Icabode St. John (CAPÍTULO FINAL)

Icabode atravessou os campos de neve até o local onde o avião de sucata aguardava. Ele apenas abanou a cabeça negativamente quando o piloto perguntou se os outros viriam.

O voo foi mais tranquilo na volta, chegando em Nova York uma hora antes do amanhecer. Icabode disse tudo o que aconteceu ao piloto, para que ele repassasse a Lancelot. Depois, se enfiou dentro da casa no centro do rancho, e entrou em torpor, esperando o dia acabar.

Assim que a noite velou o céu, um chofer entrou em seu quarto. Ele usava quepe de motorista, uniforme e luvas pretas.

– Mestre Lancelot o aguarda no Brooklyn – disse. – E me pediu para leva-lo.

Icabode sabia do que se tratava. Antes de ir para a Polônia, eles discutiram uma forma de emboscar o príncipe Fermín. O plano seria executado assim que Solomon Saks fosse derrotado.

– Vamos – Icabode abriu o dossel e saiu da cama.

No banco traseiro do carro, ele se lembrou de como Fermín havia tentado traí-lo, oferecendo sua cabeça para que o clã do Rato satisfizesse sua sede de justiça, e se submetesse ao novo príncipe de Nova York. Ele ia me vender, esse maldito traidor.

Fermín traíra a Juíza e a Dama do Véu Negro, e Icabode não poderia esperar algo diferente de deslealdade por parte dele. Mas hoje, príncipe, você pagará por isso.

O carro chegou na cidade e percorreu dezenas de avenidas e poucas pontes até chegar no Brooklyn, na rua escura, com as lâmpadas dos postes desligadas. A mansão de Solomon Saks era cercada por um muro de pedras, coberto de musgo e trepadeiras. A entrada principal era bloqueada por um imenso portão de lanças metálicas. Em sua frente, havia algumas viaturas policiais, e várias pessoas ao redor. Dentre elas, Lancelot, o primogênito do clã da Sabedoria.

– Você é o mais novo herói de Nova York! – Lancelot disse sorrindo, vindo em sua direção. – Você destruiu Solomon Saks!

Ele aparentava ser apenas um velho de cabelos brancos, frágil e dócil. Mas Icabode não era mais enganado por esse tipo de coisa. Esse mesmo velho estava ali para emboscar o vampiro príncipe de Nova York. Um velho frágil não faria esse tipo de coisa.

– Leon me disse que Caveira foi morto – Icabode respondeu, respeitosamente. – Sei que ele era seu homem de confiança.

Lancelot abanou com a mão, despreocupado.

– Casualidades! O importante é que ele ajudou a destruir aquele megalomaníaco.

Icabode sentiu raiva por Lancelot pensar daquela forma. Ele se perguntou se dali pra frente, todos os seus relacionamentos seriam assim. Se a cada morte de uma pessoa próxima, ele a consideraria mera casualidade. Não há espaço para amor, empatia ou compaixão nesse tipo de vida.

– Eu os chamei e depois os fiz dormir – Lancelot apontou para os policiais dentro das viaturas. – Quero que Fermín pense que eles estão aqui porque houve uma grande batalha na mansão. Seria muito suspeito se eu narrasse o confronto contra Solomon Saks, e nenhum policial viesse checar. Agora vamos todos entrar! Vamos acabar logo com isso!

Icabode viu todos os vampiros ao redor seguirem Lancelot pelo portão de lanças. Ele foi atrás, caminhando em direção ao centro da propriedade onde a mansão os aguardava.

– Eu irei até Manhattan chamar Fermín até aqui – Lancelot disse para todos ao redor. – Vocês precisam fingir que estão mortos. Espalhem-se no chão. Ele deve pensar que Solomon derrotou o garoto – ele apontou para Icabode – e seus amigos, e que todos vocês – ele olhou para os independentes – estavam aqui para ajuda-los, mas também foram destruídos.

– Mas meus “amigos” morreram na Polônia – Icabode o lembrou. – Ele não vai estranhar em ver apenas o meu corpo no meio dos cadáveres?

– Isso não é problema – Lancelot se virou para alguns de seus seguidores. – Você, você e você. Quero que assumam a forma do Caveira, de Leon e do negro.

Subitamente os três vampiros mudaram drasticamente de aparência e se tornaram os falecidos Drake, Caveira e Leon. Lancelot olhou para Icabode e deu um sorriso rápido e satisfeito. Em seguida, ele foi embora para buscar Fermín.

Icabode ficou olhando para as figuras familiares, triste. Aquilo era apenas uma ilusão. Ele não tinha mais nenhum conhecido por ali.

Vampiros dos clãs do Rato e da Sombra se esconderam, enquanto os do clã da Sabedoria e independentes se espalharam pelo terreno, fingindo de mortos. Icabode apenas deitou no meio do gramado e aguardou. Seus olhos fitavam o céu negro, afundando em seus pensamentos, deixando o som da cidade em alguma parte escondida de seu cérebro. Ele começou a reparar no barulho de água corrente. A mansão ficava à beira do East River, próxima da Ponte do Brooklyn. Alguns quilômetros dali estava o bar do Anthony Ritzo, estava também a fundição onde ele e Sunday morreram. Por ali estava o galpão onde ele ateara fogo em Anatole, o vampiro que matara seus pais. Ele mesmo estava a poucos passos de onde Ivanovitch fora morto.

Seus pensamentos flutuavam, analisando as últimas semanas intensas de sua vida. O tempo foi passando até que ouviu o som dos carros parando. Lancelot retornara. Fermín não estava sozinho. Ele trazia seu séquito junto.

O grupo adentrou a mansão, e Icabode tentou não mover os olhos quando percebeu a aproximação. Fermín ficou de cócoras ao seu lado.

– Pobre garoto – o príncipe disse, olhando em seus olhos.

– Vamos matar esse filho da mãe! – Lancelot declarou subitamente. Essa era a palavra-chave, e todos os vampiros se levantaram do chão.

– Emboscada! – Leo gritou, segurando o bastão de beisebol com firmeza. – O que é isso, Lancelot?

Algumas palavras foram trocadas, e o séquito de Fermín se rendeu aos inimigos. O príncipe tentou fazer o mesmo, mas sua rendição foi rejeitada. Ele começou a usar seu poder da palavra para controlar as pessoas ao redor, começando pelos sósias de Drake e Caveira. Icabode decidiu agir, e se jogou em sua direção.

– Caia no chão! – Fermín gritou, e Icabode despencou na grama, obediente.

Lancelot tomou a frente e desafiou o príncipe para um embate individual. Tudo aconteceu rápido. Fermín foi derrotado, e os vampiros começaram a desmembra-lo ali mesmo. Icabode ficou em pé, observando a cena. Lorena veio ao seu lado e perguntou:

– O que aconteceu durante essa semana? Por que você nos traiu? O que o fez escolher o lado de Lancelot, do clã do Rato e da Sombra?

Icabode contou o que aconteceu nos últimos dias, falando sobre a Polônia e de como Lancelot lhe informara que Fermín havia tentado uma aliança com o clã do Rato.

– Ele me traiu – Icabode disse. – Ele queria me entregar para os inimigos.

– Como braço direito de Fermín – Lorena começou a dizer -, eu posso lhe assegurar sem sombra de dúvida que isso nunca aconteceu. Fermín queria esmagar o clã do Rato. Ele sabia que não havia possibilidade de paz depois de ter traído a primogênita deles.

– E por que… – Icabode se virou para ela, surpreso.

Lorena se limitou a olhar para Lancelot com um sorriso frio. Ela virou e se afastou. Icabode olhava incrédulo para o novo príncipe, o velho e frágil Lancelot. Ele mentiu para mim, compreendeu. Fermín não havia lhe traído. Aquilo havia sido uma mentira para Lancelot convertê-lo ao seu lado. O clã do Rato e da Sombra também.

Icabode puxou a estaca de sua cintura, a mesma que levara para a Polônia. Todos que foram com ele, haviam levado uma estaca para caso encontrassem o coração de Solomon Saks. Icabode ainda carregava a sua. Ele olhou para Lancelot, e suspirou. Fazia muito tempo que não suspirava. As vezes ele até esquecia de respirar.

Icabode deu as costas para o ritual de coroação, com vampiros se ajoelhando e jurando lealdade ao verdadeiro príncipe, e foi em direção ao rio. Nada mais importava. Ele esperava que Lancelot fosse um bom governante, pelo menos melhor que Fermín.

Ele é exatamente igual ao Fermín. Um governo fundado em deslealdade e traições. Não sei se conseguirei adaptar a essa nova vida… e pra falar a verdade, nem quero.

O mundo das trevas não é pra qualquer um. É só para aqueles que conseguem viver às custas da morte. É só para aqueles que conseguem se alimentar do sangue e dor de outras pessoas. E Icabode não queria fazer parte daquilo.

Ele foi até a beira do East River, e olhou para a água escura. De repente, uma luz bruxuleou em suas costas. Um cheiro estranho entrou em suas narinas e ele ouviu o barulho de cascos. Alguém bufou, como se fosse um animal. Era o homem bode.

– Era questão de tempo, filho do reverendo – o demônio disse. – Ninguém vive para sempre. Agora vamos, você é meu, e eu já esperei demais.

– Eu não quero mais viver nesse mundo – Icabode confessou, levitando um palmo acima do rio. Ele flutuou até ficar longe da margem. – Mas que você volte para o inferno sozinho!

Ele estendeu a estaca e a enfiou no peito. A única coisa que sentiu foi dor. Suas mãos forçaram mais ainda, e por fim, ele usou a telecinese para fincar de uma vez a ponta de madeira no próprio coração. O homem bode gritava, frustrado.

Icabode sentiu um pouco de sangue molhar seus lábios, e seu corpo enrijeceu. Ele se tornou duro como uma estátua. No momento seguinte, seus olhos foram tomados pela escuridão da água corrente, e ele afundou, afundou e afundou…

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Icabode St. John [25]

Maxiocán ia à frente do grupo, de olho na bússola que os conduzia pela trilha de neve entre os pinheiros. Drake Sobogo trazia a mala com as armas e granadas, mais atrás do grupo. Leon aguçara seus ouvidos, em alerta. Seria sua responsabilidade avisar aos outros caso alguém se aproximasse. Caveira segurava seus revólveres, com os canos apontados para cima.

– Esperem! – Leon disse, se virando na direção dos pinheiros. – Estou ouvindo um barulho de árvores quebrando… meu Deus, ele já chegou!

Um vulto negro surgiu da floresta e se agarrou em Drake, levando-o para o outro lado das árvores, desaparecendo completamente do grupo. O Capitão Sangrento nunca mais veria nenhuma daquelas pessoas.

– Olha, olha, o que temos aqui – uma voz surgiu da noite, quando de repente, Gólgota surgiu no meio do caminho. Ele estava invisível até o momento. – Não me diga você é Maxiocán, o lendário caçador de vampiros!

– É ele sim – Rabin confirmou, descendo do céu como se fosse um anjo caído. – E acho que ele veio atrás do coração do chefe. Será que ele é tão poderoso quanto dizem, Gólgota?

– Só há um jeito de saber – o vampiro tirou os olhos de Rabin e se virou para Maxiocán. Em seguida, esses mesmos olhos se arregalaram, e uma veia saltou de sua testa.

O corpo de Maxiocán se tensionou imediatamente, sua pele enrubesceu, os vasos sanguíneos de seus olhos estouraram, transformando as pupilas em duas bolas vermelhas. E em seguida, seu corpo caiu duro como uma estátua para trás, ainda segurando a bússola.

– É tão fácil fritar o cérebro de um humano – Gólgota disse, satisfeito. – Por que não pode ser fácil assim com vampiros?

– Quem disse que não é? – Caveira perguntou, esticando os revólveres e apertando os gatilhos freneticamente.

Gólgota deu um grito de susto e ficou invisível, mas isso não serviu de nada, pois logo em seguida seu corpo voltou a aparecer, enquanto sua cabeça era perfurada várias vezes. Os miolos pularam para fora como pipoca, e em menos de um segundo, ele estava caído sobre a neve, tornando-a vermelha ao redor da cabeça. Os olhos eram como de peixe morto, e sua alma fora enviada direto para o inferno.

Leon se jogou sobre o corpo de Maxiocán, tirou a bússola de sua mão e ficou invisível. Caveira e Rabin estavam sozinhos, um de frente para o outro. O feiticeiro de Solomon olhava para o corpo de Gólgota, incrédulo. Aquilo acontecera muito rápido. Caveira era um pistoleiro muito habilidoso. Pegadas começaram a se formar na neve, quando Leon (ainda invisível) começou a correr com a bússola na mão.

– Você não vai escapar! – Rabin ergueu os dedos para o céu, e uma bola de fogo se formou no centro de sua palma antes de arremessa-la em direção a Leon.

Caveira virou morcego e se jogou em frente ao ataque, sendo atingido em cheio. Seu corpinho flamejante caiu fundo na neve, de onde saiu uma coluna de fumaça. De repente, sua forma humanoide se estendeu no chão, metade carbonizada. Ele tirou a máscara, revelando um rosto de morcego, peludo e chamuscado.

–  Como é o gosto do fracasso? – Rabin perguntou, olhando-o com curiosidade.

– Me diga você – Caveira gaguejou, forçando um sorriso. – Já que o meu camarada invisível acabou de entrar na floresta.

Rabin olhou para trás e percebeu que as pegadas de Leon sumiram entre as árvores. Agora seria impossível encontra-lo. Ele fechou os punhos, furioso, e ateou fogo no corpo de Caveira antes de voar para dentro da floresta.

Enquanto isso, Drake Sobogo sentia seu corpo bater em cada árvore no caminho, enquanto Troche o empurrava para dentro da floresta. O Judeu de Ferro o abraçara com força, imobilizando seus braços, e ele corria rapidamente, levando Drake para uma direção misteriosa. Foi quando as árvores acabaram que Drake percebeu seu destino. Havia um penhasco logo à frente, e Troche planejava joga-lo lá de cima.

Drake dobrou o pescoço para trás e pegou impulso antes de dar uma cabeçada no nariz de Troche. Isso o fez parar. Os dois rolaram pela neve entre a floresta e o penhasco. O Judeu de Ferro se levantou, segurando o nariz moído.

A alça da mala de armas ainda estava presa no ombro de Drake, e ele rapidamente segurou os dois lados da bagagem e a rasgou ao meio, como se fosse um saco de batatas fritas. Vários fuzis, metralhadoras e granadas caíram no chão, aos seus pés. Ele pegou a Thompson com munição de disco frontal e a ergueu.

– Não acredito que você vai trazer arminhas para a nossa batalha final – Troche disse, com o sangue escorrendo de seu nariz e encharcando a barba.

Drake apenas cuspiu para o lado e segurou o gatilho. A metralhadora cuspiu todas as suas balas, acertando o corpo do Judeu de Ferro com uma sequência de choques metálicos. Quando a munição acabou, Drake a jogou no chão, ignorando o disco fumegante derreter a neve. Troche ainda estava em pé, sorrindo para ele.

– Desgraçado – Drake sussurrou, pegando um fuzil para repetir o ataque. Ele atirou várias vezes, vendo Troche se aproximar, como se nada estivesse acontecendo.

– Você não sabe quantos vampiros eu absorvi para chegar onde cheguei – Troche disse, ficando cara a cara com Drake. – Eu sou o maldito Troche, seu filho da puta.

O Judeu de Ferro enfiou as mãos na barriga de Drake e abriu os braços, dividindo o militar em dois. Drake sentiu as tripas escorrendo de sua barriga e caindo em cima dos quadris. As pernas tombaram para um lado e o tronco para o outro. Drake cuspiu sangue, incrédulo. Ele morrera muito fácil. Suas mãos tatearam as armas ao redor, na esperança de reverter aquela situação.

Troche ficou de cócoras ao seu lado, sorrindo. Drake estendeu o braço em sua direção, agonizando. Os dedos apertaram o pescoço do judeu, sem forças. O militar começou a balbuciar algo, tremendo. Troche se abaixou um pouco para ouvir suas últimas palavras. Assim que ele inclinou, os dedos de Drake milagrosamente se mostraram fortes de novo, puxando-o mais para perto.

