Também Quero Viajar Nesse Balão… – Off-Topic #7

Saudações rpgísiticas a você pessoinha linda e maravilhosa que está lendo esse textinho feito com muito carinho! É fato que uma parcela enorme de pessoas que jogam RPG hoje em dia tenha começado esse hobbie bem mais jovem, talvez até próximo da infância (pelo menos o meu caso e de muita gente que eu conheço). Outro fato também é que muitas pessoas que jogam hoje, já em idade mais adulta (por assim dizer) está direta ou indiretamente ligada à alguma criança. Independente do grau de parentesco, é muito provável que uma hora ou outra, essa criança desperte uma curiosidade em saber o que está rolando e o que as pessoas estão fazendo com tantos dados, papéis, livros e se divertindo. E aí surge a grande questão: RPG é coisa pra criança também? É exatamente isso que vamos conversar hoje!

EXISTE IDADE PRA SE JOGAR RPG?

Queria muito começar o texto com essa pergunta, por ser bem capciosa. Será que existe uma idade pra se jogar RPG? Um limite ou censura que deva ser seguido? Há um ponto divisor entre RPG de adulto e RPG de criança?
É possível que a resposta para todas essas perguntas seja SIM! Vamos começar pela idade para se começar a jogar: eu particularmente não creio que exista um ponto de proibição quanto a idade. Como sabemos, na maior parte das vezes é necessário fazer o uso de anotações, leituras e interpretações de textos para se poder jogar RPG, assim como uma grande parcela de boardgames por exemplo. Por isso, é mais complicado jogar com uma criança que ainda não desenvolveu a habilidade para começar ler, escrever e interpretar frases e palavras. Claro que isso não é completamente um impedimento, e sim apenas um ponto que torna levemente mais difícil adaptar a experiência para essa turminha. Obviamente que uma estrutura mais lúdica pode ser criada para inserir as crianças em universo mágico de faz de conta e imaginação, para que possam viver ali suas aventuras e ter seus aprendizados, e que pode ser uma experiência tão ou mais completa que a tradicional vivida por adultos e jovens!

Mas a idade, de fato, pode ser um limitador no quesito “temas a serem abordados”. Como sabemos, RPG é um jogo de imaginação e faz de conta, de criatividade e fantasia, áreas que não tem limites de conteúdo, formas ou reverberações. Nesse sentido, podemos encaixar aquele conceito de que “tudo nos é permitido, mas nem tudo nos convém”. Ao jogar com crianças, alguns temas e cenários de jogo devem ser evitados ou muito adaptados para não ferir a inocência característica dessa fase da vida. Jogos com altas doses de violência, crueldade, terror e afins, inclusive, costumam já vir em seus manuais com avisos que são próprios para pessoas acima de determinada idade, assim como acontece com filmes e games por exemplo.

A questão, então, não é “com qual idade começar a jogar”, mas talvez de levar a questão para “qual material seria interessante de jogar”, levando em consideração a idade e fase mental das crianças envolvidas.

 

POR ONDE COMEÇAR A JOGAR?

Já que crianças podem jogar RPG, provavelmente você já deve estar se questionando “mas começar então por onde”, não é? Hora, isso é ao mesmo tempo simples e também muito complicado. Estamos falando de crianças, e crianças ao mesmo tempo que não veem maldade em muitas coisas, também se fascinam por conteúdos que, mais tarde, podem ser vistos como politicamente incorretos ou não apropriados. Não sei o caso de vocês, mas imagino que, como eu, sejam de uma geração que passou por muita coisa “inapropriada” quando criança, como ver sangue jorrando aos litros nas batalhas dos Cavaleiros do Zodíaco, um velho tarado se aproveitando de uma menor de idade em Dragon Ball, um marinheiro puxando umas ervas pelo seu cachimbo em Popeye, um pássaro muito do errado fazendo todas as trambicagens possíveis pra se dar bem em Pica-Pau e muito mais. Era comum para nós vermos sem maldade, embora hoje possamos notar o quão politicamente incorreto são as obras (mas ainda sim continuam sendo boas).

Minha recomendação, nesse caso, é explorar o que as crianças já conhecem para traze-las ao mundo dos RPGS. Sistemas mais abertos e adaptativos, como 3D&T, permitem que qualquer cenário seja portado para as mesas. Dessa forma, basta pegar o que as crianças estiverem consumindo e adaptar. É necessário deixar o preconceito do pensamento adulto de lado para se mergulhar nessa brincadeira, entretanto. Mesmo que possa parecer uma chatice ver Dora Aventureira na TV, para as crianças é algo mágico. Relembrar a magia de programas que muito nos divertiram, como Castelo Rá-Tim-Bum, também é um caminho atrativo e até mesmo lúdico para se seguir com as crianças.

Não tenham medo de se aventurar pelo mundo do que as crianças andam consumindo! Façam uso do desenhos, programas, personagens, filmes, artistas e demais figuras de linguagem que elas já conheçam e se identifiquem para dar o ponto de partida das aventuras e jogatinas.

O melhor caminho talvez seja se ater menos às regras, rolagens de dados e disputas de poder, para se permitir que elas mergulhem em suas fantasias, imaginações, que deem vida a seus personagens, se sintam parte da história e do mundo fictício que estão criando. Tenho certeza que pra elas a experiência é fantástica, mas para as pessoas organizando, é ainda maior!

Arte do livro “The ABC’s of RPG” –

 

COMO E POR QUE JOGAR RPG?

Ora bolas! Sério que precisamos falar sobre isso? Ok, tá bom, tudo bem… só pra dizer que não falamos, né? Então vamos lá!
Como jogar RPG com crianças? A melhor forma, a meu ver, é brincando e se divertindo (o que, convenhamos, a grande maioria de nós está deixando de fazer para advogar regras de sistemas, né?). RPG pode educar, ensinar e muito mais, mas as crianças, conforme um consenso de especialistas no assunto educação infantil, aprendem muito mais através da diversão, e o conhecimento pode ser muito divertido.

