Old Dragon 2 – Guia do Mago

É comum que jogadores que migram de jogos mais contemporâneos para RPGs mais oldschool estranhem um pouco o fato das classes terem poucas habilidades. Jogos como Old Dragon 2 desafiam o próprio jogador, dificultando deliberadamente que as respostas para os problemas narrativos sejam encontrados na ficha de personagem. Hoje, vamos falar um pouco sobre o mago de OD2 e como jogar com um.

Mago Oldschool

Confesso que sempre tive dificuldade de jogar de mago. É difícil pra mim, em qualquer sistema. Brinco que o único RPG que eu jogo de mago é Mago: O Despertar, e só porque eu sou obrigado mesmo.

A figura do mago dos RPGs oldschool é inspirada em figuras como Gandalf, Merlin, mas mecanicamente muito do funcionamento das magias no D&D original (e consequentemente em Old Dragon) vêm dos livros da série The Dying Earth, de Jack Vance. Inclusive, essa ideia de que os magos memorizam as magias para esquecê-las no momento da conjuração é chamada de Magia Vanciana. Esse tipo de abordagem acrescenta um fator estratégico muito importante na maneira de jogar com um mago, já que ele precisa tentar prever que tipo de desafios enfrentará pelo caminho para poder se preparar de acordo.

Então, como trilhar o caminho do conjurador arcano em Old Dragon 2?

Aliás, acho curioso que a série The Dying Earth, tão influente em D&D, é tão desconhecida no Brasil.

Estratégia: Estudo e Criatividade

Como disse antes, não sou um jogador muito bom com magos, mas ainda assim tive bons jogadores que jogaram de mago em grupos que mestrei. O mago oldschool é o cara que estuda as magias do livro com o mesmo afinco que seu personagem.

Mago é provavelmente a classe mais difícil de jogar em níveis baixos. Primeiro, você vai amargar com um mísero d4 de vida. Até lá pelo nível 4 ou 5 você está sujeito a morrer em um único golpe, se um adversário for sortudo o suficiente para lhe atingir com um acerto crítico. Como se isso não bastasse, o mago tem a tabela de evolução mais demorada de todas as classes. E, depois de usar sua única magia diária, provavelmente vai precisar ficar se escondendo, pois nem mesmo de usar armaduras você é capaz.

Por outro lado, sua grande força é o uso de magia. Especialmente se você conseguir bolar usos criativos para elas. Por exemplo, a descrição da magia Ilusão diz que ela dura enquanto o mago conseguir se concentrar na magia. Um mago pode criar a ilusão de um Elemental de Fogo para acompanhá-lo como um guarda-costas, intimidando criaturas que encontrar pelo caminho (isto é, até um ladino atrapalhar seus planos).

Existem muitos detalhes nas descrições das magias que podem ser explorados para gerar efeitos criativos. Um Símbolo da Loucura pode ser conjurado em uma pedra arremessada por um halfling, por exemplo. Uma pedra arremessada por uma catapulta pode ser desacelerada com Queda Suave. Você pode usar Trancar em uma armadura de placas para impedir alguém de vesti-la. Isso são só alguns exemplos de efeitos que não estão necessariamente descritos no Livro Básico mas que você pode utilizar.

Inclusive, Gandalf, o mago mais fodão da Terra Média, usa relativamente pouca magia nos livros.

Especializações

O mago de OD2 conta com duas possíveis especializações (no LB1): Ilusionista e Necromante. Evoluir utilizando uma especialização é mais demorado, uma vez que você usa a tabela de especialista para isso, mas garante novas habilidades.

Ilusionista: Ilusionista talvez seja uma das melhores especializações do jogo. Você mantém todas as boas habilidades de mago, sacrificando apenas suas magias de 7º ao 9º círculo. Tudo bem que são as magias mais escabrosamente poderosas de mago, mas você só vai sentir essa diferença lá pelo nível 13.

Você vai ter que se arrastar pela penosa tabela de evolução de Mago especialista, mas em compensação ganhará poderes únicos de ilusão, que são bem fáceis de usar de maneira criativa. Alguns usos clássicos são criar uma ponte ilusória para servir de armadilha contra monstros ou disfarçar-se de conselheiro do rei (depois de trancar o verdadeiro conselheiro em uma sala usando Cerrar Portas).

Necromante: Classe favorita de 9 entre 10 vilões, o necromante é capaz de criar mortos vivos a partir do nível 3. Até lá, Aterrorizar se presta para sair do sufoco em várias situações, afetando facilmente criaturas como orcs, homens-lagarto, kobolds, goblins e hobgoblins, que costumam ter JP bem baixa.