– O quê? – o sorriso de Troche se perdeu, quando ele sentiu o abraço ao redor de seu pescoço, puxando-o até encostar seu rosto no de Drake. – Por que você não me solta e morre logo?

– Eu não vou te soltar – Drake gaguejou, erguendo o outro braço livre. Com a visão periférica, Troche percebeu que ele sacudia uma espécie de chocalho perto de seu ouvido. – Porque nós vamos para o inferno juntos.

E Drake Sobogo soltou o lacre de uma das granadas.

 

Icabode St. John virou a cabeça, surpreso. Ele via uma imensa fogueira na trilha que seus companheiros seguiam, e uma grande explosão do outro lado da floresta. Aparentemente o seu grupo não conseguira encontrar o coração do polonês.

– Você tem um espírito guerreiro – Solomon disse com as mãos nas costas. – Isso é muito valorizado na máfia.

– Foda-se a máfia – Icabode respondeu, pensando nas suas alternativas. Seus poderes eram de invisibilidade, poder da mente e sentidos aguçados. Como usar isso?

– É exatamente disso que estou falando – Solomon disse, admirado. – Mas e aí, o que pensa em fazer? Se quiser se unir a mim, será muito bem-vindo.

– Eu passo – Icabode deu de ombros. – Eu já me aliei a você uma vez e me dei mal. No meu lugar, o que você faria?

Solomon gargalhou, resignado.

– No seu lugar, eu me mataria sem pensar duas vezes  – confessou.

– É o que vou fazer – Icabode estendeu o braço e fez Solomon sair do chão. Ele ergueu o outro braço e fez quatro tochas levitarem em direção ao vampiro.

Ele manteve o inimigo flutuando sob sua telecinese, enquanto as tochas se aproximavam de seu corpo. Icabode achou que ia vencer facilmente, até que percebeu o olhar de Solomon. O homem mais velho não temia o fogo. Ele olhava com uma curiosidade divertida para as tochas. E no próximo instante, as hastes de madeira pararam de se aproximar.

– O quê? – Icabode tentou força-las em direção ao outro, mas nada acontecia. – É você que está fazendo isso?

De repente, as quatro tochas se apagaram, como se mãos invisíveis tivessem se fechado sobre elas. E Solomon Saks começou a descer, até seus pés voltarem a tocar o chão.

– Existe uma regra no mundo vampírico – Solomon Saks estava ereto, com as mãos ainda atrás das costas. – O vampiro mais forte não pode ser subjugado pelo mais fraco. Qualquer poder sobrenatural que tentar usar contra mim, fracassará.

Espantado, Icabode tentou usar novamente seu poder, mas Solomon Saks nem se moveu. Ele se virou e fez as tochas se lançarem contra o inimigo, mas o polonês fazia todas caírem no chão antes de se aproximarem.

– Já chega – Solomon disse. – Já lhe dei todas as chances que precisava. Agora irei mata-lo, garoto.

Icabode não o viu se aproximar. Primeiro sentiu o impacto do soco esmagar seus órgãos internos. O próximo golpe deslocou o maxilar. O chute fez seu joelho quebrar, e sua perna se dobrar para trás. Icabode estava no chão, completamente desmontado. Ele olhou para o trono ao lado, e viu sua tia Katherine ainda inconsciente, amarrada por uma corrente. Eu falhei com você, tia.

Ele viu a sola do sapato de Solomon Saks pisar em seu rosto. Lentamente, o pé do polonês foi se afundando, e os ossos faciais de Icabode foram cedendo. Esse era seu fim.

 

Alguns quilômetros dali, Leon corria pelas árvores, ainda invisível. Quando perdeu Rabin de vista, ele voltou ao normal. E voltou a seguir a bússola. Não muito longe de onde estava, havia uma cabana solitária no meio de uma clareira. E coincidentemente a bússola apontava para essa direção. Ele não fazia ideia que Caveira fora transformado em pó, ou que Drake explodira a si mesmo, abraçado a Troche, ou que Icabode estava sendo esmagado por Solomon. Leon até mesmo acreditava que Maxiocán podia ser salvo, que ele estava só em transe.

Mas Leon estava enganado. Maxiocán era um vegetal. Um corpo sem consciência alguma. Ele era a última pessoa incólume de seu grupo. E agora Leon entrava na cabana apontada pela bússola. O lugar estava em ruínas, e em seu interior havia apenas uma pessoa. Uma velha com um pano amarrado ao redor da cabeça, olhando para uma foto, triste. Ela ergueu os olhos para Leon e mostrou a foto para ele. A imagem era em preto e branco, e mostrava um garoto sorrindo.

– Esse é o seu filho? – Leon perguntou para a mulher. – Esse é Solomon?

Ela ignorou a pergunta, e ergueu o baú que estava no colo. Leon o recebeu e abriu a tampa. Era um coração humano, o coração de Solomon.

– Não! Não faça isso! – Rabin gritou, vindo pela trilha de neve. Ele voava rapidamente em direção à cabana, vendo através da porta, Leon tirar o coração do baú.

Leon puxara a estaca do casaco e a erguera sobre a cabeça. O feiticeiro estava prestes a invadir a cabana.

Tudo aconteceu muito rápido. Leon abaixou a estaca com toda a força de seu corpo, sentindo o sangue queimar em suas veias, bombeando o bíceps do braço direito. A estaca atravessou o coração e saiu do outro lado de sua mão. Rabin parou no meio do caminho, gritando com os olhos arregalados. Ele se virou e voou para longe, desesperado.

Leon se virou para a mãe de Solomon e percebeu que ela se encostara na parede e abaixara a cabeça. A velha estava morta.

Icabode olhava para Katherine enquanto sua cabeça estava sendo esmagada. Sunday estava em silêncio. O mundo estava em silêncio. E aquilo estava demorando demais. Solomon não terminava o serviço. Depois de alguns segundos, Icabode percebeu que o vampiro estava imóvel. Ele se arrastou e observou, surpreso, o polonês parado como uma estátua, e seu pé erguido como se fosse esmagar algo.

– Deu certo – Icabode concluiu. – Eles encontraram o coração.

Ele foi saltando sobre uma perna até a tocha mais próxima, a trouxe de volta e estendeu-a sob o pé do polonês. As chamas começaram a se espalhar pelo corpo de Solomon Saks aos poucos. Icabode ficou em sua frente, olhando-o nos olhos. Ele ficou feliz ao ver que as pupilas vermelhas de pavor.

– Você está sentindo isso, não está? – ele perguntou, satisfeito.

Solomon se tornou uma coluna de fogo, imóvel. Não demorou muito para Rabin alcançar o topo daquele monte. O feiticeiro olhou para o polonês e depois para Icabode. E seu olhar era de confusão e perda. Rabin olhou para o horizonte e fugiu, e nunca mais foi visto.

Icabode se virou para trás, e não viu mais sua tia. Apenas a mancha de sangue no chão. Ele olhou ao redor, e a encontrou, sumindo no meio da névoa. Ela andava de mãos dadas com alguém. O desconhecido vestia um longo casaco de detetive e um chapéu.

Adeus, meu amigo, Icabode pensou, vendo Sunday levar sua tia para a eternidade.

 

Após uma longa caminhada de volta, ele encontrou com Leon. Não sabiam se havia outros sobreviventes, mas isso não importava mais. Os dois apenas seguiram em silêncio pelo caminho que haviam percorrido mais cedo. Lá estava o monte de cadáveres, com a porta da umbra no seu topo.

Os dois subiram até ela, quando uma figura encapuzada apareceu.

– Vocês foram avisados! – o espectro bradou. – O portal só pode ser aberto por meio de um sacrifício pessoal.

– Não – Icabode rebateu. – Nós dois iremos atravessá-lo. Deve haver uma maneira.

– Você sabe que não há – Leon o censurou, tirando a estaca do casaco. A mesma estaca que usara no coração de Solomon. – E não tem problema. Quando você veio atrás de mim na fundição de Solomon, eu quis que você me matasse. Aquele dia eu pedi para você fazer isso.

– Se você fizer isso, vai acordar no inferno – Icabode o avisou, sentindo uma lágrima de sangue escorrer pelo rosto.

– Eu acho que de todos os vampiros – Leon começou a levitar. – Eu não fui tão ruim assim. Quem sabe exista uma salvação para a minha alma?

Icabode viu o amigo subir a uma distância incrivelmente alta. Lá em cima, Leon apunhalou o próprio coração. Icabode aguçou sua visão sobrenatural e viu o corpo cair na escuridão e acertar o chão, aos pés do monte de cadáveres. Mesmo longe, ele via nitidamente o rosto de Leon, definitivamente morto. Ainda que arrancassem a estaca de seu coração, ele nunca mais se levantaria.

A porta da umbra se abriu, e Icabode a atravessou chorando como se fosse uma criança.

 

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Icabode St. John [24]

O sol se pôs e os vampiros se encontraram no rancho ao norte de Manhattan. Havia um galpão e uma pista de pouso, e ao redor, um mar de pinheiros. O último carro a chegar era de Drake Sobogo. Ele desceu, seguido por um homem de roupa militar, pele morena e bigode frondoso. Em seu peito estava escrito “BALA DE PRATA: PEPPERS”. Ele trazia um casaco grosso sob o braço.

– Maxiocán? – Icabode perguntou, franzindo as sobrancelhas. Caveira, Lancelot e Leon se olharam, igualmente surpresos.

– Eu sou de uma linhagem de caçadores de criaturas malignas – Maxiocán disse, com Drake ao seu lado. – Quando recusei ajuda-los a matar Solomon Saks, eu tomei uma decisão incoerente. Quando a ficha caiu, peguei o primeiro avião para Nova York naquela mesma noite. Os Balas de Prata eram uma família – ele olhou para Drake. – E pelo visto eu não fui oficialmente dispensado de meus deveres, não é, capitão?

–  Quando o vi na minha porta, pensei que você fosse me matar – Drake revelou, sorrindo pela primeira vez em muito tempo.

– Matar o Capitão Sangrento? – Maxiocán se perguntou. – Seria uma boa coisa para colocar no meu currículo.

– Se vocês não querem ser recepcionados por um bom e velho sol nascente, devem partir agora – Lancelot olhou para o relógio de bolso. – A viagem para a Polônia é longa, e vocês precisam encontrar um abrigo antes do dia raiar… e antes que eu esqueça, coloquei algumas ovelhas dentro do avião para vocês se alimentarem.

Os cinco entraram no avião de sucata, com suas bolsas cheias de armas, munições e granadas, e deixaram o território americano alguns minutos depois. O voo foi turbulento do começo ao fim. Em alguns momentos o avião se mexeu tão forte que os vampiros saltaram em seus assentos. As carcaças das ovelhas deslizavam de um lado para outro, como bichos de pelúcia sem enchimento.

O trem de pouso quicou no chão congelado algumas vezes até o avião derrapar e parar num banco de neve. A rampa traseira se abriu e o grupo desceu no meio da nevasca. Maxiocán se encolheu debaixo do casaco de pele.

Mas que carajo! – gritou ele.

– A cidade está ali! – Icabode gritou, aguçando seus olhos em direção a uma redoma de luz alguns quilômetros de distância. – Gdynia é a cidade que Solomon pousou.

– Cheque a bússola! – Leon sugeriu.

Icabode a puxou de dentro da jaqueta, e Maxiocán se aproximou, estendendo a mão. O vampiro entregou o objeto de volta ao seu dono. Maxiocán a ergueu diante dos olhos e se virou.

– Ela está apontando no sentido contrário – ele gritou. – Solomon Saks não está mais na cidade. O que tem ao norte?

– Apenas neve – Caveira respondeu, gritando. – E depois, o oceano Báltico. Ele deve ter algum refúgio, e não deve ser muito longe da cidade. Criaturas como nós não podem se dar ao luxo de fazer longas viagens sob o céu aberto.

– Nós temos poucas horas até o sol nascer – Drake disse, preocupado. – E se não encontrarmos nada no caminho? Não seria melhor passarmos um dia em Gdynia?

– Eu não darei nenhum dia a mais para aquele maldito – Icabode disse, e começou a caminhar na direção apontada pela bússola.

– Eu não deveria fazer isso – Caveira disse, seguindo Icabode. – Eu sou do clã da Sabedoria. Não seria muito sábio ir nessa direção.

Leon foi atrás. Maxiocán e Drake se encararam antes de fazerem o mesmo. Os cinco marcharam pela nevasca noturna, deixando qualquer vestígio de avião ou cidade para trás. Eles estavam em uma escuridão total, em meio a neve e ventos de cem quilômetros por hora. Maxiocán ia à frente, com os olhos na bússola, mas como ele era o único mortal, seu corpo era o mais afetado pelo clima de trinta graus negativos.

Após duas horas de caminhada, Maxiocán foi o primeiro a cair. Ao leste, o horizonte começou a revelar os primeiros tons de claridade. Drake Sobogo pegou seu amigo nos braços e continuou caminhando. Icabode mantinha o ritmo, decidido.

Em sua cabeça, vinham os pensamentos de que tomara uma decisão suicida, que deveria ter ouvido a Drake e passado o dia em Gdynia. Os outros morreriam, e culpa era dele.

– Vocês também lembram de quando eram vivos, e a neve refletia a claridade, fazendo a luz solar nos acertar com mais força? – Caveira perguntou, olhando para o leste. – Acho que isso – ele apontou para a neve ao redor – seria uma espécie de “chão de lava” para nós. Engraçado, não?

Leon foi o segundo a cair. Apesar de não sentir frio, o vampiro sentia suas panturrilhas doerem. Para manter o corpo em pé, seu estoque corporal de sangue evaporava aos poucos, deixando-o fraco e faminto. Icabode seria o próximo a tombar, se não fosse sua disposição para achar o esconderijo de Solomon. Caveira se transformou em morcego e pousou sobre o corpo de Maxiocán que era carregado por Drake.

O céu nasceu, e se não fosse pelas nuvens carregadas, os vampiros já estariam mortos na neve. Drake Sobogo começou a sentir as gotas de sangue escorrerem por seus olhos. Em sua frente, ele viu uma fumaça exalar do corpo de Icabode. Sentiu pena do garoto. Ele se perguntou como seria aquilo, como era morrer queimado. Se seria rápido, ou se eles iriam agonizar até que os corpos não existissem mais.

Icabode passara o braço de Leon sobre os seus ombros e o ajudava a caminhar. Drake ficou assistindo os dois subirem o topo de um monte de neves, e os viu cair no chão. É o fim, pensou o militar. Icabode ficou de joelhos, e olhou para trás, com o rosto sujo do próprio sangue. Mas ele parecia otimista. Drake ficou surpreso, e correu para alcança-los.

– Achamos, Drake – Icabode apontou para baixo, onde havia uma pequena cabana de madeira no meio da neve.

O céu e as nuvens se abriram nesse exato momento, e a luz solar encheu o vale gélido. Drake soltou Maxiocán no chão, agarrou a Icabode e Leon pelos troncos e os jogou com força. Os dois fizeram um arco no céu e caíram no chão próximo à cabana. Em seguida, ele fechou as duas mãos ao redor do morcego e saltou vários metros de altura, caindo próximo aos outros. Os quatro vampiros entraram na cabana e fecharam as cortinas. Ali dentro, estariam completamente protegidos do sol. Alguns minutos depois, Maxiocán entrou, cambaleando.

A cabana só tinha um cômodo, e nenhum móvel. Havia duas portas, a que eles atravessaram, e uma do outro lado. Todos ficaram frustrados, pois obviamente aquilo era apenas uma cabana abandonada, e não o esconderijo de Solomon.

Não demorou muito, e os vampiros morreram. Eles passariam o dia inteiro deitados na mesma posição, como se nunca mais fossem se levantar. Maxiocán também se entregou ao chão, e dormiu.

Assim que o sol se pôs e a ventania voltou a sacolejar a cabana, o grupo acordou. Maxiocán já estava de pé, obviamente, olhando para a bússola.

