Um Novo Amigo – Histórias de Fogueira #2

A série Histórias de Fogueira irá trazer alguns contos de terror sobre temas variados. Em “Um Novo Amigo” iremos acompanhar a trajetória de um ser que apenas quer ser ouvido. Você gostaria de ser o novo amigo dele?

Um Novo Amigo

Victor se sentou no chão ao lado do seu novo amigo Orc enquanto limpava as mãos sujas de sangue. Fazia pouco tempo que haviam se conhecido, mas depois do combate, o Orc, embora jovem, estava fraco. Então, ele o ajudou a sentar perto da fogueira que havia feito.

“Deixa eu te contar minha história, amigo. Preciso desabafar”, disse Victor enquanto o apoiava melhor na árvore que usava como suporte.

“Senta aí, isso vai demorar um pouco. Não é uma história bonita e muito menos feliz que eu vou contar agora, mas é a vida real, aquela que a maioria das pessoas prefere não saber que existe.”

“Meu nome é Victor, ou pelo menos era assim que o Doutor me chamava. Foi ele quem me criou, sabe? Um cientista louco que me trouxe de volta dos mortos, não para achar um novo método de medicina, não… Muito longe disso. Foi por pura crueldade!”

“Eu me lembro da primeira vez que abri os olhos neste novo corpo. A dor era insuportável! Sentia cada parte do meu ser gritar em agonia.”

“A sala era meio escura, havia barulho de metal e cheiro de ferro por toda parte. Minha visão ainda estava embaçada por causa de todo o processo, mas quando se acostumaram, pude notar algumas máquinas e pedaços de corpos dispostos pelo lugar.”

“O Doutor estava lá também, com aquele sorriso sádico, os olhos estáticos que não sorriam junto com o rosto. Você não conhece nenhum Doutor, não é, amigo Orc? Posso te chamar assim, certo? De amigo Orc?”

O Orc continuava em silêncio com o olhar calmo na direção de Victor.

“Bom, espero que não conheça nenhum Doutor, pois ele me observava como se eu fosse um rato de laboratório. O experimento mais precioso dele!”

“Ele veio até perto de mim, caminhando lentamente sem falar uma palavra sequer, cheirando a mofo. Então esticou a mão para encostar em meu rosto. Senti seus dedos finos e a mão fria quando apertou minhas bochechas enquanto dizia que eu era sua arma, criado para destruir e servir aos seus propósitos obscuros.”

O Orc lentamente inclinou a cabeça em direção à fogueira. Havia um cantil próximo a ela e ele percebeu que estava com a boca seca, então estendeu o braço para pegá-lo, mas Victor foi mais rápido.

“Você deve estar com sede… não me admira, você foi muito bem na luta. Aqui, tome”. Ele colocou gentilmente o cantil na boca de seu amigo. “Devagar, amigo, não quer morrer engasgado, não é?”

Após alguns goles, Victor tirou o frasco e disse: “Calma, vai tomar tudo e deixar seu amigo sem nada?” Então ele riu e usou a água para lavar as mãos, terminando de limpá-las.

“Como eu ia dizendo sobre minha vida: os dias e noites eram um tormento sem fim, amigo. O Doutor se divertia me torturando, testando os limites do meu corpo reanimado. ‘Você é meu triunfo, Victor‘, ele dizia, enquanto me eletrocutava ou ajustava algum mecanismo dentro de mim que só aumentava a dor.”

“Ele queria saber até onde eu poderia aguentar, quanto sofrimento eu suportaria antes de quebrar. Mas eu não quebrava, amigo. Eu não podia dar essa satisfação a ele.”

Victor se inclinou em direção ao amigo Orc, dando algumas tapinhas no rosto dele, uma vez que estava meio sonolento e seus olhos trêmulos não conseguiam focar em mais nada.

“Vamos, amigo. Acorde! Ainda estou na metade da história. Aqui, tome isso.” O Orc abriu a boca, e Victor derramou uma de suas fórmulas.

O gosto era amargo e Victor sabia disso, a fisiologia do Orc não era feita para suportar as infusões e pelo visto, o amargor veio acompanhado de uma forte dor no estômago que que fez o Orc se inclinar.

Victor sabia ler as pessoas, pois ele havia ganho a vida fazendo isso no passado, e era nítido nos olhos do Orc que ele não fazia ideia das reais intenções daquele homem, que continuou sua narrativa:

“E então havia Lucy. ‘Minha noiva’, como o Doutor a chamava. Ela era uma obra-prima de loucura, tão cruel quanto ele, talvez até mais. Foi criada poucos meses depois de mim, com a alma de um psicopata que o Doutor pegou e trancou naquele corpo belo e letal. Ele fez a caçadora perfeita e, de alguma forma, implantou nela uma obsessão insana por mim.”

