Xamã Inimigo – Falhas Críticas #60

O grupo estava lutando contra um exercito de orcs dentro os quais um Xamã conjurava seus encantamentos na direção dos aventureiros. Tamurel, O Mago Vermelho estava compenetrado utilizando suas magias para anular as do Xamã inimigo. Tudo ia muito bem, o grupo avançava na direção do Xamã e a batalha parecia chegar ao fim.

Botina acabou se ferindo e resolveu recuar utilizando acrobacia para não levar ataques de oportunidade… . Ao passar pelo Mago do grupo, o Guerreiro desastrado esbarra durante suas piruetas e quebra a sua concentração do conjurador.

Neste exato momento, o Xamã havia aberto um portal abaixo de Tamurel, que na queda lança sua última magia de dissipar, fechando o portal com seu corpo no meio.

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Xamã Inimigo

Texto de: Douglas Rodrigues da Silva.
Adaptação de: Douglas Quadros.
Arte de: Estúdio Tanuki.

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Animais Travessos – Falhas Críticas #53

Os jogadores estavam iniciando uma nova campanha e seus personagens haviam acabado de entrar em uma guilda de aventureiros. Pegaram uma missão fácil para iniciar, caçar animais que comiam a horta de uma família da cidade, que a meses lutava contra este mal.

Chegando ao local o ladino Kall, e Botina, o guerreiro, começaram a investigar e também colocar estrategicamente algumas armadilhas. Por fim resolveram ficar de tocaia em lugares diferentes e sem avisar um ao outro onde cada um ficaria. Kall escondeu-se atrás de uma arvore e ficou preparado para qualquer coisa. No meio da noite e , o narrador pede para Kall um teste de percepção… .

Ao perceber um barulho dentro de um arbusto o ladino arremessa sua adaga 20 natural… O arremesso preciso acerta em cheio o olho daquilo que estava dentro do arbusto…

Por fim, os coelhos que atacavam a horta não foram detidos e Botina nunca mais voltou a enxergar com seu olho esquerdo.

* = Falha Crítica ou 1 no dado


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Animais Travessos

Texto de: Alexandre Assis de Castro Gomes.
Adaptação: Douglas Quadros.
Revisão de: Raul Galli.
Arte de: Estúdio Tanuki.

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Um Guerreiro de Honra – Final – Contos de Thul Zandull

Um Guerreiro de Honra – Final

Gadrak, Kine, Baas, Ogwe e Gbada finalmente estavam caminhando nas trilhas rochosas de sua amada terra. Havia ansiedade entre eles, principalmente com os momentos transcorridos um dia atrás. Suas vidas foram atravessadas por tantos eventos em tão pouco tempo que a mente de cada um tinha dificuldades em decifrar, como uma ação após a outra houvera colocado um pequeno grupo de caçadores como os principais heróis para um povoado goblin nas montanhas. Eles agora estavam armados, com espada e adagas de bom material, tinham armaduras de couro com pequenas placas e malhas espalhadas em pontos vitais, tinham escudo de quitina reforçada e enfim um poderoso item mágico que daria a eles a força necessária para expurgar invasores. Eram tantas bênçãos dadas pelos ancestrais que apenas faltava um último elemento aquele honrado grupo, agradecer e se preparar para caçada final em um local sagrado, um local no qual os antepassados ouvirão seus sussurros e os inundarão com a habilidade e coragem necessárias. 

Assim fizeram e mais uma vez estavam na caverna de Três Cortes, caminhando em local solene, ouvindo o gotejar distante propagado no ambiente, vendo os brilhos dourados comuns naquele templo natural, antigo e sagrado. As paredes acidentadas e cheias de fissuras logo se estreitaram e enfim revelavam a perfeita estátua do grande senhor daquelas montanhas, o Pai de todo clã. Gadrak foi o primeiro a se ajoelhar, seguido dos demais que fizeram uma linha, junto uns dos outros para agradecer e para pedir pelo companheiro caído, pediam forças para rastrear e caçar a ameaça ao povo que apenas queria viver ali. O poder da crença imbuia a mente dos presentes, fazendo com que as percepções fossem totalmente nubladas, fato que impediu qualquer um de notar a aproximação de uma ameaça. Logo, eles notaram que suas preces foram atendidas rápido demais. 

Gbada foi o primeiro que notou algo estranho, ao se virar percebeu que no ponto máximo de estrangulamento da caverna havia uma figura feminina reluzente com couraça de metal completa, um grande escudo com um brasão de um olho coroado e uma espada afiada gritando desafio e morte. Logo atrás, em posição levemente acima, protegido pela guerreira, estava um homem com leve armadura de material similar a deles, mas portando uma arma pesada no qual se projetava uma seta de madeira maciça com ponta de metal. A reação de Gbada diante daquilo foi gritar a todos, ao passo que todo grupo foi igualmente surpreendido com a situação.

Gadrak ordenou que todos se posicionassem para o ataque, mas antes que pudesse reagir ouviu o barulho produzido pelo zunido violento da arma usada pelo homem que estava à retaguarda da guerreira. A seta cortou rapidamente o ar parando no ombro de Ogwe, que caiu com aquele forte impacto. A armadura usada por ele não foi suficiente para amortecer o impacto do disparo de curta distância. A guerreira gritou, chamando-os à luta e Gadrak e os demais arremessaram azagaias. O homem esguio se abaixou usando pedras como cobertura, enquanto a guerreira facilmente aparou os arremessos. Seu escudo estava intacto, mas ela manteve a posição. O líder dos goblins percebeu a astúcia de sua oponente, ela evitaria ser flanqueada pelo número maior dos seus, usaria sua proteção pesada para segurar os ataques e então rechaça-los. Sua esperança residia no item que tinha consigo. Pegou rapidamente a esfera enquanto os demais buscavam cobertura. Ao apanhar a esfera, notou que o esguio atirador também recarregou a sua arma. Ogwe estava acordado, mas não podia mais se proteger levantando o escudo, Gbada ficou em área aberta para tentar dar cobertura ao companheiro de luta.

O líder novamente fez o gesto erguendo a esfera e gritando aos demais. Seu clamor encheu os corações dos goblins concedendo coragem, confiança e habilidade para uma carga violenta. Baas e Kine estavam à frente já com lâminas em posição, enquanto Ogwe e Gbada também saíram de suas posições de defesa para um ataque violento, portando as azagaias. Dessa vez sentiram que a força concedida seria suficiente para atravessar o metal maldito daquela guerreira amaldiçoada. Gadrak vinha logo atrás com espada de lâmina curta e a esfera levantada acima de sua cabeça.

A guerreira preparou seu corpo para o impacto e posicionou o grande escudo. Logo, houve o choque e o tinir de lâmina contra a parede de metal, também o zunido das azagaias, que dessa vez amassaram as bordas onde se quebraram. 

Gadrak teve esperanças e em breve romperiam a proteção!

*******

Jasmine estava aflita, pensou que o ataque surpresa e a posição seriam suficientes para acabar com aqueles vermes que conspurcavam a terra com seus hábitos bárbaros, porém eles possuíam um item mágico, as malditas criaturas tinham obtido algum poder provavelmente em uma barganha de sangue. Sua fé estava ameaçada por aquele ato blasfemo, precisava aguentar a provação se quisesse ser uma Exarca. 

A carga pesada dos goblins demonstrava que estavam em uma fúria bestial, porém segurou firme já se preparando para estocar o oponente que estava a sua frente. Sua lâmina longa das fundições de mestre Zalrin, investiram contra a proteção tosca das criaturas, a ponta da espada encontrou breve resistência em aglomerado de placas e malha de baixa qualidade, elas logo se partiram na pressão colocada por Jasmin, naquele golpe, o couro que ainda protegia o goblin, se rompeu e a lâmina cortou a carne e órgãos, entrando rapidamente e profundamente naquele pequena besta de pele esverdeada. 

A guerreira ouviu o grito daquele que parecia ser o líder. Após concluir seu golpe e rapidamente puxar a lâmina de volta, para sua surpresa as cordas de entidades profanas ainda mantinham aquela patética criatura em pé. Ela percebia a determinação naqueles olhos, determinação maligna e perigosa. Num misto de assombro e descrença momentânea, sentiu um impacto em sua coxa esquerda, o outro ser de olhos brilhantes havia golpeado com tanta força sua perna, que a placa da coxa quase rompeu, sentia dor no local. Ao mesmo tempo, duas azagaias novamente vieram em sua direção. Conseguiu levantar o escudo para um dos golpes, mas o seguinte passou, chocando-se em seu peitoral, a madeira não penetrou mas se partiu e os estilhaços se espalharam atravessando elos da malha na parte interna da armadura que protegia seus braços.

Logo a guerreira percebeu que não podia subestimar as criaturas, gritou um comando para William quebrar os ataques à distância dos oponentes, no mesmo momento que o escudeiro já se preparava para novo golpe.

*******

Gadrak, sentia os pulmões quase explodirem ao gritar percebendo o ferimento mortal recebido por Baas. Seus companheiros mantinham a coragem e força sobrenaturais e o líder teve uma esperança ao perceber que uma azagaia rompera aquela proteção e que Kine finalmente fizera aquela usurpadora sentir dor. Baas ainda estava de pé, mas a magia que o mantinha não seria suficiente, Gadrak se movimentou tentando aproximar-se para ajudar seu companheiro de caça e amigo, mas o humano com arma pesada fez novo disparo. A seta de ponta brilhante acertou novamente Ogwe, porém um golpe certeiro no meio do peito. O jovem goblin tombou para trás sem esboçar dor, sem gritar, sem gesticular, percebeu naqueles olhos apenas a gratidão por tombar ali, naquele local sagrado, com os olhos atentos e o orgulho dos ancestrais. Gbada ao ver a cena, puxou a adaga que tinha recebido e se preparou para o combate próximo, seus olhos estavam cheios de lágrimas, mas também não esboçou sons, estava orgulhoso e queria que os demais companheiros também observassem sua glória em combate.

Baas vacilou com a dor e pensou que não poderia lutar, sua vida estava se esvaindo rápido. Viu Gadrak e Gbada chegando, enquanto Kine estava ali firme. Não hesitou, se agarrou nas bordas do escudo, tentando com suas últimas forças arrancá-lo, ao fazer isso abriu toda sua guarda e se desvencilhou de arma e escudo. Estava firme em seus pensamentos e orações diante daquele esforço final, fechou os olhos e sentia novas estocadas em seu corpo enquanto colocava sua força de vontade acima de tudo. Finalmente sentiu o escudo da guerreira soltar-se e num último suspiro arremessou-o para longe. Ao abrir os olhos viu a lâmina diante dele e tudo escureceu.

*******

Jasmine estava pasmada com a criatura que mesmo moribunda conseguia segurar seu escudo, ela havia cortado e estocado aquela maldita besta, mas ela não desistia. Novamente recebeu golpes no flanco esquerdo. Não conseguia aparar e posicionar o escudo sendo agarrada ferozmente. Suas placas resistiram aos golpes da espada de baixa qualidade do goblin de olhos brilhantes, porém mais deles se aproximavam. 

Willian preparava a besta novamente e ao ver isso Jasmine respirou fundo e em um breve vacilo, teve finalmente seu escudo arrancado e arremessado, furiosa ela cravou sua espada na cabeça da criatura enquanto usou sua pesada manopla esquerda para esmurrar a cara do goblin que tentava vencer a resistência de sua armadura. Com a violência do soco, o goblin cambaleou e foi segurado pelo arremessador de azagaias. Jasmine viu que o líder portador do item mágico estava perto e tentou acertá-lo, porém era ágil e evitou dois golpes. A guerreira saiu de sua posição, agora tomada de ódio por aqueles frágeis e dementes adoradores de figuras sombrias que se opunham contra a força de sua Fé.