Não se atenham a disputas de dados, regras complexas, equações de cálculos de vantagens, combos de habilidades, lógicas de personagens e cenários… deixem que a imaginação tome conta. Por mais maluco ou fantástico que possa parecer, tentem deixar que o mundo e as regras sejam “criados” pelas crianças. Deixem que elas sintam que estão no comando (apesar de sabermos muito bem quem na verdade está controlando tudo), que estão vivendo de fato o que está em suas cabecinhas.

Assim, seria mais interessante para uma criança, por exemplo, ao invés de simplesmente sentar e olhar a explicação sobre matemática, se ela pegasse uma carona com o Pato Donald pela Terra da Matemágica, onde tudo somente pode ser resolvido através de… matemática! Ou então se elas precisarem de completar o texto de um enigma usando o português! Vivenciar uma experiência de química ou de física ao lado de grades nomes da ciência!

RPG não é apenas ficção e faz de conta. História real e conhecimentos reais podem ser utilizados, explicados, vivenciados e ensinados através do RPG! Uma ferramenta poderosa, capaz de se comunicar com crianças através de sua própria linguagem, de forma dinâmica e acessível, e com resultados grandiosos e gratificantes!

E aí? Que tal planejar agora mesmo juntar as crianças e começar a jogar RPG??

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Rise From Your Grave – Off-Topic #6

Saudações rpgísticas a você, pessoa maravilhosa que está aqui lendo esse textinho! Você já parou para refletir sobre a morte? “Por que as pessoas morrem? O que acontece após a morte? Seria a morte um fim ou o início de uma jornada?” Esses questionamentos não são incomuns em nossas vidas, e de certa forma, em algum momento acabamos nos perguntando sobre isso. Mas e nas nossas mesas de RPG? Como lidamos com a morte? Pode ela ser uma ferramenta narrativa? Uma punição a players? O fim de uma personagem? O início de uma nova saga? Bom, que tal refletirmos um pouco sobre ela?

DIE MONSTER! YOU DON’T BELONG IN THIS WORLD!

É indiscutível que, na maioria dos cenários e jogos que envolvam combates, principalmente em cenários de fantasia medieval, que os inimigos acabem mortos após sucessivas rolagens de dados, cálculos de danos e tudo mais, deixando em alguns casos pilhas de cadáveres ao longo do caminho. Sejam monstros irracionais, mortos-vivos reanimados ou até mesmo criaturas dotadas de razoável inteligência, o que geralmente vemos é um banho de sangue e um massacre.

Geralmente nesses cenários, a cultura é politeísta, dessa forma existem divindades mais pacíficas e divindades mais cruéis, até mesmo divindades da morte. Mas será mesmo que é ok para qualquer personagem matar indiscriminadamente? Não há uma bússola moral ou dogma que precise ser seguido às vezes? Nem todas as divindades apoiam a chacina indiscriminada! Muitas vezes, é necessário que os inimigos sejam apenas atordoados ou afugentados, e não massacrados!

A matança indiscriminada pode não ser a única saída de um problema, e nem mesmo o caminho principal a ser seguido. Matar não é um ato tão leviano a ser feito sem consequência nenhum. É um exercício interessante de se propor à mesa, criar uma situação onde os inimigos precisem ser derrotados, mas não possam ser mortos por algum motivo. Além também de ser uma ferramenta interessante para se trazer à tona um Bleeding sobre humanidade, empatia, compaixão, benevolência e muito mais!

Tais questionamentos são interessantes de serem trabalhados sempre! Qual o valor da vida? Qual a justificativa de matar? Como as personagens se portam diante de tais fatos? O que isso causa na mesa como um todo? Existem alternativas menos mortais ou sanguinárias?

NO CÉU TEM PÃO? E MORREU!

Mas e quando a morte chega às personagens de players? Essas personagens estão isentas da morte? Seria a morte o fim da jogatina?  Seria hora de dizer adeus àquela fica e criar outra personagem? Não necessariamente…

A morte em si é uma ferramenta narrativa importante e valiosa! Voltemos ao exemplo d cenário de fantasia medieval: é muito comum esses cenários terem seus “componentes mágicos” por assim dizer, então é possível que existam magias de ressuscitação, o que pode gerar toda uma campanha em busca de trazer determinada personagem de volta à vida. Alguns cenários oferecem também realidades de existência paralelos ao “mundo real”, e a “alma” da personagem pode estar em um desses planos, mais um gancho para uma aventura. Morrer é um tema que não necessariamente seria uma punição, e pode na verdade ser o início de mais uma longa e divertida campanha!

A morte também serve para ativarmos alguns gatilhos de Bleeding: como lidar com a perda, com o desapego, com as mudanças e afins. Como encarar as divindades após os atos em vida e histórias do tipo podem render ótimos momentos de Bleeding para toda a mesa, e não apenas às pessoas diretamente envolvidas.

Claro, a morte também pode ser usada como ferramenta de controle, de limitação, e até mesmo de punição. Aquela personagem que não combina com o grupo criado, que atrapalha a diversão de geral, ou que simplesmente quem controla não se adequa à mesa ou não comparece às sessões, pode ser “fatalmente removido” da história, faz parte das técnicas narrativas. Mas lembrando: apesar de ser uma ferramenta válida, não pode ser usada de forma leviana!

É outro ponto bem válido de se trazer à tona nas discussões e planejamentos da mesa: a morte deve ser evitada? Ela deve acontecer? Deve ser gerada por um fator de sorte, ou fator narrativo? Faz parte do drama, ou é mera “punição”?

DIE ANOTHER DAY

Escapar da morte, fugir dela, ou a reverter, são ótimas ferramentas de foco narrativo. Players que veem suas personagens chegarem a 0 pontos de vida (ou pontos negativos em alguns casos) podem se desesperar achando que esse seria o fim da história e da diversão, mas não necessariamente. Como dito antes, as possibilidades de se continuar a história após esses feitos são inúmeras.