“Ao menos eu acredito que tenha sido ele que a fez ser daquele jeito, já que haviam momentos em que ela parecia demonstrar algo parecido com um amor distorcido por mim, como se houvesse algum resquício de humanidade. Mas era tudo para me ver sofrer, me incentivar a fugir e depois me caçar. Me fazer sentir dor.”

“Cada caçada da Lucy era um pesadelo. Ela me rastreava dia e noite, sempre um passo atrás de mim, me vigiando, pronta para atacar, mas evitando fazê-lo para me ver desistir. Depois dizia que me amava, mas seu amor era uma faca de dois gumes, cortando mais fundo do que qualquer lâmina.”

“Ela já confessou que adorava me ver sangrar, adorava o som dos meus gritos. E apesar de todo o horror, ainda havia uma parte de mim que ansiava por ela.”

“Talvez a loucura dela estivesse se espelhando em mim, talvez fosse apenas o desespero de alguém que não queria estar sozinho… Você já se sentiu assim, amigo Orc? Estar com alguém aparentemente inofensivo, mas que no final só queria te ver sofrer?”

O Orc, cansado, apenas fechou os olhos com um semblante sem esperança e deixou a cabeça pender em direção à árvore. “Você não é de falar muito, não é? Enfim…”

“Novamente eu fugi do laboratório, do Doutor e de Lucy, mas nunca estive realmente livre. Sempre senti a sombra dela atrás de mim, sabe? Uma presença constante e uma ameaça eterna.”

“O Doutor me quer de volta e sempre usa a Lucy para isso. Aposto que desta vez ele ordenou que ela me trouxesse vivo ou morto. Agora estou sempre em fuga olhando por cima do ombro.”

“Sei que um dia ela vai me encontrar, e nesse dia será o fim. O fim para um de nós dois. Mas até lá eu luto, amigo Orc. Luto contra o que sou, contra o que fizeram de mim e, infelizmente, nem sempre consigo me vencer. Tudo se torna difícil quando tudo o que conhece é dor e sofrimento.”

Victor observou que o Orc continuava com os olhos fechados, peito imóvel. “Amigo Orc?” perguntou ele, inclinando-se para sentir o pulso do Orc, apenas para constatar o óbvio.

“Você lutou bem, Orc. Mais sorte na próxima. Se sua alma quiser vingança, eu estarei esperando e será uma honra”, disse Victor, revirando os bolsos de seu suposto amigo.

“Talvez você entenda, talvez não. Mas precisava desabafar, precisava que alguém soubesse o que aconteceu comigo. O que ainda acontece, na verdade.”

“E Lucy!” gritou para o alto “se você estiver ouvindo, e eu sei que está aí, sei que não vai parar até me encontrar. Mas eu não vou mais facilitar, amor. Vamos ver quem cai primeiro desta vez!”


Um Novo Amigo

Autor Convidado: Ewerton Silva.
Revisão: Raquel Naiane.
Arte da Capa: Gerson Berredo.


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O Fim – Histórias de Fogueira #1

A série Histórias de Fogueira irá trazer contos de terror sobre temas variados. Em “O Fim” você irá conhecer um jovem que apenas está buscando sua sobrevivência no fim do mundo. Mas será que apenas os zumbis são o perigo?

O Fim

O fim do mundo havia começado há uns meses, e após certo tempo eu havia perdido a noção dos dias passados com as noites mal dormidas e não saberia dizer se já faz anos ou não.

Felizmente a bagunça inicial já passou, e várias famílias ainda estão razoavelmente bem dentro de suas casas com muros repletos de cacos de vidro e portões gigantes que servem como “barreiras anti-mortos-vivos”.

Sofrendo perdas ou retaliações apenas quando devem sair considerando que seu estoque está baixo, ou como era meu caso: pessoas que não aguentam ficar trancadas e preferem se arriscar.

Claro que o início importa mais que o fim. Onde se estava quando as primeiras pessoas saíram enlouquecidas pelas ruas mordendo umas às outras? Essa pergunta é válida quando se trata da sobrevivência do primeiro dia.

Eu estava na rua com alguns amigos que se tornaram meu primeiro grupo de sobreviventes, ou quase. Perdi alguns naquele dia, mas continuei de pé, e depois disso não consigo me ver estacionado em algum lugar.