– Tem algo errado – ele disse. O ponteiro rodopiava sem parar. – É como se tivéssemos chegado no local.

– Espero que não – Leon disse, fraco. – Eu não conseguiria enfrentar Solomon sem me alimentar primeiro. Preciso de sangue.

– Todos precisamos – Caveira disse, com os braços apoiados nos joelhos. Ele passou a mão por baixo da máscara de caveira e secou o sangue do próprio rosto.

– Ei – Drake Sobogo disse após abrir a porta de onde vieram. – Venham – ele olhava hipnotizado para fora. Havia um cervo parado no meio da neve, olhando curioso para a cabana. Ele tentou correr, mas Icabode o ergueu no ar, impedindo-o.

Os quatro vampiros se curvaram sobre o animal, sugando todo o sangue de seu corpo. E assim que voltaram para a cabana, descobriram que Maxiocán não estava lá dentro sozinho. Havia um homem alto, encapuzado, levitando. Seu rosto estava escondido na escuridão do capuz, e seus dedos eram ossos, sem carne alguma. Ele estava parado diante da porta do lado oposto.

– Quem ousa abrir o portal da Umbra? – a voz era duplicada e fria.

– Sou Maxiocán Allende, e procuro por Solomon Saks.

– O portal sempre está aberto para quem está do lado de fora – o espectro disse. – Porém, para abri-lo por dentro, é preciso que haja um sacrifício pessoal.

– Não importa – Icabode deu um passo para a frente. – Nós precisamos entrar.

O espectro deslizou para o lado e estendeu a mão, e a porta se abriu, mostrando um campo de neve, igual ao que eles estavam. Os vampiros passaram pela porta, um por um. Maxiocán passou por último, e a porta se fechou em suas costas. Eles olharam para baixo e perceberam que estavam em uma montanha de cadáveres. Não se via mais a cabana, mas apenas uma porta solitária no topo do monte.

– Umbra? – Drake perguntou, confuso.

– Umbra é o limbo – Maxiocán explicou. – Estamos em outra dimensão agora. É como se fosse o nosso mundo, porém mais espectral.

– Como Solomon Saks conseguiu esconder seu coração na Umbra? – Leon perguntou, descendo as pilhas de cadáveres, junto com o grupo.

– Rabin deve ter feito isso – Caveira respondeu. Ele se virou para Maxiocán e explicou. – Solomon Saks tem um feiticeiro judeu. Nada a ver, nada a ver mesmo.

O grupo chegou à base do monte de cadáveres e seguiu por uma trilha de neve, entre uma floresta de pinheiros. A estrada repentinamente se bifurcou entre a principal e uma tangente que ia para o topo de um morro.

– A seta aponta para a estrada em frente – Maxiocán disse.

Nesse momento, um gritou cortou o céu da Umbra. Ele veio do topo do morro. Era uma voz feminina, de dor.

É Katherine! Sunday gritou na mente de Icabode. É sua tia!

– Eu preciso ir por aqui – Icabode apontou para a trilha. – Mas vocês devem ir atrás do coração.

Os outros se olharam, preocupados, mas decidiram não contraria-lo.

– Tome cuidado, Icabode – Leon apertou o ombro do amigo, e os dois se despediram.

– Pegue isso – Drake pegou uma granada de sua bolsa e a colocou na mão do garoto. – Caso você precise.

Quatro foram para um lado, e Icabode foi para o outro, subir a trilha do morro. Quando a subida se tornou árdua demais, ele decidiu usar sua telecinese para levitar até o topo. Não queria gastar muito os seus poderes, pois poderia precisar deles depois.

Você precisa salvá-la, Icabode, Sunday pediu, aflito. Katherine é o amor da minha vida, e você precisa garantir que ela fique bem… a não ser que você tenha que escolher entre matar o maldito polonês e salvá-la. Destruir aquele demônio é sua prioridade.

Não se preocupe, Sunday, Icabode disse, voando pela ventania gelada. A bússola está apontando para outra direção. Solomon não está por perto. Eu a salvarei e depois me juntarei aos outros.

Assim que surgiu no topo do morro,  ele avistou uma clareira, cercada por longas tochas. No centro, havia um trono de metal, e amarrada ao pé do trono, estava Katherine. Ela estava deitada, inconsciente, e havia sangue em sua barriga.

Icabode pousou ao seu lado, e assim que tocou em sua tia, uma voz surgiu em suas costas.

– Parece que a nossa guerra contra os vampiros foi longe demais, não foi?

Icabode se virou e viu um homem de porte altivo, com longos cabelos e barbas, brancos como a neve, esvoaçando sob o vento. Ele vestia um terno preto de três peças.

– Saks – Icabode murmurou. Ele estava sozinho com o polonês.

– Solomon Saks, o Imortal – o homem o corrigiu.

Icabode se lembrava bem de quando ele se chamou assim pela primeira vez. Os dois estavam caçando Leon, unidos em uma suposta guerra contra os vampiros. Ambos ainda eram mortais naquela época. Agora, os dois eram neófitos, mas Solomon Saks era praticamente um deus, e Icabode… bem, Icabode estava prestes a enfrentar um deus, sozinho.

 

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Icabode St. John [23]

O trio estava naquela mesma mansão onde aconteceria o grande confronto no final daquela semana. Icabode segurava a bússola de Maxiocán, mas olhava para o lado oposto ao que ela apontava.

– Preciso passar na Estátua da Liberdade. Leon pode nos ajudar nessa missão.

– Concordo, mas primeiro devemos esperar um pouco – Caveira disse, encostado no umbral da porta. – Estou esperando uma visita.

– O que disse? – Drake Sobogo fez as presas vampíricas saltarem.

– Como assim? – Icabode perguntou. – Quem está vindo?

– Meu chefe – Caveira explicou. – Eu liguei pra ele lá no México, avisando que estaríamos aqui na mansão. Só pra vocês saberem, foi ele quem encontrou Maxiocán e quem conseguiu o helicóptero para nós.

– Sim, é verdade – Lancelot disse, surgindo pelo caminho que levava ao portão da propriedade. Ao seu lado havia um homem cujo rosto estava coberto por um véu negro, e outro homem de pele escamosa e rosto deformado. – Nós todos estamos do mesmo lado.

– Eu lembro de você naquela reunião – Icabode disse.

– Todos nós estávamos lá – ele apontou para os dois homens ao seu lado. – Lorena e Leo mataram a Juíza e a Dama do Véu Negro, as primogênitas dos clãs do Rato e da Sombra – ele apontou para o homem deformado e o homem de rosto coberto.

– Mas é Fermín quem está por trás da grande traição – o homem de véu negro disse. – Ele estava planejando assumir o governo de Nova York há muito tempo.

– Diga a eles, Ramon – Lancelot se virou para o rato.

– Fermín tentou fazer as pazes com o nosso clã – o vampiro escamoso revelou. – Disse que vocês iriam matar Solomon Saks, e depois ele iria nos entregar vocês três para que vingássemos a morte de Hercule nos esgotos.

– O quê? – Icabode perguntou, incrédulo. – Ele iria nos mandar fazer seu serviço sujo e depois nos matar?

– Aquele maldito traidor – Drake Sobogo fechou os punhos.

– Fermín é astuto – Lancelot os lembrou. – Enquanto ele estiver no governo, Nova York estará em guerra. E nós precisamos acabar com isso. Os clãs da Sabedoria, do Rato e da Sombra se aliaram, mas eles ainda nos vencem em números. Apesar de os Punhos terem sido dizimados, o clã da Rosa é maior que todos nós juntos.

– O seu amigo independente é a chave para os vampiros sem clã – Caveira disse a Icabode.

– Leon está se reunindo neste exato momento com os outros independentes – Lancelot informou. – Você deve ir até eles e convencê-los a acabar com essa guerra. Eles são poucos e indisciplinados, mas eu tenho uma estratégia.

Lancelot explicou o plano de como eles iriam tirar Fermín e seus aliados da fortaleza de Manhattan para emboscá-los.

– Mas antes, precisamos resolver uma questão – Lancelot disse. – Eu dei um jeito de informar Solomon Saks sobre a bússola, e que vocês estavam indo atrás do seu coração para derrota-lo.

– Por que você fez isso, maldito? – Drake Sobogo bufou, furioso. – Agora ele vai correr de volta para proteger a droga do coração.

– Exatamente – Lancelot olhou para ele, sério. – Eu tenho homens em cada estação de trem e aeroporto do estado. Eu descobri que Solomon e seu séquito foram para a Polônia. É lá onde seu coração está.

Icabode olhou para a bússola em sua mão e percebeu que ela apontava para o mar. Lancelot estava certo.

– O helicóptero nunca chegará até lá – Lancelot continuou. – Mas eu consegui um pequeno avião que talvez possa. Ele não aguentará o peso de várias pessoas, então vocês precisam ir sozinhos. Quando voltarem, destruiremos Fermín.

– Mas antes precisamos de mais soldados – Caveira disse a Icabode. – Leon e os independentes não seguirão a nós, membros da politicagem vampírica. Mas você é praticamente um deles. Convença-os.

Icabode e Drake Sobogo se olharam, desconfiados. Mas a informação de Lancelot acerca do coração de Solomon era uma ajuda e tanto. Isso, eles não poderiam negar. E entre confiar em Fermín e qualquer outra pessoa, eles escolheriam a segunda opção.

 

Icabode deixou a todos e foi até a beira do continente, onde começou a levitar em direção à estátua. Ele sobrevoou as águas noturnas, aguçando seu ouvido para captar os sons que vinham de lá. Como Lancelot dissera, havia vários vampiros na ilhota, e a voz de Leon sobressaía às deles. Icabode ficou invisível assim que chegou na base da ilha, e se aproximou do grupo, cuidadoso. Na hora certa, ele interveio. Os vampiros independentes eram duros e receosos, mas a promessa de Icabode de destruir o príncipe de Nova York entrou em seus ouvidos como sangue fresco, e eles amavam sangue fresco.

– Então vocês atrairão o príncipe até a mansão abandonada e nós o mataremos? – um vampiro perguntou. – Tem certeza que ele não trará um exército?

– Se ele fizer isso, a missão será abortada – Icabode garantiu. – Fermín trará no máximo um pequeno séquito. Eu prometo que a nossa vitória será esmagadora.

– Então estou dentro – o vampiro disse. – Estou cansado de viver escondido desses almofadinhas de Manhattan.

A reunião não se estendeu muito, como de costume. Vampiros não possuem a mesma disponibilidade de tempo que os mortais, e seus encontros geralmente eram rápidos e direto ao ponto. Os independentes foram embora, e Icabode e Leon ficaram sozinhos. Eles caminhavam à beira da água, sob a sombra da estátua gigantesca em suas costas.

– Venha conosco – Icabode pediu. – Nós precisaremos de toda ajuda possível para destruir Solomon. Seus poderes furtivos farão toda a diferença.

Leon deu um sorriso triste.

– Lembra quando você ajudou Solomon a invadir o meu esconderijo para me matar? E depois quando você invadiu a fundição de Solomon para tentar me matar de novo?

– E no final das contas você me salvou.

– Eu te condenei – Leon o corrigiu. – Sua alma…

– Minha alma já estava condenada. Meu pai a vendeu quando eu era criança. No início achei estranho Anatole (o primeiro vampiro que cacei) estar procurando por meu pai. Mas agora sei que o “reverendo” tinha um passado negro. Então – Icabode colocou a mão no ombro dele – se você não tivesse me transformado em vampiro, eu estaria no inferno neste exato momento.

– Isso remove a minha culpa, mas me deixa abismado. Não sabia sobre o seu pai.

– Isso não importa agora. Se não destruirmos Solomon Saks imediatamente, provavelmente depois será impossível.

– Então vamos – Leon assentiu, sentindo a urgência no tom de Icabode. – Vamos chutar seu traseiro judeu. Que dia partimos?

– Amanhã. Lancelot tem um rancho ao norte, com pista de pouso. Sairemos todos de lá – os dois se despediram e Icabode voltou para a cidade, especificamente para o prédio de Sunday.

 

O apartamento estava do jeito que eles deixaram, com paredes quebradas e uma fita policial na porta. Icabode entrou pela sacada e foi direto para a suíte principal. Assim que se deitou na cama, a voz de Sunday veio em sua mente.

Garoto, preciso te contar algo. Levante-se.

Sunday? Icabode perguntou, obedecendo a ordem. O que aconteceu?

Vá até a cômoda à sua direita e abra a última gaveta. Remova os lençóis e abra essa caixa metálica. Icabode obedecia a tudo que ele pedia.. Dentro da caixa, havia um monte de cartas.

São cartas dos meus pais. Icabode percebeu que todos os remetentes eram de Peter St. John. E o endereço era na Califórnia. Cartas de antes de eu nascer.

Pegue aquela carta amassada no final, Sunday disse, e Icabode percebeu que uma delas estava toda enrugada, como se alguém a tivesse transformado em uma bola de papel e depois a esticado novamente.

Aí está a verdade, garoto, Sunday disse. Desculpe-me por não ter dito antes.

Icabode abriu o envelope e leu o que estava escrito no papel:

Olá Sunday.

Eu acho que fiz uma coisa terrível. Noite passada Sandra entrou em trabalho de parto, e nós estávamos na cabana, longe de São Francisco. Não tinha como leva-la até o hospital.  Então eu tive que fazer o parto sozinho, imagine só. Mas tudo saiu do controle muito rápido. O bebê não saía, e ela perdia muito sangue, e eu fiquei… fiquei apavorado. A Sandra ficou pálida e delirando. Quando começou a perder a consciência, decidi enfiar o meu braço dentro dela para arrancar a criança. E ao perceber que iria perder minha esposa, fiquei louco. Comecei a rezar mas Deus não me respondia. Foi aí que aconteceu algo macabro, Sunday. Algo terrível. Sei que você não vai acreditar, mas eu senti a presença de alguém em minhas costas, quando me virei, vi um homem do outro lado da porta, na sala e estar. Ele tinha chifres. Seu rosto era comprido e peludo. Seus pés pareciam cascos fendidos. Ele me disse que poderia salvar minha esposa, mas isso tinha um preço. Ele me pediu… oh, Deus, ele me pediu a alma do bebê. E na hora, em minha mente, eu visualizei Sandra me dando outros filhos. Eu poderia perder aquele. Mas não conseguia imaginar minha vida sem ela, então, Sunday, oh, meu amigo, eu aceitei. Fiz o pacto com o demônio, e vendi a alma do pobre garoto. Depois, Sandra recuperou a consciência e a criança nasceu. Mas eu não esperava uma coisa. Na hora que o peguei em meus braços, meu coração se encheu de amor. Sunday, me ajude por favor! Preciso fugir da Califórnia. Preciso ir para o lugar mais longe possível! Pensei em ficar perto de você e de Katherine, só que não na cidade. Pensei em Long Island, talvez. Será que vocês nos receberiam aí por alguns dias? só até nós acharmos um lugar. Eu sei que parece loucura tudo o que disse, mas explicarei pessoalmente, se você me permitir.

Icabode ficou encarando a carta em silêncio quando Sunday se manifestou.

O pai é responsável pela alma do filho até que ele alcance a maioridade. Assim que o adolescente se torna adulto, ele ganha autonomia espiritual, e qualquer contrato de consagração com o demônio é extinto. Seu pai sabia disso, e por esse motivo quis se esconder. O demônio tentaria te matar, Icabode, antes que você virasse adulto.

Isso é injusto, Icabode disse. Por que eu não tenho direito sobre a minha própria alma?

As coisas sempre foram assim. Deus mandava o povo de Israel matar os exércitos inimigos, incluindo os filhos pequenos. Se você tivesse o azar da nascer no lado errado da guerra, você era considerado inimigo de Deus, fosse adulto ou bebê.

Mas eu ainda não sou maior de idade, Icabode disse, olhando para o próprio corpo, e nem serei! Estou congelado nessa idade para sempre.

