos chamar os outros – Galdor sugeriu.

Eles fizeram o percurso de volta até a Baixada da Égua, quando encontraram o grupo acuado, todos com armas em mãos. Eles pareciam assombrados.

– Vocês viram? – Toiva inquiriu, olhando ao redor. – Vocês o viram?

– De quem você está falando? – Clay indagou, preocupado.

– Ele era grande – Jim disse, umedecendo os lábios secos. – Ele era… era muito grande.

– Mas de quem diabos vocês estão falando? – Galdor perguntou, impaciente.

– Depois que vocês saíram – Toiva sussurrou –, ele passou em frente ao beco. Graças aos deuses, não olhou em nossa direção. Ele caminhava como uma pessoa normal, de forma calma e coordenada. Esse monstro não era como os outros. Eu nunca vi um zumbi assim.

– Seu rosto era coberto por trapos – Jim acrescentou. – Seu martelo se arrastava pelo chão, abrindo um sulco na terra. Espinhos compridos saíam de suas costas…

– Espere – Galdor o interrompeu. – Martelo? Zumbis não usam armas. Eles são criaturas irracionais. Incapazes de manusear qualquer objeto.

– Então o que vimos não era um zumbi – Kvarn garantiu, soturno. – Precisamos dar o fora daqui.

– Temos que sair desta cidade – Jim disse, colocando a mão no ombro de Clay.

– Mas o nosso contratante… – Clay começou a responder.

– Foda-se o contratante – Kvarn o interrompeu. – Existem zumbis corredores e uma aberração nesta cidade. O contratante não falou nada disso. O nível de dificuldade da missão subiu consideravelmente.

– Não sabia que você fazia o tipo assustado – Toiva disse.

– Eu não faço o tipo filantropo – Kvarn rebateu. – Se vocês quiserem que eu continue, o meu pagamento precisa subir também.

– Eu concordo com ele – Galdor ficou ao lado de Kvarn. – Zumbis corredores e uma aberração são coisas demais para mim.

– Todos pensam assim? – Clay se virou para Toiva e Jim que concordaram com a cabeça. – Então a missão está cancelada. Vamos dar o fora de Negressus.

O grupo deixou o beco e seguiu de volta ao norte. Todos seguravam suas armas em prontidão, atentos a qualquer barulho. Não demorou para chegarem na muralha da alfândega, recheada de cadáveres pelo chão e corredores.

– Oh, me foda! – Kvarn disse assim que adentraram o pátio entre os portões.

O grupo olhou em direção à saída da cidade e se depararam com o imenso portão levadiço fechado. As válvulas e correntes para abri-lo não estavam mais ali. Foram arrancadas à força e levadas para algum lugar. Seria impossível abrir aquele portão. Clay olhou ao redor, para o muro interno da alfândega e percebeu que só havia uma passagem disponível, a que levava de volta para dentro da cidade. E sob o umbral dessa passagem, um homem gigantesco os observava.

– Emboscada! – Clay gritou.

 

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O que é RPG?

RPG é a sigla que abrevia o termo em inglês Role-Playing Game, que em português significa “jogo de interpretação de personagens”.

De maneira prática, o RPG é um jogo em que os jogadores precisam interpretar personagens em um cenário fictício estimulando o raciocínio lógico, criatividade, relacionamento interpessoal e cooperativismo.

Em registros oficiais, o RPG surgiu no ano de 1974. O primeiro lançamento foi o jogo Dungeons & Dragons (Masmorras e Dragões, em português), criado por Gary Gygax e Dave Arneson. No início, o D&D (abreviatura de Dungeons & Dragons), era um simples complemento para um outro jogo de peças de miniaturas chamado Chainmail (cota de malha), criado em 1971 também pelos dois amigos. Chainmail era um jogo de tabuleiro simples e a ideia do RPG surgiu de Gygax e Arneson ao imaginarem o quanto seria mais divertido se eles inserissem também o fator de interpretação.

Para explicar de maneira mais prática vamos abordar alguns artefatos do jogo e explicar pra que cada um deles serve.