Segui os dias aguardando o grupo de protagonistas que provavelmente já está investigando de onde o vírus veio e como ele pode ser controlado ou exterminado, até eles chegarem ao resultado do plano infalível que estão criando e dar um fim para essa bagunça.

Não faço parte desse grupo, sou apenas um figurante no fundo da cena me esforçando para não virar um minion do vilão”.

E depois de tanto tempo entrando em grupos que, ou morriam todos, ou resolviam se aquietar para tentar viver em paz em algum lugar, percebi que seria mais fácil seguir meu caminho sozinho, sem ninguém a quem temer pela vida, ou pior, a quem temer pela morte.

Aquele era um dia tranquilo em específico. Estava andando em uma rua rodeada por floresta, ouvindo o silêncio ser quebrado pelo farfalhar das folhas ocasionalmente sendo levadas pelo vento. Olhava ao redor com cautela procurando por água, pois a minha reserva tinha se esgotado.

Havia andado o dia todo e estava cansado e com sede, não escutei um único gotejar e precisava me reabastecer, e quando pensei em procurar uma árvore de troncos grossos para tentar dormir, ouvi ao longe um barulho que sabia não pertencer ao vento.

Meu coração acelerou e eu olhava ao redor com cuidado até ouvir uma voz feminina pedindo por socorro.

Já havia sido vítima desse tipo de truque no passado devido à minha predisposição para ser excessivamente ingênuo e benevolente. Uma mulher aparentemente frágil precisando de ajuda, e de repente, um grupo de outras pessoas me rodeava e roubava meus recursos.

E sabendo disso, eu não consegui resistir ao chamado. Mesmo sendo um figurante, eu ainda era humano.

Segui a voz apreensivo até chegar a um pequeno barranco, íngreme o suficiente para causar estragos, mas não tão alto a ponto de matar. A voz estava vindo de uma jovem que havia caído e estava presa em uma árvore que não sucumbiu à queda, ficando na diagonal.

Analisei a cena antes de me mostrar: o terreno estava liso, então ela não estava achando apoio para subir, e a queda deixaria qualquer um machucado o suficiente para ser lento e um alvo fácil. Não era uma boa alternativa.

Olhei ao redor e não parecia ter ninguém por perto, até porque, aquele não era um local propício para uma emboscada já que a mulher realmente poderia morrer. A menos que eles não se importassem com isso… mas eu estava pensando demais!

Me aproximei um pouco e na hora que me viu a moça entrou em alvoroço pedindo ajuda. Ainda receoso, pedi que se acalmasse e me aproximei, tirando do meu kit de sobrevivência uma corda que peguei em uma loja qualquer.

Fiz um laço firme e arremessei, pedindo pra ela posicionar ao redor da cintura. Depois procurei um ponto de apoio enquanto ela fazia o que pedi, até que achei uma pedra firme. Então eu puxava de um lado e ela tentava escalar do outro.

Quando finalmente chegou no topo, me apoiei nos joelhos tentando buscar o ar enquanto ela deitava no chão e olhava para o céu. Em seguida começou a rir como se tivesse acabado de ouvir a piada mais engraçada da história, e entre os risos, me agradeceu, o que me fez rir também.

Ela não era uma armadilha, era uma companhia. Começamos a conversar e percebi que ela tinha os mesmos ideais que os meus: ficar vagando, conhecendo pessoas novas e quase morrendo em penhascos (isso me fez rir de novo).

Como já estava tarde, expliquei que iria subir na árvore para dormir, mas estava com sede, então ela disse que conhecia um lago perto e que era lá que buscava recurso quando precisava.

Começamos a caminhar, primeiro em silêncio, depois fui puxando assunto e ela foi cedendo. Me contou de sua vida anterior, como era esforçada e estava estudando para ser médica, mas que “O Fim”, como chamou, acabou com seus planos.

Ela também perguntou de mim, e aos poucos fui contando meu passado. Contei que trabalhava como vendedor, e essa profissão havia me ensinado a ler as pessoas, entender quando estavam me passando a perna e que isso era uma vantagem aqui fora.

Ela me olhou séria: “O mundo mudou e as pessoas também! Todos criaram mais cascas dos que aquelas que já possuíamos. Ler alguém hoje é mais difícil do que antes”.

Continuamos andando em silêncio, já que eu pensava em suas palavras, e antes que eu pudesse perguntar mais, um som que reconheci me chamou atenção: ÁGUA!