Eu sei, garoto, Sunday disse, triste. E eu não te disse antes porque não tive a oportunidade. Desde que você chegou em Nova York, nós estivemos juntos umas três vezes, e eu ainda não tinha certeza se deveria, já que o seu pai optou por esconder esse segredo, e depois que morri…

Sunday, Icabode o interrompeu. Não precisa me pedir perdão por nada. Eu sei que você nunca faria nada de mal a mim. Sei que suas intenções são sempre boas. Mas agora eu preciso dormir. Amanhã enfrentaremos Solomon Saks, e eu salvarei minha tia Katherine. Você tem minha palavra.

Eu confio em você, garoto. De verdade.

Icabode ficou deitado, pensando na carta de seu pai. Você não queria escolher entre a minha vida e a vida da sua esposa. Eu entendo, pai. Você tentou salvar os dois ao mesmo tempo, mas não conseguiu salvar nenhum. As vezes o herói é derrotado. Mas agora eu me tornei um vampiro. Sinto raiva o tempo todo, e tenho sede de sangue. A vida humana se tornou algo barato para mim. E talvez seja melhor eu não lutar contra isso. Talvez eu deva ser um vilão frio e calculista. Porque se eu não for, não durarei muito tempo, e logo me mandam de volta ao inferno. Então é isso, pai. Nem sempre o lado bom vence no final.

Boa noite, reverendo – Icabode disse em voz alta e fechou os olhos.

 

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Icabode St. John [22]

Nos capítulos anteriores: Icabode e seus companheiros conseguiram a bússola de Maxiocán Allende, pela qual poderiam encontrar o esconderijo do coração de Solomon Saks. Após o ritual de ativação, a bússola começou a indicar em uma direção, mostrando o caminho para o grupo.

 

Leon vestia sua bata usual, com cabelos e barbas que o faziam parecer com Jesus. No interior da torre, sob os pés da Estátua da Liberdade, um grupo de vinte vampiros o ouvia discursar em cima de um barril.

– Vocês precisam entender – ele dizia, juntando as mãos como se implorasse. – Se não nos unirmos, estaremos todos mortos até o final do ano. E nós só temos uns aos outros. Se não nos protegermos, quem irá? O Conselho de Nova York?

– Se esse tal de Solomon Saks está tão forte assim, não seria idiotice lutar contra ele? – um vampiro gordo e papudo perguntou.

– Não importa o que façamos – Leon respondeu, cansado. – Ele está matando um a um. Você irá morrer de qualquer jeito. Mas se lutarmos, pelo menos teremos uma mínima chance!

– Mas por que ele está fazendo isso? – uma criança pálida e com olhos vermelhos perguntou. – Por que esse polonês está nos caçando?

– Inicialmente ele estava fazendo isso para absorver os poderes dos vampiros mais fortes – Leon olhou para cada um ao redor. – Mas o sangue de vampiro é a coisa mais deliciosa de todas. Acredito que esse maldito está viciado. Solomon Saks se tornou um canibal viciado em sangue de cainitas. Ainda que esteja extremamente forte, ele não irá parar de caçar vampiros.

– Eu pensei que o Conselho de Nova York se considerava a “Polícia da Noite” – um velho disse com sarcasmo. – Por que eles simplesmente não o abatem?

– Porque Solomon é uma daquelas pessoas extraordinárias – Leon explicou. – Ele é um rico mafioso, cheio de contatos. Ele tem um exército pessoal, com um arsenal poderoso, e está pouco ligando se vai quebrar as regras ou não. A partir do momento em que bebeu da alma de Ivanovitch e de outros vampiros mais velhos, ele garantiu sua vantagem sobre o Conselho.

– E o que você espera que façamos? – a criança perguntou. – Se nem o Conselho consegue vencê-lo, por que acha que nós, os vampiros independentes teríamos alguma chance?

– Porque o Conselho de Nova York está fraco – Leon respondeu. – Eles estão em guerra entre si. Solomon Saks tem matado vários deles por dia. Todos vocês que estão aqui hoje, não possuem um clã. Não seguem as regras do Conselho, mas isso não significa que não estão no mesmo lado. Todos vocês tem algo em comum. Todos são alvos de Saks.

– Ele está certo – uma voz conhecida surgiu da multidão. Icabode St. John se aproximou do centro, olhando para Leon. – Olá, meu chapa.

– Você está vivo! – Leon arregalou os olhos, surpreso. – Pensei que tivesse morrido naquele cemitério – ele saltou do barril e apertou a mão do outro.

– Solomon Saks não me matou – Icabode respondeu. – Pois eu é que vou mata-lo. E descobri como fazer isso – ele puxou a bússola do casaco e olhou para os vampiros independentes ao redor. – Você me empresta a sua platéia?

 

Em menos de uma semana, tudo aquilo teria terminado. O confronto final chegaria ao fim. E Lancelot, o primogênito do clã seria o primeiro a descobrir o resultado e portador das notícias. Ele estava na sala de reuniões do príncipe Fermín e seu conselho, com Leo, Savage, Lorena e Stolas.

– Que surpresa tê-lo conosco, Lancelot – Fermín disse, satisfeito. – Estou há dias lhe convidando para se unir a nós. Finalmente…

– Não é por isso que estou aqui – Lancelot o interrompeu educadamente. – Decidi não me aliar a vocês ou ao clã do Rato porque eu tinha mais o que fazer. Enquanto vocês estavam brigando entre si, Solomon Saks destruía nossa cidade.

– Aí que você se engana, meu caro Lancelot – Fermín sorriu para ele. – Eu enviei um grupo de vampiros para achar uma forma de derrotar o polonês. Eles descobriram que o coração de nosso inimigo estava escondido na Polônia, obviamente, e já partiram há uns dias para destruí-lo. A essa altura tudo deve ter sido resolvido.

– Na verdade você enviou dois neófitos, recém abraçados – Lancelot o corrigiu. – O único apto naquele grupo é Caveira, que só está na “sua missão” porque eu o ordenei.

– Aquele maldito estava agindo como um espião? – Leo perguntou, exasperado.

– Espião? – Lancelot olhou para ele, calmo. – Caveira sempre pertenceu ao meu clã. O que vocês esperavam que ele fizesse? – Ele se virou para Fermín novamente. – Eu descobri os contatos no México e garanti o transporte para a Polônia. Eu sou a verdadeira cabeça por trás dessa missão, príncipe, e quero que isso fique claro.

– Eu apenas vejo que nós temos agido como aliados o tempo todo – Fermín sorriu, sem graça. – Por que não oficializarmos essa parceria?

– Entenda uma coisa, príncipe – Lancelot pousou as duas mãos sobre a mesa, explicando de forma categórica. – Nossa equipe cometeu um erro. A bússola coincidentemente apontou para a Polônia quando a colocamos em um mapa. Mas o coração de Solomon Saks nunca esteve lá. Eles ignoraram uma possibilidade que estava debaixo de nosso nariz.

Os vampiros ao redor se ajeitaram na cadeira, intrigados com as revelações. Lancelot continuou.

– A bússola também apontava em direção à mansão de Solomon Saks, aqui mesmo em Nova York, mais precisamente no Brooklyn.

– O lugar onde Ivanovitch foi morto – Leo disse.

– E então? Eles acharam o coração? – Lorena perguntou, impaciente.

– Acharam – Lancelot explicou. – Mas no esconderijo subterrâneo da mansão não havia apenas um coração. Havia também o próprio Solomon Saks e seu séquito. Todos canibais e com poderes absorvidos de outros vampiros. O primeiro a cair foi o meu pobre Caveira. Gólgota entrou em sua cabeça e o fez ficar louco. Caveira caiu no chão gargalhando até que alguém o matasse no fim da batalha. Um maldito jogou álcool sobre seu corpo e soltou um isqueiro aceso em suas roupas. Ele ria enquanto as chamas dançavam sobre seu cadáver.

– Sinto muito por sua perda – Fermín sussurrou, espantado. Lancelot continuou.

– Icabode e Leon reuniram um grupo de vampiros independentes. Eles criaram seu pequeno exército. A maioria morreu nos primeiros cinco minutos de combate. O exército de Solomon Saks também apareceu. Vários capangas armados com metralhadoras e fuzis. Troche, o Judeu de Ferro que pensávamos estar morto, estava lá também. Ele cuidou do Capitão Sangrento. Os dois tiveram a briga mais violenta, até que um capanga chegasse por trás do vampiro boxeador e explodisse sua cabeça com uma escopeta.

– Minha nossa – Fermín fechou os olhos.

– Rabin, o feiticeiro, usou sua telecinésia para erguer Leon, o líder dos independentes, a uma altura que fosse letal. Ele abriu a mão e deixou o coitado despencar dezenas de metros de altura. O corpo de Leon atravessou o teto da mansão e pintou o porcelanato de vermelho. O último a morrer foi o próprio Icabode. Solomon Saks cuidou dele pessoalmente – Lancelot tocou na parte de trás da própria cabeça. – Ele atravessou a nuca do garoto com um soco, esmagando seu cérebro.

– Já entendemos o cenário, Lancelot – Fermín disse. – Não precisa entrar em mais detalhes. Isso significa que perdemos a luta, é isso?

– Ainda não – Lancelot disse, olhando nos olhos de cada um ali. – Os capangas de Solomon estavam armados, mas ainda eram apenas mortais. Os vampiros independentes os mataram, e em seguida eles ainda estavam em maior número, apesar de serem todos fracos. O séquito de Solomon foi dizimado. Gólgota derrubou vários deles com seu poder mental antes de ser agarrado por três e ter seus membros esquartejados.

– Isso! – Leo gritou, socando a mesa, excitado.

– E os outros, Lancelot? – Lorena perguntou, esperançosa.

– Quando Rabin viu que não conseguiria vencer a todos, levitou para longe e sumiu.

– Espere um minuto – Savage o interrompeu. – Como você sabe de tudo isso?

– Eu estava assistindo do prédio ao lado – Lancelot explicou. – Caso você já tenha jogado xadrez, sabe que os peões se movem primeiro.

– E quem seria você nesse jogo? – Savage perguntou, desconfiado.

– Eu sou a Rainha, e estou protegendo o Rei – ele olhou para Fermín com um aceno de cabeça. – E agora farei o movimento final dessa batalha.

– Solomon Saks? – Lorena perguntou. – O que aconteceu com ele?

– Ele ficou gravemente ferido – Lancelot respondeu. – Eu não estava assistindo tudo sozinho. Enviei meu lacaio mais leal com um lança chamas para o local. Enquanto Caveira pegava fogo no gramado, meu lacaio disparou outra língua de fogo em direção aos últimos sobreviventes. O Judeu de Ferro virou uma coluna de chamas e se jogou no rio. Solomon Saks havia sofrido vários ataques, e também foi beijado pelas labaredas, mas ele foi mais rápido e arrancou a cabeça do meu lacaio com uma mordida. Eu fiquei assistindo enquanto o polonês voltava mancando pela escadaria de seu bunker subterrâneo. Esperei por um tempo para ver se não havia mais ninguém ao redor, e decidi vir contar a vocês. O maldito está fraco e sozinho. E ele está guardando pessoalmente o seu coração.

– Devemos mandar alguém terminar o serviço, rápido! – Savage olhou para o príncipe.

– Não! – Lancelot cortou. – O sol está prestes a nascer, e durante o dia Solomon terá algum capanga para leva-lo para outro lugar onde ele irá se regenerar e se fortalecer novamente. Precisamos ir agora! temos pouco tempo para finalizar isso.

– E não conseguiríamos reunir outros vampiros dispostos a enfrentar Saks pessoalmente – Lorena concordou com Lancelot. – Nós temos que agir rápido.

– E essa é a oportunidade para eu provar minha força como príncipe – Fermín acrescentou. – Quão fraco ele está?

– Ele foi o centro dos ataques da noite. O lança chamas lhe causou danos terríveis – Lancelot garantiu. – Se nós o cercarmos, juntos, poderemos vencê-lo, sem dúvida.

– Então, vamos! – Fermín se levantou. – Que todos vejam que eu sou o verdadeiro líder que Nova York precisa.

Todos ao redor da mesa se levantaram, prontamente. Os seis desceram o prédio e ocuparam dois carros que aguardavam lá embaixo. As ruas de Manhattan estavam vazias, e não demorou para que eles chegassem no Brooklyn.

Enquanto se aproximavam do destino, o clima ficou mais frio, e a iluminação havia reduzido consideravelmente. Eles estavam indo para o confronto final.

– Policiais! – Fermín disse enxergando o giroflex ligado em frente ao muro da mansão. Luzes azuis e vermelhas giravam sobre o capô de três viaturas da polícia.

– Você esperava que uma guerra explodisse e nenhum policial viesse? – Lancelot perguntou no banco de trás. – Não se preocupe com eles. Estão todos desmaiados.

– Como você fez isso? – Fermín perguntou, cauteloso.

– Não se esqueça que sou um vampiro poderoso, meu príncipe – Lancelot o lembrou. – E que os meus poderes são mentais.

– Claro que eu sei, Lancelot – Fermín pousou a mão em seu ombro. – Todos sabem que você faz parte da casta mais nobre dos vampiros de Nova York.

Lancelot assentiu, satisfeito.

– E depois desta noite, espero que meu lugar no seu conselho esteja acima de qualquer outro.

– Mas é óbvio – Fermín prometeu, ignorando o olhar ciumento de Lorena ao seu lado. – Só não acima do meu, é claro.

Os carros pararam ao lado das viaturas, e os seis vampiros desceram. Eles olharam para dentro dos carros pretos da polícia, e viram os homens dormindo nos bancos.

Eles passaram pelo portão de ferro e viram a mansão abandonada, com paredes e muros quebrados, e gramado destruído. Havia dezenas de corpos espalhados pelo chão. Fermín foi até um dos corpos que reconheceu imediatamente.

– Pobre garoto – disse ele, ficando de cócoras ao lado de Icabode. – Você entregou sua não vida, mas pelo menos serviu para o nosso propósito.

Os olhos de Icabode fitavam o céu, imóveis. Seu corpo era frio e duro, e não havia vida nele. Fermín olhou em direção à porta do bunker e se preparou mentalmente para o confronto final.

– Vamos matar esse filho da mãe! – Lancelot disse, satisfeito.

Fermín estava pronto para sua marcha, quando subitamente foi surpreendido. Todos os cadáveres ao redor se levantaram do chão. Dentre eles, estavam Drake Sobogo, Caveira e Icabode. O príncipe e seu conselho estavam atônitos.

– Emboscada! – Leo gritou, segurando seu bastão de baseball com firmeza. – O que é isso Lancelot?

– Essa guerra estúpida já durou tempo demais – Lancelot explicou. – Eu estou dando um fim nela agora mesmo!

– O que você pensa que está fazendo? – Fermín lhe lançou um olhar injetado. – Os clãs da Águia, do Punho, da Rosa e dos Filhos de Pã são a maioria. Você nunca conseguirá nos vencer. Isso é loucura!

– Mas eles não estão aqui agora, estão? – Icabode perguntou, olhando ao redor. – Estão só vocês quatro. Longe da sua fortaleza super protegida.

– Nós conseguimos enfrenta-los! – Leo disse, olhando para os vampiros ao redor. – É só cada um de nós matar cinco deles. Esses independentes são fracos e neófitos. Nós podemos!

– Eu não contaria com isso – uma voz disse, e outras pessoas começaram a brotar do nada. Elas estavam invisíveis o tempo todo. Era o clã do Rato, seis vampiros de pele escamosa e ossos deformados. O vampiro que falou era o mais feio de todos.

De dentro da mansão, surgiu outros dez, todos com as cabeças cobertas por véus. Era o Clã da Sombra. Eles se uniram à multidão.

– Eu me rendo! – Lorena ficou de joelhos, diante de Lancelot. – Não me mate, por favor! O clã da Rosa renuncia a qualquer aliança feita com o falso príncipe!

– Lorena! – Fermín gritou, ultrajado. Depois ele olhou ao redor, ainda espantado. Savage seguiu os passos da vampira e também se ajoelhou diante de Lancelot.

– Desculpe, cara – Leo olhou para ele e abaixou seu bastão. Em seguida, também se ajoelhou. – O clã do Punho implora por sua misericórdia. E juramos nossa lealdade a você.

