Você confere abaixo a resenha do Mouse Guard RPG, publicado pela Editora Retropunk.
A resenha foi escrita por Felipe Kopp, um grande amigo, colega de aventuras que nunca aconteceram (piada interna) e um aficionado por videogames antigos!
Você é um homem ou um rato?
Ratos não eram os animais mais queridos na Idade Média. O fato de terem sido o principal vetor de contaminação da Peste Negra, doença que matou mais de 1/3 de toda a população na Europa, é só um indicativo de que o homem medievo não era lá muito fã desses bichinhos.
Mas e se pudéssemos pegar os elementos daquela época – castelos, cavaleiros, nobres, armaduras, espadas, escudos etc. – e colocar os ratos não como vilões, mas como protagonistas da história?
Quem curte quadrinhos, viu isso ser feito no premiado e já clássico Mouse Guard, de David Peterson, publicado entre 2006 e 2010 nos Estados Unidos.
Com um sistema de jogo desenvolvido por Luke Crane, autor do indie Burning Wheel, e conceito e arte do próprio David Peterson, dos quadrinhos, Mouse Guard RPG foi lançado originalmente em 2008. Chegou às terras tupiniquins a partir da 2ª edição em 2019 (lançada nos EUA em 2016), logo após um bem sucedido financiamento coletivo sob o selo da Retropunk Publicações.
O livro, em capa dura, colorido e ricamente ilustrado, tem 320 páginas em formato 21×20,5cm.
Aos que adquiriram o Box Set completo, receberam ainda:
- um conjunto de 20 dados customizados e um saco de pano para guardá-los
- quatro baralhos do jogador – contendo cartas de condições, ações e armas
- um escudo do mestre
- um bloco com planilhas do mestre
- um bloco com fichas de personagens
- um conjunto de fichas prontas, com personagens icônicos dos quadrinhos
- um guia estendido dos Territórios, com ambientação mais detalhada
- um livro com regras adicionais aventuras prontas
- dois mapas, um em cartolina e outro em tecido.
Por fim, tudo isso dentro de uma caixa maravilhosa que, sem dúvida, é um dos itens mais bonitos da minha coleção.
Uma questão de honra
Em Mouse Guard RPG os jogadores interpretam ratos que fazem parte da Guarda, um grupo criado para fazer a proteção dos Territórios.
A Guarda possui uma rígida estrutura hierárquica, sob comando da Matriarca, uma anciã que coordena tudo com muita sabedoria.
Os personagens dos jogadores pertencem a uma mesma patrulha e são encarregados de cumprir diversas missões. Estas, por vezes vão desde escoltar alguém importante até demarcar com cheiro (isso mesmo!) as fronteiras do reino para manter os predadores longe.
Ao contrário de muitos RPGs, aqui não há classes, apenas cinco postos militares, com suas próprias vantagens e desvantagens: patas macias, guardião, guarda de patrulha, líder de patrulha e capitão da guarda.
Além disso, os jogadores são incentivados a escolher papeis diversos dentro da equipe, de maneira livre, para ajudar na caracterização do personagem.
Por exemplo, um pode ser o brutamontes durão, enquanto outro o inteligente cientista ou o bon-vivant cheio de lábia. Esse papel deve ser resumido em uma Crença, que é anotada na ficha e resume a personalidade e as motivações – quase – inabaláveis do seu rato.
Não há grande restrição para os papeis e crenças dos membros de uma patrulha, o que une a todos é apenas a dedicação e subserviência à Guarda e um impressionante senso de honra.
Além disso, há também um sistema de habilidades, perícias, conhecimentos e características, com os quais a maioria dos RPGistas já está acostumada.
Habilidades
Elas são cinco e possuem níveis de 1 a 6:
- Natureza (rato) determina “o quão rato você é” e permite que você realize coisas, bem… de rato, tais como fugir, escalar, esconder-se e forragear;
- Vontade e Saúde são suas habilidades de resistir às adversidades de maneira psicológica ou física, respectivamente;
- Recursos representa o quão rico você é ou com que facilidade acessa bens materiais;
- Círculos é a sua capacidade de contatar pessoas importantes para lhe ajudar ao longo da jornada.
Perícias
As perícias são 24 e todo jogador de RPG sabe como funcionam: sendo assim coloque alguns pontos em Rastrear, outros em Sobrevivência, em Cozinhar e – voilà! Assim você tem um conjunto de coisas em que seu personagem é melhor na hora de realizar uma tarefa. Os conhecimentos são, como o nome sugere, coisas que seu personagem conhece muito bem, como machados, espadas, meteorologia, a história da Guarda etc.
Características
Por fim, as Características funcionam como um sistema de features, adicionando vantagens e/ou desvantagens ao seu personagem, que pode ser teimoso, esperto, ágil, perdido… cada nível concede um dado adicional nos testes quando invocadas nas situações certas.
Contudo, há um grupo de características que não são assim tão comuns em jogos de RPG e que fazem toda a diferença em Mouse Guard.
Dando vida a narrativa
Além de informações como ano e local de nascimento, bem como cor do pelo e da capa, o jogador deve informar o nome dos pais, do seu mestre e do seu mentor, do seu principal inimigo e do seu melhor amigo. Acima de tudo, deve compartilhar um pouco da história dessas personagens com os demais membros do grupo, pois são elementos importantes durante a jogatina.