Quando chegar ao nível 3 e puder criar seus próprios mortos-vivos, vale a pena reerguer tudo que achar pelo caminho em um pequeno exército de esqueletos e zumbis. Logo de cara você poderá manter até seis esqueletos (ou três zumbis), o suficiente para evitar alguns problemas pelo caminho. Você pode criar mais do que isso, na verdade, apenas não poderá controlá-los, mas ainda podem servir como empecilho para outros adversários.

“Vish, Reviver os Mortos só lá no nível 9. Vai ter que ser zumbi mesmo.”

Por Fim

Jogar RPGs OSR requer uma mentalidade ligeiramente diferente de jogos mais contemporâneos. Porém, é uma experiência enriquecedora que pode, inclusive, mudar sua percepção até de jogos mais modernos! Na próxima coluna, falaremos sobre as especializações do LB2.

O financiamento coletivo de Old Dragon 2 foi um grande sucesso e os PDFs em versão beta já estão disponíveis para os apoiadores. Se você não apoiou, ainda dá tempo de conseguir o seu no Late Pledge. E não se esqueça de conferir nossos podcasts!

Bom jogo a todos!

Old Dragon 2 – Guia do Clérigo

É comum que jogadores que migram de jogos mais contemporâneos para RPGs mais oldschool estranhem um pouco o fato das classes terem poucas habilidades. Jogos como Old Dragon 2 desafiam o próprio jogador, dificultando deliberadamente que as respostas para os problemas narrativos sejam encontrados na ficha de personagem. Hoje, vamos falar um pouco sobre o clérigo de OD2 e como jogar com um.

Clérigo Oldschool

Arrisco dizer que o clérigo de D&D é o arquétipo mais original inventado pelo jogo. E perceba que estamos falando da primeira edição, já que o assunto é o clérigo Oldschool. Na literatura de fantasia que inspirou o jogo não existe nenhum personagem semelhante ao clérigo como conhecemos hoje. O único sacerdote da literatura de fantasia pré-1974 que me vem à mente é o Frei Tuck, companheiro de Robin Hood.

E Frei Tuck não e exatamente o clérigo arquetípico de D&D. Ele é, basicamente, um padre.

Na verdade, o clérigo é fortemente inspirado na figura dos cavaleiros templários. Mistura de guerreiro e sacerdote, essa escolha é refletida em seu Dado de Vida relativamente alto (d8) e capacidade de usar armaduras pesadas combinadas com as habilidades de um servo sagrado, como a capacidade de operar milagres e esconjurar mortos-vivos. Essas características estão presentes desde o início e se mantiveram em Old Dragon 2, demonstrando a força desse arquétipo.

Aliás, uma curiosidade interessante do clérigo do D&D original: várias de suas magias são inspiradas em passagens bíblicas! Bastão em Serpente, Andar sobre as Águas, Praga de Insetos, Reviver Mortos, Curar Doenças e Partir Água são só alguns exemplos que aparecem em OD2

Então, como podemos usar essas características para pedir proteção aos deuses e enfrentar o perigo e o caos que atormentam nossos cenários de fantasia?

Estratégia: Suporte e Proteção

Com muitos Pontos de Vida (d8) e armaduras pesadas, você provavelmente vai estar na linha de frente dos combates. Clérigos não podem utilizar armas cortantes e perfurantes, e também não podem sacrificar seus escudos para se proteger do dano como os guerreiros, mas sua capacidade de converter qualquer magia preparada em uma magia de cura vai vir bem a calhar, tanto para proteger a si mesmo quanto o guerreiro que vai estar levando porrada ao seu lado.

Vale lembrar que clérigos não são conjuradores tão bons como em jogos mais modernos, como D&D 5ª Edição ou Pathfinder 2. Suas escolhas são muito mais limitadas do que as de um mago, e só chegam até o 7º círculo. As melhores magias de clérigo servem bem para cura e suporte, como Curar Ferimentos, Abençoar/Profanar, Constrição, Arma Abençoada, Resistir à Energia e coisas assim. Além disso, o clérigo tem ótimas magias para situações fora de combate, como Purificar Alimentos, Proteção contra Temperatura, Falar com Animais, Criar Água, Falar com Mortos e Símbolo de Proteção, só pra citar algumas.

“A gente vai comer isso aí, tem certeza?”
“Fica frio, eu tenho Purificar Alimentos preparado.”

Além disso, a habilidade de Afastar Mortos-vivos é talvez uma das mais poderosas de primeiro nível, podendo afastar (ou até destruir, com certa dose de sorte) verdadeiras hordas de mortos-vivos logo de começo. Pena que só funciona em situações específicas.

Um aspecto fundamental de jogar com um clérigo é lembrar que ele tem a missão de propagar a palavra de seu deus sendo um bastião inspirador para aqueles que estão à sua volta. Por isso, um clérigo dificilmente vai poupar uma magia de cura diante de alguém necessitado ou fugir de um bando de monstros e se esconder como um covarde. É verdade que ele pode preferir uma abordagem pacífica antes de partir para o combate, mas é difícil inspirar e proteger os mais fracos enquanto você se esconde atrás da carroça durante um ataque de bandidos, certo?