– E-eu também peço perdão pelos meus atos – Fermín se ajoelhou, gaguejando. – E rogo que aja com miseri…

– Não – Lancelot interrompeu. – Enquanto você viver, haverá guerra.

Os vampiros ao redor cercaram a Fermín, prontos para mata-lo. O príncipe se levantou do chão, desafiador. Então sua pele começou a brilhar, como se ele fosse algum tipo de criatura celestial.

– Vocês são muitos, mas eu sou muito mais – ele disse, e de repente, Drake Sobogo caiu de joelhos, atordoado. O militar ergueu a cabeça perguntando onde estava e quem eram aquelas pessoas. Em seguida, Fermín se virou para Caveira. – Eu sou o seu novo mestre. Me proteja!

Caveira sacou suas armas e começou a atirar nos vampiros ao redor. Ao perceber o poder do príncipe, Icabode correu em sua direção. Fermín olhou para ele e gritou “caia no chão!”. Icabode não teve nem tempo de pensar. Ele se jogou de peito no gramado, obediente.

– Afastem-se! – Lancelot gritou. Fermín havia causado a morte de quase dez vampiros em poucos segundos. – Se o nosso querido príncipe deseja um embate mental, nada mais justo que o primogênito do clã da Sabedoria o enfrente pessoalmente.

Os dois ficaram frente a frente, encarando-se mortalmente. De repente Lancelot se transfigurou, e virou um demônio chifrudo, com pele vermelha e longo rabo.

– Volte ao normal! – Fermín gritou. E Lancelot voltou à sua imagem normal.

– Abrace o seu medo! – Lancelot ergueu as mãos para ele, e Fermín recuou dois passos, apavorado. – Seja abraçado pelas trevas!

– Morra! Isso é uma ordem! – Fermín rebateu, mas ele perdera a confiança inicial. Agora era apenas uma criatura assustada. Seu poder não afetou o adversário em nada.

Lancelot fez uma última expressão facial e esse foi o fim. Fermín começou a gritar e rolar no chão, como se sofresse as piores dores do mundo. Os vampiros do clã do Rato o cercaram.

– Isso é pela Juíza! – um deles disse antes que todos começassem a desmembrar o príncipe de Nova York. Enquanto os outros assistiam a cena, Lorena se colocou ao lado de Icabode.

– O que aconteceu? Por que você nos traiu? O que o fez escolher o lado de Lancelot, o clã do Rato e o da Sombra?

Icabode St. John se virou para ela e começou a explicar os eventos que aconteceram nos dias anteriores.

 

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Icabode St. John [21]

Nos capítulos anteriores: Icabode, Drake e Caveira foram até o vilarejo mexicano à procura de Maxiocán Allende, o famoso caçador de vampiros. Ao encontrar com ele, o grupo revelou os acontecimentos em Nova York e como Solomon Saks estava matando os vampiros e se tornando uma criatura invencível. Maxiocán os ouviu e decidiu ajudá-los. 

 

No dia seguinte à formação da aliança de Fermín, Savage, o primogênito dos Filhos de Pã, veio até os cômodos do príncipe interino. Ao seu lado, estava um homem com a cabeça coberta de penas negras e um longo bico da mesma cor. Ele usava uma gabardina bege e pantalonas de couro.

– Esse é Stolas – Savage apresentou o companheiro. – Ele será o seu xerife.

– Desculpe? – Fermín perguntou, intrigado, enquanto terminava de vestir seu terno. – Sinto muito, mas Leo já me pediu tal função.

– Leo é o primogênito do clã do Punho – Savage o lembrou. – Ele já tem esse privilégio. Você o dará também o cargo de xerife? Isso é chover no molhado, meu príncipe. Cargos de confiança são oportunidades de alianças. O meu clã jurou lealdade a você, não jurou? E o que ganhamos em troca? – o velho fez um beiço descontente. – Stolas será o seu novo xerife, príncipe. Esse pedido é inegociável.

Fermín arqueou as sobrancelhas, surpreso. Era um ultimato, e dependendo da resposta, ele poderia perder um clã inteiro para o inimigo. O príncipe percebeu então como sua reivindicação estava fragilizada. Em seguida, suavizou a expressão como se aquilo não fosse nada e assentiu.

– Pois bem, Stolas será o meu novo xerife. Os delegados…

– Ele escolherá seus delegados – Savage o interrompeu. – Stolas precisa ter homens de confiança para seguir suas ordens.

– Claro, claro – Fermín concordou, receoso. – Isso é tudo, Savage? Precisamos retornar imediatamente a Nova York. Quero que Solomon Saks ouça o quanto antes as novidades. Que nós sabemos como derrota-lo.

– Se você tivesse espiões, essa tarefa seria fácil – Savage observou. – Mas até lá, Stolas e seus delegados irão espalhar as notícias.

Stolas e Savage trocaram olhares, e o homem-corvo assentiu, deixando o cômodo imediatamente. Fermín pensou em como corvos simbolizavam mau agouro.

A milhares de quilômetros ao sul, Icabode, Drake e Caveira despertavam. Eles passaram a noite no subsolo de uma despensa, em Vilallende. Uma mulher com o rosto tatuado de caveira os vigiava. Os vampiros sabiam que ela era uma lobisomen, e que sozinha, podia facilmente matar os três.

– Aqui está – Maxiocán Allende disse, descendo a escada com uma lamparina. Ele trazia um objeto na outra mão. – Vocês devem partir imediatamente. Meus lobos estão prestes a entrar em frenesi. Não conseguirei segurá-los por muito tempo. Eles querem a cabeça de vocês.

– Eu posso fazer outra ligação? – Caveira perguntou, erguendo o dedo.

– Você já passou o relatório a Fermín – Drake Sobogo rosnou, pegando-o pela gola. – Eu posso saber para quem você quer ligar agora?

– Eu estava pensando em ligar para a sua mãe – apesar da voz abafada pela máscara, o tom de Caveira era provocativo. – Queria perguntar o que estava vestindo. Você acha que ela gosta de roupas íntimas de renda?

Drake o ergueu no ar e o jogou no chão. No instante seguinte, os revólveres de Caveira estavam encostados nas orelhas do boxeador. O mascarado gargalhava, divertido. Icabode abriu os braços, e cada um foi jogado para um lado da câmara. O garoto olhou para Maxiocán.

– Diga-me – pediu ele, apontando para o objeto na mão do mexicano. – Essa é a arma capaz de matar Solomon Saks?

– Isso não é uma arma – Maxiocán mostrou uma pedra em forma de disco, com um círculo escavado no meio. Havia uma agulha no centro. – É uma bússola. Vocês precisam de um item pessoal de Solomon Saks para fazer o ritual de ativação da bússola. Em seguida, a agulha apontará na direção em que seu coração estiver escondido – ele tirou um pergaminho do bolso traseiro e o estendeu. – Aqui estão as instruções para o ritual.

Icabode o pegou e guardou na jaqueta. Drake Sobogo pegou a bússola. Eles subiram até a vila, onde os habitantes os encaravam com ódio. Maxiocán os conduziu até os portões de madeira, enquanto uma bola de feno passava rodando entre eles.

– Assim que terminarem, tragam-me a bússola de volta – Maxiocán disse, sério. – O pergaminho pode ficar com vocês. É uma cópia.

– Peppers – Drake se virou para ele. – Certeza que não quer vir junto?

– Eu não trabalho com vampiros – Maxiocán respondeu com desprezo. – Eu os mato. Vocês só estão vivos porque essa missão é vantajosa para mim.

Drake apertou o maxilar, ferido. Ele se virou e começou a caminhar. Icabode e Caveira o seguiram, deixando Maxiocán para trás, sem nenhum adeus. O trio caminhou por um campo de cactos até onde o helicóptero aguardava. O piloto fizera uma fogueira e se aquecia com uma garrafa de uísque. Ele se levantou ao vê-los chegar.

– Foi até a Cidade do México durante o dia? – Caveira perguntou, se aproximando. O helicóptero era propriedade do exército, e fora comprado no mercado negro. Nenhum civil poderia ser visto pilotando aquela belezinha.

– Sim – o piloto respondeu, batendo na lataria da nave. – O tanque está cheio e pronto para voltar para casa.

Os vampiros ficaram em silêncio durante o voo inteiro, e isso deu tempo para eles ficarem sozinhos com seus pensamentos. Nessa hora, Sunday falou na cabeça de Icabode.

Está mais calmo garoto? Eu não consigo comunicar com você desde aquele dia do esgoto. O ódio tomou conta da sua mente. Isso não pode acontecer.

Isso não pode acontecer? Icabode perguntou, apertando os punhos. Eu descubro que meu pai, um reverendo, vendeu a minha alma para um demônio, descubro que se eu morrer, irei direto para o inferno. Descubro também que você é um fantasma preso à minha cabeça! E a minha tia, minha única parente viva foi sequestrada por Solomon Saks.

Sobre Katherine, Sunday começou a dizer, mas foi interrompido.

Não, Sunday! Eu sei que Rabin ameaçou mata-la se eu continuasse com essa missão, mas não me peça para parar agora. Não conseguirei. Preciso ir até o fim disso. Preciso destruir aquele maldito e seu séquito.

 Eu nunca pediria para você parar. A voz de Sunday era triste. Katherine é o amor da minha vida, mas Solomon Saks precisa morrer. A única coisa que peço, é que você não esqueça de sua essência. É normal para um neófito perder a cabeça após ser abraçado. Veja nosso amigo Drake Sobogo. Ele está uma pilha de nervos também. Mas isso é a identidade do Abraço Vampírico. É assim que você quer ser definido? Um escravo desses sentimentos? Eu espero muito mais de você, garoto. Escolha quem você quer ser. Independente da sua condenação ao inferno, você ainda está na Terra. E ainda tem a opção de ser quem deseja ser. A escolha é sua.

Sunday, Icabode fechou os olhos, envergonhado. Perdoe-me por não ouvir a sua voz nos últimos dias. Mas todo esse ódio que sinto em mim… Não sei controla-lo.

Então pule desse helicóptero agora e se mate. Pois se não aprender a controlar a besta interior, a sua morte final será uma questão de tempo. Normalmente, adolescentes se tornam adultos. Você está fazendo o caminho oposto. É compreensível, mas infelizmente, também é decepcionante. 

Aquelas palavras o acertaram como um tapa. A voz de Sunday silenciou, e Icabode soube que precisaria analisar sua atual situação novamente, com novos olhos. Se eu não controlar a besta, morrerei.

O helicóptero fez duas paradas até chegar em Nova York. Eles foram direto para o Brooklyn, e sobrevoaram a mansão abandonada de Solomon Saks. O piloto desceu o helicóptero até ficar uns três metros de distância do chão. Os três vampiros saltaram. Caveira virou morcego e se transformou ao chegar no gramado. Icabode levitou cautelosamente. Drake Sobogo saltou e fez dois buracos no chão com os pés.

– Precisamos achar um pertence pessoal de Saks, mas tomem cuidado – Drake alertou. – Pode haver alguém escondido por aí.

– Você está certo – uma voz surgiu da portinhola do bunker subterrâneo. Era Troche, o Judeu de Ferro. – Eu estava esperando por vocês.

– Onde está Solomon Saks? – Icabode perguntou, ao vê-lo brotar de dentro da terra.

– Ele soube que vocês encontraram Maxiocán – Troche informou. – Neste exato momento, o patrão está indo garantir que seu coração esteja bem protegido. E eu fui incumbido para caçá-los.

– Peguem o objeto – Drake se virou para os dois companheiros. – Deixem que eu cuido dele – Icabode e Caveira concordaram e correram em direção à mansão. Drake se voltou para Troche novamente. – Da última vez que nos encontramos eu te deixei meio morto. Desta vez terminarei o serviço.

– A primeira vez que nos encontramos eu te deixei meio morto – Troche o lembrou. – Acho que hoje é o desempate. Só que dessa vez, as coisas estarão equilibradas – ele sorriu e mostrou as presas vampíricas. Drake ficou surpreso. Da última vez, Troche ainda era um mortal (apesar das placas de ferro ao redor do corpo). Agora ele não era apenas um vampiro, mas era prole de Solomon Saks, e isso poderia ser algo terrível.

Drake Sobogo fez o primeiro movimento. Em poucos instantes, eles deixariam uma marca de terra e capim revirado no quintal de Solomon Saks. O militar correu rápido como um raio, mas Troche desaparecera. Levado pelo impulso, o corpo de Drake passou direto e se chocou contra uma árvore, arrancando-a do chão, até às raízes.

Ele se levantou e procurou o adversário, perdido. Ao erguer os olhos, viu Troche descer do céu em sua direção, acertando seu peito com as solas dos pés. Drake foi arremessado, abrindo uma vala no chão. Assim que parou de deslizar, ele viu Troche dois palmos acima de seu rosto, levitando com o corpo deitado, paralelo ao oponente, cobrindo o completamente o militar com a sua sombra. Os punhos do Judeu de Ferro começaram a acertar freneticamente o rosto de Drake, afundando sua cabeça na terra.

Capitão Sangrento não era apenas um militar. Ele também era boxeador de lutas clandestinas. Então o que fez a seguir não foi uma coisa completamente fora das regras. Ele ergueu a perna para cima, acertando o saco de Troche com tanta força que o jogou para trás, contra o muro. O Judeu de Ferro atravessou a parede de tijolos e caiu no asfalto.

– Parece que alguém não tem bolas de ferro – Drake disse, se levantando e correndo em sua direção.

Um carro se aproximava, e o motorista freou repentinamente, derrapando sobre o asfalto quando seus faróis iluminaram um homem surgir do nada e socar o sujeito que estava se levantando do chão.

Troche foi arremessado contra a vidraça de uma panificadora e engolido pelo estabelecimento escuro. Drake adentrou o local, sem conseguir ver nada em seu interior. De repente braços o envolveram e uma voz sussurrou em seu ouvido:

– Pronto para morrer? – antes que ele respondesse, Troche o puxou para cima, atravessando o teto em direção ao céu.

Drake se debatia, tentando se soltar do abraço enquanto os dois subiam rapidamente. Quando alcançaram dezenas de metros acima do solo, Drake se desvencilhou e agarrou a cabeça de Troche. O judeu arregalou os olhos um momento antes de Drake começar a dar testadas em seu nariz. O militar sentiu o rosto de metal se afundar, enquanto continuava golpeando no mesmo lugar. A cada cabeçada, sangue espirrava no rosto de ambos. Troche apagou em pleno ar, e parou de subir. Agora viria a queda livre.

Os corpos começaram a descer velozmente. Nenhum vampiro sobreviveria aquele tombo, e Drake sabia disso. A mansão de Solomon ficava ao lado do rio, mas ele nunca conseguiria mudar a rota da queda. Decidiu então que seu último ato seria socar mais uma vez o maldito que causou a sua morte. Ele agarrou Troche pelo casaco enquanto caíam e arqueou o braço antes de dar seu soco mais potente. O judeu rodopiou pelo ar, se distanciando dele. Drake deu um sorriso triste e olhou para baixo, na direção da mansão que estava a três segundos de distância. Ele fechou os olhos.

Seu corpo parou abruptamente, poucos centímetros acima do gramado. Icabode estava diante da porta, erguendo os braços em sua direção. Ele segurava o corpo de Drake com a telecinésia. Ao seu lado, Caveira estava encostado no umbral da porta, girando um pedaço de pano com o dedo.

Alguns metros longe dali, o corpo de Troche caíra no rio. Drake foi colocado no chão. Ele se ajoelhou, ferido, e olhou para a mão de Caveira.

– Isso é uma ceroula?

– Era pra ser um pertence pessoal de Saks, não era? – Caveira perguntou, dando de ombros. – Não existe nada mais pessoal do que uma ceroula.

Icabode retirou o pergaminho da jaqueta e o abriu. Ele pegou um atiçador de brasa da lareira e começou a desenhar no gramado um pentagrama. Drake pegou a bússola de Maxiocán e a colocou no centro. Caveira fez o mesmo com a roupa íntima. Icabode abriu bem o pergaminho e começou a ler as palavras em latim. Enquanto ele fazia isso, raios gigantescos cortavam as nuvens, e uma ventania começou a varrer as folhas do gramado.