Pode ser que a trama continue com a alma da personagem no plano da divindade que ela cultue, ou a personagem pode ter sido salva da morte certa de alguma forma, e despertou tempos depois sã e salva em algum lugar, e agora pode buscar por vingança, por reencontrar o grupo, por descobrir quem ela é (no caso de amnésia por exemplo), de reaver sua alma ou corpo e por aí vai. Morrer não necessariamente é o fim, e na verdade pode ser apenas o início!

Utilizar a morte como ferramenta narrativa ainda é algo bem pouco explorado (pelo menos pelo que eu tenho acompanhado da galera por aí), apesar de ser uma ferramenta muito útil! Colocar todo o grupo tentando reverter os feitos de uma chacina, por exemplo, é uma boa maneira de mostrar ao grupo que suas ações tem consequências, e que matar nem sempre é a única (ou melhor) das respostas a algum problema!

Morrer não necessariamente é um fim em si, e pode até mesmo ser o gancho inicial de uma boa narrativa! Usar levianamente a morte na mesa ou na história, é abrir mão de uma excelente ferramenta ou técnica que pode sim ser muito positiva em se tratando da mesa como um todo!

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O Bom, O Mal e o Bleeding – Off-Topic #5

Saudações rpgísticas à você que está aqui lendo esse textinho!

Qual tipo de personagem mais te marca? Quais nomes te vem de imediato na cabeça? Ao lembrar de alguma aventura passada, qual personagem assume a primeira posição na lista de lembranças? Um personagem comum, padrão, puro estereótipo, ou aquele personagem peculiar, único? Que tal falarmos hoje sobre esses personagens?

 

SOU O MELHOR (NO QUE EU FAÇO)…

Muitos personagens marcam sua presença graças a seu talento, poder, genialidade ou outro grande traço positivo. São aqueles personagens que serão sempre lembrados por serem “o melhor naquilo o que fazem”, ou por serem “um gênio, bilionário, playboy, filantropo (em uma armadura)”. Talvez sejam “a maior ladra do mundo”, “a maga mais poderosa do mundo”, o maior detetive do mundo”. O ponto em comum de todos esses personagens é o título de estarem no topo da categoria ou dos feitos, por assim dizer.
São personagens que marcam por feitos ou méritos verdadeiros ou não. Isso mesmo! Seus feitos ou méritos podem ser falsos, inventados, supervalorizados ou mesmo boatos.

Ter reconhecimento por ser acima do normal em algum fator pode ser benéfico ou trazer muitos problemas para os personagens, afinal, tal fama pode atrair caçadores, oportunistas, desafiantes ou pessoas necessitadas de ajuda. Uma boa história se vale muitas vezes de clichês básicos para movimentos simples, como um pedido de auxílio, um desafio para ocupar o título, uma oportunidade de alguém fazer um nome e vários outros ganchos, o que é muito facilitado pela fama do personagem. Nas mãos de narradores ou narradoras com mais malícia, tal fama pode ser usada como sendo uma grande desvantagem ou defeito do personagem, afinal, muitas vezes, “a fama precede a personagem”.

Outra característica marcante também pode ser a bondade enquanto comportamento e carisma. Não raras vezes aqueles personagens carismáticos, gentis e de bom coração também são marcados e reconhecidos por isso. Em mundos e histórias onde a violência é comum e a vida é muito desvalorizada (e sim, isso rende um textão depois), ser “gentil, benevolente, caridoso” são conceitos anormais. O cenário de Tormenta prova o quanto é difícil ser um clérigo da paz, por exemplo. Os cenários dos sistemas Storyteller e Storytelling também não ficam muito atrás: com seus mundos cheios de terror e horror pessoais, violência selvagem e moralidade dúbia, os personagens e feitos que muitas vezes mais se destacam são daqueles que conseguem ser os mais humanos possíveis.

 

MAS (O QUE FAÇO) NÃO É NADA AGRADÁVEL

Mas nem só de positividade temos a lista de personagens marcantes. Muitas vezes é a maldade, a incapacidade, o demérito e a má fama que marcam personagens. Não é incomum jogadores e jogadoras optarem por criar personagens de moralidade dúbia, tendências caóticas ou vilanescas, agirem de forma egoísta ou maliciosa… faz parte de se contar uma boa história e de se divertir (claro, usando sempre o bom senso enquanto off para não passar dos limites de quem mais estiver jogando, né gente?).

Personagens marcados por seus feitos malignos muitas vezes recebem mais crédito do que merecem por tais feitos, outras vezes a história é contada de forma enganosa para que o verdadeiro vilão fuja e coloque seus planos em prática. Muitas vezes um boato ganha mais pontos que do deveria e assim uma má fama se torna a alcunha. Nas mãos de narradores e narradoras que gostem de um draminha ou uma história mais heroica de redenção e vingança, essas marcas e traços podem levar a grande sagas e jornadas em busca de conhecimento pessoal, poder, superação, aprendizado e mudanças. Seriam aquelas histórias em que personagens mudam e se desenvolvem de acordo com a narrativa, o que pode ganhar uma carga emocional e afetiva bem mais interessante e divertida para quem estiver participando.

Claro, não apenas a maldade marca, como também ser “ruim” em algo, ou ter problemas pra fazer algo, é uma marca, e muitas vezes muito lembrada. Claro que em narrativas mais sérias, essa marca se daria um problema mais sério, de peso mais dramático e emocional, e que deve ser bem planejado e pensado para que não seja um gatilho a ninguém, e que não cause também nenhum desconforto ou mal-estar às pessoas presentes. Em uma trama ou narrativa mais leve, pode ser um ótimo alívio cômico! Um ótimo exemplo seria o personagem Presto, que simplesmente é um péssimo mago, mas que rende alguns ótimos momentos de alívio cômico.

 

O ENCONTRO DE DOIS MUNDOS

Claro que o positivo e o negativo, sozinhos, já podem render personagens marcantes ou momentos inesquecíveis, mas imagina a junção da dupla! Muitas histórias e narrativas já fazem a junção dos melhores com os piores, do talento com a falta de talento, da sombra com a luz, do certo com o errado.