*******

Kine sentia dor terrível, seu nariz e outros ossos se quebraram naquele soco, foi segurado por Gbada. Ambos viram a guerreira avançar furiosa em direção a Gadrak, havia oportunidade para golpear o atirador. Assim fizeram, avançando sobre ele. O esguio humano viu a ameaça chegar e não havia tempo para mirar, foi então que quase a distância de meio metro disparou. A última seta disparada foi certeira e atingiu Gbada no pescoço. Mesmo ferido e movido pelo calor do momento saltou e cravou sua adaga no olho do seu algoz, enquanto Kine fez com que a lâmina curta entrasse firme entre as costelas do oponente. 

Kine viu Gbada em pé, firme após o golpe, trocaram olhares, Gbada acenou com a cabeça e sentou-se ao lado do humano inerte, com a respiração gorgolejante. Kine entendeu e correu para ajudar seu líder. Mais um jovem goblin se despedia, mas sem desespero, apenas a convicção de vitória acalentava aquele fechar de olhos.

*******

Jasmine avançava lentamente e golpeava repetidamente fazendo movimentos variados sempre evitados pelo líder, a esfera brilhava e algumas vezes percebia que aquele maldito item de alguma maneira conseguia segurá-la tempo suficiente para que seu inimigo se esquivasse. Mesmo em luta próxima Jasmine viu Willian entregar sua vida, se encarregando de mais um goblin. Aquele jovem escudeiro teria sua história de bravura contada. 

Ela sabia que logo seriam dois contra ela, sem escudo e sem posição de vantagem, poderia ser pega facilmente e as placas não a salvariam. Foi então que ela respirou fundo, novamente concentrando-se na Fé Diáfana. Por um momento houve silêncio e seu golpe foi preciso. 

Jasmine não tentou vencer com um golpe mortal, mas sim extirpou a luz maldita daquele goblin, decepando sua mão junto do item que era segurado. O goblin imediatamente caiu de joelhos com a dor tentando agarrar o toco, onde antes havia esperança profana.

*******

Kine se preparava para flanquear a guerreira quando viu a mão de Gadrak sendo arremessada junto da esfera para perto da estátua, sentiu pavor, sentiu medo, mas todos tinham entregado suas vidas. Não poderia ele hesitar nesta carga, neste ataque, nesta última luta. 

Correu em direção a invasora, que tentou golpeá-lo, Kine fez um movimento com o corpo, fazendo com que sua breve corrida e movimento atribuíssem ao golpe mais força que o normal. Finalmente a armadura não resistiu ao impacto e a lâmina curta cravou na perna, de maneira tão violenta que a espada partiu ao tentar ser retirada. 

A guerreira urrou de dor e antes de focar sua ira teve tempo de chutar o peito de Gadrak que caiu. Agora Kine viu que tinha toda atenção dela, começou a recuar após o golpe e teve rápida agilidade ao pegar a espada de Baas no chão. 

Aquela mulher avançava com dificuldade. Com as mãos retirou o resto de lâmina da perna, mesmo mancando continuou o movimento. Kine estava ofegante, o ímpeto mágico passou e agora sentia seus músculos reclamarem diante da tensão do momento. O goblin foi o primeiro a golpear, porém sem sucesso. A invasora aparava os golpes com habilidade e a cada brecha tentava desferir um soco ou um chute.

Mesmo em luta, Kine viu que cambaleante, Gadrak tentava recuperar a esfera mágica. Pensou que havia esperança enquanto resistisse.

*******

Jasmine odiava aquela raça imunda. Seu corpo sofria com as agressões recebidas, mas ela estava perto de vencer. O goblin a sua frente era valente e resistia, mas seu treinamento em armas era inferior, ela apenas precisava manter aquela dança mortal, até ele demonstrar um vacilo, que logo veio a ocorrer. Um golpe mal executado permitiu que Jasmine movimentasse seu corpo de maneira que sua perna pudesse se colocar à frente do goblin, que caiu no encontro de ambos os corpos. Sua arma escapou das mãos e agora estava ali caído.

Jasmine soltou brevemente a arma se ajoelhando perto da criatura. Iria golpeá-la com as manoplas. Ao ser virado o goblin, ainda sacou rapidamente uma faca feita em marfim, que apenas arranhou seu peitoral. Soco após soco a futura Exarca extraia aquele brilho profano dos olhos da criatura. Sangue e glória em sua luta de fé chegavam ao ápice à medida que a templária continuava a se banhar com o que restava da cabeça do goblin que ousou ferir seu corpo imaculado. 

Restava apenas um. Ao olhar para trás viu que o líder se arrastava até a estátua, símbolo de uma crença maldita que logo seria erradicada.

*******

Gadrak se arrastava, sofrendo com as dores. O chute devia ter quebrado costelas, sua mão decepada se esvai em sangue. Viu Kine morrer, suas lágrimas corriam à medida que sua cabeça via os corpos de todos os seus companheiros. Sua astúcia, os ancestrais, sua crença estavam perto do fim. Pensou em toda sua vida, chegando até aquele momento, todo esforço para se prepararem, sua família, seu clã. Não era justo o que estava acontecendo, ele sabia que os encontros, o item encontrado, sua convicção na causa justa de sua luta seriam de alguma maneira recompensadas. A guerreira vinha lentamente em sua direção, após pegar sua espada. Chegou até a esfera e recuperou-a. Estava aos pés da estátua. Sonhava com o dia que talvez pudesse ser como seu antepassado, se lembrou do nome sagrado daquele que inspirou seu rito de nomeação, Garlak, Três Cortes. Queria honrar a todos, estava ali disposto a se entregar para proteger seu povo, mas como poderia…

A algoz estava perto, Gadrak olhou para esfera e viu a mesma brilhar. Ele estava determinado em ser um guerreiro e um líder honrado dando sua vida pelos demais, manteve esse pensamento firme enquanto segurava a esfera, que brilhava com muita força. O líquido se expandia, quando Gadrak, sentiu a lâmina entrar em seu peito. Continuou olhando enquanto seu corpo perdia a força, continuou olhando quando a esfera caiu de sua mão, continuou olhando e ignorando o segundo golpe, o terceiro…. continuou olhando quando misteriosamente a esfera se partiu aos pés da estátua. Continuou olhando enquanto as lágrimas escorriam…..continou….cont….

*******

Jasmine olhava a cena ofegante. A ferida na perna era um incômodo verdadeiro, seu corpo e sua Fé foram vitoriosos. Sentiu tristeza ao ver o líquido prateado aos pés da estátua, o objeto de poder foi quebrado antes que pudesse ser estudado pelos membros de sua Ordem. Precisava deixar aquele local logo.

Enquanto regozijava-se pela vitória, já em posição de oração, viu que uma luz se espalhou a partir do líquido se espalhando por toda estátua. O brilho ficou cada vez mais intenso, quando Jasmine sentiu seu corpo novamente se preparar para a luta. Recuperou o escudo e ficou em posição. 

Jasmine percebeu o líquido correr pelo corpo da estátua enquanto a pedra tornava-se casca quebradiça que aos pouco caia, pedaço a pedaço até que todo corpo do herói Garlak, Três Cortes estivesse de novo intacto. 

Assustada com a cena, contemplou aquela figura maldita. Tinha uma armadura de couro rígida ricamente adornada, com proteções espalhadas pelo corpo. Havia inscrições em um material brilhante espalhadas na proteção usada por aquele goblin, ele tinha uma aparência resoluta e solene olhando seus iguais, de alguma maneira Jasmine sabia que ele de fato conhecia o que ocorrera ali momentos antes. Garlak se ajoelhou diante daquele corpo caído a seus pés e ela pôde ouvir um “…Obrigado irmão, eu continuo daqui seu legado…”.

Garlak sacou duas adagas de lâminas levemente curvas e esguias, eram feitas de um mineral perfeitamente polido de cor vermelha com inscrições rúnicas brilhantes. Aquele goblin tinha um tom de pele verde bem escura e logo começou a se mover na direção de Jasmine.

A guerreira estava assustada com a nítida arma mágica que colocaria a prova suas defesas e Fé. O goblin investiu, a templária levantou seu escudo se preparando para responder aos golpes, mas quando deu por si, notou que o pequeno havia escorregado por seu flanco vulnerável esquerdo, evitando o escudo e desferindo um corte preciso na parte de trás de sua perna, na junta. Sua placa foi facilmente rompida e os músculos e tendões afetados.

Jasmine tentou retaliar, mas aquela besta maldita era rápida, evitando o golpe e se recuperando deste escorregão lateral com um movimento acrobático impossível.

Garlak viu que a guerreira tentava inútilmente mover-se, mas aquele corte foi preciso. Já sem movimento Jasmine tentava ficar firme quando o goblin arremessou sua adaga e correu em seguida. A adaga deixou um rastro vermelho e cravou no escudo, enquanto ele corria. A mulher se preparou com a espada, mas os sons foram cortados por um estalido, um som feito pela boca do goblin. A lâmina da adaga respondeu, saindo do escudo com movimento tão brusco que abriu a guarda no momento decisivo. Garlak evitou a espada longa, passou o primeiro corte na base da garganta o segundo no seio direito no exato momento em que a arma voltou a sua mão num piscar de olhos e finalmente o terceiro golpe com um movimento rápido de vai e vem na qual o corte da base do pescoço se transformou em uma perfuração completa na lateral do mesmo local.

Jasmine tombou para trás enquanto Garlak puxava as lembranças de seu período petrificado, sua consciência magicamente trazia lembranças de décadas. Havia muito a fazer, mas antes precisava dar um funeral digno a todos que se sacrificavam por seu grande povo. 

Se lembraria de todos os nomes, mas especialmente de Gadrak, que oferecerá sua vida de bom grado na esperança de um futuro melhor aos goblins daquelas montanhas.

Ele honraria esse desejo, o Herói de outrora retornou!

Fim?


Um guerreiro de honra – Parte IX

Autor: Thul Zandull
Revisor: Isabel Comarella
Artista da Capa: Douglas Quadros

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Um Guerreiro de Honra #8 – Contos de Thul Zandull

Um Guerreiro de Honra – Parte VIII

Jasmin ainda pensava no ataque que sofreu na noite passada, o futuro de sua companhia e da guilda que havia financiado a viagem dependia do sucesso em mapear estradas e toda região. Se conseguissem concluir o trabalho reduziriam a viagem entre a comunidade costeira de Harlan e a crescente cidade de Basil em alguns dias, porém as traiçoeiras passagens entre aqueles picos escondiam perigos constantes. Povos bárbaros e selvagens que resistiram à investida da civilização. Jasmine sempre fora ensinada pela Fé Diáfana que a palavra de seu senhor, aquele que a tudo vê, era tudo que precisavam para viver em plenitude. Nunca pôde retribuir a comida e cuidados recebidos em sua infância. Se esforçava em servir e cuidar daquele a quem considerava um pai. O assecla Kent Chambers estava ali para continuar oferecendo acalento e proteção. Ele usou de sua influência para dialogar com os mercadores que viam uma real possibilidade nesse mapeamento e nessa busca por uma nova rota. Infelizmente os riscos eram altos e o grupo formado estava distante do ideal, mas Chambers era versado nas artes divinas e possuía conhecimentos e poderes dignos para oferecer proteção, além disso Chambers também havia chamado Lester Chapman, um irmão da Ordem para apoiá-lo. Chambers sempre contava histórias da época que Chapman caçava infiéis nas terras distantes do Sul, muitas narrativas citavam aquele senhor franzino como membro de renome à frente dos Zelotes. Jasmine sabia que apenas sua força e habilidades de combate não seriam suficientes, ela ainda estava longe de ser uma Exarca, mas sonhava com o dia em que finalmente poderia servir a Autarquia da Fé Diáfana de maneira satisfatória.