Olhei para ela animado e ela começou a andar mais rápido até que estávamos em um lago muito grande. Perguntei se realmente era seguro e ela me assegurou que sim, mas não aguardei sua resposta.

Eu já havia jogado minha mochila no chão, tirado minhas meias e meus tênis, e antes de tirar a camiseta olhei para ela, que me encarava.

Ela apenas acenou que sim, como se estivesse me dando permissão, e se dirigiu para um tronco caído numa pequena clareira que parecia já ter sido visitada muitas vezes por ela. Por fim, tirei minha camiseta, minha calça e pulei na água.

Há tempos não sentia nada como aquilo na pele! Estava com saudade de um modo inexplicável e aquilo era quase o paraíso. E em nenhum momento a jovem olhou para mim, não que eu tenha percebido.

Quando me encontrei com ela novamente, já vestido, ela havia feito uma pequena fogueira. Ficamos em um silêncio confortável enquanto eu admirava aquela paisagem e pensava na sorte de ter encontrado aquela mulher.

Até que percebi uma casa do outro lado, muito velha e acabada, parecendo prestes a cair por um sopro, mas o que me deixou mais incomodado, é que eu parecia conhecer aquele lugar.

Forcei a vista um pouco, e me endireitei em cima do tronco que me servia de banco, mas mesmo que não viesse nada a mente, aquela sensação não ia embora…

Antes que pudesse comentar sobre o que estava sentindo, percebi que ela se aproximava de mim, e com um olhar sapeca me perguntou se podíamos contar histórias de terror.

“Uma diferente daquela que vivemos?” questionei brincando.

Ela retrucou que na sua época jovem era escoteira, e era uma tradição contar histórias assustadoras ao redor da fogueira. Olhei para onde estávamos, e realmente parecia o clima perfeito para isso.

Resolvi começar contando uma história bem meia boca de uma versão da Loira do Banheiro, pois não consegui pensar em coisas diferentes ou inventar algo, e quando terminei, pedi para ela me surpreender.

“Existe uma lenda que contávamos nesse lago que vale a pena ouvir: Há muitos anos, uma senhora rica havia se mudado para essa região e construiu uma enorme casa bem ali.”

Ela apontava para a colina do outro lado do lago, onde atrás das sombras das árvores era possível avistar as paredes corroídas daquela mansão. Aquela cena me trazia alguma memória em pedaços que eu não conseguia juntar.

“A mulher era sozinha, não tinha filhos e nunca havia se casado. Vivia apenas na companhia de seus três poodles gigantes.”

Ao longe ouvimos um uivo, e tentei disfarçar o arrepio na minha coluna com uma piada sobre coincidências do destino, mas ela não riu.

“A casa também recebia a visita de alguns mordomos e serviçais aos finais de semana que ajudavam com a limpeza e outros afazeres. Ela vivia feliz com sua rotina programada e curtindo a solidão que sempre quis.”

“Até que um dia, um grupo de jovens apareceu, fazendo uma grande fogueira e muito barulho. Pareciam ter saído de filmes de terror onde nenhum deles tem neurônio e só pensam em atos libidinosos.”

Ela me encarou séria, como se a culpa fosse minha… mas eu sentia que talvez fosse, mesmo que não conseguisse explicar.

“E em uma daquelas noites começou a chover muito forte, uma espécie de tempestade com ventania. E o grupo avistou a casa como um bom lugar para se esconder após alguns dias perturbando a paz e sossego daquela doce senhora”

“Eles foram até lá e bateram incessantemente na porta, e quando começaram a gritar que iriam forçar a entrada, a idosa abriu as fechaduras e os permitiu adentrar seu lar.”

“Seus cachorros não paravam de latir, presos em outro cômodo, e os jovens começaram a reclamar e agir como se aquela casa pertencesse a eles.”

“O que eles não sabiam é que a senhora tinha alguns problemas, e havia se isolado para manter os outros seguros. Naquela noite, ela deixou os cachorros soltos para que a ajudassem, e um a um lentamente matou aqueles que haviam tirado sua paz.”

“Os primeiros foram mais fáceis, porém um rapaz em específico havia levado seu irmão mais novo, e queria proteger ele, dessa maneira, pegou um machado escondido no armário, e ainda conseguiu atingi-la com um único golpe no rosto, deixando uma cicatriz que cortava sua face.”

“O irmão mais novo fugiu, mas todos os outros ela conseguiu matar, porém nenhum corpo foi encontrado quando os policiais vieram revistar o lugar após ouvirem o testemunho do menino.”

