O Livro de Nod IV: A Anciã

“Beba meu sangue esta noite, Caim, Pai dos Imortais, e volte na próxima. Então lhe ensinarei a sabedoria da Lua.” – A Anciã, para Caim

Uma das figuras mais enigmáticas do Livro de Nod, cuja história traz implicações muito interessantes sobre a história dos vampiros. Vamos falar um pouco sobre ela hoje.

Laço de Sangue

Como em outras passagens do Livro de Nod, a história da Anciã serve para explicar algumas facetas sobre os vampiros, notadamente o laço de sangue e o fato de serem paralisados por uma estaca cravada no coração.

Segundo o conto, Caim pede ajuda à Anciã para conquistar o coração de Zila, a Bela. A Anciã então engana Caim, fazendo-o ficar preso em um laço de sangue por um ano e um dia e obrigando-o a abraçá-la. Caim questiona a Anciã sobre como poderia se proteger de seus inimigos, e ela ensina que uma estaca de madeira viva no coração de um vampiro pode paralisá-lo. Caim, como vingança, engana a anciã, perfura o coração dela com uma estaca e a deixa para morrer ao Sol.

Perceba que isso traz questionamentos importantes sobre o que conhecemos a respeito da mitologia vampírica. A Anciã consegue submeter Caim a um laço de sangue antes de ser abraçada, o que poderia indicar que ela própria é uma criatura sobrenatural. Além disso, nada no conto indica que ela foi realmente destruída, o que poderia indicar que temos pelo menos mais um membro da segunda geração andando por aí.

Afinal, se ela já tinha poderes antes mesmo do abraço, uma estaca no coração é mera tecnicalidade.

A Anciã como Símbolo

Como tudo no Livro de Nod, uma interpretação literal pode ser um tanto limitada e confusa. Beckett, um estudioso importante dos textos nodistas, apresenta a teoria de que a Anciã é um símbolo para a fome incontrolável que escraviza os vampiros. Ela surge depois dos primeiros goles e só é verdadeiramente controlada com a destruição do vampiro.

Outra perspectiva interessante é pensar na Anciã como uma faceta da Deusa Tríplice do Neopaganismo, em conjunto com as outras duas figuras femininas proeminentes no Livro de Nod (Lilith e Zila). Uma interpretação possível, seguindo as ideias de Robert Graves em seu livro The White Goddess, é a de que as três figuras representam as três fases da mulher na vida de um homem: Lilith como a mãe vampírica que ensina Caim sobre sua nova condição, Zila como a noiva a quem Caim estende seu abraço e a Anciã como a embalsamadora que prepara Caim para a morte.

Além disso, a figura da velha é associada à bruxaria. Inclusive, mesmo no cenário de Vampiro, Baba Yaga também é apelidada de Anciã.

Claro que isso é apenas a visão de homens falando sobre figuras femininas, mas é importante ressaltar que o Livro de Nod escreve sob a perspectiva do próprio Caim. Uma perspectiva do ponto de vista de Lilith pode ser encontrada em Revelações da Mãe Sombria. E falando nele…

A Segunda Esposa de Adão

O antigo suplemento Gehenna traz um cenário que coloca a Anciã como sendo a “segunda esposa de Adão”, criada depois de Lilith e antes de Eva. Leitores de Sandman devem lembrar dessa história: após a expulsão de Lilith, Deus decide criar outra mulher para Adão. Mas Adão, ao ver os ossos e carne dessa mulher se formando de dentro para fora, repudia-a. Então Deus coloca Adão para dormir antes de criar Eva. Essa história é baseada em uma interpretação de textos judaicos conhecidos como Midrash e adaptados no Alfabeto de Ben-Sira.

Sandman também utiliza a história das três esposas de Adão.

Por Fim

A Anciã é uma figura única e misteriosa da mitologia cainita de Vampiro: a Máscara. Defini-la com precisão é algo que pode enfraquecer a força simbólica que esta personagem possui (assim como várias outras coisas do Livro de Nod). Contudo, símbolos, mitos e lendas surgem por uma razão, e no caso das religiões vampíricas não seria diferente. Que segredos ocultos existem por trás de todas essas histórias?