Jasmine trouxera consigo seus dois cavalariços Pete e Willian já que os serviços pesados e os cuidados do acampamento não poderiam ficar centrados apenas nela e muito menos nos velhos senhores que os acompanhavam, eles já haviam visto meio século de invernos, o que era espantoso levando em consideração as diversas batalhas que vivenciaram nesta constante Guerra pela Fé que travavam. A templária pensava consigo que Basil poderia se tornar um expoente para o abastecimento de tantas outras pequenas comunidades que dependiam do comércio marítimo de terras distantes que chegavam por Harlan. Algo que a entristecia era observar como tantas pessoas direcionam críticas pesadas ao esforço de sua Fé, tantos jovens quanto ela ainda acreditavam e defendiam as crenças, algo que permitiria a seu povo crescer e à sua cultura se espalhar, porém era inaceitável como agora muitos estudiosos alegavam e condenavam a manutenção de tudo de bom que fora ensinado por tanto tempo. Ela pensava que se houvesse menos discussão por liberdades tolas haveria mais jovens dispostos a abrir estradas para o progresso e expansão rápida dos ensinamentos divinos. Havia urgência em limpar sua amada nação de criaturas inferiores e grotescas.  

A templária ouvira histórias sobre a tumba do herói goblin chamado Garlak, Três Cortes, e como seu seguidor Guicho trouxera seu corpo para aquelas montanhas, algo que fomentou o surgimento de um clã. A cada momento que trazia esta história à tona, se revoltava nos momentos de fraqueza de sua Fé, fato que permitiu inúmeras mazelas com a multiplicação de ameaças, que hoje eram combatidas impiedosamente. A própria Jasmine tinha experimentado o ataque covarde no início da noite anterior, quando todos se preparavam para descansar. Ela quase perdeu seu mentor e protetor Chambers. Se não fosse Chapman, talvez aquelas ardilosas e asquerosas criaturas tivessem sucesso. A guerreira sabia que aquele povo deveria ser exterminado e não seriam pegos de surpresa novamente. 

Os dois sábios asseclas analisavam os caminhos permitindo que o grupo avançasse lentamente. Traziam muitos suprimentos e materiais em um carroção puxado por bois, a cada hora, desenhos, cálculos e anotações eram feitas, assinalando as melhores e mais seguras opções para viajantes, bem como pontos para possíveis acampamentos, locais com água potável e vegetação, além é claro da catalogação de plantas e animais exóticos do local. Chambers se entristecia em perceber que havia tantos locais em sua amada nação que foram negligenciados, mas não expressava para sua eterna pequena “filha” suas insatisfações. Ele sabia que era necessário manter a esperança nas futuras gerações, mas a verdade era terrível, décadas de recursos financeiros e Humanos em guerras Sagradas intermináveis podaram qualquer possibilidade de real domínio das vastas terras da Santa Fé. Agora os inimigos haviam se acumulado demais e atitudes desesperadas por manter a roda da civilização girando tornavam aquela patética companhia algo vital para que moedas pudessem chegar mais rapidamente aos esforços de guerra para resistir em três diferentes frentes de combate abertas.

Chapmam conhecia seu parceiro de luta e ambos conseguiam entender as angústias um do outro. Aquele velho que um dia fora um Zelote capaz hoje agradecia a oportunidade de se distanciar de tantos combates sem sentido. Infelizmente o ataque que sofreu na noite anterior foi uma consequência natural de tantas agressões. A guerra estava intrinsecamente ligada à essência dele. Quando conjurou seu famoso açoite de chamas, Chapman se lembrou dos massacres de Lança Leste,  décadas atrás. A Autarquia não hesitou em ordenar a morte de mulheres, idosos e crianças em nome da Fé. Talvez, pensava ele, tivesse sido mais justo que aquelas lanças afiadas de madeira tivessem ceifado sua vida. Todos o chamavam de herói, mas as lembranças que carregava eram pesadas demais. Havia um dever a ser cumprido naquela busca, naquele trabalho, mas Chapman tinha esperanças que talvez houvesse um fim para sua dor.

Pete e Willian estavam ainda aturdidos pelos acontecimentos do fim do dia anterior, eles quase encontraram uma morte prematura no ataque dos goblins. Haviam sobrevivido e pensavam como eram afortunados de primeiro terem aquela grande oportunidade que poderia significar a efetivação de suas posições nas fileiras da Fé e segundo o fim dos constantes períodos de fome que passavam. Pensar em ter algum recurso, um pouco de renome e respeito, além de comida era mais que suficiente para aceitarem o chamado de Jasmine, porém a realidade de lutas foi deveras assustadora. Presenciaram os milagres de cura e o poder da Fé agindo contra os inimigos acabou sendo um misto de experiências de assombro, respeito e medo, mas enfim, estavam vivos e ainda havia muita viagem pela frente. Sentiam que poderiam fazer a diferença com seus esforços em manter sadios aqueles que poderiam protegê-los dos perigos da jornada.

Quatro dias se passaram rapidamente e apenas pequenos encontros com criaturas selvagens atormentaram a companhia. Naquela manhã, o Diáfano havia honrado a todos com o encontro que tiveram com dois jovens goblins que tentavam caçar aves de grande porte. Foram rapidamente superados e amarrados. Chapman usou seus poderes para poder se comunicar e após pressão de Jasmine enfim descobriram um local de interesse, a famosa tumba de Garlak, Três Cortes. Inebriada com a possibilidade de sucesso, Jasmine foi alertada por Chambers que deveriam libertar os prisioneiros e manterem o foco no término do mapeamento da passagem pelas montanhas tão necessária, mas jovem e impetuosa, a templária argumentou que se fizesse isso estaria desonrando sua Fé, algo que eles não deveriam fazer. Chapman retrucou dizendo que aquela atitude poderia minimizar os problemas iniciados no combate de dias antes. Irritada com tudo Jasmine não hesitou em decapitar os prisioneiros, acabando assim com a discussão. Chambers vendo atônito como sua “filha” demonstrava a essência das crenças de outrora se entristeceu profundamente. Houve uma discussão acalorada e enfim a templária decidiu que Pete guiaria os dois na missão iniciada, com destino a Harlan, enquanto ela e Willian pegariam suprimentos para explorar o local tido como sagrado por aquele povo infiel. Jasmine sabia que era seu dever expurgar os símbolos ou crenças dos bárbaros e avisou aos velhos asseclas que em breve irão novamente se reunir. Antes de se separarem Chambers ainda tentou dissuadi-la, mas percebia que talvez tivesse sido um exemplo exagerado demais de seguidor da Fé, principalmente ao perceber que a jovem não esboçou sentimentos, apenas determinação em seguir suas crenças e atingir aquilo que tanto almejava.

O grupo estava separado e seguindo as orientações extraídas dos jovens goblins, Jasmine e Willian finalmente chegaram na caverna indicada como a tumba do herói dos infiéis bárbaros. Sentia seu coração explodir em seu peito com a possibilidade de se tornar uma figura de destaque, inspirando outros como ela, filhos e filhas da guerra, da dor e da pobreza. Estava perto de se tornar uma Exarca, porém percebeu focos de luz dentro da caverna. Mesmo com pesada armadura, avançou com cuidado ao lado de Willian, que portava uma besta pesada consigo. A boa distância notou que cinco goblins prestavam homenagens diante de uma estátua de pedra perfeita e estranhamente entalhada, fato que fez com que se lembrasse das histórias lidas. Ela estava onde precisava. Avançou um pouco mais percebendo sinais de que aqueles goblins maltrapilhos, com proteções e armas desprezíveis foram os mesmos que agrediram sua companhia. Antes que pudesse se preparar para o ataque, um deles percebeu sua presença. 

O combate glorioso enfim chegou!

Continua…


Um Guerreiro de Honra – Parte VIII – Um conto de Thul Zandull

Autor: Thul Zandull
Revisor: Isabel Comarella
Artista da Capa: Douglas Quadros

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Um Guerreiro de Honra #7 – Contos de Thul Zandull

Um Guerreiro de Honra – Parte VII

O retorno para seu lar nas montanhas começou naquela manhã, após mudanças inesperadas no curso das ações que havia organizado, Gadrak sentia uma confiança inexplicável naquele momento. A cada pausa que fizessem, Baas continuaria seu trabalho com os materiais e ferramentas que haviam obtido. Tinham boas armas, teriam armaduras de qualidade. Nenhum caçador ou guerreiro tinha equipamentos assim e dessa maneira havia esperança de vitória se fossem rápidos o suficiente para golpear os invasores de maneira que não pudessem revidar com seus poderes mágicos. Apesar deste sentimento inflar a coragem do líder, ele também se lembrava que haveria horas de marcha rápida pela Mata Velha, que ainda não havia sido superada. Os olhos e ouvidos daquela massa verde gigantesca e idosa ainda podiam ser percebidos em zumbidos e sons misteriosos vindo de todas as direções. Os caçadores que faziam parte do grupo mantinham suas percepções afiadas a qualquer perigo, mas não conseguiam esconder seu apreço pelas brilhantes armas de material forjado que haviam encontrado.

O tempo passava e o dia se esvaia, quando Gadrak ordenou uma pausa para o descanso. Todos sentiam dores musculares, mas quando paravam cada um dos goblins assumia uma posição de responsabilidade. Baas retomava seu trabalho com couro com ajuda de Gbada, enquanto Ogwe acendia a fogueira e preparava o alimento para todos, mantendo os olhos atentos aos perigos do entorno. Gadrak assumia o posto de vigia em ponto mais alto, enquanto Kine agia como batedor garantindo que soubessem o que havia no perímetro. Todos sabiam que as ordens e o cumprimento de cada tarefa era importante, já haviam perdido um companheiro por ignorarem as ameaças da Mata Velha, apesar de todas as atitudes preventivas a noite indicava uma tranquilidade, estranha, mas constante. 

Gadrak sentia-se incomodado com a situação, pois tamanha tranquilidade não seria normal depois de tudo que passaram. Aproveitou que estava sozinho, em sua vigília para analisar com calma o objeto que encontrara com os Kobolds, aquele material cristalino e transparente revelava um líquido grosso prateado e brilhante. Rodava a esfera tentando encontrar uma fenda por onde o líquido poderia ter entrado e mais ainda, uma brecha por onde ele poderia escorrer. Estava confuso e curioso. Qual seria a função do objeto? Enquanto manipulava o item, pegou sua espada de lâmina curta e com o pomo da arma golpeou levemente o cristal, uma leve rachadura apareceu quando fez mais força na pancada, porém com a mesma velocidade que surgiu, o dano foi reparado inexplicavelmente diante de seus olhos, ao passo que o interior emanou um leve brilho. Era estranho, mas Gadrak sentia-se bem ao ver o brilho, por um instante não havia preocupações, temores e nenhum sentimento negativo, suas dores musculares passaram e sua coragem parecia renovada. O goblin sabia que diante de si estava um objeto mágico com poderes estranhos. Realmente os ancestrais de seu povo estavam oferecendo bênçãos e proteções. Mas, em um piscar de olhos a fantasia construída pelo líder ruiu com um berro, um chamado vindo de Kine, um chamado desesperado…

Momentos antes, Kine mantinha sua ronda, sua habilidade como batedor era nítida a todos e depois dos desafios enfrentados, o goblin mais que os outros tentava vasculhar com cuidado todas as informações recebidas por seu corpo, cheiros, sons, imagens e sensações. Foi assim que notou na base de umas das gigantes árvores de Mata Velha uma toca de coelhos, muito maior que o normal. Havia comida proveniente da caça do javali de casco Brônzeo, mas o sabor de coelhos e a pele de um animal de tamanho respeitável como aquele seria um pequeno prêmio para tantos desafios. Preparou uma pequena armadilha e durante um tempo postergou aquela vigilância extenuante. Esse momento de irresponsabilidade cobraria seu preço.