Especializações

O clérigo de OD2 conta com duas possíveis especializações (por enquanto): Druida e Acadêmico. Evoluir utilizando uma especialização é mais demorado, uma vez que você usa a tabela de especialista para isso, mas garante novas habilidades.

Druida: O Druida é um arquétipo muito presente na fantasia medieval. Dentro desse arquétipo, temos desde o grande Merlin das lendas arturianas (baseado nos druidas celtas da Europa) até Panoramix, o druida que criou as poções mágicas dos gauleses de Asterix, mas qualquer sacerdote xamânico ligado a natureza pode se valer desse arquétipo.

O druida de OD2 perde suas principais habilidades, Cura Milagrosa e Afastar Mortos-Vivos, mas seu melhor poder, Transformação, só chega lá no nível 6. Até lá, seu Herbalismo pode ser usado para catar ervas e cogumelos e transformar em poções e chás de efeito limitado, ou até mesmo venenos e toxinas de efeito moderado (fazer a patrulha hobgoblin ter uma ligeira repentina é um uso clássico. Nas minhas mesas, pelo menos).

A Transformação pode parecer um tanto limitada à primeira vista, já que o Druida mantém seus PVs, Bônus de Ataque e Classe de Armadura, mas não subestime as habilidades de animais! Você vai poder nadar como um tubarão, envenenar pessoas como uma cobra, voar como uma águia, e até transmitir doenças como morcegos e ratos. Sem contar na possibilidade de passar despercebido como um simples esquilo ou cachorro.

Acadêmico: Eu, sinceramente, adorei a inclusão deste arquétipo, já que muitos sacerdotes medievais se dedicavam ao trabalho acadêmico de copiar livros para preservar conhecimento. Inclusive, acho engraçado quando, em um RPG baseado na Europa medieval, Monge significa um artista marcial que luta com os punhos ao invés de um padre que sabe caligrafia, mas estou divagando aqui.

O Acadêmico troca suas habilidades de cura e afastar mortos-vivos por conhecimento. E em jogos Oldschool, conhecimento pode fazer a grande diferença entre a vida e a morte dos personagens. “Devo ou não botar a mão na boca dessa estátua?”, você se pergunta. Se tem um Acadêmico no grupo, isso pode evitar uma maldição mortal. “O povo-lagarto é amistoso com estrangeiros?” Bem, o Acadêmico pode saber que não é uma boa ideia chegar lá portando sua armadura de couro de dragão. Como sempre, é mais importante saber negociar com o mestre do que rolar dados, nesses casos.

Acadêmicos também dão excelentes personagens investigativos, no melhor estilo O Nome da Rosa. Fique atento a qualquer possível informação sobre o mundo e o cenário que possa ser importante mais pra frente, talvez até mantendo notas. Sendo um clérigo estudioso, você tem motivos de sobra para sair procurando bibliotecas onde estiver.

“Os livros não são feitos para se crer neles, meu caro, mas para serem submetidos a investigação.”

Por Fim

Jogar RPGs OSR requer uma mentalidade ligeiramente diferente de jogos mais contemporâneos. Porém, é uma experiência enriquecedora que pode, inclusive, mudar sua percepção até de jogos mais modernos! Na próxima coluna, fechamos os guias de classes com o Guia do Mago.

O financiamento coletivo de Old Dragon 2 foi um grande sucesso e os PDFs em versão beta já estão disponíveis para os apoiadores. Se você não apoiou, ainda dá tempo de conseguir o seu no Late Pledge. E não se esqueça de ver o resto do nosso material de Old Dragon 2!

Bom jogo a todos!

Old Dragon 2 – Guia do Ladrão

É comum que jogadores que migram de jogos mais contemporâneos para RPGs mais oldschool estranhem um pouco o fato das classes terem poucas habilidades. Jogos como Old Dragon 2 desafiam o próprio jogador, dificultando deliberadamente que as respostas para os problemas narrativos sejam encontrados na ficha de personagem. Hoje, vamos falar um pouco sobre o ladrão de OD2 e como jogar com um.

Ladrão Oldschool

No primeiro artigo dessa série, sobre o Guerreiro, falamos sobre como sistemas OSR tentam burlar a Dissonância Ludonarrativa entregando classes que obriguem os jogadores a pensar e se sentir na pele dos personagens. No caso do guerreiro, temos muitos pontos de vida, bônus de ataque e habilidades que ajudam a sobreviver diante de perigos terríveis, impelindo o jogador ou jogadora a demonstrar coragem e proteger seus aliados.