Seja na cultura pop, seja nas mesas de jogos, histórias de personagens que marcaram por serem uma dupla oposta em todos os pontos são mais comuns que casos isolados. Sempre pensamos em “Batman e Superman”, “Sub-Zero e Scorpion”, “Anjo e Demônio” e por assim vai. Criar essa dualidade na narrativa é algo muito interessante de se fazer, e pode se mostrar também muito divertido. Gerar essa dualidade ou conflito pode fazer com que alguns pontos, problemas ou questões possam ser abordados e dialogados entre participantes da mesa.

De forma prática, é possível por exemplo utilizar dois personagens opostos em uma determinada questão, para que participantes dialoguem o peso de suas ações e decisões, para que sejam analisadas as consequências de vários atos e assim por diante. É importante que tanto o positivo quanto o negativo sejam levados sempre em consideração em todos os pontos e medidas, para que reflexões sejam geradas. Essa é uma ótima ferramenta para levantar um bleeding, por exemplo!

Fazer uso das marcas e famas, dos traços e peculiaridades, é uma forma não apenas de enriquecer a narrativa, quanto também de levantar debates e reflexões, gerar um bleeding e trazer à tona algum ponto ou questão que precise ser trabalhado entre participantes da mesa, claro que tudo com muito cuidado e planejamento!

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Liberté, Egalité, Fraternité – Off-Topic #4

Saudações rpgísticas a você, pessoinha maravilinda que veio até aqui ler essa coluninha! Já trocamos uma ideia bacana sobre Bleeding e como utilizar o RPG para trabalhar várias questões diferentes, ponderamos sobre como estender as narrativas e histórias para várias mesas diferentes, e de certa forma definimos que as regras são guias mas não necessariamente obrigatórias, nos permitindo adaptá-las ao melhor desempenho da mesa. Mas agora eu pergunto: e se juntássemos tudo isso, o que poderíamos aproveitar disso? Como poderíamos unir todos esses pontos em uma forma de tornar o RPG mais amigável, acessível e igualitário? Isso, minha gente, é o que tentaremos fazer agora!

Liberté, Egalité, Fraternité

 

LIBERTÉ

Uma das premissas básicas de qualquer RPG é, em essência, a liberdade! Liberdade para criar histórias, desenvolver personagens, dar vida a mundos e universos inteiros, e acima de tudo, liberdade para vivenciar ser outrem, mesmo que por um breve momento! Todas as pessoas que jogam RPG experienciam essa liberdade em algum ponto ou de alguma forma, e preciso dizer isso a vocês: se isso não ocorre, há algo de muito errado na sua forma de jogar!

Precisamos ter em mente esse conceito de “liberdade” ao falarmos de RPG. Cada pessoa é única, e tem seus gostos e particularidades que influenciam sim nas jogatinas (lembram do Bleeding?). Isso sempre deve ser levado em consideração quando falamos de RPG: todas as pessoas têm o direito à LIBERDADE, seja ela criativa, narrativa ou interpretativa, afinal de contas, é justamente isso que buscamos em nosso tão amado hobbie! Então quando alguém quiser jogar com um personagem fora dos padrões, ou quando a mesa quiser explorar um cenário diferente, ou quando o comum acordo for testar um novo sistema, apenas respeitem! Isso é liberdade! E convenhamos: nós que jogamos RPG sempre defendemos a bandeira da liberdade, né?

Claro que devemos manter em foco que nossa liberdade não pode ferir a liberdade de outras pessoas. Ser livre também é ser responsável por essa liberdade, então se valer de qualquer espécie de haterismo ou discurso de ódio apenas porque “é divertido” pra alguém é no mínimo uma falta de noção gigante, e dependendo da situação é até mesmo um crime! Sejam livres para jogarem como quiserem, da forma que quiserem, quando quiserem, com quem quiserem, e deem liberdade para novas pessoas ingressarem nesse nosso mundinho tão maravilhoso! Façam valer um Bleeding positivo de inclusão e acolhimento, compartilhem narrativas, histórias e experiências com outras mesas, alterem as regras de forma que sejam válidos o uso e a criação de personagens diferentes e fora dos padrões!

Liberdade para ser e criar

EGALITÉ

Todas as pessoas são iguais numa mesa de jogo. Seja a pessoa no papel de Mestre, sejam as pessoas que jogam, sejam as pessoas que desenvolvem artes, aquelas que gravam e convertem em Podcasts as jogatinas, façam vídeos, escrevam contos e livros, desenvolvam sistemas… enfim, estamos em um mesmo pé de igualdade, que é fazer parte do mundo do RPG.

Não importam cor, religião, sexo, ideologia política, esporte preferido, nada! A única coisa um pouco relevante é o fator idade (já que alguns temas, assuntos ou cenas podem acabar sendo impróprios para menores de 18 anos). Fugiu disso, a relevância para um bom jogo de RPG é 0, se não for até mesmo negativa!

Se somos livres para usarmos nossa criatividade, e responsáveis também por essa liberdade, então devemos manter na consciência (e nas jogatinas) a ideia de que somos todos iguais! Não há diferença que valide excluir alguém da jogatina, recusar novas pessoas para o hobbie ou qualquer coisa do tipo, salvo atitudes criminosas! Nós, rpgistas, deveríamos ser um povo acolhedor e receptivo, abraçando e acolhendo todas as pessoas que direta ou indiretamente despertarem o interesse de fazer parte desse mundinho muito mágico! Então vamos fazer nossa parte!!!!

Convidemos as pessoas a participarem das jogatinas, a conhecerem como funciona, a lerem e pesquisarem, mas acima de tudo, façamos com que essas pessoas se sintam iguais, presentes e importantes! Façamos das mesas de jogo um ambiente onde qualquer pessoa possa se sentir segura para assumir seus gostos, suas paixões, suas preferências e sua liberdade criativa! Não tenham preconceitos de qualquer espécie, afinal de contas, já sofremos preconceito o suficiente pelo simples fato de termos nosso hobbie, né?