Kine ouviu tarde demais uma carga que foi iniciada poucos segundos antes, uma carga que rasgava a mata, raízes e tudo que havia por perto, ao focar sua visão percebeu diante de si uma fera, a pouco luz noturna permitiu ver um reflexo nos cascos daquela formidável fera, movida pela ira e pelo açoite vingativo da natureza. A fêmea rastreara os algozes de seu parceiro e Kine percebeu tarde demais que sua breve autoconfiança fora assassinada pela Mata Velha, aquela que conhecia os ciclos, as fraquezas e forças de todos os seres vivos que ali estavam. Juntou suas forças e gritou o mais alto que pôde, permitindo assim que os outros não pagassem por seu breve momento de irresponsabilidade. Ao terminar de gritar sentiu o impacto certeiro no meio de seu peito, sabia agora o sofrimento que Jajem passou. A dor era indescritível e sentia os ossos de seu corpo quebrarem. Foi arrastado por alguns metros e à medida que seu corpo escorregava pela lateral da besta, sentiu os cascos pesados pisarem em seus membros inferiores. Seu desespero logo acabaria, a dor logo cessaria.

Os três goblins Baas, Ogwe e Gbada pegaram suas armas e correram em direção ao grito. Ao se aproximarem viram Kine que respirava em plena agonia e dor, mantinha os olhos abertos e tentava puxar o ar, em uma luta ferrenha pela vida, suas pernas estavam quebradas, os ossos partidos como galhos frágeis pelos cascos da besta estavam à mostra. Havia sangue, muito sangue e a criatura ali presente não tinha saciado sua sede de vingança. Gadrak chegou logo em seguida e ao observar a cena não se intimidou. Seu companheiro caído, a lembrança de Jajem e os perigos passados, além da urgência de seu povo, fizeram com ele gritasse um brado de guerra com um clamor colérico que trouxe ânimo e um instinto de luta a todos. Sem entender o motivo Gadrak levantou a esfera como se um comando misterioso relevasse um mistério grandioso capaz de salvar a vida de todos. O líquido prateado ao ser brandido e içado acima da cabeça do goblin irradiou luz, uma luz que não causava dor aos olhos daqueles seres da noite, mas sim uma luz que trouxe uma energia inebriante, um poder ancestral que permitirá a eles vingar seu amigo caído. A Besta ao ver aqueles guerreiros em marcha em sua direção se conteve, todos seus instintos clamavam por fuga, mas a sede de vingança era insaciável. 

A javali iniciou sua nova investida quando Ogwe e Gbada reagiram preparando suas azagaias. Lançaram suas armas enquanto Baas e Gadrak sacaram suas lâminas curtas em uma corrida contrária. As pontas de madeira foram arremessadas com grande precisão acertando as costas e a parte inferior do animal que vacilou em sua corrida. Este breve desequilíbrio permitiu que em ambos os lados da fera os dois goblins escapassem no impacto mortal de presas, cascos e músculos, que ainda desferiram cortes nas ancas do animal. As lâminas rasgaram com facilidade o couro, com uma força sobrenatural que invadia os corpos de todos ali. A javali vacilou novamente com os ferimentos, sua força se esvaia devido aos ferimentos. Enquanto isso, os dois mais jovens circularam a posição da fera, que agora estava acuada e em dúvida do alvo que deveria atacar. Novamente duas azagaias fizeram um breve silvo cortando o ar e atingindo as costelas em ambos os lados, A respiração da Besta diminuía assim como os reflexos. Quando Baas e Gadrak vieram em novo movimento, a javali ainda tentou acertá-los, mas o líder se esquivou escorregando pela lateral esquerda da fera, cravando sua lâmina profundamente entre as costelas, perfurando órgãos e fazendo o sangue escorrer. Baas desferiu um golpe com tanta raiva que fez com que sua espada cortasse presas e abrisse um rasgo na cabeça da criatura. A fera ainda se movia, porém lenta e agonizante. Gadrak gritou expondo sua fúria ao animal, que ao ser intimidado nem conseguiu perceber quando mais duas lanças curtas de madeira a acertaram na cabeça. Antes de tombar, os dois goblins em combate próximo desferiram estocadas nos olhos, encerrando assim o combate.

Não havia tempo para comemoração, todos correram até Kine que ainda lutava pela vida. Sua respiração estava tênue e seus olhos bem abertos tinham lágrimas. Gadrak soltou a esfera que carregava sobre o peito do amigo enquanto a espada caía no chão ao seu lado. Usou as duas mãos para segurar a cabeça de seu companheiro de lutas. Todos se ajoelharam e tocaram naquele bravo batedor, permitindo que não houvesse solidão em sua partida.

Enquanto dor e sofrimento se misturavam a esfera novamente irradiou luz, porém dessa vez a luz era direcionada ao corpo do goblin, uma luz forte que parecia consumir o líquido que estava dentro do globo. Todos ali presentes viram com espanto enquanto a esfera cristalina se desfez e a essência prateada se espalhou pelo corpo ferido. Ossos estalavam voltando a seu lugar, o sangue voltava a vida retornando ao corpo, os cortes não mais existiam e após correr e restaurar todos os ferimentos o líquido voltou a seu estado anterior envolto de cristal transparente. Seu volume havia diminuído e ao olharem para os olhos de Kine viram que ele manteve o brilho argênteo de vida consigo, nítido em seus olhos. A emoção não pode ser contida e num rompante de ânimo todos se abraçaram ali.

A medida que todos recobravam as forças, Gbada questionou que Jajem poderia ser salvo, porém Kine falou calmamente que o toque de vida do objeto só funcionaria para aqueles que ainda tivessem forças para serem restauradas. O goblin de olhos prateados falou que ouviu um sussurro que perguntou se ainda queria viver, algo que já não poderia ser feito pelo pobre e jovem Jajem. Kine estava calmo, em paz consigo mesmo. Gadrak perguntou se aquela seria uma fórmula infalível para vitória, mas o goblin que havia se recuperado sentiu que devia falar o que vinha à mente, foi então que afirmou que aquelas lágrimas sagradas já haviam passado por muitas mãos, uma dádiva e uma maldição, porém independente do que realmente fosse, dava a seu portador uma segunda chance e nada mais…

Todos os goblins ficaram em silêncio. Baas foi o primeiro a dizer que a chance dada seria a única necessária para todos cumprirem sua demanda. Gadrak, com sua mente perspicaz logo decifrou a mensagem mística que usava o corpo de Kine. O ancião dos Kobolds talvez já tivesse usado sua segunda chance e mesmo assim se apegou ao tesouro de uma maneira mesquinha ou desesperada. Se abaixou diante do objeto e falou baixo para si “se me ajudar prometo que estará livre para ir onde desejar, de bom grado eu te entregarei assim como minha vida se permitir que todos possamos ter uma chance de nos defender”.

Não foi a esfera mas a mão de Kine que tocou o ombro do líder. “Os ancestrais estão conosco”.


Continua…

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Um Guerreiro de Honra #6 – Contos de Thul Zandull

Um Guerreiro de Honra – Parte VI

 

O grupo estava determinado e iniciaram sua jornada rumo a destruição causada pelas aranhas. Havia ansiedade nas possibilidades do que encontrariam na morada dos escamosos. Se eles, em maior número, não conseguiram salvar sua fortaleza, o que cinco goblins poderiam oferecer de ameaça às criaturas gigantes aracnídeas que dizimaram os Kobolds. 

Gadrak e Kine iam a frente cuidadosos, enquanto Baas levemente recuado protegia a retaguarda. Era nítido que Gbada e Ogwe estavam temerosos, mas comedidos, devido às lembranças do companheiro perdido em meio a impulsividade. 

Enquanto andavam com cuidado, usando a mata como cobertura, analisaram o caminho e perceberam que a copa infinita das árvores acima deles poderia ter oferecido a cobertura necessária às aranhas. Não havia estrago ou trilhas que indicassem avanço terrestre, perceberam padrões de ataques vindos de cima, o que indicava que algumas aranhas talvez pudessem ter algum tipo de inteligência, fato que os deixava ainda mais apreensivos. O golpe certeiro vindo do alto se espalhou pela fortaleza e agora, enquanto se aproximavam, percebiam que as madeiras e troncos rompidos se projetavam de dentro para fora. Houve combate frenético ali, os escamosos lutaram com todas as forças. Enquanto avançavam, os goblins contavam o número de aranhas abatidos, percebendo que para cada kobold caído havia pelo menos cinco aranhas que tinham metade da altura deles. A força invasora deve ter sido monstruosa, pois o número que restava ali  nem de perto deveria se equiparar ao horror enfrentado dias antes. Analisavam os dias que se passaram do ataque pela condição dos corpos, a presença dos vermes e o mau cheiro presente. De certa maneira, aquilo beirava o sobrenatural, mas independente do mistério que ali havia, não tinham espaço para outras preocupações além de ferramentas, armas e quaisquer objetos que pudessem ajudá-los a derrotar os invasores.

À medida que contornavam a formação rochosa, Kine fazia gestos com as mãos indicando uma pequena passagem que tinha encontrado no dia anterior que os levaria para dentro oferecendo cobertura além daquela propiciada pela noite. No caminho até tal passagem notaram o movimento de uma aranha de tamanho equivalente a quatro palmos deles, logo outras duas se juntaram à primeira. O movimento delas era rápido, mas sempre se concentrava do ponto que necessitavam adentrar. Os goblins se reuniram e Baaz disse que poderiam tentar arremessos certeiros. Gadrak concordou mas complementou que deveriam se aproximar mais, para evitar erros que pudessem chamar a atenção de mais criaturas, chamou para si a responsabilidade de acertar um delas enquanto restavam aos outros, duas tentativas para cada aranha.

Respiraram fundo e se aproximaram agachados. Quando chegaram a seis metros das ameaças, se levantaram rapidamente para o arremesso. Gadrak fixou seu olhar na cabeça da aranha e imaginou os olhares dos agressores de sua terra, um misto de raiva e fúria fizeram com que o arco de seu braço e a potência muscular fossem impulsionadas em um arremesso perfeito que fez com que a ponta afiada de madeira entrasse firmemente entre os diversos olhos, rasgando a carne aracnídea, permitindo que um fluído cinza escorresse da cabeça perfurada, findando assim a vida daquele monstro. Ao mesmo tempo os demais também acertaram seus alvos, porém espasmos ainda eram percebidos dos corpos das duas aranhas que foram atingidas. O líder se adiantou e sacou sua machadinha de pedra desferindo golpes rápidos para evitar mais barulho. Os goblins aproveitaram para recuperarem as pequenas lanças de madeira antes de seguirem pela passagem descoberta por Kine. O caminho era um corredor natural de pedra, bem pequeno e estreito, que permitia um goblin de cada vez, se deslocando vagarosamente. Ali havia teias grudentas e um cheiro incômodo de carne pútrida de um Kobold morto, em provável tentativa de fuga. Haviam ainda aranhas menores em quantidade, que se alimentavam da podridão presente. Os caçadores não tinham outra opção já que estavam ali, além é claro que aquele trajeto diminuiria consideravelmente o tempo para atingirem os pontos de interesse dentro daquela fortaleza de morte.