“Dizem que nada foi achado porque a senhora usava como comida aqueles que tirava a vida e até hoje os que vem tirar o sossego da idosa, tem o mesmo destino no fim.”

Dei um pulo quando novamente ouvimos os uivos e latidos anteriores, só que dessa vez pareciam mais próximos. Ela achou graça do meu susto, e quando eu ia comentar que os bichos estavam perto, ela começou a falar da família dela repassando essa lenda como verdade.

Minha cabeça começou a doer forte, e eu me distrai do susto anterior, continuando nossa conversa e entrando em assuntos banais, ora falando de como as coisas eram antes, ora sonhando com um futuro em que as coisas fossem voltar ao normal.

Mas aquela sensação de conhecer o lago e a casa começou a aumentar. Olhava ao redor e parecia que eu já estivera naquele local antes, só não entendia como.

E de repente os uivos estavam tão perto que eu sabia que estávamos em perigo. Me levantei rápido e puxei aquela moça para minhas costas, perto do lago. No pior dos casos, poderíamos usar a água a nosso favor.

Mas lobos sabem nadar, não sabem?

Minha cabeça não estava funcionando direito, e a dor parecia aumentar. Era como se algo estivesse querendo voltar à minha mente, mas não encontrava o caminho.

Olhando ao redor, para além de onde a claridade da fogueira poderia iluminar, percebi dois círculos amarelo brilhantes se aproximando. Era definitivamente um lobo.

Sentia as mãos da mulher nas minhas costas, tremendo. Os animais com o vírus zumbi eram ainda piores que as pessoas, e eu não tinha ideia do que fazer para sair daquela situação.

E enquanto encarava os olhos daquele animal, percebi mais dois pares de olhos se aproximando pelas laterais, formando um círculo com seis olhos amarelos emitindo rosnados baixos na nossa direção.

Senti então, água nos meus pés. Olhando para baixo percebi que havia andado para trás devagar e por isso estava dentro do lago. Mas e a mulher?

Chamei por seu nome, mas não tive resposta. Balancei as mãos para trás sem tirar os olhos dos três bichos que me encaravam das sombras, mas não senti nada no ar.

Quase como se fosse ensaiado, aquela jovem apareceu atrás da criatura que havia aparecido primeiro, com um semblante sombrio e sorriso malicioso.

Baixei minha guarda acreditando se tratar de uma pequena pegadinha, mas quando ela levou suas mãos ao rosto e rasgou sua face, como se fosse papel, eu sabia que algo estava completamente errado.

Por baixo de seu rosto jovial, olhos amarelos surgiram, totalmente vazios de alma. Seu sorriso aumentou, se assemelhando a uma caça quando encontra sua presa, e pude ver cortando seu rosto uma enorme cicatriz.

Naquele momento, flashes vieram a minha mente, e eu entendi o motivo de estar com aquela estranha sensação.


O Fim

Texto e Revisão: Raquel Naiane.
Arte da Capa: Gerson Berredo.

Ilustra por Shadow

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Inspiração de Terror e Horror pessoal – Dicas de RPG # 97

No Dicas de RPG de hoje, Kastas vai trazer elementos, ideias e embasamentos para sua mesa de RPG, tendo como base grandes obras da literatura e também grandes RPGs, sendo eles famosos e até aqueles mais undergrounds.

O Dicas de RPG é um podcast semanal no formato de pílula que todo domingo vai chegar no seu feed. Contudo precisamos da participação de vocês ouvintes para termos conteúdo para gravar. Ou seja, mande suas dúvidas que vamos respondê-las da melhor forma possível.

Portanto pegue um lápis e o verso de uma ficha de personagem e anote as dicas que nossos mestres vão passar.

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Inspiração de Terror e Horror pessoal

Voz: Paulo Henrique Kastas
Edição do Podcast: Senhor A.
Arte da Capa: Raul Galli.

Músicas:

Music by amidtownfarewell from Pixabay

 

O Monstro Melhor

O Monstro Melhor é um dos contos que você pode encontrar no livro Vampiros: Festim de Sangue da autora Jaque Macahdo. Além desse, há muito mais para se aterrorizar!

O Monstro Melhor

Interrupção

Baleia e os cinco filhotes não estavam latindo mais, pararam repentinamente na madrugada. Os ganidos foram, um a um, sendo silenciados. Hermes puxou as cobertas para o lado, a mulher estava detida em um sono pesado, por isso ligou o abajur. Calçou as velhas pantufas de aposentado, tomou os óculos da cabeceira e o pendurou sobre o nariz rugoso, enquanto acendia a lanterna do celular já ultrapassado.