Mais que diferentes, somos iguais

FRATERNITÉ

Já que tentaremos então ser pessoas que valorizam a liberdade e a igualdade, estaremos já muito encaminhados em exercer também a fraternidade! Afinal, quem nunca fez um círculo de amizades fortes em mesas de RPG?

Falando por experiência própria, alguns dos melhores amigos que fiz pra vida vieram de mesas de RPG! Alguns desses amigos são tão importantes que não importa nossa distância ou o tempo que não nos vemos, basta um oi e tudo volta ao exato momento no tempo onde nos vimos pela última vez! Além disso, RPG é uma ferramenta incrível de inclusão! Saber que uma mesa está disposta a jogar com aquela pessoa que tem dificuldades de se socializar, que tem problemas familiares, que se sente rejeitada pela sociedade, é sempre algo lindo de se ver, de se envolver e fazer parte!

Fraternidade é uma relação de “familiaridade” com outras pessoas, aceita-las como membros da família e importantes em nossas vidas! Pensem bem: essas pessoas nos causam Bleedings que podem nos ajudar a lidar com nossos problemas, nos permitem compartilhar essas experiências e histórias com outras pessoas que até então poderíamos pensar jamais termos contato, e no ajudam a perceber que regras não são moldes de gesso, e que elas podem e devem se adaptar às necessidades presentes!

Criar um ambiente fraterno e amistoso irá não apenas melhorar a jogatina, como também pode salvar vidas! Podemos, com gestos simples e humanos, ligados a nosso tão querido e amado hobbie, ajudarmos as pessoas a se sentirem melhores, mais confortáveis, menos deprimidas e mais bem aceitas na sociedade! Façamos nossa parte, sejamos nós o exemplo do mundo que queremos!

Que tal fazer das nossas mesas de RPG o maior Bleeding do mundo, estendendo Liberdade, Igualdade e Fraternidade a todas as pessoas que estiverem ao nosso alcance?

Conectar, interligar, fraternizar

 

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A Regra (De Ouro) é Clara! – Off-Topic #3

Saudações rpgísticas a você, pessoinha maravilhosa que veio até aqui ler essa coluninha! É fato que quando falamos de RPG, imediatamente cada pessoa pensa no seu sistema favorito primeiro. Sejam as ambientações, os cenários, o conjunto de regras ou a facilidade de acesso, sempre há aquele sistema que chama mais a atenção ou acaba sendo o preferido do grupo para as jogatinas. Existem sistemas considerados muito complexos e cheio de regras e tabelas, como o famoso GURPS (que muita gente sempre gosta de lembrar da velha piada da perícia para cavar buracos ou subir em árvores), e existem sistemas muito enxutos e minimalistas, como o caso do 3D&T, mas um ponto se mantém o mesmo, independente de qualquer coisa: jogamos RPG para nos divertirmos. E quando falamos de diversão, apenas uma regra máxima deve ser levada em consideração: todos devem se divertir. Claro que com isso esbarramos em vários adendos e pormenores da regra máxima, variáveis a cada grupo ou mesa de acordo com suas peculiaridades. Dito isso, e estabelecendo a diversão como regra máxima, fica uma grande dúvida: regras do sistema devem ser seguidas à risca, sem alterações e sem discussão? Ou as regras devem ser maleáveis e adaptativas às necessidades das pessoas envolvidas?

Vejamos por exemplo a Língua Portuguesa. Temos um conjunto de regras que são aplicadas às estruturas das frases, às conjugações verbais, aos plurais e muito mais. Porém, contudo, entretanto e todavia, nem todas essas regras são seguidas à risca, e inúmeras exceções foram implantadas às regras (talvez tenhamos em nossa língua mais exceções que regras propriamente ditas). A mesma coisa se aplica ao sistema jurídico: as leis não são exatamente claras, e abrem muita margem para interpretações divergentes e conflitantes em muitos casos. Se as regras que utilizamos em nosso dia-a-dia constantemente não são 100% confiáveis e utilizáveis, por que nos prendermos às regras do sistema que escolhemos jogar?

Colocando em termos práticos, existem várias formas de se jogar RPG nos dias atuais. Enquanto Larpistas se encontram para dar vida a seus jogos se valendo de regras minimalistas apenas para delimitar ambientações e resolver conflitos, existe também quem jogue advogando regras e combeando-as para obter o melhor “desempenho” do sistema. Já quem prefere jogar de forma online, através de chats ou vídeo-chamadas, muitas vezes dispensam rolagens desnecessárias para que a narrativa siga de forma mais fluida. Há grupos que prezam mais a narrativa e interpretação de seus personagens, aliviando rolagens de dados em prol de uma interpretação brilhante, de uma cena bem montada ou de uma estratégia inegavelmente infalível! Claro que regras são importantes, mas analisando de forma maquiavélica, os fins nesse caso podem justificar os meios!

 

QUEM COM REGRA JOGA, COM REGRA SE LIMITA

A maleabilidade das regras pode ser aplicada de inúmeras formas, com inúmeros propósitos, mas sempre de forma consensual entre todas as pessoas participantes do jogo, seja ele em mesa, online ou LARP. Se uma determinada regra atrapalha o desembolar de uma narrativa mais fluida, nada impede que algumas (ou muitas) rolagens de dados tenham “resultados automáticos” para o bom desenrolar da trama! Imagine um grupo de heróis medievais enfrentando um inimigo poderoso! Entre golpes, magias, esquivas e táticas de combate, eis que surge um intrépido Bardo que, brilhantemente, resolve usar uma estratégia inusitada (mas 100% dentro da personalidade do personagem) que teria uma probabilidade baixa nos dados de funcionar (algo como 7 em 20) mas que seria uma cena extremamente divertida, condizente e emocionante a todas as pessoas envolvidas. Por que não “burlar” a regra da rolagem, e dar o resultado automático de sucesso e deixar a cena se desenvolver?