Avançaram com dificuldade mas não se abateram com aquele desafio, outros piores já tinham sido superados e logo se deram conta que nas fissuras daquele caminho mais uma criatura de maior tamanho se esgueirava. Dessa vez fora Ogwe o primeiro a perceber a ameaça que se dirigia ao líder. Não podia hesitar e nem gritar o aviso, foi então que sacou sua machadinha tosca e fez um arremesso desafiador no pequeno espaço disponível. Gadrak ao ouvir o leve barulho da arma girando acima de sua cabeça notou então o perigo mortal, mas já era tarde para temores, não necessitaria engajar-se em combate, pois o jovem caçador demonstrou habilidade no golpe aplicado. Um gesto de cabeça positivo foi prêmio suficiente para o goblin que logo recuperou sua arma da cabeça da aranha que surgirá.

Terminaram o apertado caminho retirando cuidadosamente tábuas quebradas que antes tinham como objetivo selar a passagem. Diante um espetáculo macabro. Entre as rochas, os escamosos tinham construído muros de madeira e casas de boa qualidade com habilidade invejável, as habitações eram ligadas a segmentos do muro de madeira, ao sul de onde estavam percebiam um buraco no chão, com diâmetro assustador, no qual os Kobolds construíram uma estrutura de cordas e rodas que deveria descê-los para uma caverna, se lembrava disso, mas ficou pensativo imaginando o que construíram e acharam lá embaixo. Independente disso, eles pareciam ter prosperado em riquezas e números e ficou triste em perceber que tudo tinha sido substituído por teias compostas por filamentos de espessura variados com aglomerados de ovos bizarros com tonalidades que beiravam um cinza claro. Em meio aquele dossel fúnebre havia corpos desmembrados e putrefatos. Alguns inchados e cheios de aranhas que se deslocavam ávidos por alguma seiva vital que pudessem usar para nutrir-se. Gadrak fez gestos apontando o caminho que fariam até a primeira estrutura que até onde via parecia fechada. 

Puseram-se a andar agachados usando o que pudessem para evitar as criaturas, esquivavam-se das teias, sabendo que todas pertenciam a uma perigosa rede de defesa que alertaria sua presença. Os corações de todos dispararam e suas respirações precisavam ser contidas diante do perigo que se abatia sobre eles. Apesar do tormento, o líder orientou-os bem e chegaram até a estrutura sem serem perturbados pelas aranhas maiores. Empurraram a porta e por sorte a mesma não estava trancada, lá dentro havia um caos causado pela possível fuga de muitos escamosos, mas ainda restavam objetos úteis. Não havia teias grossas ali, apenas as comuns de aranhas pequenas. Fecharam a porta e puseram-se a procurar algo útil. Gbada parecia ter instintos apurados para procurar coisas, achou ferramentas úteis de curtição com facas afiadas de aço, algumas com lâminas pequenas e curvas, além de outros itens que poderiam enfim permitir a manufatura das armaduras desejadas. Além disso, o jovem perspicaz notou um local secreto entre tábuas da estrutura onde pequenas chapas e malhas de argolas de metal  foram encontradas. Aquilo era fantástico, além das expectativas. Kine logo achou mochilões onde tudo foi acomodado, porém haveria barulho se ficassem se deslocando com aquilo. Gadrak orientou que os dois mais jovens voltassem, refazendo o caminho, levando consigo os tesouros obtidos, enquanto Baaz, Kine e ele iriam até o local onde o grande ancião ficava. Todos concordaram e o grupo se dividiu. Os três mais experientes aguardaram até notarem que os jovens de fato não teriam dificuldades para escapar levando as preciosidades obtidas. Mais calmos, ao perceberem o sucesso nesta fase da empreitada recobraram o foco no último alvo.

Ao se deslocarem perceberam que ali havia maior movimento das aranhas, mas o grosso daquela massa aracnídea mantinha movimentos constantes em torno do buraco. Notaram que a casa do ancião tinha sido levemente fortificada, talvez usada como bastião de resistência, porém havia um buraco no teto, causado por grande pressão ali aplicada, com certeza ponto de onde o ataque se espalhou para dentro. Para terem sucesso escalariam um segmento de muro descoberto de teias e depois deveriam fazer um salto perfeito para o teto, por onde desceriam. Precisariam de corda, ao passo que Baaz retornou à oficina vasculhada para encontrar o item vital. Kine citou que poderia ficar aguardando em cima, garantindo a segurança da corda para o retorno. Gadrak concordou.

Pouco tempo se passou e Baaz retornou com corda suficiente para o trabalho. Puseram-se então a escalar com as mãos nuas, aproveitando qualquer pequena brecha de apoio. Cada avanço era desesperador, pois as teias se acumulavam e se projetavam como tentáculos ávidos pelo contato incauto que asseguraria mais alimento às aranhas que ali estavam. Ao chegarem a uma altura suficiente, arquearam os corpos para tentar se projetarem com um empurrão rápido das pernas. Eram ágeis e fortes, fato que permitiu sucesso na queda no telhado. O movimento de queda foi suavizado pela habilidade que tinham em amortecer impactos similares, habilidade adquirida pela necessidade das caçadas e fugas diversas que tiveram. Aranhas pequenas se abateram sobre eles, mas nada digno de medo. As maiores permaneciam fixas no entorno do buraco ao sul, abaixo e distante deles. Olharam pela rachadura do telhado e notaram que ali dentro havia teias maiores e grossas, assim como o mau cheiro típico e sinais de combate desesperado. Kine buscou ponto para fixar a corda e se encarregou de segurá-la e puxá-los rapidamente se necessário. Baaz e Gadrak começaram a descer. O local era rico em objetos de barro, ídolos e outras riquezas em tecidos, couro e tesouros que poderiam ser interessantes em outro contexto, buscavam ali, algo para combate e logo perceberam entre corpos de Kobolds e aranhas, os restos mortais do ancião de roupas adornadas. Diziam que ele possuía poderes mágicos de cura, infelizmente nunca teriam chance de presenciar esse milagre, pois ali estava o ancião caído em um canto, com uma aranha com o dobro de seu tamanho derrubada a frente dele, próximos dos dois, restava um escamoso com duas espadas curtas de ferro em suas mãos, deveria ter tombado em luta, segurando firmemente as armas e tentando defender o ancião. 

Baaz recolheu as armas e retirou do corpo o que restava da armadura de couro, pois ela continha também pequenas placas de metal e argolas. Gadrak se aproximou do corpo do possível curandeiro e viu que o mesmo tinha duas boas adagas na cintura, um cajado de metal adornado e segurava firmemente um globo de objeto cristalino transparente com um líquido prateado dentro, parecia ser muito frágil e parecia realmente um milagre que não tivesse se quebrado. O objeto era uma esfera perfeita e não havia saída para o líquido escapar, havia metade do espaço interno ocupado por aquele grosso fluido prateado.

Recolheram os objetos, puseram em uma bolsa encontrada e puxaram levemente a corda, sendo içados um a um por Kine. Pularam com habilidade de volta ao segmento de muro e começaram a descida. Ao chegarem ao chão ouviram um estrondo vindo da parte sul onde estava o buraco. Olharam com cuidado e viram que outro segmento da murada caíra, revelando indivíduos que se dirigiam ao buraco. Não eram humanos, reconheceram as peles verdes e musculosas das figuras que invadiram o local. Estrutura óssea larga, corpos pesados com pele grossa similar a couro. Eram seis Orcs, cinco deles vestindo peles e munidos de armas grandes variadas. Viram de relance o movimento, pois logo várias aranhas gigantes se abateram sobre eles. Era fantástico, os gritos de guerra e a maneira como aqueles guerreiros abriram as criaturas aracnídeas com facilidade enquanto moviam-se para o buraco. Gadrak agradeceu aos espíritos ancestrais, pois aquela distração permitiria a eles retornar. Enquanto se afastavam perceberam que nenhum dos seis tinha tombado e que a luta era ferrenha e se estenderia por muito tempo diante do número de aranhas. O único daqueles Orcs que se destacava era um grandalhão com uma espada de aço reluzente de duas mãos que lutava de peito nu usando apenas um elmo com chifres curvos. Não entendia o objetivo deles, mas eles precisavam manter o foco.

Logo o trio se encontrou com os jovens do lado de fora. Retornaram pelo caminho feito pensando no que presenciaram. O barulho de luta continuava a cortar a noite, mas os goblins precisavam voltar ao acampamento e se prepararam para o retorno e sua própria luta pela salvação da terra de seus ancestrais e aqueles do clã que dependiam deles.


Continua…

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Um Guerreiro de Honra #5 – Contos de Thul Zandull

Um Guerreiro de Honra – Parte V

 

A baixa ocorrida horas atrás ainda incomodava o grupo que restava, a preocupação com ira da fêmea ainda rondava a todos, a única distração em todo contexto de tensão era a dor muscular de carregar tamanho peso daquele javali de cascos brônzeos. Kine assumiu para si a responsabilidade de batedor, já que demonstrava naquele momento maior vigor que os companheiros de caça. Gadrak e Baas, mais experientes às dificuldades das jornadas tentavam forçar a marcha enquanto Gbada e Ogwe tentavam demonstrar sua resiliência ao enfrentar um terreno difícil, irregular de mata fechada enquanto nitidamente sofriam com a carga que carregavam, carga essa não só física, mas emocional. Sabiam que tinham cometido um grave erro ao desrespeitar as orientações do líder de caça. Percebiam pelos olhares rápidos de Gadrak que talvez houvesse arrependimento de tê-los trazido, algo que só ocorreu devido a falta de opções do clã, mal eles sabiam que na verdade o líder entendia que o fardo imposto aos jovens tinha sido exagerado e lamentava a perda precoce de um dos seus.

Mesmo com um clima de incerteza e pensamentos atormentados variados, os goblins chegaram a um ambiente cheio de pequenos montes cortados por raízes gigantescas e formações rochosas peculiares. Ouviam zumbidos altos nas copas frondosas que formavam um tapete verde majestoso acima de suas cabeças. A Mata Velha cativava a cada olhar, mas os sons e sentidos aguçados das pequenas criaturas alertava sobre os horrores que espreitavam naquele ambiente. 

Kine que estava mais a frente percebeu pequenos sinais na mata que indicavam território do povo que procuravam. Pequenos penduricalhos feitos de corda grossa e ossos que tentavam intimidar outras raças com presságios de mau agouro e maldições. O batedor respeitava estes objetos e demonstrou respeito se ajoelhando e fazendo sinais para que em breve ele e os demais companheiros pudessem adentrar aquele local sem que ameaças sobrenaturais se abatessem sobre todos. Logo os quatro que carregavam a caça chegaram ao ponto em que a reverencia ocorria e de maneira similar, porém mais rápida, também prestaram respeito. 

A marcha precisava continuar, mas a exaustão estava cada vez mais próxima. Havia agora revezamentos para que a preciosa caça pudesse ser ofertada rapidamente aos Kobolds. Gadrak tentava inspirar a todos, mas percebia que era um esforço grande demais. Faltava pouco para que as esperanças fossem renovadas, porém ao terminarem de subir a última colina antes da grande morada do povo escamoso perceberam que talvez os ancestrais os tivessem abandonado.

Abaixo deles era possível ver a grande formação de pedras irregulares que antes parecia uma poderosa fortaleza natural cravada entre as árvores milenares. Os kobolds eram criativos e a madeira vasta que ali jazia fora moldada a vontade deles, fechando as brechas entre as rochas, ampliando proteções oferecidas pela selva, porém algo que as criaturas ignoravam é que elas mesmas poderiam apenas ter se expandido a desejo daquela Mata Velha, sempre geniosa e sorrateira com aqueles que ali tentavam explora-la. Em algum momento aquela força selvagem sentiu um breve temor com os escamosos e então se sentiu compelida por presságios a acabar com a ameaça enquanto a mesma era controlável. 