O ladrão de D&D e Old Dragon é inspirado em heróis que utilizam um conjunto de sorte, habilidade e até certa petulância para sobreviver em um mundo perigoso. Talvez o exemplo mais familiar seja Bilbo Bolseiro, protagonista do livro O Hobbit de JRR Tolkien, que acompanha um grupo de anões para encontrar um poderoso artefato no meio do tesouro de um dragão. Os anões precisam, justamente, de alguém que seja furtivo o suficiente para entrar lá e pegar a Pedra Arken sem que o dragão perceba!

Então, como podemos entrar na pele de um Ladrão de fantasia medieval e pensar como ele?

“Eu sou o guerreiro, eu não devia ir na frente?”
“Deixa na minha que eu garanto.”

Estratégia: Sagacidade e Ousadia

Ladrões são comparativamente mais fracos que guerreiros, e não possuem recursos mágicos como Magos ou Clérigos. Sua capacidade de receber dano é limitada (d6), juntamente com suas opções de armadura. Ladrões não foram feitos para a linha de frente.

Por outro lado, ladrões têm uma série de opções e ferramentas que não são encontradas em outras classes. Claro que personagens de qualquer classe podem se esconder ou procurar por armadilhas, mas ladrões fazem isso melhor. Aliás, segundo a descrição do livro, a habilidade de um ladrão de realizar estes feitos beira o sobrenatural.

Porém, cautela é importante se queremos que nosso ladrão tenha uma vida longa. De acordo com o Principia Apocrypha, texto fundamental do movimento OSR contemporâneo, jogos dessa vertente servem para desafiar a inventividade dos jogadores, e não dos personagens. Portanto, para jogar com um ladrão, você, jogador, precisa de criatividade e inventividade.

Um ladrão oldschool não diz simplesmente “eu rolo para procurar armadilhas”, mesmo que o Talento de Ladrão esteja anotado lá na ficha. Ao invés disso, é apropriado descrever como seu ladrão está procurando por armadilhas, seja tocando lentamente as pedras, cutucando as estátuas ou tateando as paredes. Esse tipo de descrição é importante porque mesmo com Armadilhas 5, ainda há uma boa chance de falha (16,7%, para ser mais preciso). Evitar testes é sempre uma boa ideia se você pode cumprir seus objetivos de uma forma sagaz e inventiva.

“Falando nisso, qual é teu nível, Gandalfão?”
“NPC não precisa seguir regras, meu caro.”

Por isso, é importante ter à disposição uma gama de ferramentas para ajudar nessa empreitada. Arrisco dizer que a Vara de Exploração é um dos itens mais importantes para qualquer ladrão, afinal cutucar possíveis armadilhas à distância pode salvar um dedo ou dois a longo prazo. Além disso, ganchos, arpéus, picaretas, cadeados, redes, velas e o que mais estiver disponível podem se tornar ferramentas importantes na mão de um ladrão criativo.

Em combate ladrões são relativamente frágeis, mas precisam estar próximos o suficiente para fazer seu Ataque Furtivo valer à pena. Posicionar-se no campo de batalha é fundamental. Use os guerreiros como escudo ao mesmo tempo que busca aberturas para desferir seus Ataques Furtivos sem ser visto. Na dúvida, porém, sempre pense na sua própria segurança em primeiro lugar, pois até o nível 2 ou 3, um ladrão ainda está sujeito a morrer em um único ataque, se tiver azar!

Especializações

O ladrão de OD2 conta com duas possíveis especializações (por enquanto): Bardo e Ranger. Evoluir utilizando uma especialização é mais demorado, uma vez que você usa a tabela de especialista para isso, mas garante novas habilidades.

Bardo: Bardos são por excelência os personagens sociais da fantasia medieval. Você troca sua capacidade de causar dano (Ataque Furtivo) por diversas habilidades sociais que podem ajudar o grupo a evitar combates e sair de problemas sem derramar sangue. Pense em personagens como Gabrielle de Xena: A Princesa Guerreira ou Jaskier de The Witcher.

Ao jogar com um bardo oldschool, é importantíssimo descrever e interpretar suas tentativas de influenciar os NPCs. Sua habilidade de Influenciar começa com apenas 33% de chance de sucesso, mas um mestre pode aceitar uma boa interpretação no lugar do teste.

Como bom ladino, a Gabrielle sabe da importância de uma Vara de Exploração.

Ranger: Alguns estranham a inclusão de ranger (ou patrulheiro) como especialização de ladrão, já que muitos lembram de personagens como Aragorn. Porém, o ranger de OD2 é mais um rastreador e sobrevivente do que um guerreiro com duas espadas. Ainda assim, sua capacidade de usar armas grandes o torna um lutador melhor do que ladrões comuns.

Um ranger é um sobrevivente, então é imprescindível que você esteja sempre alerta em ambientes ermos. Abuse de seus novos talentos Rastrear e Percepção e mantenha o grupo informado de possíveis perigos que possam surgir.

