Sangue e Glória – Parte 10 – Contos de Thul Zandull

Anteriormente em Sangue e Glória – Parte 9, acompanhamos a batalha mortal que os guerreiros orcs enfrentaram. As habilidades e coragem de todos foram testadas em seu ápice. Porém Gorac foi além, e recebeu de seus ancestrais a bênção que virou o jogo. Mas será que todos eles irão sobreviver aos ferimentos…

Agora…

Sangue e Glória – Parte 10

Mira despertou imaginando que iria se deparar com a verdade. Pois para ela era certa a morte. Um momento de glória ao lado de seu amado, lutando e honrando os antepassados com o bom combate e a coragem. Porém para sua surpresa, ao abrir os olhos a primeira sensação que teve foi a dor, algo que se espalhava por seu corpo de maneira completa. Todos os seus músculos doíam e acima dela um telhado de madeira e a sua volta estrutura bem cuidada. 

Ouvia o crepitar da fogueira somado a um bom aroma de carne e pão assando. Estava em um salão grande, com certeza a construção comunal que não tiveram tempo que explorar. Mas algo estava estranho, sua lembrança era que aquele local tinha um buraco gigante no teto, mas agora tudo estava consertado. 

Antes que pudesse mover mais sua cabeça buscando mais informações, sentiu uma ardência em seu braço esquerdo, mas ao analisar o local do fisgar, notou que não havia nada onde tivera a sensação, apenas um coto, uma lembrança permanente de sua luta mais difícil até o momento. O que mais a incomodava era que envolta do local do ferimento havia algo cristalino que emanava um brilho verde intenso. Era uma película que cobria todo o coto, enquanto se perdia em pensamentos com aquilo, notou que a dor diminuía a medida que o cristal emanava maior luminescência. 

Tentou então se erguer para analisar melhor o salão e então notou que a sua frente, do outro lado do salão havia mais uma cama onde repousava Xalax. Percebeu rapidamente que a camada cristalina recobria uma parte do rosto dele e também se espalhava pelo tórax. Curiosa, procurou em seu corpo por mais sinais daquilo, e viu que em todos os pontos de ferimento havia aqueles luminescentes minerais esverdeados. 

No centro do salão havia a fonte de calor, uma fogueira comunal. Estava estruturada em um círculo em nível mais baixo que o chão e envolto em pedra, onde madeira e carvão mantinha a chama forte e também esquentavam chapas de metal que assavam a carne e o pão sobre elas. Sentado a frente cuidando do alimento estava Orog, o bom rastreador, que usava um socador, provavelmente para esmagar raízes e folhas para algum remédio. Mira apenas teve essa dedução ao ver os materiais medicinais espalhados ao lado dele. 

Era espantoso como aquele salão estava limpo e organizado, questionou-se se aquilo era alguém tipo de reino divino ou espiritual de seu povo. Mas a presença de seu companheiro e as dores em seu corpo refutavam qualquer tipo de pensamento nesse sentido. Do seu lado direito via as portas duplas do salão, entreabertas e do lado esquerdo um espaço em destaque onde um ídolo Kobold protegia um pequeno trono a sua frente, com certeza algo próprio a estatura daquele povo. Havia duas escadas ao lado do trono que levavam para um andar inferior, mas antes que pudesse explorar mais o local com seus doloridos olhos, notou que Orog, vinha em sua direção.

Mira se antecipou em questionar o que ocorria e também em entender onde estava Gorac. Pois, queria retirar a ansiedade de não ver seu companheiro ali deitado em recuperação. Mas logo Orog apaziguou-a, dizendo que o líder já havia despertado dias atrás e que voltava seus esforços em manter a estrutura onde estavam, apoiando nos reparos, limpeza e caça. Disse que o velho Harm Van Driel manteve os corpos de ambos nutridos valendo-se de magia que espalhou pelo corpo dos feridos em forma da película cristalina. Disse que estavam deitados a mais de três semanas, tamanha era a gravidade dos ferimentos deixados pela criatura.

Orog não conseguia esconder sua tristeza ao ver o coto e Mira entendia os motivos. Afinal um guerreiro sem um braço perdia enormemente sua capacidade de luta, mas aquilo era apenas um pensamento, entre tantos outros, afinal mais importante do que o braço, era sua vida. O Orc, logo ofereceu o remédio que preparava, mas Mira apontou primeiro a comida. Não compreendia como a magia alimentou seu corpo, mas tudo que ela queria naquele momento era mastigar algo.

Uma nova vida para Mira

Momentos depois de se alimentar e enfim tomar o amargo chá oferecido por Orog, ela se sentiu confiante para levantar-se. Mas outro fisgar forte proveniente de sua coxa a fez vacilar. Porém seu amigo a ajudou e aos poucos o cristal mágico fez efeito, amenizando as dores sentidas segundos atrás. 