Diante dos incrédulos goblins havia um emaranhado de teias cobrindo o que antes era a morada de um povo aliado. A madeira partida e os corpos dilacerados podiam ser vistos aquela distância pelos olhos treinados dos caçadores e a angústia tomou conta de todos. Eles acreditavam que aqueles mais próximos dos Humanos poderiam ajuda-los de alguma maneira. A sábia Akerele nunca errara em suas visões, então como aquilo podia ser verdade. 

Em meio aos questionamentos da dura realidade que se apresentava todos sentaram e ficaram por um momento distantes recuperando o fôlego e ao mesmo tempo aturdidos com as possibilidades que se esvaiam. Gadrak ficou pensando consigo mesmo que era o líder e cabia a ele qualquer decisão difícil. Se lembrou de como seu povo o respeitava por sua mente afiada e sua habilidade em inspirar, talvez tivesse sido líder a mais tempo se não fosse tão jovem. Foi então que compreendeu os sussurros da anciã de seu clã. As respostas poderiam ser encontradas ali, respostas sobre como enfrentar os invasores, todas estavam diante dele, imaculadas. A Mata Velha não retirara suas esperanças mas sim, propunha a eles um desafio, um jogo no qual suas habilidades seriam testadas e se vencessem sairiam mais experientes e preparados para erradicar os invasores. Chamou Kine e pediu que ele andasse em torno daquele local ameaçador analisando os perigos e possíveis entradas, depois chamou Baas e pediu que procurasse um refúgio possível para acamparem e recuperarem as forças. Para os dois mais jovens ordenou que começassem a limpar o animal abatido, tirando o couro com cuidado. Enquanto isso, começou a escalar uma das altas árvores que ali estava para organizar os pensamentos.

Do alto de um dos galhos, Gadrak observava a antiga morada dos kobolds, sentia uma espécie de iluminação enquanto estava ali solitário organizando as rápidas ideias que chegavam. O povo escamoso tivera contato com Humanos, aqueles lagartos tinham desejo por ferramentas e sempre se gabaram dos tesouros adquiridos com esforço. Eles poderiam ter boas armas e se o grupo que restava a ele fosse habilidoso poderiam entrar naquele emaranhado de teias e sair com objetos preciosos para enfrentarem novamente os invasores de sua terra. Tinham consigo couro e ossos do javali Brônzeo, além das placas do besouro gigante, somados e manipulados com boas ferramentas poderiam se tornar armaduras boas e leves. A mobilidade do grupo seria importante para enfrentar oponentes com tanto aço. Se entre aqueles corpos lá embaixo houvesse lâminas ou qualquer outro item que de alguma maneira providenciasse vantagem, não faltaria coragem aos seus para entregarem suas vidas pela proteção do clã. Ao mesmo tempo não sabia quantas aranhas existiam no emaranhado de teias, seria um perigo tremendo arriscar tudo naquele jogo proposto pela Mata Velha, mas não restara alternativas. Pensou no herói de seu povo e em como as provações o tornaram digno e honrado. Sabia consigo mesmo que poderia haver brechas para falhas.

Gadrak desceu da arvores e então notou que tempo havia passado, Baas já tinha retornado e estava ajudando os mais jovens na tarefa de limpar o javali e retirar o couro. Logo, ele explicou que encontrou embaixo de uns trançados de raízes uma proteção adequada para fazerem um acampamento. O líder ordenou que boa parte da carne fosse deixada ali, retirou os ossos necessários a efetivação dos planos futuros traçados a pouco e disse que a carcaça farta do animal garantiria que predadores pudessem ser apaziguados. Kine retornou e se juntou a eles na breve marcha até o ponto seguro. O local escolhido realmente permitia uma boa visão do ambiente, em um ponto mais alto onde as raízes moldaram-se em uma concha natural que provia cobertura. Se apressaram em camuflar o ambiente. Acenderam uma pequena fogueira, o máximo que o refúgio permitia, assaram a carne e começaram a conversar. O líder explicou que sua meta seria invadir o local e buscar objetos importantes com base nas lembranças que tinha, começando pela morada do coureiro e depois rumando para a tenda do ancião, precisariam ser rápidos para não terem perdas e obterem a chave para o confronto derradeiro que viria ao retornarem a seu lar. Kine complementou dizendo que talvez seria possível, haviam muitas aranhas gigantes no local mas a concentração era oposta aos locais que seriam visitados, o batedor citou que uma aranha maior que tudo que viu, rondava uma entrada de caverna que havia ao Sul do centro da aldeia escamosa, fato que levava as demais aranhas a ficarem em torno dela. Talvez teriam algum conflito, mas se fossem ágeis seriam bem sucedidos. Baas disse que poderia ajudar, lembrou que uma erva chamada urtiga de mosca talvez oferecesse leve proteção. Essa erva era usada para afastar insetos que eram comuns em locais de pesca, pensou que em demasia e cobrindo os corpos de todos pudesse causar repúdio as aranhas. Gadrak acrescentou que não eram aparentadas, os mosquitos e aranhas, mas que valia a tentativa, pediu que o mateiro tirasse o dia para procurar a erva e preparar o unguento. Aos mais jovens restou a tarefa de prepararem mais azagaias enquanto o líder e Kine revezariam a ronda.

Com mais um dia terminado, houve avanços sensíveis, o unguento estava preparado, três azagaias para cada caçador foram distribuídas e nenhum perigo novo surgira. Escolheram avançar a noite, pensando que talvez houvesse alguma vantagem, não levaram consigo peso extra além das armas, pois precisam ser rápidos. Kine desenhou no chão o caminho que fariam e Gadrak completou as informações apresentando onde estavam os dois pontos que visitariam. Com o plano traçado era chegada a hora de enfrentar o desafio, mas estranhamente os cinco ao se entreolharem percebiam que de alguma maneira vínculos fortes estavam se formando, a missão era maior que todos individualmente, se houvesse esforço mútuo haveria vitória na demanda que aceitaram.


Continua…

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Um Guerreiro de Honra #4 – Contos de Thul Zandull

Um Guerreiro de Honra – Parte IV

 

A jornada pela Mata Velha deveria continuar, o grupo passara um tremendo susto no embate com o besouro gigante, porém sabiam que deveriam continuar a jornada para caçar o javali de casco brônzeo. Após algumas horas de viagem, a mata à volta deles já era mais espessa, com o nome dado ao local remetendo aquelas surpreendentes árvores de copa frondosa que se estendiam como uma onda verde majestosa. Tudo ali fazia com que eles se sentissem mais pequenos do que já eram. Os troncos maciços eram largos, mesmo de mãos dadas, todos juntos não conseguiriam superar a circunferência daquele alicerce vegetal com centenas de anos. A fome já não era um problema, já que o besouro abatido continha um interior repleto de massa comestível e sabor agradável para os padrões goblins, podiam assim, manter o ritmo da caminhada, sem ter pausas para refeição. 

Já à tardinha, Baas percebeu sinais claros da passagem de animais, ao passo que Gadrak, analisou os rastros ao lado de Kine, ambos concluindo que tinham encontrado o que estavam procurando. Aqueles sinais demonstravam que estavam adentrando a morada de um casal sem filhotes, tendo em vista que o deslocamento das criaturas seria conjunto. Gadrak conseguiu extrair mais informações com seu olhar treinado e experiência de caça, julgando assim um tamanho e peso aproximados, que denotava um casal adulto de proporção levemente superior à média da espécie. Devido ao odor tênue, pôde ainda dizer que haviam passado por ali há pouco tempo, fato que daria a eles tempo para o preparo da armadilha. Logo, Gbada, Jajem e Ogwe começaram a cavar, usando suas mãos e as toscas machadinhas de pedra, precisam de um buracos largo de 50 cm de profundidade para colocar os pontas esculpidas de madeira, que lesariam a mobilidade de uma das criaturas permitindo que todos se abatessem sobre a caça. Os caçadores mais experientes disseram aos jovens que assim que terminassem deveriam subir nas árvores próximas e se esconder, passando em seus corpos o extrato da raiz roxa, enquanto eles próprios iriam seguir a trilha em busca do casal de cascos brônzeos. Assim fizeram.

Os três caçadores começaram sua busca pela trilha, lendo os detalhes e caminhando com cuidado prestando atenção a todos os sinais da floresta, a mata alta impedia visões a longa distância, mas confiavam em sua audição, furtividade e também na raiz roxa que poderia ser um fator decisivo contra outros predadores. Enquanto caminhavam improvisaram pequenos escudos com as placas de quitina retiradas do besouro abatido horas antes. Fizeram furos centrais nas pequenas placas por onde passaram pedaços de corda que seriam usados para segurar a barreira diante deles. Não era algo projetado para durar, mas poderia ser útil para garantir suas vidas em pelo menos uma pancada. Ainda, julgaram que o uso de fundas seria um recurso provocativo importante na estratégia que usariam, assim com as placas rígidas mais curvadas prepararam a cuia na qual as pedras poderiam ser acomodadas e atiradas, usaram cipós para fazerem as alças. Gadrak demonstrava domínio nesses ofícios. Agora; preparados; mantiveram os passos. Já à noite, perceberam que os rastros indicavam maior proximidade das criaturas, sinais de fezes frescas fizeram com que suas respirações e, enfim, seus corpos respondessem a um perigo iminente. Sentiam como se os músculos deles gritassem, ansiosos pelo embate ou pela fuga.

A escuridão nunca fora um inimigo da raça dos três, portanto continuaram sua aproximação, notando bem todos os detalhes do local que os circundava. Eis que ouviram o som de água corrente. Subiram cuidadosamente em uma árvore próxima e então viram o córrego no qual os dois fabulosos animais, se refestelavam. Puderam ver a coloração amarronzada das peles de ambos, com variadas cicatrizes, demonstrando os desafios enfrentados até chegarem a fase adulta, havia ainda pelos grossos e eriçados ao longo de suas colunas e aquelas afiadas e proeminentes presas, mortais a quaisquer seres que não respeitassem aquela fúria em forma de músculos que ali estava. Nesse momento, Gadrak fez gestos para que Kine se deslocasse para o ponto oposto de onde aguardavam e vigiavam. Deveriam aproveitar um momento em que ambos estivessem separados para um ataque conjunto que despertaria a ira, assim poderiam prosseguir com o plano. Seria uma boa distância de corrida, fato que fizera com que o trio já tivesse feito um combinado a partir das ideias de Gadrak, revezariam entre deslocar-se e separar-se, um misto de provocar e correr, contando com sua habilidade para escalar as árvores e usá-las como fonte de breve segurança. A criatura iria persegui-los e estaria cansada quando chegassem no ponto combinado, onde enfim abateriam o grande animal. 

Observaram atentamente, até que todos perceberam o momento em que a fêmea, de presas levemente menores e mais curvadas, começou a se afastar atravessando o córrego. Gadrak levantou vagarosamente o braço, na qual Kine viu a funda, o sinal que aguardava. 

Kine foi certeiro ao atirar a primeira pedra. A fêmea foi atingida no focinho e irritada se deslocou ao ponto originário daquela agressão, o macho iria segui-la caso não tivesse sido atingido por duas pedradas na cabeça, fato esse que desviou sua atenção. As criaturas se separam. Rapidamente os goblins aproveitaram os galhos grandes e seu leve peso para se deslocarem rapidamente por cima. Continuaram a atirar pedras certeiras à medida que o animal acumulava fúria e investia contra as árvores. Baas e Gadrak sempre paravam de se deslocar evitando perder o equilíbrio nestes golpes, aproveitavam ainda para demonstrarem suas presenças à criatura, provocando-a ainda mais. Enquanto isso, Kine seguia processo parecido, mas não apresentava sua presença, escondendo seu corpo com habilidade e seu cheiro graças ao extrato de raiz roxa. Sua intenção era distrair e ganhar tempo, pois a fêmea ficava irritada e atordoada com a situação. 