– Magia negra – Caveira sussurrou assim que Icabode terminou a leitura.

Em seguida, o jovem pegou a bússola e a ergueu diante de seus olhos. Não havia nada de diferente. Até que a agulha enlouqueceu, girando sem parar. Levou dois segundos até ela virar em uma direção, oscilando um pouco antes de ficar completamente imóvel.

– Maravilha! – Caveira bateu as mãos uma vez. – Vamos encontrar logo esse coração e enfiar uma boa e velha estaca nele.

– Antes de irmos – Icabode disse, olhando em direção a uma luz no meio do mar, onde havia uma mulher de metal, gigantesca. – Precisamos passar em um último lugar.

 

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Icabode St. John [20]

Nos capítulos anteriores: Icabode, Drake e Caveira partiram para o México, atrás do caçador de vampiros, Maxiocán Allende. Ao chegarem no suposto vilarejo onde ele se escondia, os moradores revelaram ser lobisomens, e Maxiocán, seu líder. 

 

Icabode, Drake e Caveira estavam cercados por lobisomens no meio do vilarejo. Maxiocán Allende estava diante deles, com suas roupas surradas e bigode frondoso. Icabode estendeu a mão rapidamente para arremessar Maxiocán com sua telecinésia, mas uma garra peluda agarrou seu pescoço e o girou até pressionar sua cabeça contra o chão. Caveira se transformou em um morcego, mas no instante seguinte, seu pequeno corpo estava dentro de uma boca quente e úmida. Drake Sobogo fez menção de atacar Maxiocán, mas várias mãos o seguraram, colocando-o de joelhos.

Icabode estava com a bochecha colada na terra vermelha, com um lobisomem em cima de seu corpo. Ele via Maxiocán na horizontal, se aproximando. O mexicano ficou de cócoras de frente a Drake Sobogo. O que aconteceu no instante seguinte pegou a todos de surpresa.

– Capitão? – Maxiocán perguntou, aturdido.

– Peppers? – Drake respondeu, igualmente espantado. – Vo-você morreu!

– Não se mata um feiticeiro tão fácil – Maxiocán respondeu, cauteloso. – Eu fui o único sobrevivente da explosão no cais. Quando eu saí dos escombros e vi que todos os Balas de Prata haviam morrido, decidi voltar para casa.

– Você desertou – Drake o acusou, ainda surpreso. – Eu pensei que você tinha morrido! Mas você fugiu!

– Eu decidi entrar para o seu pelotão porque achei que pudesse fazer a diferença – Maxiocán respondeu, culpado. – Por causa de todo o conhecimento que eu recebi da minha família… mas os Balas de Prata não duraram nem um ano. Todos morreram.

– Eu não morri – Drake o lembrou. – Nós enfrentamos demônios juntos! Nosso pelotão fez a diferença enquanto existiu.

– É, mas tirando nós dois, todos morreram – Maxiocán repetiu, amargo. – Nosso pelotão era feito de soldados que tinham experiência com criaturas místicas e malignas. Se todos nós morrêssemos na guerra, quem as caçaria depois? Se eu tivesse morrido naquela explosão, capitão, a linhagem da família Allende morreria comigo, assim como muitos segredos antigos que só eu conheço.

Drake olhou para baixo, sem acreditar em seus olhos e ouvidos. Suas presas pressionavam os lábios inferiores. Os lobisomens ainda o mantinha de joelhos. Maxiocán olhou para os dentes vampíricos do seu capitão.

– Diga-me, o que veio fazer em Vilallende? Matar o famoso caçador de vampiros? – ele fez um gesto sensacionalista em direção ao próprio peito.

– Não, Peppers – Drake ergueu os olhos para ele. – Vim pedir sua ajuda para eliminar um vampiro maligno.

– Mas você é um deles agora – Maxiocán disse, decepcionado. – E nós somos inimigos. Por que me pediria ajuda para matar um dos seus?

– Eu os estava caçando. Nós dois estávamos – ele olhou para Icabode a alguns passos de distância. – E para me punir, me transformaram em um deles. Apesar da sede de sangue e do ódio em meu coração, eu ainda sou o mesmo. E por isso você precisa nos ajudar.

– Solomon Saks! – Icabode gritou, imóvel. – Solomon Saks está aterrorizando Nova York. Ele está consumindo a alma de todos os vampiros da cidade, e se tornando uma criatura indestrutível!

Maxiocán olhou para os lobisomens, preocupado. Ele fez um gesto, e as criaturas soltaram os prisioneiros. Caveira saiu das presas do lobisomem, voltou à forma humana e ficou ao lado de Drake. Icabode se levantou e foi para o outro lado do militar.

– Deem um olhar suspeito e vocês estarão mortos – Maxiocán os alertou, cruzando os braços. Ele suspirou. – Não é a primeira vez que ouço falar sobre esse Solomon Saks. Aparentemente um vampiro conhecido como Sombra esteve no México, fazendo perguntas sobre mim. Gabriel Angelo me disse que um mafioso polonês contratou esse Sombra.

– Sim! – Icabode respondeu. – Eu conheci o Sombra. Ele pretendia revelar o seu esconderijo a Solomon, mas nós o matamos antes.

– E por que diabos esse maldito quer me encontrar? – Maxiocán perguntou, irritado.

– Ele quer mata-lo – Icabode revelou. – Você é o único que conhece a magia necessária para destruí-lo.

– Solomon se move com rapidez – Caveira informou. – E seu corpo é duro como pedra. Seu séquito é formado por bruxos e controladores de mentes. A única forma de os vampiros de Nova York o vencerem é unindo os clãs da cidade, mas seria mais fácil convencer o Papa aceitar o casamento gay do que isso acontecer.

– Solomon Saks está atacando os vampiros isoladamente – Drake acrescentou. – E os sobreviventes estão em guerra entre si. A única forma de vencermos o polonês é com a sua ajuda.

– Deixe que os vampiros se matem! – um lobisomem disse com sua voz de trovão e sotaque latino. – E se ele vir atrás de você, nós o matamos.

– Se vocês deixarem Solomon crescer – Icabode disse, dando um passo à frente -, daqui a pouco ele será tão forte que nem vocês conseguirão detê-lo!

Os lobisomens rosnaram e grunhiram, achando a hipótese impossível. Maxiocán pediu silêncio.

– Dificilmente esse polonês conseguiria me tocar – disse, convicto. – Mas quem sabe o que um louco tirano pode fazer? A sociedade vampírica pelo menos segue regras e impõem limites. Um megalomaníaco como esse Solomon poderia causar grandes estragos.

– Muitos vampiros estão apenas esperando um líder como ele para poderem exteriorizar suas bestas – Caveira disse. – Centenas de cainitas são revoltados por termos que nos esconder dos mortais. Para muitos, a humanidade não passa de um grande rebanho, e é humilhante termos que viver escondidos. Céus, esse Solomon Saks é o messias das trevas!

– Apenas nos diga como fazê-lo – Drake disse. – Você não precisa sair do seu esconderijo recôndito. Não precisa colocar sua vida em risco.

– Solomon Saks removeu seu coração do próprio corpo – Icabode disse -, e o escondeu em algum lugar. Você é o único que sabe o ritual para encontra-lo. Se encontrarmos o coração de Solomon, nós conseguimos mata-lo.

Maxiocán ergueu as sobrancelhas e então suspirou.

– Eu sei exatamente como encontra-lo. Mas vocês precisarão ter um pertence pessoal desse maldito – ele se aproximou de Drake, e olhou profundamente em seus olhos antes de falar. – Assim que destruir esse polonês, nossa trégua estará encerrada, e nós dois seremos inimigos. Se você voltar aqui, irei mata-lo sem pensar duas vezes.

– Eu fico triste que pense assim, Peppers – Drake respondeu, encarando o amigo. – Eu considerava cada Bala de Prata como um irmão.

– Eu também, capitão – Maxiocán lhe mostrou um sorriso terrivelmente triste.

 

Poucas horas antes do nascer do sol, na mansão da Nova Inglaterra, Fermín conversava com seus aliados. Lorena e Leo olhavam para o mais novo integrante da aliança, Savage, primogênito do clã dos Filhos de Pã. Ele era um velho de longos cabelos grisalhos e sujos, com roupas cobertas de folhas e um bastão maciço.

– Não entenda errado, Fermín – Savage alertou –, eu não estou me unindo a vocês porque eu concordo com algum lado. Os Filhos de Pã não se envolvem com guerras e nem escolhem lados.

– E por que você está aqui então? – Leo perguntou, irritado. Ele apertava seu novo bastão de baseball com força, prestes a quebra-lo.

– Porque eu quero que essa guerra acabe antes mesmo de começar – o velho respondeu, lançando um longo olhar a Leo. – E vocês são os mais fortes, então estou me unindo a vocês para acabarmos logo com isso, esperando que os ratos e o clã da Sombra desistam do conflito.

– O clã da Sombra é terrivelmente perigoso – Lorena disse. – Mas os ratos estão desfalcado. Um clã com poucos membros é fraco, e não deve ser levado a sério.

– O meu clã também está desfalcado! Só tem o Capitão Sangrento e eu – Leo a lembrou, ofendido.

– Exatamente – ela se limitou a dizer.

– Eles não tem nenhuma chance – Fermín declarou, seguro. – E fico feliz que você tenha decidido se unir a nós, primogênito Savage.

– Prometa tentar acabar com essa guerra de forma diplomática antes de partir para a sanguinolência, e terá meu total apoio – Savage disse, soturno.

– É o que todos nós queremos – Fermín garantiu.

– E tem o Leo – Lorena indicou o vampiro ao lado com a cabeça. – Mas ele é inofensivo.

– Continue me provocando, ruiva – Leo mostrou os dentes como um cachorro raivoso. – Não seja tão confiante de que os números superam a força.

– Não é com isso que estou contando – Lorena respondeu, bebericando o sangue do cristal. – Mas que a inteligência vença a burrice.

– O que disse? – Leo saltou da cadeira, fazendo-a voar pela sala. Ele arrumou sua jaqueta de couro e segurou o bastão com firmeza. – Então torça para que esse seu cérebro inteligente seja mais forte que o meu bastão.

Lorena virou a cabeça lentamente para ele e deu um sorriso brincalhão. Para Leo era como se a pele da vampira fosse feita de glitter. Seus cabelos ruivos tinham uma aura reluzente, e seus lábios vermelhos pareciam pintados de sangue. Os olhos eram duas pedras preciosas. As bochechas eram sarapintadas em tons de laranja sobre a pele pálida. A primogênita do clã da Rosa era a criatura mais majestosa do universo.

– Leo! Leo! – a voz de Fermín o chamava, distante.

Leo despertou do transe, percebendo que estava parado há vários segundos, hipnotizado pela beleza de Lorena. Ele olhou ao redor, constrangido, e buscou sua cadeira para sentar novamente. Fermín olhava para ele, desgostoso.

– Se vocês dois permitirem, gostaria de continuar.

– Mas é claro, meu príncipe – Lorena disse, sorrindo.

– Precisamos falar sobre Lancelot e o clã da Sabedoria – Fermín disse.

– Eu gosto de Lancelot – Savage comentou. – Ele é um homem cauteloso.

– Todos nós gostamos de Lancelot – Fermín disse. – E ele ainda não escolheu um lado.

– Caveira pertence ao clã da Sabedoria – Lorena os lembrou. – E ele está realizando uma missão para nós. Isso deve significar alguma coisa, não?

– Nós achávamos que os Filhos de Pã se uniriam ao Clã do Rato – Leo disse, olhando para Savage. – Em tempos de guerra, não podemos contar com nada.

– Leo está certo – Fermín disse. – Mas também não podemos deixar as coisas ao acaso. Precisamos convencer Lancelot a se unir a nós.

– Para acabarmos com essa guerra imediatamente – Savage enfatizou.

A porta da biblioteca se abriu e Coruja entrou mais uma vez, interrompendo a reunião.

– Majestade, telefone para você.

Fermín lançou um olhar preocupado a cada um dos primogênitos, e pediu licença antes de sair. Cinco minutos depois ele estava de volta. Seu rosto trazia uma expressão de satisfação.

– Era Caveira – ele disse, sentando-se à grande mesa. – Ele disse que encontraram Maxiocán, e sabem como destruir Solomon Saks à distância.

– Com o polonês fora do cenário, poderemos focar na guerra sem medo – Lorena disse, feliz. – Agora todas as cartas estão a nosso favor.

– O sol está prestes a nascer – Fermín olhou para o relógio de bolso. – Eu arranjarei aposentos para vocês. Durmam aqui esta noite. Amanhã conversaremos mais. E logo em seguida voltem para suas casas. Preciso que vocês espalhem a notícia. Quero ver todos os Vampiros de Nova York falando sobre o nosso trunfo sobre Solomon Saks.

– Por que você quer deixa-lo avisado? – Leo perguntou, curioso.

– Eu quero aquele maldito com medo. Quero que ele comece a cagar nas calças. Quero que ele recue, assustado. Que sua cabeça esteja ocupada. Talvez assim ele encerre os ataques aos nosso aliados. Precisamos ganhar tempo para poder guerrear em paz.

Lorena riu. Leo bebeu mais sangue. Savage assentiu com a cabeça, satisfeito.

 

 

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Icabode St. John [19]

Nos capítulos anteriores: Icabode, Drake e Caveira foram sequestrados pelo clã do Rato, e interrogados no esgoto. Mas Icabode ateou fogo no primogênito do clã e na legião de ratos que os observavam, transformando os túneis em um grande inferno. Após fugirem, o trio decidiu partir para o México para encontrar com Maxiocán. 

 

Fermín estava na biblioteca de sua mansão em Nova Inglaterra. Leo e Lorena estavam sentados no sofá vermelho, bebendo sangue de seus cristais.

– O clã da Sombra se aliou ao clão do Rato – Lorena disse. – Mas isso era previsível. Nós matamos a Juíza e a Dama do Véu Negro, suas líderes.

– Lancelot não se opôs aos assassinatos – Leo os lembrou, olhando por cima de seus óculos escuros. – Talvez ele vote em você para príncipe.

Lorena revirou os olhos e perguntou:

– Desde quando aquele velho diz o que pensa? Não é à toa que ele é o mais velho de Nova York. Lancelot é o melhor jogador que existe, e pode ter certeza que nós não fazemos ideia do que passa em sua cabeça.

– Ainda assim – Leo olhou para ela. – Você é a líder do clã da Rosa, eu do Punho, e o Fermín do clã da Águia. Somos três contra dois. Se Lancelot os apoiasse, no máximo, eles iriam empatar, e não nos vencer.

– O clã da Sabedoria não é o único que não se declarou ainda – Lorena rebateu. – Os Filhos de Pã também não se posicionaram. E eles sempre se deram bem com o clã do Rato. Na melhor das hipóteses, temos um empate. Nós não ganharemos essa eleição.

– Os Filhos de Pã são fracos – Leo disse, pegando seu novo bastão. – Eu farei eles se decidirem rapidinho.

Lorena suspirou, impaciente.

– Faça isso, e transformaremos um provável inimigo em um inimigo certo.

– Tudo isso é inútil! – Fermín os interrompeu, batendo em sua mesa. – De que adianta falarmos de eleições se na verdade estamos diante de uma guerra?

– De toda forma, precisamos de aliados – Lorena disse, enrolando o dedo em seus cachos ruivos. – Para guerra ou eleições.

– E os vampiros independentes? – Leo perguntou, receoso.

– Não mexeremos com os sem clãs – Fermín disse, decidido.

– Os Ratos e as Sombras mexerão – Lorena observou.

– Céus, não acredito que agora vocês estão concordando um com o outro – Fermín se virou, irritado. – Nós caçamos os sem clã por décadas. Eles não irão nos apoiar. E se apoiar, seremos obrigados a aceita-los em nossa comunidade. Vampiros insubmissos!

– Eu diria que isso é um problema para o futuro – Lorena disse. – E uma solução para o presente.

