OSR – Parte 3: Criatividade

Continuando nossa série sobre a old school renaissance, hoje vamos falar um pouco sobre um aspecto fundamental de qualquer partida de RPG: a criatividade.

Personagem X Jogador

Um dos fundamentos do movimento OSR é a ideia de que as perícias, introduzidas no D&D na terceira edição, engessam a maneira de jogar.Se você já jogou um RPG que possui perícias como mecânica, certamente já deve ter ouvido algo como “posso rolar investigação para encontrar algo?” ou “quero rolar Persuasão pra convencer esse cara”. Além disso, D&D 3.X tinha muitas perícias! Quem se lembra do infame “Usar Corda”?

Quando os primeiros jogos OSR começaram a aparecer, remover as perícias foi uma decisão lógica. A ideia era remover os “botões” da ficha e fazer o jogador usar a própria cabeça para resolver seus problemas.

Vale lembrar que essa distinção entre “jogador” e “personagem” não é tão importante para os jogos OSR. Isso quer dizer que é esperado que o mestre crie situações que desafiem o jogador, não necessariamente a ficha de personagem. Então não adianta ter Carisma 17 na ficha se o jogador não souber o que falar!

“Eu afrouxo a fivela da minha armadura”
“Pera, quê?!”

Recursos

Como proceder, então? A ideia é que o jogador tente usar sua própria inteligência. Então, nos casos citados anteriormente, por exemplo:

“posso rolar investigação para encontrar algo?” Bom, em Old Dragon (e na maioria dos jogos OSR) não existe uma perícia chamada “investigação”. Ao mesmo tempo, testes de atributo, embora existam, são meio que um tabu pra muita gente da comunidade (falaremos disso no futuro).

Dentro da ideia dos jogos OSR, uma cena como essa deveria ser algo como.

“Quero investigar a sala, mestre.”

“Certo, o que você quer investigar? Há uma cama com um dossel rasgado, um baú velho, um armário, uma cômoda e um tapete e uma janela que dá para os jardins do palácio.”

“Uhm… acho que o baú seria um lugar óbvio demais. Vou começar arrancando o tapete do chão pra ver se tem algum alçapão.”

“Você tira o tapete e revela um chão de madeira. Parece gasto em vários pontos, mas em um específico as tábuas estão novas.”

“Ahá! Vou tentar mover a tábua nova,”

“A tábua está pregada no chão, não é um alçapão e não se move tão facilmente.”

“Parece que a duquesa realmente não queria que encontrassem essa caixa. Ei, guerreiro, me ajuda aqui!”

E assim a situação toda se resolve sem nenhum dado ser rolado. O ponto aqui é que o jogador teve seu intelecto desafiado junto com o personagem. Se ele tivesse só procurado no baú, na cômoda e ido embora, jamais teriam achado a caixa de jóias da duquesa e a aventura tomaria um rumo diferente.

“Há! A duquesa se acha esperta, mas nós somos mais espertos!”

Combate

Uma das coisas que às vezes alguns jogadores que começaram agora no OSR não se tocam é que, embora as opções de combate dos personagens pareça limitada à princípio (especialmente pra quem vem de jogos mais pesados como Tormenta, D&D e Pathfinder), a mesma lógica se aplica aqui. Não adianta procurar na ficha aquele talento específico ou aquela habilidade que vai te salvar. Use a cabeça!

Você não precisa ter um poderzinho anotado na ficha pra te dizer que você pode jogar areia nos olhos do oponente. Um dos pontos mais fortes do Old Dragon e de outros sistemas OSR é que eles são simples o suficiente para o mestre conseguir improvisar as regras necessárias no calor do momento. É o princípio “Arbitragem e não Regras” que conversamos no primeiro texto dessa série.

E isso foi só um exemplo, pois os combates não acontecem no vácuo. Usar o ambiente a seu favor é imprescindível. Aproveitando a descrição da sala acima, se um combate começar, ideias como juntar o tapete pra jogar sobre o adversário, derrubar o armário e subir na cama são táticas que podem ajudar muito. Da mesma maneira, cabe ao mestre incorporar essas ideias na narração e arbitrá-las de acordo.

O LB2 tem regras específicas para manobras de combate, mas o mestre também pode improvisar conforme achar necessário. Jogos OSR permitem tudo isso.

Por Fim

Jogar um jogo oldschool é uma experiência transformadora. Acredito que mesmo quem não se identifica com o estilo pode encontrar inspiração nesses estilos de campanha para seus próprios jogos. Aliás, o livro básico de Old Dragon 2 pode ser adquirido clicando aqui.