Por Fim

Jogar RPGs OSR requer uma mentalidade ligeiramente diferente de jogos mais contemporâneos. Porém, é uma experiência enriquecedora que pode, inclusive, mudar sua percepção até de jogos mais modernos! Continuaremos trazendo aqui guias para as classes básicas nas próximas colunas.

O financiamento coletivo de Old Dragon 2 foi um grande sucesso e os PDFs em versão beta já estão disponíveis para os apoiadores. Se você não apoiou, ainda dá tempo de conseguir o seu no Late Pledge.

E não se esqueça de conferir nossa campanha de Blades in the Dark.

Bom jogo a todos!

Adaptando Monstros para OD2

Uma característica bem interessante de vários sistemas OSR é que costumam ser todos compatíveis entre si, necessitando de pouca ou nenhuma alteração para converter os elementos. O LB3 de Old Dragon 2, chamado Monstros & Inimigos, traz regras para converter monstros de edições antigas de D&D para nosso retrogolem favorito.

Claro que em qualquer adaptação algumas diferenças vão surgir e algumas concessões precisam ser feitas. Dito isso, vamos lá.

AD&D

Vamos pegar como exemplo o Giant Beetle (Monstrous Manual p. 18). Temos varias opções de besouros na lista, então vamos de Boring (escavador). Ele tem 5 DV, então recalculamos o BA para 5 ou 6. Como o besouro escavador não parece ser um grande lutador, vamos usar 5.

Eu gosto muito das edições antigas de D&D, mas que essas fichas tinham um layout confuso, tinham!

A Classe de Armadura no D&D 1ª edição e no AD&D era invertida, o que significa que era melhor ter uma CA baixa do que alta. O besouro tem CA 3 em AD&D, e convertendo de acordo com as regras do LB3 chegamos a uma CA 16.

A ficha do besouro em AD&D não mostra nenhuma resistência, então calculamos de acordo com a tabela no LB3 de OD2 e chegamos a uma Jogada de Proteção de 8. A Moral, de acordo com a tabela, fica em 10.

O movimento… bem, o Monstrous Manual que eu tenho simplesmente não diz qual a unidade de medida usada para calcular o movimento! Diz apenas “6”na ficha, sem indicar se são 6 metros, 6 jardas, 6 quilômetros ou qualquer coisa assim. Vou assumir que são 6 metros e ponto.

Eu não estou louco, estou?

O ataque é mais uma pequena complicação encontrada em alguns livros de AD&D. No caso o dano do ataque está listado simplesmente como “5-20”. Podemos adaptar param ataque de 5d4 de dano, o que fica dentro desses valores.

Seguimos a tabela pare conseguir os valores de XP (175) e tesouros (V, N, + 1d4 pergaminhos).

Abaixo, a ficha convertida do monstro.

DV 5 | CA 16 | JP 8 | MV 6 | MO 10 | XP 175
1x Investida +5 (5d4)

D&D 3ª Edição

As fichas da 3ª edição de D&D costumam ser muito mais extensas e detalhadas do que as de Old Dragon. Para nosso exemplo vamos utilizar a Serpente do Gelo, p. 74 do livro Monstros de Fearûn. A serpente possui originalmente 6d8+18 PV, então convertemos simplesmente para 6 DV conforme indica o LB3.

Bichão brabo!

A CA original da serpente é 16, então diminuímos 3, por ser uma criatura grande, e ficamos com um total de 13. A Jogada de Proteção fica em 8, calculada de acordo com os DV, e o deslocamento permanece 24m. Podemos adotar o valor padrão de 9 para Moral.

O Bônus de Ataque é um a menos do que o original, então ao invés do +8, temos um +7. Perigoso para uma criatura desse tipo. Porém, a descrição diz que ela precisa acertar um ataque de Agarrar antes de poder causar seus 2d4 de dano. Vamos simplificar isso permitindo uma JPD para evitar que o alvo fique preso, mas se ele falhar, sofrerá o dano a cada rodada e não poderá mais atacar ou se movimentar.

A XP do monstro fica em 305: 270 como base pelo seu DV + 35 pela habilidade especial. O monstro não possui nenhum tesouro. Segue abaixo a ficha completa.

DV 7 | CA 13 | JP 9 | MV 24 | MO 9 | XP 305
1x constrição +8 (2d4)
Constrição: Quando  Serpente do Gelo acerta um ataque, o alvo faz uma JPD. Em caso de falha, ela fica presa e impossibilitada de realizar qualquer tipo de ação ou movimento. Nos turnos seguintes, o alvo recebe mais 2d4 de dano automaticamente, e pode realizar um JPD difícil para tentar se soltar.