Nos dias atuais, assuntos como inclusão e visibilidade estão (felizmente!!!!!!!) muito em alta! Por que não refletir isso na mesa? “Ah, mas as regras não permitem um Meio-Orc Meio-Elfo Clérigo”… quem disse??? Basta criar um background legal! E esse é o termo chave na maior parte das vezes: BACKGROUND! Em nome de uma boa narrativa, de uma boa história, e de muita diversão, toda regra de RPG pode ser burlada, alterada, mudada, moldada e adaptada ao que melhor servir a quem delas precisar! E está tudo bem fazer isso! Alguns dos melhores artigos de RPG que já pude ler (assim como alguns dos personagens mais clássicos que hoje automaticamente nos remetem a nosso hobbie) são justamente personagens que fogem às regras!!! No cenário de Tormenta, por exemplo, temos um leque de personagens que fogem completamente à todas as regras dos sistemas existentes na época de sua criação! E isso fez dele um dos melhores cenários existentes! Mas podemos ir mais além ao lembrar de personagens como o Elfo Negro Drizzt Do’Urden, de Forgoten Realms; o Conde Strahd Von Zarovich, de Ravenloft, e muitos outros!

Não se prenda ou se delimite pelo sistema ou conjunto de regras usado! RPG é uma ferramenta base para imaginação e criatividade, logo não faz sentido algum limitar a imaginação e a criatividade por causa de regras, não é? Então meu conselho é: NÃO HÁ REGRAS! Liberte-se de grilhões imaginários, solte a criatividade, molde o sistema a seu bel prazer! Derrube regras que não ajudam, altere o background para incluir novas personagens e novas escolhas! Liberdade, ainda que tardia!

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Quem Conta Um Conto, Aumenta Um Ponto – Off-Topic #2

Saudações rpgísticas a você que está lendo esse textinho! Certamente, se você gosta de jogar RPG (o que parece ser o caso, senão você não estaria lendo esse artigo, ne?), você deve gostar também de ler, correto? Quadrinhos, livros, mangás, revistas… não importa! Fato é que, lendo, em algum momento você já deve ter se deparado com narrativas compartilhadas, certo? Os veículos mais comuns de ver esse “fenômeno” são nos quadrinhos, séries de TV e cinemas. Já imaginou se após o falecimento de Bob Kane nunca mais tivéssemos histórias do Batman? Ou se uma obra literária nunca mais pudesse ser adaptada após o falecimento de quem a originalmente escreveu? Complicado né? Por isso ela é importante!

 

NARRATIVA COMPARTILHADA – O QUE DIABOS É ISSO?

Grosseiramente, narrativa compartilhada é o jeito de se contar uma história com mais de um roteirista ou narrador. Vejamos, por exemplo, os quadrinhos: seja Marvel ou DC, o leque de personagens das editoras é imenso! Com isso, o número de roteiristas e desenhistas trabalhando para as empresas também é muito grande. E não raras vezes, algum nome dessa indústria começa a ficar famoso por algum trabalho realizado, e as empresas investem mais nessa pessoa, permitindo até mesmo que personagens mais importantes da editora sejam usados. Um exemplo clássico seria Geoff Johns, um dos nomes fortes dos quadrinhos, que já passou pelos X-Men da Marvel, e na DC trabalhou com Lanterna Verde, Batman, e até mesmo em maxisséries como O Dia Mais Denso, que envolveu todo o Universo DC.
Bom, na já citada saga O Dia Mais Denso, publicada originalmente em 12 edições mensais roteirizadas pelo Johns, todos os personagens do Universo DC tiveram participações importantes, sejam eles do primeiro escalão como Superman e Batman, até personagens mais obscuros e de baixo escalão, como Desafiador e Espectro. Apesar do Johns roteirizar a série principal, as edições mensais regulares da DC integravam essa saga, e tinham tanto roteiros quanto artes feitos por outros artistas, mas tudo dentro da narrativa principal proposta por Johns. Deu pra entender?
O mesmo também ocorre com filmes. Não raras vezes, uma sequência tem o roteiro feito por uma pessoa diferente, em alguns casos sendo um bom trabalho, em outros sendo um trabalho péssimo, afinal, compartilhar não necessariamente é sinal de ajudar a melhorar! É um trabalho muito diferente pegar uma história já iniciada e dar sequência a ela, assim como também é um trabalho diferenciado deixar uma história em um bom ponto para ser continuada! Mas o ponto chave é: se as narrativas não forem compartilhadas, e não estiverem livres para ser continuadas por outras pessoas, as histórias tendem a morrer ou acabar, e muitas vezes sem mesmo um ponto final!

 