E não esqueça de conferir nossos outros posts da Liga das Trevas!

Bom jogo a todos!

O Livro de Nod III: Lilith

Por que devo deitar-me embaixo de ti? Por que devo abrir-me sob teu corpo e ser dominada por ti? […] Eu também fui feita de pó e por isso sou tua igual.” – Alfabeto de Ben-Sira

Continuando nossa série sobre o Livro de Nod, hoje vamos falar sobre uma das figuras mais misteriosas do lore do Mundo das Trevas: Lilith.

Há uma forte associação entre Lilith e a cosmogonia descrita em Gênese. 

A Mãe Sombria

Lilith é uma figura associada à mitologia judaica, com raízes que podem remontar até a cultura mesopotâmica e se estendem até a cultura europeia ocidental, ao ocultismo moderno e, por que não, à cultura pop.

Porém, há uma razão para eu ter usado a palavra “podem” no parágrafo anterior. A verdade é que a figura de Lilith não é tão sólida quando se trata de referências da antiguidade. Seu nome aparece poucas vezes em textos religiosos, e em certos textos aparece no plural (liliyyot), como se fosse um tipo de criatura, e não um ser único. Algumas vezes esta palavra aparece traduzida como “coruja”, “pássaro noturno”, “vampiro”, “animal noturno”, demônio noturno” e até “lâmia”.

A fonte mais conhecida e que dá origem ao mito mais ou menos como chegou até a cultura pop vem de um texto árabe medieval escrito entre os séculos VIII e XI chamado Alfabeto de Ben-Sira. O texto apresenta Lilith  como primeira esposa de Adão, que foi expulsa do Éden ao se recusar a ficar por baixo na hora do sexo.

Porém, o Alfabeto de Ben-Sira é um texto satírico. Uma espécie de paródia do estilo religioso de vários textos sagrados, temperado com um pouco de heresia e sacanagem. Não é a fonte mais confiável para saber como Lilith era retratada oficialmente pelas religiões medievais, apenas que possivelmente estava viva em alguma tradição oral não registrada.

Lilith chega a ser apresentada como uma deusa tríplice no suplemento Gehenna. Suas três faces são Sofrimento, Intuição e Escuridão.

Lilith e Caim

O Livro de Nod trata Lilith como uma entidade única, que acolhe Caim durante seu exílio (já falamos sobre isso). Ela compartilha com ele seu poder através do sangue, e ensina algumas disciplinas vampíricas. O livro inclusive lista Ofuscação, Dominação e Presença como dádivas ensinadas por Lilith. No caso, Caim teria desenvolvido Potência, Rapidez, Fortitude, Proteanismo, Animalismo e Auspícios após despertar com o sangue dela.

Uma coisa que o texto parece sugerir o tempo todo é que Lilith é uma espécie de mago. Ela diz coisas como “ao contrário de você (Caim), eu despertei”, e “eu enxergo as linhas fiadas ao seu redor”. Inclusive, ao falar dos poderes dela, ele usa a palavra “Mágicka”, do mesmo jeito que é grafado em Mago: A Ascensão.

Porém, uma teoria mais ousada poderia sugerir que a palavra “Lilith” realmente se refere a um tipo de criatura, talvez uma classe de demônios, e que os vampiros conquistaram seus poderes após contato com estes supostos seres. Nem tudo no livro de Nod deve ser entendido literalmente, afinal. Além disso, a história dos anjos aparecendo para Caim e amaldiçoando-o com as fraquezas vampíricas aparecem exatamente no momento que Caim bebe o sangue de Lilith.

Nem demônio nem mago, na verdade Lilith é um final boss roubadão!

Por Fim

A história de Lilith no Livro de Nod é, assim como na historiografia dos livros religiosos da antiguidade, incompleta, fragmentada e misteriosa. O ponto de vista dela aparece em outro texto sagrado dos vampiros chamado Revelações da Mãe Sombria (quem sabe, no futuro, podemos fazer uma série de textos sobre este livro também). Até lá, você pode conferir nossos textos sobre Demônio: A Queda para temperar suas crônicas “Lilithescas” .

Bom jogo a todos!

Sair da versão mobile