A dupla de caçadores continuou seu deslocamento preciso, com saltos curtos, mantendo a criatura num implacável ritmo de perseguição. Sabiam que Kine fizera bem sua parte e torceram para ele retornar em segurança. Mantinham e repetiam cuidadosamente suas atitudes, evitando cometer erros. A criatura demonstrou leve cansaço e já não investia como antes, para um caçador inexperiente aquele poderia ser um sinal errôneo de presa fácil, fato que se concretizou. Quando estavam bem próximos do buraco perceberam que os jovens goblins, ávidos pela emoção ou apenas inconsequentes, estavam no chão, confiantes apenas no extrato usado e em sua pouca habilidade de camuflagem. Gadrak pensou naquele momento que eles talvez quisessem provar coragem e seu valor diante dos mais velhos enquanto Baas pensava que os três eram burros demais para não seguir uma orientação clara. Esses breves pensamentos rapidamente foram seguidos dos gritos de ambos caçadores, que tentavam alertar sobre o perigo enquanto mantinham a atenção do poderoso javali. Foi em vão, a criatura tinha sido duramente castigada e seu cansaço foi suplantado ao ver presas; finalmente; a seu alcance. Sua fúria foi despejada violentamente em uma carga contra os goblins que acreditaram estar ocultos àquela besta que posicionava suas presas para um golpe fulminante.

Gadrak viu o momento em que Jajem foi atingido no peito, as presas perfuraram o peito do pobre jovem com tamanha força que o líder de caça sabia que costelas e órgãos se partiriam diante daquela violência, pode rapidamente ver nos olhos do incauto caçador, o desespero diante da morte e as lágrimas que escorriam em seu rosto. Lágrimas temerosas de um jovem intempestivo após cometer erros, porém aquele erro seria o último cometido por Jajem.  O goblin foi arrastado por alguns metros, enquanto todos ouviam enquanto ele se afogava em seu próprio sangue, sinal dos pulmões perfurados. Havia aquele som gorgolejante de pedido de socorro que impedia os movimentos de Gbada e Ogwe. Os dois ficaram parados, desesperados e atônitos com o que havia acontecido. O corpo do indivíduo atingido caíra, quando o javali balançou rapidamente a cabeça para se livrar do peso extra, fez uma pequena curva para iniciar nova investida. Não ouviram mais sons suplicantes de Jajem.

Baas e Gadrak sabiam que o medo levaria a vida dos outros dois. Sacaram suas azagaias, segurando-as com uma mão e com a outra prepararam os escudos improvisados. Saltaram corajosamente, gritando em direção aos jovens. Aquela ação surtiu efeito e impediu o exato momento de novo ataque do animal, que aparentemente avaliava a ameaça. Isto deu tempo para o líder de caça orientar aos berros os jovens a se afastarem. A voz firme dele fez com que Gbada e Ogwe recuperam-se momentaneamente o controle e se afastassem em direção a árvores próximas. O javali ao perceber a situação das presas iniciou seu movimento letal. Baas se posicionou e esperou até o último momento para tentar se esquivar, habilmente posicionou o escudo de maneira que as presas não o atingissem em cheio e que o golpe resvalasse a sua esquerda. Sua astúcia foi decisiva e impediu o ataque mortal, porém a força e o impacto foram tremendos que ele foi arremessado perdendo seu escudo e arma. Gadrak aproveitou então esse momento para escorregar do lado oposto ao ataque aproveitando para estocar a parte inferior da anca do javali, aquilo diminuiria sua velocidade e permitiria que eles tivessem maiores chances. O golpe foi perfeito e a azagaia penetrou fundo em uma parte em que o couro não era tão rígido, inclusive se partindo. 

O animal ferido sentiu o golpe e cambaleou. Gadrak não sacou armas, soltou seu escudo e pensou no buraco, precisaria de menos peso possível e todos os membros livres para adquirir velocidade e potência para ação que imaginava. O javali hesitou, mas pôs-se a enfrentar o desafio, focando toda sua ira no líder. 

A disputa começou, o goblin correndo em direção a armadilha, pensado que seria sua última esperança enquanto a fera sentia que enfim acabaria com seu agressor. Ambos, goblin e fera sentiam arder em seus corpos, fornalhas que queimavam ao máximo as energias em uma disputa férrea entre predador e presa. A Mata Velha já tinha assistido aquela disputa inúmeras vezes e logo Gadrak percebeu que não teria chances diante da robustez de seu algoz. Ouvia os cascos cada vez mais próximos e percebia que faltava pouco para que seu plano desse certo. Foi então que o líder ouviu um zunido; uma pedra atingiu o olho da grande besta. A dor, desequilibrou-a, fazendo com que o salto da presa pudesse ser dado, restando ao javali uma queda direta sob as pontas afiadas do buraco. 

Baas recobrou as forças no momento certo e não deixou seu bravo parceiro sozinho, sua habilidade com a funda fora fundamental. Assim que percebeu a queda do animal, recuperou sua arma de haste e segurou firme sua azagaia com as duas mãos enquanto se dirigia para o buraco. Gadrak, ao terminar seu salto, já se virou rapidamente sacando sua machadinha de pedra. Ambos caçadores ouviam o sofrimento do javali, pois a queda desengonçada fizera um grande estrago em seu dorso, com várias perfurações. Tal fato instigou os golpes precisos da dupla de caçadores, que agora conseguia desviar dos lentos e ineficazes golpes da fera. 

Kine alcançou a todos no momento do abate do animal. Demorou para afastar a fêmea e então cuidadosamente se deslocar furtivamente de volta, sabia que o fato de cortar o córrego atrapalha qualquer perseguição olfativa. Sua sensação de alegria no sucesso rapidamente foi cortada ao perceber os jovens próximos de um dos seus, caído em meio a mata.

Os três caçadores estavam cansados. Se aproximaram de Jajem enquanto Gbada e Ogwe olhavam tristes para o líder. Gadrak queria gritar, mas não havia tempo para aquilo ou mesmo para rituais fúnebres. Manteve sua mente clara e logo orientou os jovens a pegar cipós e organizarem tudo para arrastarem a caça, precisavam ser rápidos em se movimentar pois a fêmea ainda estava viva e poderia retornar. Não poderiam carregar a besta abatida e Jajem ao mesmo tempo, não poderiam desperdiçar forças mesmo para preparar uma fogueira fúnebre, não poderiam perder tempo em uma cova. Olhou para todos, não precisou dizer uma só palavra. A vida deles era dura e não podiam nem mesmo se dar ao luxo de lamentar suas perdas. 

Gadrak se abaixou e pegou os adornos do clã. Quando pudesse, cantaria por ele e em suas palavras exaltava a maneira como entregou sua vida pelos membros da família que aguardavam em seu amado lar, iria ignorar a exaltação de sua tenra idade, sua memória não seria manchada pelo ímpeto, Jajem pagou com a vida e sua barganha seria usada para alimentar canções de caçadores e doutrinar aqueles que nasceriam. 

A jornada precisava continuar e o grupo dos cinco se afastou rapidamente sem olhar para trás, deixando Jajem ao abraço acolhedor da Mata Velha.


Continua…

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Um Guerreiro de Honra #3 – Contos de Thul Zandull

Um Guerreiro de Honra – Parte III

 

Chegaram finalmente no local de descanso já tão aguardado; no monte Trinca osso; já a tardezinha. Os três caçadores mais experientes Gadrak, Baas e Kine sentiam seus músculos retesarem de maneira dolorida, cada passo dado fazia com que eles tivessem que manter a firmeza, suportando a dor da subida. Os jovens Gbada, Jajem e Ogwe percebiam que seus guias necessitavam de repouso, mas também se lembravam que havia honra e dignidade em jogo, fato que os levava a contemplarem tamanha demonstração de resistência, bem como, respeito pelos caçadores mais velhos. 

Ao chegarem próximo ao cume, logo procuraram a pedra, que ao ser deslocada, revelava uma caverna digna e segura. O ponto alto da trilha, poderia ser usada por animas e por isso o uso da pedra era necessário para sempre terem um esconderijo seguro para quaisquer situações. Empurraram levemente a rocha, de maneira que apenas uma fresta fosse revelada e usada para adentrar o ambiente. Lá dentro haviam frestas variadas no teto e até pequenos raios de luz poderiam cortar a escuridão senão não fosse a chegada da noite. Gadrak então indicou aos mais jovens que descessem pelo lado oposto de onde estavam, pois lá veriam um pequeno lago natural formado por uma nascente de um morro próximo. Neste ambiente, pequenos animais poderiam se aproximar, além disso havia um fungo que crescia próximo ao lago, que permitia a obtenção de um cogumelo grande e comestível ou ainda pequenos insetos. 

Quando os mais jovens saíram, a noite já caía, momento usado pelos três goblins mais experientes para acender uma pequena fogueira, já havia no local estoques de gravetos que poderiam mantê-los aquecidos. Aproveitaram para se recostarem em pedras curvadas que naquele momento ofereciam um conforto e alento aos corpos castigados. Não houve conversa, todos sabiam que a manhã seguinte seria tensa, devido a urgência da caçada e sua dificuldade. A Mata Velha oferecia perigos variados e caso não mantivessem os sentidos aguçados  poderiam se tornar presas de outros animas, criaturas ou ainda gigantescos insetos que viviam naquele ambiente místico e antigo. Os javalis de casco brônzeo eram ariscos e tinham presas afiadas. Os caçadores antigos que tiveram adornos feitos com os cascos, apresentavam com orgulho tal troféu que afirmava a habilidade em caçar e a coragem em enfrentar este grande animal. Gadrak estava pensativo, pois a melhor oportunidade seria primeiro encontrar o casal de animais, torcer para que não houvesse filhotes, já que isto instigaria os instintos mais agressivos da fera, separa-los e então focar esforços no macho, enquanto a distância, os mais jovens já teriam deixado uma armadilha preparada. Em seus pensamentos tudo parecia claro, porém sua experiência indicava que nessas situações sempre havia problemas inesperados que levavam muitos caçadores a um fim prematuro. Além disso, precisavam eles estarem descansados, para o embate de resistência que travariam com um animal musculoso de instintos afiados.

Os jovens retornaram com cogumelos, água e uma quantidade razoável de grilos e insetos gordos de sabor forte. Aquilo era um verdadeiro banquete e todos agradeceram e dividiram igualmente as porções. Fecharam a pequena passagem e descansaram.

Despertaram antes do Sol nascer, se organizaram e começaram a jornada para sudeste, rumo a Mata Velha, momento no qual Gadrak começou a explicar o plano. Ao chegarem à mata, rastreariam trilhas usadas pelo grande javali, animas territoriais, momento ao qual escolheriam um ponto, para então cavarem e fazerem um fosso com pontas afiadas. O buraco não precisaria ser fundo, mas deveria comportar pontas afiadas de cerca de três palmos de sua mão, vários destes objetos seriam suficientes para minar as forças do javali, que então seria abatido por golpes firmes de azagaia. O problema principal seria chamar atenção de um destes, para que viesse na direção certa. Enquanto explicava, um dos jovens caçadores sugeriu o uso de uma isca, mas Gadrak logo o corrigiu, citando que os javalis de casco brônzeo tinham olfato e audição apuradas, situação na qual deveriam manter sua ira ativa, de maneira que suplantasse seus sentidos. Ele continuou explicando que esse era o real motivo da dificuldade desta caça, citou ainda que precisariam usar extrato de raiz roxa para amenizar seus cheiros e ter maiores chances de sucesso. Com as explicações dadas, continuaram sua jornada.