O RPG E A NARRATIVA COMPARTILHADA

“Tá bom Filhote, tudo isso eu já sei, não sou uma pessoa tão leiga você só encheu linguiça ate agora… o que isso tem a ver com o RPG?”, você pode estar pensando agora. Pois bem, isso tem muita relação com narrativas de RPG! Principalmente com narrativas muito longas ou com ambientações mais vivas de jogo.
Imagine aquele jogador que está agindo ali como mestre/narrador para um grupo iniciante de jogadores. É tendência que, até que todos absorvam as mecânicas do sistema e do cenário, seja mais difícil o jogador sair da posição de narrador, certo? Isso faz com que a pessoa que esteja narrando tenha mais experiências como Mestre que Jogador, certo? Chega um ponto em que a pessoa pode acabar desanimando de continuar jogando porque ela está sempre no mesmo papel!
Quando iniciei a jogar RPG, nosso mestre era o ÚNICO mestre na cidade! E sempre que jogávamos, ele tinha de assumir esse papel, até que com o tempo ele desistiu de jogar, pois tinha vontade de interpretar algum personagem, viver alguma aventura ou história, e isso o impedia. Foi aí então que eu narrei uma história pela primeira vez, e esse nosso amigo animou de voltar a jogar! Mas a grande questão disso é que, depois desse dia, fiquei quase 4 anos sem jogar como jogador, pois esse amigo mudou e eu era o ÚNICO mestre na cidade. Depois de me mudar, tive contato com outras mesas, outros mestres, e ai então fizemos algo até então inédito para mim: fechamos uma mesa e compartilhamos a narrativa!
Iniciamos uma nova narrativa de Mago – A Ascenção 3° Edição. O primeiro narrador começou a história, introduziu os personagens e o cenário, e jogou os primeiros plots por 5 sessões. Até então não tínhamos planejado compartilhar a narrativa, mas como nossas sessões eram regulares aos sábados à tarde (sim, nessa época isso era possível kkk), aconteceu de um sábado ele não poder ir e todos os jogadores estavam reunidos. Tive então a ideia: vou continuar narrando de onde ele parou! E assim seguimos, meu personagem se separou do grupo (e não participou da narrativa) e eu continuei. Terminamos a sessão, e na seguinte esse primeiro narrador fez seu personagem e entrou na história, e eu dei sequência à narrativa. Mais 2 jogadores da mesa alternaram a narrativa com a gente (nesses casos os personagens sempre estavam “fazendo alguma coisa em outro lugar” que era explorado na troca de narradores).
Outro bom exemplo também é a aventura Revelações, em que Douglas Quadros (o nosso querido chefinho) e eu compartilhamos uma narrativa no Mundo das Trevas. A cada sessão alterávamos os cargos de narrador, um dando continuidade na história de onde o outro havia parado. Isso proporciona a chance de ambos jogarem, participarem, e incrementarem a história! É uma forma diferente de se jogar nosso tão amado hobbie, e ao mesmo tempo dar sequência nas histórias e narrativas mesmo com aqueles corriqueiros problemas para reunir todos as pessoas envolvidas, além de solucionar uma eventual falta de familiaridade com algum sistema ou cenário dos usados. Não vou entrar em muitos detalhes sobre a história e como funcionou, porque o link está ali em cima pra vocês acompanharem como foi de fato!

 

E COMO COLOCAR ISSO EM PRÁTICA?

Sendo muito sincero, não necessariamente há uma garantia de que essa forma de jogar funcione com qualquer grupo, qualquer sistema, qualquer narrativa. Filmes como a franquia Jogos Mortais são claros exemplos onde a mudança de roteiristas leva a narrativa a se perder em muitos pontos, ignorar outros tantos, e ficar confusa para qualquer um que a acompanhe. Pode dar muito certo, pode dar muito errado, ou pode seguir nos altos e baixos por um bom tempo, tudo depende de quão envolvidos estão os participantes.
O ideal para uma narrativa compartilhada é que cada envolvido tenha um “diário das sessões”, para que a história possa ter uma linearidade, e que eventos de um narrador sejam levados em consideração na narrativa do outro. É um trabalho em equipe, que envolve tanto jogadores quanto narradores (e narradores em potencial dentro do jogo). Existem várias formas de compartilhar a narrativa. A mais efetiva delas, e a que usamos no exemplo citado acima, é os narradores compartilharem entre si os objetivos principais da história (mas sem revelar segredos importantes, afinal eles também são jogadores). Algo como “o grupo precisa livrar a cidade de uma maldição” ou “há uma guerra de vampiros e lobisomens na cidade”, para que se tenha o teor principal da história. NPC’s podem ser compartilhados entre os narradores, ou inseridos de surpresa, assim como o caminho para o objetivo final pode ser drasticamente mudado ou dificultado, tudo pode acontecer em uma narrativa compartilhada!
Outro ponto legal é que a narrativa não precisa ser compartilhada em apenas uma mesa de jogo. Já imaginou toda uma cidade, com várias mesas de jogo, compartilhando suas narrativas e personagens? Em São João Del Rey aprendi que isso funciona bem, e é muito divertido! Nessa mesa de mago que tínhamos compartilhada, certo dia recebemos um jogador de Lobisomem, de uma outra mesa (à qual eu também jogava às vezes), e ele veio com seu personagem da narrativa deles. Interagiu com nossa história, com nossos personagens, com nosso enredo e com o cenário que havíamos criado. Depois meu personagem Mago (no período que estava ausente por causa da minha narrativa) interagiu com essa mesa de Lobisomem (e ambos os eventos fizeram parte da continuidade de ambas as narrativas). E depois estendemos isso para outras mesas, todas do mesmo Mundo das Trevas!

Do You Bleed? You Will! – Off-Topic #1

Saudações rpgísticas a você, querida pessoa que está a ler esse textinho! Se você ainda não me conhece, eu sou o Eduardo Filhote, co-host do Machinecast, amante de literatura, cinema, games e RPG, aprendiz inveterado de filosofia, e palpiteiro de plantão onde geralmente não sou chamado (mas dessa vez eu fui chamado sim!).

Se você está aqui, lendo isso, então certamente você joga RPG. E todos nós, que jogamos e curtimos esse tão vasto e denso mundo, nos vimos, de alguma forma, influenciados por tudo o que aconteceu, não é verdade? Imagine um filme de terror, com muita violência e gore. Não existe um momento do filme em que nos empatizamos com a dor dos personagens? Ou que “sentimos” algo ruim por ver aquela situação? Agora pense num filme romântico, daqueles bem melosos. É provável que, em algum momento, o filme desperte um sentimento agradável e confortável, não é verdade? Talvez até uma vontade de estar ali juntinho da pessoa amada, ou de viver um grande momento romântico! O mesmo ocorre com as comédias (e talvez esse seja o melhor exemplo), onde nos pegamos às gargalhadas junto às cenas e trapalhadas dos personagens. É muito comum também no teatro, onde nos sintonizamos com quem está ali atuando no palco, com as personagens e seus dramas, comédias ou tragédias. De certa forma, é possível dizer que algo “vaza” da obra para quem a assiste.

Vazar. Essa é a questão! Em meio a tantas histórias e personagens, um número infinito de situações podem acabar surgindo, e não raras vezes (na verdade, com muito mais freqüência do que podemos imaginar), vazamos algo de nós mesmos para os personagens que estamos interpretando, ao tempo que também vaza algo das personagens diretamente para nós, que estamos a interpretá-los. Esse “fenômeno”, por assim dizer, é chamado dentro do meio rpgista de “Bleeding” ou “Sangria”, que é justamente a influência de quem interpreta o personagem sobre o mesmo, e vice-versa.