Apesar dos cães terem ganido muito alto, o que o fez saltar do sono, tudo ficou em silêncio durante a caminhada cautelosa até a janela. Puxou as aletas e espiou através da cortina: tinha alguém em frente ao canil, de cócoras, desferindo movimentos brutos e vacilantes, entre rosnados e injúrias, não percebeu que estava sendo observado.

Hermes balançou a cabeça de um lado para o outro, desapontado. Respirou fundo, exitou por um instante antes de balançar o chaveir cheio e descer a maçaneta da modesta porta de alumínio. Caiu na noite do quintal com os olhos cheios de lágrimas e o coração partido.

Inquisição

“No que você se tornou?”
O pai olhou o rosto transfigurado do filho, mas suas palavras eram cheias de pesar, e não era medo que se embrenhara na fala rouca e embargada, o velho homem sentia o duro golpe da vida diante daquela cena, em sua velhice, queria ter um filho bem encaminhado. Logo, presente na entonação, o que sentia era o julgamento, a reprovação, mas acima de tudo, a dor.

“No que você se tornou?”, diante do silêncio, insistiu. As presas para fora mal deixavam Pedro fechar a boca, os olhos vermelhos, tomados de raias escurecidas brilharam o fundo reflexivo na luz da lanterna do celular, que o pai lhe apontava. Defendeu as vistas com as mãos e os braços, ensanguentados, acabou sujando as mangas do moletom surrado com o sangue que encharcava sua boca, maxilar e colo.

“Fale! No que você se tornou?”
Ordenou uma última vez diante do horror presenciado, só que não era à criatura da noite, o vampiro, a que o genitor se referia… ele falava do humano dentro do filho.

Monstro

Hermes já havia visto isso antes, infelizmente sabia que os sanguessugas eram reais. Lidara com um deles durante uma boa parte da vida, até encontrá-lo num buraco fétido onde arrancara sua cabeça enquanto dormia. Enterrou esse episódio da vida debaixo de um casamento e uma família sem sombra de dúvidas, feliz. Mas, soube o que seu filho virara ainda na primeira semana, o comportamento… ele conhecia! No entanto, não queria acreditar Ainda nutria esperanças de que a educação que dera a Pedro o salvaria da desgraça. Mas não…
Hermes concluiu que seu filho havia sucumbido irremediavelmente.
Pedro, surpreendido e assustado, pulou a murada, deixando um rastro de seu vulto, e também de sangue pela murada, depois sumiu na escuridão.

Passeio Noturno

Horas antes, enquanto a fome secava seu corpo e coagulava lhe o sangue, o rapaz acordou de um delírio animalesco quando estava prestes a enfiar seus dentes na garganta de um estudante que voltava para casa da faculdade. Ele sabia que não era isso, seu pai lhe ensinara a ser mais e foi a isso que se agarrou na mente turva e obscurecida pela fome. Pedro, ao se deparar com o horror da besta dentro de si, correu… correu como um animal até sua casa, atravessando a cidade e chegando ao lugar seguro de suas memórias, pulou o muro e se viu de frente com o canil.

Eterna Convicção

“Existem muitos monstros. É preciso escolher qual deles você vai ser”, falou para si mesmo, enquanto suas presas e olhos voltavam ao normal, cercado de pasto umedecido pela cerração da madrugada fria. Enquanto sentia o sangue se agitar gentilmente dentro do corpo gélido, sua besta se acalmava, agora seus sussurros eram quase inaudíveis. “Existem muitos monstros. É preciso escolher qual deles você vai ser”, repetia para si mesmo como uma oração. Ele desejava ter dito isso em voz alta para o pai antes de fugir, mas para o seu velho, não existe o monstro melhore ou o pior, só monstros.

Leia mais sobre Unindo a Coterie – dicas para Vampiro: A Máscara 

Costo inspirado no quadro: “O Pesadelo”, de Henrique Fuseli.


O Movimento RPG agora tem uma super novidade. Temos nosso próprio Clube do Livro, A Ordem da Quimera (acesse por esse link). E este mês estamos com o livro No Rastro dos Corações do autor Wallace Oliveira. Para participar é muito fácil, acesse o link anterior e lá entre em contado direto com a Lorde Isabel Comarella (Bell Comarella#0272). Aproveite e faça parte nosso servidor no Discord.
No Rastro dos Corações

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O Monstro Melhor

Revisão de: Isabel Comarella

 

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