Bônus: Dragon Quest

Dragon Quest foi uma caixa introdutória de D&D lançada no Brasil pela Grow. Ele usava as mesmas regras da primeira edição do D&D, mas de maneira extremamente simplificada. Vamos tentar adaptar o Cão da Morte desse jogo para Old Dragon 2!

As fichas de Dragon Quest vinham em cardzinhos bem legais.

Primeiramente, as fichas em Dragon Quest não marcam a quantidade de DV dos monstros, apenas os PV totais. Podemos acatar a sugestão de dividir os PVs por 5 e teremos 7 DV, o que já nos dá também um BA de +7.

A CA pode ser convertida com a mesma diretriz usada nos monstros de AD&D, transformando o 4 em um 15. A JP é calculada de acordo com a tabela A7-4, e utilizaremos o valor de 11, já que o Cão da Morte tem uma ligação com magia. O movimento é marcado em quadrados, então convertemos para 6m. Para a moral, utilizaremos o padrão sugerido de 9.

Os ataques são simples: uma mordida que causa 1d6 de dano ou um potente sopro que causa 7d6 de dano, mas só pode ser utilizado uma vez a cada 3 rodadas e permite um teste de Destreza para sofrer apenas metade do dano. Esse padrão de “a cada três rodadas” não é muito comum em OD2, além de deixar o monstro poderoso demais, então é válido adotar o padrão utilizado para a baforada de Dragão: 3 vezes por dia. Trocamos também o teste de Destreza por uma JPD.

A XP base será, com informa a tabela, 460 (base 420 + habilidade especial) e nenhum tesouro (é só um doguinho).

Segue a ficha:

DV 7 | CA 15 | JP 11 | MV 6 | MO 9 | XP 460
1x mordida +7 (1d6)
1x sopro +7 (7d6), 3x ao dia

Por Fim

Espero que esse post ajude a elucidar como funciona a conversão de monstros para OD2. É sempre bacana buscar inspirações e referências em outros jogos, e aproveitar a compatibilidade de vários sistemas OSR é uma maneira bem bacana de surpreender seus jogadores. E não se esqueça de conferir a coluna do Edu Filhote, Off Topic.

Bom jogo a todos!

 

Space Dragon – Guia de Criação de Mundos

Uma das coisas mais legais de campanhas de ficção científica vintage é a possibilidade de explorar planetas estranhos com lógica duvidosa. Uma das coisas mais legais dos RPGs oldschool são as tabelas de coisas aleatórias. Space Dragon conseguiu unir essas duas coisas de um jeito bem legal. Vamos falar um pouco sobre isso.

Flutuando em uma lata de estanho

As regras para criação de planetas começam na página 193. São várias tabelas que podem dar uma grande variedade de resultados. Vamos passar por cada uma delas enquanto criamos um planeta de exemplo.

T11-5: Superfícies

A primeira tabela descreve aspectos bem gerais, incluindo descrições da fauna, flora e temperatura padrão, porém, fauna e flora também podem ser jogadas separadamente depois. Vamos usar as duas: a desta tabela será uma visão geral do planeta, enquanto a próxima será a região específica onde a tripulação irá pousar.

Rolamos 4 no nosso d10. Isso nos dá um planeta com superfície vulcânica, com répteis habitando o lugar, líquens como opção de alimentação padrão para estas criaturas e temperatura altíssima.

Outro método para criar mundos alienígenas legais é tentar descrever qualquer ilustração do Roger Dean.

T11-6: Atmosfera

A atmosfera pode ser ou não respirável e gerar efeitos colaterais prejudiciais para uma população despreparada, principalmente se eles foram obrigados a fazer um pouso forçado. É importante lembrar que, mesmo se rolarmos aqui uma atmosfera imprópria,  precisamos encontrar uma justificativa para a presença das criaturas que já estão no nosso planeta, como bolsões de ar respirável, cavernas habitáveis ou algo assim.

Com resultado 1 em 1d10, tivemos a sorte (ou melhor: os jogadores tiveram) de ter uma atmosfera padrão, com ar respirável. Também não precisamos nos desdobrar para conseguir explicar resultados muito bizarros ou discrepantes, que sempre pode ser complicado se estivermos fazendo isso no meio da sessão.

T11-7: Fauna

A tabela T11-5 nos deu uma visão geral do nosso planeta, mas aqui vamos conseguir algo mais específico para a região onde a nave dos jogadores pousou. Isso pode ajudar a trazer diversidade para o planeta, principalmente se você caprichar na descrição.

Dessa vez, os dados nos trolam, e com resultado 1 em 1d6, temos um maravilhoso grupo de mamíferos terrestres! Em um planeta vulcânico extremamente quente! Bom… no nosso planeta, camelos e jerboas são exemplos de mamíferos que conseguem tolerar boas quantidades de calor. Então, teremos aqui um grupo de ratinhos parecidos com jerboas que são implacavelmente caçados pelos lagartos grandões que dominam o lugar.