Ela queria ver o ambiente com seus olhos, andar um pouco e seu parceiro de batalhas a ajudou. Porém antes que pudessem sair, Mira ouviu atrás de si uma voz diferente. Ao se virar viu um humano de idade avançada com barbas brancas longas, mas bem aparadas e vestes dignas de alguém nobre. Logo foi questionada se estava com dores fortes em alguma parte do corpo e se precisava de ajuda. O velho fez um sinal para Orog deixá-la se sentar próxima ao fogo para poderem conversar. Mira concordou e Orog saiu do salão. Ela achou estranho, mas estava curiosa com a presença do Veneficus, termo antigo usado para bruxos que se dedicavam a entender os Geodos Arcanos. 

Harm Van Driel começou a conversar agradecendo por sua libertação. Sabia dos perigos de seu resgate da tumba. Mas não imaginava que houvesse tanta dedicação em mantê-lo esquecido, explicou que precisaria de tempo para recobrar totalmente os seus poderes. Mas que tinha o suficiente para manter as artes de cura e para reparar estruturas necessárias, explicou ainda que a medida que os dias passassem, ele estaria apto a fazer algo por ela, afinal ele tinha que quitar o débito por sua vida. 

Continuou, dizendo que a demanda iniciada por eles, os Orcs invasores do Império, teria sua ajuda e que todos que ali estavam eram fortes e determinados, uma união fortuita depois de tantas desventuras e sofrimentos passadas por ele. Mira o interrompeu, perguntando por Gorac e também ficou curiosa em entender como ele poderia fazer algo por ela, já que seu braço fora perdido para sempre. Mas Harm a interrompeu dizendo que o braço arrancado não estava perdido mas sim sendo preparado para retornar a seu braço no momento certo, pediu para que ela o acompanhasse a parte inferior do salão comunal e ao fazer isso, notou que todo andar inferior continha os objetos estranhos que repousavam no subterrâneo. Porém haviam brilhos, sinais luminosos, sons estranhos e ranger de várias coisas se movendo. 

Harm apontou logo para uma mesa na qual percebeu que seu braço flutuava envolto por esferas de cores variadas que continham dentro de si runas antigas. Havia metal fluído em torno do braço e era nítido para ela que a carne estava sendo substituída pelo material que ali flutuava. Era assustador e inebriante. O Veneficus, logo explicou que a melhoria corporal fora algo mortalmente proibido em sua época. Mas agora, não havia mais grilhões que pudessem detê-lo. Disse incisivamente que cuidaria dos seus e que sua meta era se vingar daqueles que ceifaram sua liberdade e a de tantos outros como ele.

Enquanto ouvia o dominador de magia, Mira vacilou novamente, sentindo-se zonza. Mas logo o Veneficus a apoiou, fato que fez com que a Orc percebesse que o velho era mais ágil e forte do que aparentava. 

Harm disse que ela deveria manter repouso total, pois o efeito de seus encantos de cura também dependia da resistência dela, mas na condição atual, manter duas vidas era algo complexo para ele. Mira ao ouvir aquilo se espantou e pediu mais explicações, enquanto Van Driel esclareceu que ela carregava consigo uma nova vida. Mira ouvia aquilo e não conteve sua emoção, ao passo que o velho disse que o filho dela com certeza seria alguém extraordinário, digno da linhagem do qual era proveniente, disse ainda que a magia usada também era drenada pelo feto, algo fantástico que deveria estudar a fundo. Mas de qualquer modo, ela e o futuro bebê estavam vivos e bem.

No momento daquela fantástica conversa, ambos ouviram passadas apressadas e logo perceberam quem adentrava o local, o líder guerreiro Gorac. A emoção foi forte e o velho se afastou para que o casal se abraçasse, ambos estavam firmes e felizes pela recuperação um do outro. Gorac a beijou e em seguida se abaixou diante dela acariciando a barriga que carregava seu herdeiro ou herdeira, quem governaria aquela terra que em breve seria conquistada. Mira via seu companheiro com orgulho e acariciou sua cabeça, ela via a grande cicatriz, a marca deixada pela luta de dias atras. Olhou seu amado líder e viu que as mãos dele também estavam em processo de recuperação, porém não disse mais nada, não pensou em mais nada. Só queria naquele momento aproveitar a sensação de proximidade e o sentimento forte, o vínculo que trouxera ambos até ali, mas algo mais ocorreu, pois ouviram a voz grossa de Kagror chamando pelo velho.