Vou dar um exemplo prático do que quero dizer: por volta do ano de 2002, montamos uma mesa de Vampiro – A Idade das Trevas. A mesa era composta por mim como Narrador, e mais 3 personagens fixos, com abertura para novos ou esporádicos jogadores. Um dos jogadores fixos (que aqui será chamado apenas de W, para proteger sua privacidade)  interpretava um jovem cavaleiro da corte de um reino fictício da Inglaterra, fiel ao personagem de outro jogador que era o Príncipe Regente do Reino, ao passo que o terceiro jogadores era um cavaleiro errante (todos eram humanos a princípio). A premissa da trama era que um grupo de demonistas estava atacando o Reino (que já não me lembro o nome que inventamos…), rivalizando um grupo de vampiros que viviam na região escondidos entre os nobres do Clero. A ideia da plot era que os personagens seriam convencidos pelos vampiros do Clero a aderirem sua causa contra os demônios, iludidos que os vampiros na verdade seriam agentes divinos na guerra contra o Inferno (era clima de Inquisição Européia minha gente…). O personagem do W era casado, e sua esposa estava grávida. Em uma das sessões, após o personagem ter derrotado um dos cultistas e o matado, ele volta ao lar apenas para encontrar o cultista que ele supostamente havia matado estuprando sua mulher e a matando em seguida diante de seus olhos de forma brutal. A cena foi bem chocante, o clima na mesa era de muita tensão e apreensão, e eu estava muito empolgado como narrador, pois estava conseguindo despertar os sentimentos de ódio e repulsa nos jogadores, o que os conduziria a aceitar a proposta dos vampiros mais à frente. Mas assim que a cena acabou de ser narrada, o W se levantou da mesa, e foi ate o banheiro, de cabeça baixa e sem falar nada com ninguém. Alguns minutos depois ele retornou, com lágrimas nos olhos, e se sentou na mesa. O jogador estava terrivelmente abalado com a narrativa! O motivo? Havia alguém próximo dele que havia passado por tal situação! Essa foi a primeira vez que tive a noção de como histórias e personagens afetam os jogadores, e como isso deve ser tratado com muito respeito e cuidado!

Nesse exemplo citado, o “bleeding” teve um efeito negativo ao jogador, trazendo à tona sentimentos e dores reprimidos, causando um mal estar e um desconforto. Positivamente, isso serviu para que ele se abrisse, procurasse uma ajuda mais profissional, e tratasse a questão. O bleeding por si só não é positivo ou negativo, bom ou ruim. Tudo depende da forma que ele foi feito, e a intenção com a qual foi feito. Um outro exemplo de bleeding, dessa vez mais positivo, já aconteceu comigo enquanto jogador. Participando das lives do projeto Réquiem BH (lives mensais de Vampiro – O Réquiem), tive uma grande oportunidade de trabalhar algumas questões de ansiedade e timidez com meu personagem. Já que estávamos jogando live-action, e meu personagem era bem social, tive de interagir com muitas pessoas, saindo da minha zona de conforto. Aliado a isso, era a primeira vez que jogava o Réquiem, e também live-action, então criar um personagem recém-abraçado proporcionou outro bleeding positivo, já que à medida que o personagem aprendia mais sobre o mundo ao qual agora fazia parte, assim também aprendia mais o jogador sobre como era esse cenário, suas mecânicas e suas nuances!

O bleeding pode ser usado, por exemplo, para mostrar para aquele jogador valentão o quão perigoso suas ações podem ser para as outras pessoas, fazendo seu personagem passar pelas mesmas situações que ele causa a outras pessoas. É possível passar para uma pessoa afetada por racismo, por exemplo, mensagens positivas e de aceitação, e também de inclusão, dando a ela chance de vivenciar toda a beleza da sua essência que é destruída pelo racismo. O bleeding também pode ser muito bem usado para proporcionar uma inversão de papéis, levando quem joga a vivenciar, através da interpretação e da narrativa, o papel inverso ao qual se encontra (uma pessoa tímida interpretando uma pessoa extremamente social, um bully interpretando uma vítima, um machista jogando com uma personagem feminista, uma pessoa de baixa auto-estima jogando com o salvador do grupo, e por aí vai), mas sempre com muito cuidado!

Tendo em mente o conceito de bleeding, o ideal é que quem for jogar e quem for narrar se entrosem na concepção de suas narrativas e personagens. Não é problema algum todos se juntarem e combinarem em comum personagens e histórias que gostariam de trabalhar e vivenciar, questões que gostariam de ser abordadas e temas que também precisam ser evitados, transformando assim uma simples partida de RPG em uma poderosa ferramenta de auto-ajuda ou auto-conhecimento. Se expandirmos essa ideia, podemos nos aproveitar do bleeding de forma lúdica, passando ensinamentos, lições e noções de filosofia, história, sociologia, física, química, biologia e muito mais! Agora, pensa nisso em um nível épico: é possível usar o RPG para dar aulas para crianças ou idosos, ensinar conteúdos reais com as quais as crianças tenham dificuldades, ajudar na alfabetização das pessoas e muito mais!

Obviamente, o bleeding não é apenas isso, a intenção aqui foi apenas de apresentar a todo mundo esse termo que está ganhando cada vez mais espaço no cenário rpgístico tupiniquim, e também passar uma ideia de como vai funcionar esse espaçosinho que me foi cedido nesse projeto maravilhoso! Nos próximos artigos, voltarei a falar um pouco mais sobre o bleeding, trarei algumas fontes externas, e também muito material off-topic para rpgistas de todos os gostos e idades! Espero que tenha conseguido passar uma leve ideia do que é o bleeding e todo seu potencial, e que algo desse textinho tenha “vazado” para sua mesa de RPG!!

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