T11-8: Flora

A flora padrão do planeta são líquens, mas, como definido anteriormente, vamos usar essa tabela para tentar conseguir alguma diversidade para nosso planeta, com biomas diferenciados para a região onde o grupo de personagens se encontra. Novamente, capriche na descrição.

E, claro, os dados nos trolam novamente com um 6. Flora predominante inexistente. Já definimos que os lagartões caçam os ratinhos, mas os ratinhos comem o quê? Vamos usar nossa criatividade e poder de mestre para botar mais um passo nessa cadeia alimentar: Há vários insetos que se alimentam dos líquens que crescem na superfície rochosa do nosso planeta vulcânico. Esses insetos vão servir de alimento para nossos ratinhos e ajudar a dar uma diversidade para esse ecossistema bizarro.

Até agora, nosso planeta é praticamente um cenário de tokusatsu.

T11-9: Sociedade

A cereja do bolo: aqui definimos os habitantes inteligentes que nossos aventureiros espaciais vão encontrar. A tabela não nos dá raças ou espécies humanoides, apenas a forma básica de organização social. Podemos escolher uma raça alienígena que combina com as características do planeta que criamos até agora.

Naturalmente, homens-lagarto combinam bem com o cenário. Então, os repto-sapiens da página 220 serão nossa raça básica. Claro que poderíamos usar qualquer outra ou até inventar uma. Com 1 em 1d8, descobrimos que eles se organizam em uma monarquia. Teremos um grande rei-lagarto no centro da sociedade. Essa é a parte mais legal de inventar, e possivelmente é onde os PJs mais vão gastar seu tempo.

Nosso planeta terá uma monarquia religiosa, onde um sacerdote serve de porta voz para um lagarto gigante que serve como rei. O lagarto gigante possui mente e vontade próprias, mas se comunica apenas com o sacerdote.

Os outros homens e mulheres-lagarto trabalham cultivando líquen e criando répteis e outros animais que servem como a base do sustento da sociedade. Eles conseguem minerar e forjar metal, mas a base de sua tecnologia é a rocha vulcânica, que aprenderam a moldar em grandes estruturas.

Nome e Descrição

O livro sugere um nome pseudocientífico baseado na nossa rolagem: HL-41161. Por outro lado, os homens-lagarto que habitam o lugar certamente possuem língua própria e nomes mais naturais para as coisas que estão ao seu redor. Esse ponto se resume a aparar as arestas usando seu poder de mestre e preencher os detalhes que faltam. Você também pode usar o que foi sorteado até aqui para criar uma tabela de encontros aleatórios. Algumas sugestões que estão no livro básico: aranha gigante, crocossauro (com alguma mudança de descrição para adaptar ao ambiente rochoso), dragão venusiano, formigácida, gigantossauro, homem-lagarto (para grupos de bandidos errantes), lagarto do deserto e monstro de lava.

Vocês finalmente chegam ao planeta HL-41161, também conhecido como Planeta Arktar por seus habitantes. Segundo o computador de bordo, o rei Arktar é um lagarto-gigante centenário que só se comunica com seu sacerdote, Okdar. Mesmo assim, a população confia nos religiosos e segue sua vida em paz. O ambiente vulcânico é hostil, por isso a maioria dos repto-sapiens vive em cavernas, onde constroem incríveis cidades usando rocha vulcânica, que aprenderam a trabalhar enquanto ainda está quente, criando uma arquitetura única. Eles sobem à superfície apenas para trabalhar em suas fazendas durante a noite, quando o clima é mais ameno. Eles criam grandes lagartos para tração animal, bem como mamíferos menores e insetos para servir de comida. 

Fun fact: eu uso o rolador de dados do Google enquanto escrevo esses tutoriais.
Fiz a mesma coisa no Guia de Criação de Personagens.

Por fim

Criar mundos únicos para Space Dragon parece desafiador a princípio, mas é mais simples e divertido do que parece. Algumas referências científicas sem dúvida podem ajudar, mas não precisa ser uma grande preocupação, já que a maior referência são aqueles ficções científicas meio galhofentas dos anos 50 e 60. Se você leu até aqui e ainda não sabe do que estamos falando, veja a página oficial ou nossa resenha.

Bom jogo a todos!

Guia de Criação de Personagem – Space Dragon

Então você quer construir um personagem de Space Dragon, certo? Se aventurar pelo espaço em naves esquisitas, atirar em alienígenas verdes de capacete redondo com armas laser que fazem “tzíun” e descobrir ruínas marcianas habitadas por dinossauros espaciais? Chegou o seu momento!