Pouco depois de duas horas, de descida em ângulo suave, perceberam a mudança gradativa do ambiente, com o surgimento de arvores esparsas e porções cada vez menores de pedra. Aproveitaram este ambiente para cortarem galhos grossos com suas toscas ferramentas. Enquanto andavam, iam afiando e preparando os objetos de madeira que seriam usados na armadilha, além disso aproveitavam também galhos grandes, muito ramificados, porém leves para fazer a cobertura que seria preenchida com folhas. 

Baas era um bom mateiro e conhecedor de ervas, logo percebendo que estavam em uma área no qual poderiam encontrar a raiz roxa. Enquanto estava ocupado nisso, os demais aproveitaram para fazer mais pontas afiadas para armadilha. Minutos depois ouviram um grito desesperado. Rapidamente armaram-se com as azagaias; longas lanças esculpidas em madeira, com pontas mortais; e correram de encontro ao grito. Diante deles havia um inseto pavoroso e grande, um besouro recoberto com uma carapaça negra que reluzia com as luzes do Sol, tinha altura equivalente a dois deles e um comprimento quatro vezes maior que isso, sua presença instigava instintos de auto preservação. Baas correra e subira em uma árvore dizendo que a criatura surgirá debaixo da terra se abatendo sobre ele sem que tivesse chances. As pinças afiadas proeminentes da cabeça, se mexiam ferozmente e antes que pudessem se dar contar, passaram de caçadores à caça em questão de segundo.

Gadrak manteve sua postura firme, deixando sua azagaia firme a sua frente, preparado para apoiá-la no chão, caso o ser investisse contra ele, ordenou que os demais cercassem o gigante besouro, distraindo assim sua atenção de maneira que todos pudessem estocar rapidamente e então recuar, Assim fizeram, mas a criatura mantinha seu foco em Baas. Assim que o besouro começou a se deslocar para a arvore na qual ele tivera subido, todos arremessaram suas azagaias, nenhuma cravou firme na criatura. Suas defesas naturais pareciam ser feitas de placa intransponível. Desesperados todos sacaram novas armas e se prepararam para a luta próxima. A coragem dos mais jovens vacilou e mesmo de posse de machadinhas com lâminas de pedra lascada não conseguiram avançar. Kine e Gadrak investiram com fúria, com gritos de guerra, fazendo uma forte parábola com seus braços ao golpearem firmes a criatura. Houve efeito nestes golpes e um movimento daquele ser gigante de um lado para outro indicará que despertaram a atenção da criatura. Baas aproveitou a oportunidade e saltou da arvores com sua azagaia em uma posição vertical perfeita. O golpe perfurou fundo a carapaça acima atrás da linha da cabeça. Tal golpe fez o titânico besouro vacilar e então os jovens encorajados pela vantagem avançaram gritando e saltando sobre o corpo gigante. O Besouro se mexia de um lado para outro enquanto recebia repetidos golpes de todos. A firme armadura natural não resistiu a repetidos golpes vindo de várias direções e logo a ameaça não mais se movia e os goblins puderam dar brados pela vitória obtida. 

Agora tinham comida e ânimos renovados com aquele encontro. Kine disse que as placas poderiam ser usadas e talvez úteis na caçada que estava por vir. Falou a Gadrak que poderiam fazer escudos ou talvez algum tipo de armadura. O líder disse que armaduras seriam inviáveis no momento, mas escudo improvisados seriam bons. Baas voltou a procurar a raiz e logo trouxe o suficiente.

Apesar da surpresa, talvez aquele encontro tivesse sido fortuito, talvez seus ancestrais estivessem de fato apoiando-os de algum jeito. Pensou que porções deste besouro e suas placas somadas ao poderoso javali dobrariam mais facilmente os Kobolds. 

Enfim, podiam saborear a breve vitória.

 


Continua…

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Um Guerreiro de Honra #2 – Contos de Thul Zandull

Um Guerreiro de Honra – Parte II

 

Gadrak chegou a sua aldeia após uma marcha forçada que exaurirá suas forças e a de seus dois companheiros. A entrada da aldeia ficava em uma pequena cadeia de montes rochosos escarpados, uma trilha sinuosa com vigília constante de membros mais jovens de seu povo. O agora líder, via aquele caminho com potencial para uma defesa desesperada, caso tudo desse errado. Ao chegar deparou-se com o círculo formado pelos paredões de pedra nos quais os hábeis membros de seu clã haviam esculpido e trabalhado as cavernas até se tornarem ambientes agradáveis para se morar. Havia escadarias e caminhos elevados de madeira, bem como pontes pênseis amarradas com cordas que permitiam trânsito entre as moradas, que situavam-se a diferentes níveis do chão. Era nítido que o local acomodaria mais membros de seu povo, mas infelizmente seu clã já sofrera pesadas perdas ao longo dos meses. Enquanto sua mente divagava nas possibilidades em relação aos invasores, dirigiu-se ao centro da aldeia onde a grande fogueira permanecia acesa e olhou os totens esculpidos de seus ancestrais. Receberá deles uma grande dádiva, sua mente trabalhava mais rapidamente que os demais goblins, inquietava-se com ideias variadas e com questionamentos estranhos. A anciã sempre lhe dissera que havia recebido uma graça e uma maldição no dia de seu nascimento, mas Gadrak; apesar de respeitar as tradições; acreditava que ele mesmo poderia forjar seu destino e que as falas da velha e sábia goblin eram geradas de sua observação e experiências que passara em tempos distantes. 

Gadrak fez os gestos cerimoniais na fogueira; algo repetido pelos seus companheiros; todos foram até a sábia goblin Akerele. Ao entrar pediu a benção dos espíritos, respeitando o ambiente e as crenças antigas e após permissão começou o relato. O ambiente no qual estava inspirava poder, havia ossos, patuás e ídolos de barro, um cheiro de incenso de ervas com aroma forte junto de uma tênue fumaça se espalhavam pelo local. Akerele vestia peças de corpo com adornos variados, pequenos objetos, pedras brilhantes e outros itens da natureza que simulavam uma armadura forjada pela vontade, pela fé inabalável de muitos anos de existência. 

Suas palavras; quase que pronunciadas em um transe místico; diziam que os invasores carregavam consigo a mesma fome insaciável dos antepassados e dos membros vindouros dos povos Humanos, uma fome que nenhum alimento pode conter, uma fome que urge com a ânsia de conquista, uma fome de morte e de dominação.

Gadrak se lembrava de seu pai contando como os Humanos adoravam as pedras de cor dourada. Ele dizia que a cada temporada de caça pediam permissão a Três Cortes para retirar de sua morada, pequenas quantidades da pedra. Uma parte delas era usada para trocas feitas por antigos viajantes de seu povo. Infelizmente isto não mais ocorria, pois era comum que acordos com goblins terminassem com a morte daqueles que humildemente apenas pediam trocas justas pela pedra dourada sagrada de seu povo. Enquanto se lembrava dessas histórias imaginou que os invasores, talvez também tivessem seus sábios de mente apurada que se lembravam desse período. Talvez a fome não tivesse sido saciada pelos viajantes goblins que tiveram suas vidas e as pedras sagradas levadas e agora estavam ali, mais desejosos do que nunca, por aquilo que tanto valorizavam. 

Precisava rogar na caverna Sagrada por iluminação, precisa dos sussurros do grande herói de seu povo, mas também queria entender melhor seus inimigos e pensou em outro povo, que vivia distante, mas que teve mais contato com os Humanos. O povo de pele escamosa avermelhada, tão pequenos quanto eles, de parentesco distante com os grandes lagartos antigos que voavam e a tudo devoravam. A sábia chamava-os de Kobolds. Precisaria levar uma bela oferenda antes que pudesse ser recebido e fazer suas perguntas. Não podia perder tempo, pois os invasores, mesmo não conhecendo os perigos e trilhas antigas logo chegariam a seu local sagrado e depois se encarregariam de dominar seu povo. 

O agora líder pediu a velha goblin que usasse seus unguentos curativos e pediu aos seus que se armassem e pegassem recursos para a viagem. Solicitou a três jovens que se juntassem ao grupo de adultos e rapidamente os sagrou caçadores com os ritos rápidos sucedidos pelas dádivas de Akerele. Gadrak pensou que não era a situação ideal, mas já havia certo conhecimento de sobrevivência dominado por aqueles jovens e precisaria de mais mãos para enfrentar o desafio.

Partiram cerca de três horas depois que chegaram, o cansaço e dores musculares os acompanhavam, seu grupo agora contava com os sobreviventes Baas e Kine, bem como os jovens Gbada, Jajem e Ogwe. Enquanto viajavam usando as trilhas mais perigosas, porém mais rápidas, contava tudo aos membros de seu grupo de caça. Iriam rapidamente a morada Sagrada de Três cortes e depois perto do anoitecer, acampariam no passo do cume Trinca Osso, os mais jovens e revigorados forrageariam ou caçariam o que pudessem para manter a força do grupo, em seguida viajariam um dia a sudeste em busca da Mata Velha, onde poderiam caçar os grandes javalis do casco brônzeo. A caça inteira seria ofertada a tribo de Kobolds da Mata Velha em troca de informações sobre o povo dos Humanos e de talvez a chance de trocas necessárias com a pedra sagrada que também seria levada. Daí em diante, não havia detalhes, pois só estes passos já seriam desafiadores o suficiente. 

Chegaram a caverna, esbaforidos, mas determinados. Gadrak olhou a sua volta e diferente do dia anterior no qual descansara ali, adentrou a caverna, na qual haviam toscas esculturas de seus antepassados, pinturas nas paredes e muitas fendas de onde a pedra dourada sagrada brotava. Ao fundo, depois de tantos metros, sem a dificuldade da escuridão, via ao fundo a perfeita estátua de Três Cortes, em uma posição selvagem de ataque. As histórias de seus antepassados diziam que este herói de seu povo se aventurou em terras distantes, lutando ao lado de vários povos guerreiros. Seu maior feito teria sido um desafio pavoroso contra um touro de pedra que assolava o Norte, havia sido o último sobrevivente do combate, mas segundo as histórias o bafo desta terrível criatura transformava a pele em pedra, ceifando assim a vida de qualquer um. Um antigo seguidor do herói presenciou a luta e após o embate trouxe consigo seu antigo mestre petrificado daquelas terras distantes, dando início assim a nosso clã em homenagem a este grande goblin. A estátua era notável, podíamos ver que seu porte e armamentos eram dignos de histórias heroicas e todos de seu clã buscavam sussurros deste notável, esperando assim seguir trilhas dignas de seu passo glorioso, agora Gadrak estava ali, buscando orientação. Ajoelhou-se, solitário e orou por forças e ajuda neste desafio difícil. Não queria que seu clã findasse. Chorou sozinho na escuridão, não ouviu palavras, não ouviu nada além dos sons da caverna e diante de si, pensou que em algum momento aquele herói tivesse sentido medo, mas a diferença entre ambos era que seu antepassado, subjugara aquele temor e seguira em frente desafiando o mundo com suas duas adagas afiadas e sua presença inabalável. 

Gradrak agradeceu pela inspiração, ficou contemplando o semblante daquela grande figura de pedra e ao se levantar pensou que lutaria até suas últimas forças para proteger seu clã. Uma jornada o esperava e sua primeira vitória contra o medo já o tornava mais forte.

 


Continua…

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