Desta forma, tanto o mestre como os jogadores podem – e devem! – usar essas informações para facilitar ou dificultar as coisas para os roedores durante uma aventura. Ter um bom amigo em Porto Sumac pode ser muito útil para conseguir um barco a fim de cruzar a baía até Darkwater e um mentor poderia prestar bons conselhos na hora de resolver um conflito.
Afinal, é muito mais complicado tomar decisões racionais sabendo que seus pais correm perigo em Appleloft ou ter que rastrear uma trilha que seu inimigo resolveu apagar apenas pelo prazer de atrasar a sua vida.
Dessa forma, na maioria das vezes, são essas características que decidirão os rumos da narrativa, mais do que uma rolagem de dados.
Enfim, podemos perceber ainda na construção dos personagens, Mouse Guard RPG traz alguns elementos tradicionais dos jogos de interpretação de papeis. Contudo o seu grande diferencial está nos aspectos narrativos e isso se reflete também no sistema do jogo.
Um jogo de gato rato e rato
Por fim uma sessão de Mouse Guard RPG dura entre duas a quatro horas e uma campanha inteira, que passa por todas as quatro estações do ano (cada uma trazendo desafios diferentes) deve durar de seis a oito sessões.
Nada de novo no front.
Porém, o que talvez chame mais a atenção dos jogadores veteranos é que uma sessão conta com dois turnos, divididos em tempos iguais (1h/1h ou 2h/2h): um turno do mestre e um dos jogadores. Isso mesmo, “só” dois turnos!
Calma, vou explicar.
Como funciona
Em geral, um turno em um role-playing game tem duração de segundos e uma partida é constituída de centenas desses pequenos eventos. Aqui, as coisas funcionam de outro modo.
No turno do mestre, os membros de uma patrulha recebem uma Missão, como já comentei antes. A partir dessa Missão, cada roedor deve anotar o seu próprio Objetivo.
Por exemplo, digamos que a Missão seja escoltar um mercador entre Elmoss e Copperwood que tem medo de atravessar a floresta sozinho. Os jogadores poderiam escolher objetivos como “levar o mercador e sua carga em segurança”, “descobrir por que o mercador tem tanto medo da floresta”, bem como “impedir que os patrulheiros morram no caminho”.
Feito isso, o mestre escolhe dois perigos que irão atrapalhar os objetivos dos aventureiros: clima (neve, tempestades, calor extremo…), natureza (rios, pântanos, montanhas…), animais (cobras, doninhas, insetos…) ou ratos (outros ratos que não fazem parte da Guarda, bandidos, mercenários, aldeões descontentes com impostos…).
Daí em diante, a partida ocorre normalmente.
A Narrativa compartilhada
O mestre narra os acontecimentos, os obstáculos, e os jogadores tomam decisões, rolam seus d6, descrevem suas ações etc.
O que realmente importa aqui é construir, em conjunto, uma história marcante, profunda. Os jogadores serão recompensados não por terem superado os conflitos ilesos, mas, principalmente, por terem agido conforme as Crenças e Características do seu rato.
Nesse sentido, aquele que narrar como o seu personagem “ousado” colocou a Missão em risco ao não pensar duas vezes antes de puxar a espada quando havia alternativas mais diplomáticas será melhor recompensado do que aquele que simplesmente derrotou os inimigos em uma batalha.
Dessa forma, as recompensas incluem pontos extras para incrementar o personagem (já que não há sistema de progressão de níveis) ou testes adicionais para serem usados no turno do jogador.
Se o turno do mestre é o momento de todos agirem em conjunto para criarem uma boa história, o turno do jogador é o momento em que os jogadores poderão brilhar sozinhos.
Cada um recebe um tempo para narrar o que seu personagem fará depois de terminada a Missão, recuperando suas condições ou concluindo seu Objetivo, caso ainda não o tenha feito.
Retomando o exemplo que dei antes, digamos que o Objetivo de um dos ratos era “descobrir por que o mercador tem tanto medo da floresta”.
Entretanto, após escoltar o comerciante até Copperwood, as coisas não ficaram claras. Esse jogador poderá descrever que voltou à floresta para colher mais pistas. Ou então dizer que foi interrogar alguns viajantes que fazem aquela rota com mais frequência (uma boa hora para acionar seus contatos).
A quantidade de testes que ele poderá fazer para resolver os conflitos nesse instante irá depender muitíssimo das recompensas que ganhou por sua interpretação durante o turno do mestre.
Conclusão
Mouse Guard Roleplaying Game mistura o melhor de dois mundos.
Do mesmo modo que você tem um sistema dinâmico de pontos de habilidades, perícias e testes que pode agradar àqueles que gostam de contar com a sorte em uma boa rolagem de dados para resolver desafios, por outro, você tem um sistema de storytelling cooperativo.
Que, sobretudo, tem o objetivo de construir uma narrativa imersiva, profunda, cheia de conflitos pessoais, que premia os personagens que se sacrificam pela história, colocando suas vidas em risco e desafiando suas próprias crenças em prol da Guarda.
Afinal, em Mouse Guard, sacrificar-se é uma questão de honra, pois nem todo rato é um rato.
Onde encontrar o seu
Você encontra o livro de regras, bem como o escudo do mestre direto no site da Retropunk, clicando em um dos links abaixo.
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Autor: Felipe A. Kopp
Revisão e arte da capa: Diemis Kist