Atributos

A primeira coisa a fazer é rolar seus atributos. Space Dragon lembra bastante o D&D clássico, mas os atributos são ligeiramente diferentes. Eles são Força (For), Destreza (Des), Constituição (Con), Intelecto (Int), Ciência (Cie) e Comunicação (Com). Os atributos são rolados com 3d6 e distribuídos como quiser. Para uma experiência mais oldschool, você pode rolar os atributos na ordem, o que é sempre divertido.

Gortak é o nome do nosso personagem. Como gostamos de viver perigosamente vamos rolar na ordem e ver o que o destino nos sugere: 7, 12, 13, 15, 9 e 11. Isso nos dá For 7, Des 12, Con 13, Int 15, Cie 9 e Com 11. Inteligente, porém pouco versado nos conhecimentos da ciência.

Se você nunca fez um personagem oldschool usando esse método, experimente.
O resultado pode te surpreender.

Espécie e Classe

São três espécies para escolher: Humano, Mutante e Andróide. Humanos são… bem, os humanos de sempre. Andróides recebem boas resistências, mas não podem recuperar pontos de vista. Mutantes oferecem mutações variadas, que podem ser sorteadas em uma tabela. Perfeito para nosso exemplo oldschoo!

Gortak será um mutante. Isso nos dá duas mutações, uma boa e uma ruim, que sortearemos com 2d10. 7 e 2. Teremos Sentido Ampliado e Cognição Retardada. Sentido ampliado precisa ser sorteado em uma segunda tabela com 1d6. 3. Gortak terá um olfato superior ao comum.

As classes emulam o espírito do D&D clássico. Temos Cientista (mais ou menos como um clérigo, que pode inclusive esconjurar mortos-vivos desativar robôs), Cosmonauta (o guerreiro de Space Dragon), Gatuno (ladino) e Mentálico (como um mago, mas com poderes mentais).

Nosso 15 em Intelecto favorece a escolha de um Mentálico. Então, nesse caso, vamos com o óbvio. Temos 1d4 PVs e não podemos usar armaduras, mas nosso Intelecto 15 nos dá +2% de Alcance Mental, o que é ótimo.

Uma vez escolhida a classe, o próximo passo é anotar todos os valores secundários, como CP (Coeficiente de Proteção), JP (Jogada de Proteção), PV (Pontos de Vida), Movimento, Carga e quaisquer outras opções da classe escolhida. 

Mentálicos não podem usar armaduras, então nosso CP vai ficar em 11 mesmo. Por outro lado, começamos com dois Poderes Mentais de primeira grandeza. Disparo Mental e Provocar Sono parecem úteis.

“Melhor fazer o fortão ali dormir logo, pq minha CP 11 não vai aguentar esse tranco não.”

Equipamento

A parte de equipamento é simples. Cada classe nos dá uma quantidade de Créditos para gastar. Depois disso, basta usar as tabelas. Equipamentos são muito importantes em sistemas Oldschool, mas fique atento à quantidade de carga que seu personagem pode carregar.

Nossos míseros 2d4 nos rendem 40.000 Créditos. A Arma de Raios, única arma que podemos usar, nos custa mais da metade do dinheiro inicial. Mesmo assim é bom ter uma para não ficar parado quando não pudermos usar nossos poderes mentais (e para aproveitar o modificador de +1 da nossa Destreza). Porém, como não precisamos de armaduras, podemos investir um pouco em outros ítens que podem ser úteis: pegamos um bastão extensível, baterias, cantil, cobertor de sobrevivência, isqueiro, alguns bastões de luz descartáveis e um sinalizador. Com isso nos sobram 2.900 créditos para começar a aventura pelo espaço.

Detalhes e Background

Em termos de regras, nosso personagem está pronto, mas todos sabemos que personagens de RPG não são apenas regras, certo? Certo?! Então, se você não fez isso até agora, é hora de pensar nos detalhes que farão seu personagem único.

Gortak é um homem-cão. Ele, junto com algumas dezenas de outros mutantes, foram despejados em uma lua desabitada após uma série de experimentos falhos. Contrariando as expectativas, ele e os outros conseguiram sobreviver, tomando para si o nome de Cães de Calisto. Ele agora se aventura pelo espaço em busca de uma maneira de fazer seu povo melhorar de vida.

Ou clique aqui para baixar a ficha de Gortak em PDF.

Por Fim

Space Dragon é um jogo divertido, cheio de referências inesperadas e surpreendentes, e criar personagens para este sistema segue a mesma lógica. É mais importante gastar seu tempo procurando fazer um personagem único e inesperado do que tentar catar bônus em combinações poderosas ou justificar cada passo da vida de seu aventureiro (a menos que essas coisas também sirvam para contribuir com o clima e a diversão, é claro). Se você leu até aqui e ainda não sabe do que estamos falando, veja a página oficial ou nossa resenha.

Bom jogo a todos!

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