– E quanto a Solomon? – Leo perguntou, preocupado. – Se entrarmos em uma guerra agora, não acha que isso fortalecerá Solomon Saks?

– Agora é muito tarde para falar “se entrarmos em uma guerra” – Fermín disse. – Mas de qualquer forma, o único jeito de vencermos Saks é cometermos o mesmo crime que ele, de beber da alma de outros vampiros.

– E isso está fora de questão? – Leo perguntou.

– Claro! – Fermín e Lorena responderam em uníssono.

– Lembre-se que fazemos parte de uma sociedade universal – Fermín disse. – Se nossos líderes supremos souberem que cometemos tal crime, nós seremos torturados e exterminados. Ingerir a alma de um vampiro é o pior pecado que se pode cometer.

– E por que nada é feito contra Saks? – Leo perguntou. – Por que não avisamos os líderes supremos sobre Saks? Eles não poderiam resolver isso assim? – ele estalou os dedos.

– Sim – Fermín respondeu. – Poderiam. E com Saks, seriam eliminados todos os líderes da cidade que permitiram isso acontecer.

– Temos que enfrentar o Saks sem envolver nossos superiores – Lorena concordou com Fermín. – Informá-los seria cometer suicídio.

– E então? – Leo perguntou, colocando os joelhos sobre as pernas, desesperançado. – Nossas esperanças estão nos neófitos?

– Sim – Fermín disse, tenso. – Mas eu enviei Caveira com eles. Ele pertence ao clã da Sabedoria, mas sempre me foi muito leal.

– Ele pode ser um espião duplo para Lancelot – Lorena disse. – Mas você já sabe disso.

Fermín ficou em silêncio, ciente dessa possibilidade. Ele pegou um cristal de sangue e se juntou aos outros dois.

– Caveira tem contatos no México. Eu paguei um helicóptero para o trio se deslocar até lá. Parece que Maxiocán Allende é bem conhecido por aquelas bandas. Sua família inteira, na verdade. Os Allendes são famosos caçadores de demônios. Todos os vampiros daquela região o temem. A palavra “apavorados” combinaria mais com o sentimento que eles possuem desse nome.

A porta lateral se abriu, e um homem de bigode fino entrou.

– Coruja – Fermín olhou para ele, curioso. – Aproxime-se.

– Vossa majestade, parece que o clã dos Filhos de Pã não pretendem se aliar ao clã do Rato. Eles dizem que o último líder capaz dos ratos foi derrotado e queimado no fundo do esgoto. O novo primogênito deles é um jovem irracional.

Lorena e Leo olharam para Fermín, surpresos.

– E como você sabe de tudo isso, Corjua?

– Porque o primogênito dos Filhos de Pã está no hall de entrada – Coruja sorriu.

 

O helicóptero pousou em um vilarejo próximo à Cidade do México. O clima mudara bruscamente de Nova York até ali. Caveira e Capitão Sangrento desceram primeiro, olhando ao redor. Icabode levitou de seu banco até pisar no capim seco.

Os três vampiros caminharam por vinte minutos até chegarem até o vilarejo. Ele era cercado por um muro de paredes caiadas, com cerca de três metros de altura. O portão de madeira estava fechado, e não havia nenhuma alma do lado de fora.

– Como faremos? – Drake Sobogo perguntou, mas Icabode apenas começou a levitar, passando por cima do muro.

– Pelo visto, faremos desse jeito – Caveira riu e virou morcego.

Do outro lado do muro, Icabode descia por entre as bandeirolas de alguma festa nativa, no meio da escuridão. A vila era praticamente um cercado com uma fonte no centro. Alguns moradores estavam reunidos diante do bar, com mariachis tocando baladinhas.

Um homem mijava na parede de uma casa quando Icabode pousou ao seu lado. Ele estava bêbado, sua cabeça se ergueu com relutância, e seus olhos semiabertos estavam totalmente alheios à presença do vampiro.

Que pasa cabrón? – o homem perguntou, mas Icabode já agarrara seu queixo, expondo o pescoço. Ele empurrou o homem contra a parede e enfiou suas presas em seu pescoço suado e salgado.

Os braços trêmulos do sujeito tentaram empurrar o vampiro, mas rapidamente eles cederam, e Icabode deixou o corpo escondido no beco. Ele limpou o sangue de seu queixo e saiu das sombras. Seus companheiros vampiros se colocaram ao seu lado.

– Você matou um provável vizinho do maior caçador de vampiros do país – Caveira olhou para trás.

– Garoto – Drake Sobogo olhou para Icabode, preocupado. – Você está passando pela maior mudança da sua vida, eu entendo, mas precisa ter mais cuidado. Quando nos conhecemos, você não era assim. Sei que está assustado…

– Assustado? – Icabode olhou para ele, irritado. – Aquele mexicano ali atrás estava assustado. Eu sou o perigo.

Ele avançou em direção às luzes. Ao lado da fonte quebrada, um bêbado dormia debaixo de um sombrero de palha. Enquanto eles avançavam, o grupo de festeiros começou a ficar em silêncio e se virar em sua direção. As três figuras pálidas, vestidas de preto, estavam paradas, olhando para eles.

Gringos – alguém disse.

No! Peor! – uma mulher indígena respondeu, benzendo-se. De repente, no olhar de todos, ficou claro que o povoado sabia muito bem o que era um vampiro.

– Maxiocán Allende! – Icabode disse, calmo. – Digam-me onde ele se esconde, e eu não os matarei.

– Garoto! – Drake segurou seu braço, assustado. – Eles são pessoas de bem!

No señor! – um mexicano se aproximou, com sua camisa de botão aberta até o umbigo. Ele tinha barriga de cerveja e pele escura. – No somos buenas personas. Y todos ustedes deben salir de aqui.

– Alguém fala espanhol? – Caveira perguntou, receoso. – Porque eu acho que ele meio que nos ameaçou.

– Se vocês possuem bom senso – Icabode voltou a falar -, devem nos entregar Maxiocán Allende urgentemente, senão…

Ele parou de falar ao ver que todos ficaram de pé. A expressão de cada homem e mulher era de raiva. Eles começaram a caminhar em direção ao trio.

– Eu devo avisá-los… – Icabode disse, mostrando a palma da mão, mas ninguém deu ouvidos. – Bem, eu tentei avisá-los.

Ao contrário do que se esperava, todos os habitantes do vilarejo caíram de joelhos, sobre as mãos dianteiras. Eles se contorciam enquanto seus corpos faziam barulho de estalos.

– Oh não, oh não – Caveira recuou.

Essa era a primeira vez que Icabode viu Caveira apavorado.

– Devemos fugir? – Drake Sobogo perguntou. – Garoto, fique invisível. Caveira, vire morcego.

Caveira virou o rosto para ele. Seus olhos estavam espremidos e molhados. Isso significava que não havia forma alguma de fugir dali.

No momento seguinte, todas as pessoas ao redor se tornaram criaturas imensas e peludas, como ursos. Mas seus focinhos eram como de lobos, e de repente, todos uivavam para a lua. Eram lobisomens.

– Não conseguimos lutar? – Icabode perguntou, fechando os punhos.

– Mesmo o vampiro mais forte que conheço não aguentaria enfrentar o mais fraco dos lobisomens. Imagine uma vila deles. Estamos mortos – Caveira estava paralisado.

Os lobisomens o cercaram, alguns sobre duas patas, outros sobre quatro. Suas presas eram afiadas, com longos fios de saliva pendendo para baixo. O trio de vampiro não tinha para onde ir.

– Essa é a primeira vez que vejo cainitas em minha vila – uma voz veio por trás.

O trio se virou a tempo de ver um homem passando pelo meio dos lobisomens. Ele tinha um bigode frondoso, roupas sujas e calças jeans rasgadas. Ele deixara o sombrero para trás, quando se levantara da fonte.

– E ainda me procuram pelo nome!

– Você é Maxiocán – Icabode apontou para ele.

– E vocês serão a janta desta noite.

 

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Icabode St. John [18]

Nos capítulos anteriores: Icabode e seus dois companheiros foram atrás de Sunday em seu apartamento, mas no lugar dele, encontraram a tia de Icabode, Katherine. Os capangas de Solomon Saks apareceram e a sequestraram, ameaçando matá-la se Icabode não parasse de procurar por Maxiocán. Por fim, o trio foi sequestrado por vampiros escamosos dos esgotos. 

Icabode, Sobogo e Caveira foram jogados em uma cela no fundo dos esgotos.

– Quem são eles? – Icabode perguntou.

– Eles são o clã do Rato – Caveira respondeu, sentado no chão, com os braços apoiados nos joelhos. – A Juíza era a líder deles. Aquela vampira que a matou é a líder do clã da Rosa. Os clãs do Rato e da Rosa são inimigos mortais. Aquilo que aconteceu mais cedo na casa do Fermín, pode ter certeza, foi o início de uma longa e bela guerra.

– E por que eles nos prenderam? – Icabode perguntou, confuso.

– Lorena, a líder do clã da Rosa é aliada de Fermín, o mesmo Fermín para quem trabalhamos. Eles dois mataram a Juíza.

– E o que acha que farão conosco? – Icabode olhou para a porta da cela, coberta de musgo fedido.

– Eles podem fazer várias coisas – Caveira disse, pensativo. –Provavelmente irão nos matar e consumir as nossas almas.

– Eu não irei permitir – Drake Sobogo rosnou em seu canto.

– Não adianta grandão – Caveira olhou para ele. – O clã do Rato também é conhecido por ter super força. Você não tem vantagem nenhuma sobre eles.

– Quais são os outros poderes deles? – Icabode perguntou, se encostando na parede e escorregando até o chão.

– Eles tem super força – Caveira começou a contar nos dedos -, poder de mudar a aparência, ficar invisíveis, se comunicar com animais, enxergar no escuro e afins. Não sei exatamente todos. Nunca me importei muito com os Ratos do Esgoto. Só sei que eles são os melhores detetives do Mundo Sombrio. Nada acontece sem que eles saibam.

– Quais as nossas alternativas? – Icabode perguntou.

– Nós podemos escolher as últimas palavras que diremos antes de morrer – Caveira disse, e em seguida sua cabeça tombou sobre o peito.

O sol está nascendo, Sunday disse em sua mente. Todos os vampiros irão entrar em torpor agora. Icabode olhou para o lado e viu que o Capitão Sangrento também estava morto. Você precisa fazer alguma coisa quanto ao clã do Rato, Sunday o alertou. Você não pode morrer agora! Katherine precisa de você!

Mas o que posso fazer? Icabode perguntou. Não vejo nenhuma alternativa.

Mas existe uma! Sunday insistiu. Use seus poderes!

Eu ainda não os domino bem.

Pratique esta noite.

Eu vou entrar em torpor a qualquer momento.

Força de vontade, rapaz! Eu te ajudo! Fique acordado durante o dia e pratique seu poder! Quando eles abrirem a porta, fuja com todas as suas forças!

E os outros? Icabode olhou para Drake e Caveira.

Eles conseguem se virar. Você é quem precisa de ajuda. Você precisa se ajudar! Tem que começar a jogar o Jogo das Trevas. Você precisa ser mau, garoto!

Ser mau? Mas eu sou cristão…

Icabode, você não é cristão. Você está condenado. Quando morreu, você foi para o inferno! Seu pai vendeu a sua alma! É tarde demais para você ser bonzinho.

O quê? Icabode estava confuso.

Você não lembra de nada não é? Nós dois morremos naquela fundição, enquanto tentávamos matar Leon. Depois nos encontramos no inferno, onde você descobriu que havia sido vendido para algum senhor do mundo inferior.

Icabode ficou em silêncio, analisando aquelas palavras.

Então você foi abraçado, e sua consciência voltou para o seu cadáver. Sua alma continua aqui.

Aqui? Icabode engoliu seco, apavorado. O-onde você está, Sunday? Diga logo!

Eu estou no inferno, Icabode, sua voz era triste. Parte de minha consciência subiu com a sua quando você foi abraçado. Há uma parte de mim em você. Por isso conseguimos nos comunicar. Se você morrer, virá direto pra cá. Não morra. E pra você continuar vivo, precisa…

Preciso ser mau, Icabode compreendeu.

 

 

Do lado de fora do esgoto, o asfalto reluzia a luz do sol em um dia quente. A grande estrela cruzou o céu nascendo entre prédios e sumindo entre prédios, até que a noite chegou novamente. Ela sempre chegava. E nessa hora, criaturas demoníacas e sanguinárias despertavam em seus covis.

Drake Sobogo acordou. A qualquer momento, vampiros abririam a sua cela e o matariam. Ele era forte, mas os outros também eram. Eu morrerei, mas levarei alguns desses vermes comigo, prometeu a si mesmo. Ele olhou para frente e viu Icabode sentado, pernas cruzadas, mãos segurando os joelhos. Ele olhava para o chão.

– Garoto? – Drake perguntou, preocupado. – Você está bem?

Icabode ergueu a cabeça e revelou olhos vermelhos e irritadiços. Drake se sentia mal por ele. O garoto era uma pessoa boa, e Drake estava sendo um cuzão com ele.

– Como eu fui parar aqui? – Caveira perguntou subitamente, olhando para o chão. – Eles entraram aqui?

Drake Sobogo olhou ao redor e percebeu que também não estava no lugar em que tinha dormido. Alguém mexera em seus corpos. Ele olhou para Icabode e percebeu que o garoto não os dava atenção.

– Garoto?

A porta se abriu e vários vampiros apontaram suas armas para os prisioneiros.

– Vamos! – um deles ordenou, e todos abriram caminho para o trio.

Drake e os outros dois obedeceram, cautelosos. Vou esperar a hora certa para agir, o boxeador pensou, seguindo por um túnel, cercado de inimigos. O grupo chegou até um grande salão subterrâneo, com várias tochas penduradas na parede. A luz do fogo bruxuleava, fazendo as sombras dos vampiros dançarem para todos os lados. O chão da câmara era tomada por ratos que assistiam a cena, curiosos. Havia milhares deles enchendo o esgoto com seus guinchos agudos.

Do outro lado, sentado em um trono feito de ossos, o vampiro de olhos amarelos os aguardava. Seu rosto escamoso os encarava com sede de vingança. Os prisioneiros foram conduzidos até o centro, pisando sobre os ratos. Drake reparou que Icabode cambaleava, olhando para as criaturas no chão como se fossem boletos a serem pagos.

– Odeio ratos – Icabode sussurrou

– Digam o que sabem sobre esse Maxiocán – ordenou o vampiro no trono.

– Com quem eu estou falando? – Caveira tomou a dianteira, colocando as mãos na cintura.

– Hercule, o Come Ossos – respondeu o vampiro. – Sou o novo primogênito do clã do Rato.

– Engraçado, eu não o conhecia – Caveira observou, sorrindo. – Vocês são muito furtivos mesmo. Mal aparecem nas nossas festinhas.

– Caveira, eu o conheço muito bem. E não simpatizo nem um pouco com essas suas gracinhas. És um tolo para mim. Diga-me o que sabem sobre Maxiocán, e eu darei uma morte rápida a vocês.

– Veja bem, quem matou a Juiza foi… – antes que o Caveira terminasse, Hercule, o Come Ossos o interrompeu.

– Eu estava lá! – de repente, sua aparência grotesca se modificou diante dos olhos de todos. Ele era um homem loiro de terno fino e olhos azuis. – Por isso você não nos vê em suas festinhas. Porque nós vemos tudo e nunca somos vistos. Nós vimos a traição do seu mestre, e não finja que vocês não tem nada a ver com isso. Todos vocês mataram a Juíza, e serão condenados por isso. Mas eu posso ser benevolente e mata-los rápido, ou não, e lhes dar uma morte lenta e terrível.

– E que tal se eu não falar nada – Icabode chutou alguns ratos com nojo –, e ir embora agora? Tenho mais o que fazer.

– Ir embora? E como pretende fazer isso?

Icabode ergueu o braço, e Hercule se levantou do seu trono, subindo em direção ao teto. Com o outro braço, Icabode vez as tochas ao redor se aproximarem do vampiro.