Harm Van Driel logo disse a eles que se acalmassem, pois ele havia enviado um chamado para um velho amigo que ele acreditava estar perdido, convidou ambos para subirem e conhecerem Garlak, Três Cortes

Continua…


Sangue e Glória Parte 10 – Contos de Thull Zandull

Autor: Thull Zandull 
Revisão de: Isabel Comarella 
Artista da capa: Douglas Quadros 

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Os sistemas tornam os guerreiros chatos?

Guerreiros são incríveis. Eles são o herói quintessencial de toda fantasia e mitologia, com seus feitos extraordinários de habilidade e proeza no campo de batalha. Na mitologia, nós temos Hércules, que estrangulou o leão de Neméia; ou Belerofonte, que, voando montado no Pégasos, derrotou a quimera; ou o deus guerreiro Susanoo, que num combate titânico derrotou a cobra gigante Orochi. Na ficção moderna, poucos guerreiros conseguem ter uma fama maior que a de Conan, o bárbaro cimério; contudo, indo além de fantasia de espada e feitiçaria, nós também podemos ver os Cavaleiros Jedi de Star Wars e os vários super heróis de quadrinhos – como o Batman e a Mulher Maravilha.

Por que guerreiros são incríveis?

Eu acredito que seja por eles tocarem aquele ponto primal dentro de todos nós, o instinto de lutar, de nos colocarmos de pé e confrontarmos a oposição. Eles lutam com ferro, carne, punhos e ossos, sangrando conforme fazem seus caminhos através dos seus inimigos. Eles podem usar a força – como Sansão – a inteligência – como Ulysses – ou agilidade incrível – como Zorro – mas eles inevitavelmente tomam o campo de batalha em suas mãos com sua habilidade.

Contudo, estas manobras incríveis não são o que normalmente acontecem na maioria dos rpgs. Na verdade, jogar com guerreiros na maioria dos rpgs se resume a dizer ‘eu ataco’ e rolar alguns dados para ver se o inimigo foi atingido e depois rolar alguns outros para dano. No máximo, um jogador pode ser permitido ‘tentar’ fazer algo incrível como balançar num candelabro dando um mortal de costas, pousar numa mesa, dizer uma frase de efeito e chutar o cara mau para dentro da lareira. Porém, fazer algo assim acabaria, na maioria dos rpgs, conferindo milhares de penalidades para sua jogada. Portanto, ao invés de fazer algo incrível, você permanece fazendo as ações básicas ‘chatas’ e diz ‘eu ataco’.

O Sistema Trava o Roleplay

Mesmo D&D (e os sistemas OSR) – que é um rpg que tenta simular fantasia heroica- não trata guerreiros muito bem. O D&D Old School tem algumas noções abstratas (rounds são longos, ataques e defesas permitem uma certa liberdade de interpretação), o que dá espaço para certo roleplay. Contudo, não há encorajamentos para os jogadores narrarem seus ataques pois tudo se resume à jogada de ataque contra a CA, com pouca ou nenhuma variação ou ajuda do sistema mecânico. E o New School de D&D (3a, 4a e 5a edições) talvez seja ainda pior, pois tornou os aspectos de combate muito determinísticos. Os rounds de combate ficaram bastante rígidos, cada ataque representando um único golpe, cada ação sendo minuciosamente detalhada. Todas essas especificações focam demais no aspecto de ‘jogo’ do combate e pouco no aspecto de ‘interpretação’.

E esse é o problema principal de guerreiros e combate na maioria dos rpgs: eles não aliam ‘mecânicas’ à ‘narração’. Mesmo assim, existem sistemas que permitem muita interação entre os dois. O Marvel Heroic Roleplay (MHR) exige que os jogadores interpretem cada aspecto que eles queiram usar durante um ataque – portanto, se você tem Super Velocidade e Super Força e quer usar ambas num ataque, você terá de descrever como cada uma é usada, não podendo simplesmente falar ‘Eu ataco’. O Open Versatile Anime rpg (OVA rpg) também deixa claro que as ações devem estar correlacionadas com a narração. Talvez até o maior exemplo de alinhamento entre mecânica e narração esteja no Dungeon World, derivado do Apocalypse World engine, pois cada movimento e cada ação são indissociáveis da narração de dentro do jogo.

Conclusão

Ter narração sem um respaldo mecânico torna a ação vazia e sem sentido. E ter mecânicas sem narração torna o jogo frio e distante – em verdade, se for só pelas mecânicas, é muito melhor jogar um jogo de estratégia ou um vídeogame (como Dark Souls e Final Fantasy). Mas rpgs como Dungeon World, MHR e OVA nos mostram que é possível encontrar um meio termo entre mecânica e narração e tornar combates (e guerreiros!) incríveis.

Para criar diferentes tipos de guerreiro clique aqui. Já para entender a função de um guerreiro, clique aqui.

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