E não se esqueça de conferir nossos outros textos de Old Dragon!

Bom jogo!

OSR – Parte 1: O que é OSR

Em praticamente todas as colunas que escrevi sobre Old Dragon eu trouxe aqui algo sobre OSR, retroclones ou edições antigas de D&D. Porém, nunca expliquei exatamente o que significam essas três letras. Nos próximos textos vamos falar um pouco sobre a old school renaissance (também conhecido como old school revival).

Origens

O movimento conhecido como OSR surgiu, basicamente, como uma resposta às mudanças de game design da terceira edição de D&D. De maneira geral, as edições anteriores tinham um sistema bem mais enxuto. O D&D 3.X trouxe muitas inovações, principalmente influenciado por outros jogos da época que meio que se propunham a ser “simuladores de tudo”, como GURPS, Call of Cthulhu, Vampiro e outros (aliás, esse vídeo do canal Dados Críticos me ensinou que essa tendência tem um nome: Padronização Noventista).

O ponto de virada que desagradou muitos jogadores antigos de D&D e AD&D foi a adoção de perícias como regra fundamental do jogo e a unificação de todas as rolagens em uma coisa só. Vários desses jogadores reclamavam que, de uma hora para outra, ter boas ideias não era mais tão importante. Ao invés de “eu procuro atrás da estante”, o jogador simplesmente dizia “eu quero fazer uma rolagem para investigar”. Ao invés de “eu cutuco a estátua com a vara”, “eu rolo para desarmar armadilhas”.

Foi nessa váibe que surgiram os jogos que deram origem ao movimento OSR, como Basic Fantasy, Labyrinth Lord, OSRIC, Castles & Crusades e outros.

Inclusive, o Antônio Neto sempre cita o Basic Fantasy como um marco importante que levou ao desenvolvimento do Old Dragon.

Quick Primer e as diferenças de um jogo OSR

Escrito por Matthew Finch, o Quick Primer for Oldschool Gaming (aqui em português, traduzido pelo pessoal do Café com Dungeon) é praticamente um manifesto para jogadores e mestres que queiram entender a diferença entre RPGs modernos e antigos. Nele, o autor explica os conceitos importantes do movimento OSR. Os “quatro momentos Zen” podem ser resumidos em:

Arbitragem e não Regras

Jogos ditos “modernos” tentam prever o maior número possível de situações que podem ocorrer durante a campanha. Em algum lugar dos livros de D&D 5e vai estar explicitamente definido o que acontece com seu personagem se ele tenta nadar de armadura ou quanto sua CA aumenta ao se esconder atrás de uma pedra. Jogos oldschool acreditam que minúcias desse tipo devem ficar à cargo do mestre, para que ele decida a melhor maneira de arbitrar de acordo com cada situação.

Habilidade do jogador e não do personagem

Em jogos mais modernos é bem comum que em momentos de tensão o jogador comece a ler a ficha em busca de algo que ele possa fazer. Para os jogadores oldschool isso seria “desafiar a ficha”, pois você está buscando nas estatísticas do personagem algo que possa te ajudar. Porém, com menos recursos mecânicos, a tendência é que os jogadores busquem ideias inovadoras para resolverem seus problemas, ao invés de contar com um talento ou magia que sirva para lidar com a situação.

Heroico e não super-heroico

Personagens em jogos oldschool são mais “fracos” que suas contrapartes modernas. A ideia é que superar desafios que sejam realmente perigosos traz um sentimento de superação mais intenso do que simplesmente “tratorar” qualquer criatura pelo caminho até chegar ao objetivo.

Equilíbrio não é importante

O mundo deve parecer vivo, e se todos os desafios que o grupo encontra são especialmente desenhados para o nível dos personagens, a verossimilhança acaba. Ao encontrar desafios muito mais fáceis que o nível dos personagens, o sentimento de progressão será mais verdadeiro. Ao mesmo tempo, desafios muito mais fortes passam a impressão de que os personagens fazem realmente parte do mundo. Além disso, fugir é sempre uma opção.

“Ataquem! Certamente aquele bando de cavaleiros zumbis tem um ND apropriado!”

Por fim

Jogar um jogo oldschool é uma experiência transformadora. Acredito que mesmo quem não se identifica com o estilo acaba absorvendo uma ou outra coisa para seus próprios jogos. Nos próximos textos vamos abordar mais especificamente alguns elementos descritos aqui, bem como dicas para implementar essas ideias mesmo em jogos que não são considerados OSR legítimos.

E não se esqueça de conferir nossos outros textos de Old Dragon!

Bom jogo!

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