– O que estão esperando? – Hercule gritou para os outros membros do clã, se debatendo no ar. – Matem esse insolente. Matem-no rápido!

Quando eles avançaram, Icabode ficou invisível. Os vampiros pararam no meio do caminho, procurando-o. As tochas continuaram se aproximando lentamente de Hercule, que gritava desesperado. Todos viram o seu primogênito se tornar uma coluna de fogo, se debatendo e dando gritos estridentes.

Drake Sobogo e Caveira se olharam, abismados com a cena. Hercule caiu no chão, e as tochas começaram a se afastar. Os outros membros do clã do rato recuaram, temendo serem os próximos. Mas as tochas voaram em direção aos ratos, ateando fogo em dezenas deles. A câmara se tornara um pandemônio, tomada pelo fogo.

Ao ver que os vampiros fugiam, muitos deles tomados pelo fogo, e que o Caveira se tornara um morcego e fugira, Drake Sobogo começou a correr, cercado por fogueiras de quatro patas que corriam de um lado para outro, guinchando de dor. O boxeador se jogou em um pequeno escoamento de água na parte oposta da câmara, assistindo a cena de longe. De repente ele olhou para cima e viu uma figura levitando próxima do teto, era Icabode. O garoto olhava para baixo com uma expressão macabra. O fogo reluzia em seu rosto, destacando seus olhos vermelhos. Era quase como se Drake visse um anjo caído sobrevoando o inferno.

Ratos flamejantes percorriam vários túneis do esgoto. Milhares deles. Drake se enfiou em um túnel, correndo também. Ele via o fogo reluzindo nas paredes sempre que alguma criatura passava correndo. Deixando um rastro de fumaça. O boxeador passou por vários cruzamentos até achar uma escada. Assim que saiu da boca de esgoto, as pessoas do mundo superior começaram a exclamar e apontar em sua direção. 

Drake olhou ao redor e encontrou Caveira sentado no capô de um carro, observando-o.

– Eu sabia que você conseguiria – Caveira apontou para ele.

Drake olhou para a esquina a tempo de ver Icabode voar para fora do esgoto e pousar no asfalto, fazendo os carros desviarem.

– Nós três estaremos mortos até o fim de semana – Caveira avisou, sorrindo. – Em menos de um dia quebramos quase todas as regras da sociedade vampírica. Estamos nos expondo muito. Daqui a pouco seremos caçados.

Drake resmungou pra ele, e os dois foram se encontrar com Icabode.

– O que você fez lá embaixo – Caveira disse, seguido de um assovio. – Eu nunca vi nada igual em toda a minha vida.

– Vamos – Icabode disse, acenando para um táxi. – Precisamos descobrir em que parte do México está Maxiocán.

– O clã do Rato é o responsável para encontrar esse tipo de informação – Caveira observou. – Mas agora não acho que eles nos ajudariam. Tem um traficante de informações que mora em um cemitério, eu posso apresenta-los…

– O Sombra está morto – Icabode o interrompeu, abrindo a porta do táxi. Caveira olhou para ele, surpreso. – Nós o matamos.

– Eu tenho um contato influente na Cidade do México – Caveira disse quando os três entraram no banco de trás do táxi. Mas depois falamos sobre isso.

– Não. Falamos agora – Icabode respondeu, seco. – Depois matamos o taxista e jogamos seu corpo em algum lugar.

O motorista olhou pelo espelho, achando que ouvira errado. Caveira e Drake se olharam, surpresos.

 

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Icabode St. John [17]

Nos capítulos anteriores: Icabode, Drake Sobogo e Caveira foram enviados para procurar Maxiocán, o homem que poderia reverter o ritual Solomon Saks. No meio do caminho, eles passaram pelo apartamento de Sunday, onde encontraram Katherine, tia de Icabode. Durante o encontro, Troche e seus capangas apareceram, buscando Sunday. 

Katherine surgiu do quarto, congelando ao ver os novos visitantes. Icabode olhou para ela e ordenou:

– Tia, volte para o quarto.

– Tia? – Troche perguntou, interessado.

– Acabem com eles – Icabode olhou para Drake e Caveira. – Eu protejo ela. Deixem um deles vivo. Precisamos saber sobre o paradeiro de Maxiocán.

Drake Sobogo não esperou Icabode terminar de falar. Ele cruzou a sala em uma velocidade sobrenatural. Atropelou Troche como se fosse um trem, fazendo seus corpos atravessarem as paredes e invadirem os apartamentos vizinhos.

Troche trouxera consigo quatro capangas julacos, todos barbudos, com seus ternos e chapéus pretos. Eles apontavam suas metralhadoras para Icabode, Katherine e Caveira.

– Eu me rendo! – Caveira gritou, guardando as armas nos coldres.

Icabode olhou para ele, surpreso. Caveira olhou de volta, e seu olho piscou pelo buraco da máscara. No instante seguinte, seu corpo encolheu rapidamente até virar uma pequena bola de pelo negra, com asas. Ele virara um morcego.

– Que diabos é isso? – um dos capangas perguntou, assombrado.

O morcego atravessou a sala em ziguezague e se jogou atrás dos julacos. No outro momento, ele era Caveira novamente. Os capangas não tiveram muita chance.

O vampiro encostou os canos dos revólveres na cabeça de dois deles e apertou os gatilhos. BAM! Miolos jorraram pelo chão da sala. BAM! Dentes e língua se soltaram da cabeça do segundo. Os outros dois capangas se viraram pra ele, recuando e atirando.

Caveira girou sobre os tornozelos e sumiu pela porta, se escondendo no corredor. Os capangas continuaram atirando na parede, assustados. Alguns segundos depois, pararam e esperaram. Caveira não veio, mas outra coisa surgiu. O corpo de Troche abriu um novo buraco na parede, aparecendo do nada. Ele acertou um dos capangas, jogando-o para o outro lado da sala.

Drake Sobogo veio logo atrás. As veias pulsavam em seu corpo. O capanga restante ergueu a arma pra ele, mas Caveira reapareceu, atirando várias vezes no peito do homem. Troche e seus homens foram abatidos.

Icabode protegia a porta do quarto onde a tia estava, olhando para a cena com satisfação. Eles venceram aquele embate. Ou era o que ele achava.

– ICABODE! – Katherine gritou enquanto seu corpo era sugado pela janela, deixando o prédio para trás.

Ele correu até a janela e viu o feiticeiro de Solomon levitando a poucos metros de distância. Katherine estava em sua frente, se debatendo no ar.

– Você sabe sobre Maxiocán! – Rabin gritou. – Deixe isso pra lá, caso contrário eu usarei a cabeça da sua tia como peso de porta.

– Solte-a! – Icabode gritou. – Solte-a, senão eu…

– Soltá-la? – Rabin olhou para as dezenas de metros que o separava do chão. – Certeza?

Icabode socou o batente da janela, aflito. Para sua surpresa, Capitão Sangrento surgiu na sacada ao lado. Ele subiu no parapeito e se jogou. Seu corpo fez um arco no céu, em direção ao feiticeiro. Rabin se esquivou no último instante, pego de surpresa. Katherine começou a cair, mas o feiticeiro a segurou novamente.

Drake Sobogo se chocou contra o prédio do outro lado da rua, e se segurou em uma janela. Icabode olhou para o lado novamente e viu um morcego voar até ficar três metros acima de Katherine. De repente, Caveira voltou à sua forma humana e atirou em Rabin enquanto caía.

– Vocês são loucos! – Rabin gritou, segurando seu ombro baleado.

Caveira e Katherine caíam, mas o vampiro a agarrou com força e a girou no alto, jogando-a para o outro lado da rua. Ela gritou, vendo o prédio vir em sua direção. Drake Sobogo saltou e interceptou a colisão, levando-a novamente para o prédio de Sunday, saltando como uma pulga.

Icabode assistia a tudo, incrédulo. Vários homens na calçada sacaram suas armas e começaram a atirar em Drake. Eram mais capangas.

Você precisa ajuda-los! Sunday disse em sua mente. Use sua telecinésia! Voe pela janela!

Eu não sei controlar ainda, Icabode respondeu, desesperado.

Então concentre-se! Sunday respondeu. Você precisa descer agora!

 

Lá fora, Drake Sobogo sentiu as balas acertando suas pernas e suas costas, e ele não conseguiu mais se segurar. Felizmente não estava tão longe do chão quando despencou. Ele caiu de costas sobre a lataria de um carro, afundando-o. Katherine estava segura sobre seu peito.

O morcego voou para trás dos atiradores e virou Caveira novamente. Como se fossem duas adagas, ele movimentava seus revólveres e matava os capangas a queima roupa. Quando suas balas acabaram, um capanga o chutou na barriga, afastando-o. Os outros julacos sobreviventes apontaram suas metralhadoras pra ele.

– Vocês acham mesmo que eu sou como vocês? – Caveira perguntou, abrindo os braços. – Mandem bala, caralho! Deem o seu melhor!

E eles fizeram. Caveira gargalhava enquanto as balas batiam em seu kevlar e caíam no chão. De repente, dois atiradores foram erguidos pelo pescoço. Drake Sobogo os segurava acima de sua cabeça. Ele juntou seus rostos um contra o outro, esmagando seus crânios. Com mais alguns socos, matou todos os outros ao redor.

Katherine saltara do capô do carro e começou a atravessar a rua. Um veículo veio em alta velocidade em sua direção. Drake viu os canos das armas saindo pela janela. Eram mais homens de Solomon. E eles iam em direção à mulher.

– AHHHHH!!!!! – Drake Sobogo se jogou sobre a tia de Icabode, e os dois rolaram até a calçada oposta. O veículo freou em suas costas, derrapando de lado.

O pneu cantou, e a fumaça subiu. Assim que as portas se abriram, Drake jogou seu corpo contra a lataria, fechando-as novamente, e empurrando o carro alguns metros pelo asfalto. Do outro lado, Caveira já estava com a Thompson de um cadáver e começou a segurar o gatilho. A arma girava como um ventilador, de um lado para o outro. Os capangas não conseguiram nem sair do carro.

 

De volta ao apartamento de Sunday, Troche cambaleava rumo à porta. No corredor, um homem careca segurava uma vassoura. Ele vestia roupão com uma letra bordada no peito. Atrás dele, uma mulher e duas crianças assistiam à cena, assustados.

– Eu já ligue para a polícia – o homem avisou. A parede de sua casa estava destruída. Troche e Drake quebraram tudo enquanto lutavam.

Troche estava furioso. Ele puxou a vassoura da mão do sujeito, girou, e a enfiou no olho do homem. O corpo caiu no chão, e Troche continuou enfiando o cabo em seu rosto. Depois, ele foi até a sala de estar onde a família do sujeito gritava. Ele avançou sobre a mãe, empurrando-a até a janela e jogando-a para fora. Depois se virou e enfiou os dedos de metal na boca do garoto de nove anos e separou seu maxilar do resto da cabeça.

Por fim, olhou para a menina mais nova. Troche envolveu seu rosto com a mãozorra e a empurrou contra a parede, ferozmente. Seus dedos metálicos afundaram em ossos e miolos. O papel de parede era amarelado, com flores. Ele limpou sua mão ali mesmo e foi embora.

 

Um julaco se arrastava pelo asfalto. Ele puxou a pistola do casaco e apontou para Katherine, na calçada do outro lado. Ele iria morrer, mas pelo menos levaria aquela vaca com ele.

Katherine viu o sujeito apontar a arma em sua direção e no momento em que o gatilho ia ser puxado, um vulto caiu sobre ele, enfiando uma faca no topo de sua cabeça. Icabode viera de algum lugar no céu.

Mais acima, Drake arrastava um capanga ferido pelo asfalto, enquanto Caveira segurava uma metralhadora fumegante.

– Diga! – Drake rosnou. – Onde está Solomon Saks!

– Capitão! – Icabode interveio. – Nós precisamos perguntar sobre o México – ele se virou para o capanga ensanguentado. – Como encontramos o homem que sabe reverter o ritual de Saks? Como encontramos Maxiocán?

– Por favor! – o capanga segurou na calça de Icabode, implorando. – Não quero morrer!

Icabode viu que havia pelo menos três buracos de bala na barriga do sujeito. Ele iria morrer nos próximos segundos. Icabode suspirou, desconfortável com aquilo, e ficou de cócoras.

– Se você nos disser como encontrar Maxiocán, eu te levo para um hospital o mais rápido…

– Me transforme em um de vocês – o capanga pediu. – Não vou sobreviver – ele tossia sangue. – Me transforme em um vampiro e eu direi.

– Desculpe, mas não posso. Nunca me perdoaria se transformasse alguém em um vampiro – Icabode disse.

– O que você está fazendo? – Drake o puxou pela gola. – Está louco?

– Você quer mentir pra ele? – Icabode sussurrou. – Vá em frente. Mas eu não posso fazer isso!

– Eu transformo ele – Drake prometeu, e se virou para o homem caído.

– Rapazes – Caveira disse, cutucando o rosto imóvel do capanga com a ponta da botina. – Ele já está com Jeová, ou seja lá quem é o deus dos judeus.

–  Eu vou transformá-lo – Drake se abaixou.

– Não! – Icabode o puxou pelo braço, mas o outro o arremessou contra a lataria do carro.

– Garoto! – Drake olhou para ele, num misto de surpresa e raiva. – Nunca mais me segure.

– Se você transformá-lo, nós teremos um problema – Icabode disse, se levantando. Katherine o ajudou a ficar de pé, preocupada. – Não podemos colocar mais um vampiro neste mundo.

– Ele é a nossa única chance de descobrirmos o paradeiro de Maxiocán – Caveira olhou para Icabode, concordando com Drake.

– Eu os proíbo – Icabode pegou uma metralhadora e se aproximou dos dois.

Drake bufou com desdém. Ele deu as costas, ignorando a ameaça e se virou sobre o cadáver do capanga. Quando ele mordeu o pulso do sujeito, uma rajada de balas transformou a cabeça do homem em uma peneira. Drake caiu para o lado, incrédulo.

Icabode jogou a metralhadora no chão e se afastou, decidido.

– Você poderia ter me acertado! – Drake ficou de pé.

– Talvez eu devesse – Icabode se virou para ele.

– Por favor, acalmem-se – Katherine pediu. – Nós estamos no mesmo lado aqui. Se alguém puder me explicar o que está acontecendo, talvez eu possa ajudar.

Antes que alguém respondesse, Katherine começou a levitar para trás, rapidamente. Seu corpo sumiu em um beco escuro, enquanto a voz de Rabin ribombava pela noite:

– Parem de procurar Maxiocán, ou nunca mais verá sua tia!

Sirenes vinham de várias direções, Icabode e os outros se entreolharam, perdidos. Um movimento chamou sua atenção. A tampa de um bueiro se arrastou para o lado, e um homem saiu lá de dentro. Ele era monstruosamente feio. Sua pele era escamosa, não tinha orelhas e seus cabelos eram ralos. O cheiro que vinha do sujeito era nojento e causava ânsia em Icabode. Ele vestia roupas do Exército da Salvação e luvas sem dedos.

– Venham, entrem aqui – ele apontava para o buraco do esgoto. – O dia está prestes a nascer, e várias viaturas estão vindo pra cá.

Caveira deu de ombros e obedeceu, saltando no buraco. Drake Sobogo hesitou um pouco mas fez o mesmo. Icabode foi o último.

Os três pisaram no chão molhado do esgoto, ouvindo o som das sirenes sobre suas cabeças. O homem escamoso fechou o buraco, cortando o último feixe de luz que vinha de cima.

Apesar da escuridão, os sentidos aguçados de Icabode revelaram algo. Leves movimentos ao redor indicavam a presença de outras pessoas. O cheiro de podridão o fez tampar as narinas. Viu dezenas de silhuetas cercando-os. Por fim, como se fossem piscas-piscas, várias luzes vermelhas apareceram na escuridão.

São olhos, Icabode concluiu. Por fim, dois olhos amarelos se acenderam quando o escamoso ficou em sua frente.

– Você! – Icabode reconhecia aqueles olhos. – Você é o crocodilo!

 

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