 

O Mestre

Na realidade O Mestre é um papel que deve ser assumido para se jogar RPG. Alguns gostam do termo narrador, entretanto, gosto do termo Mestre pois denota um respeito que acho importante ser considerado. No jogo, O Mestre é o deus! Respeitar isso ajudará em um bom desenrolar dos seus jogos.

De fato a principal responsabilidade do Mestre é narrar o jogo. Mas não é só isso. Considerando uma situação totalmente aleatória, o Mestre irá planejar toda a história, construir personagens coadjuvantes, minerar e desenhar imagens, mapas e etc. Além de narrar ele irá intermediar e julgar as ações como aceitáveis de maneira que auxilie o jogo para um rumo correto.

É importante que o mestre conheça bem as regras do sistema (iremos falar dele à seguir) para conseguir controlar bem os limites daquilo que é possível. Não é imprescindível que ele saiba tudo, entretanto, quanto mais ele souber, mais terá desenvoltura e segurança para desempenhar seu papel.

 

O Jogador

Como o próprio nome já diz, o jogador é quem vai viver o jogo. Seu principal papel é se submeter a autoridade do Mestre e principalmente se esforçar para interpretar e ser fiel à aquilo que propôs ao seu personagem. Sua responsabilidade também é construir sua ficha e a sua história, artefatos que explicaremos mais adiante também.

 

História do Personagem

Um dos artefatos mais importantes para contribuir para um jogo rico em detalhes. A responsabilidade pela confecção desse artefato é exclusiva do jogador mas pode ter auxílio do mestre e de outros jogadores que estejam dispostos a isso. Para quem tem dificuldade ou não sabe como fazer a história do seu personagem, criamos um post específico para isso que pode ser acessado clicando AQUI.

 

Ficha do Personagem

Outro artefato de responsabilidade do jogador. Também pode ter auxílio do mestre e dos demais jogadores para sua confecção. A ficha é um documento que conterá todas as características que definirão todos os detalhes necessários do seu personagem. É ela que irá dizer o quão bom seu personagem é em fazer uma determinada ação. Cada sistema possui uma ficha diferente e com regras diferentes, portanto, não entrarei em mais detalhes aqui sobre ela.

 

Sistema

O Sistema é o conjunto de regras que compõe o jogo de RPG. Em geral, não existe um sistema único para jogar todos os estilos de RPG, então, dependendo do estilo que você queira jogar, você terá que definir qual sistema desejará jogar, adquirir todo material que compõe pelo menos as regras básicas e ler para poder jogar com seus amigos.

Alguns Sistemas de exemplo teríamos: D20, Storyteller, Gurps, Toon, etc.

 

Cenário

Além do Sistema, o cenário é quem define o estilo de jogo. Existem sistemas que podem ser utilizados para qualquer tipo de cenário bastando adaptar as regras para o mesmo. Os cenários é que vão definir se o jogo será estilo Fantasia Medieval ou Horror Gótico por exemplo.

Alguns cenários de exemplo teríamos: Forgotten Realms (D&D), Dragonlance (D&D), Vampiro: A Máscara (É um cenário mas também um subsistema do Storyteller/World of Darkness), Lobisomem: O Apocalipse (idêntico ao anterior), etc.

 

Dados

Os dados talvez sejam os artefatos mais emblemáticos do jogo de RPG. Com toda certeza, não existe outro jogo que se utilize de uma variedade tão grande de tipos de dados. No RPG utilizamos dados de vários tipos, os quais classificamos pela quantidade de lados que o mesmo possui. Por exemplo: Dados de 4, 6, 8, 10, 12 e 20 lados. Para abreviarmos nós chamamos com o “D” na frente, por exemplo: D4, D6, D8, etc. Quais dados serão utilizados e quantos? Isso quem definirá será o sistema que vocês forem jogar.

Ao contrário do que muitos dizem, o RPG, assim como teatro, promove um crescimento muito grande em cada um dos seus participantes e aqui também teremos alguns manuscritos que irão trazer de maneira prática como o RPG contribui com vários profissionais.

 

Agradecemos a leitura de vocês e esperamos que esse conteúdo contribua de maneira ímpar no início da sua caminhada como jogador de RPG.

Deixem seus comentários e um grande abraço!

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