No Dicas de RPG de hoje, vamos falar sobre a mecânica da sombra e como ela pode te ajudar a deixar seu jogo mais tenso e emocionante à partir dos seus jogadores e de como eles vão encarar as próprias trevas que habitam dentro de si.
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O Dicas de RPG é um podcast semanal no formato de pílula que todo domingo vai chegar no seu feed. Contudo precisamos da participação de vocês ouvintes para termos conteúdo para gravar. Ou seja mande suas dúvidas que vamos responde-las da melhor forma possível.
Portanto pegue um lápis e o verso de uma ficha de personagem e anote as dicas que nossos mestres vão passar.
Olá, condenados, sejam bem-vindos ao fim do mundo. Hoje nossa conversa será sobre as histórias nas quais a esperança escorre por entre os dedos como sangue e onde a luz no fim do túnel é difícil de discernir em meio às chamas de sua destruição. Vamos falar de fantasia sombria — ou dark fantasy —, como inseri-la nos seus RPGs e dar um exemplo de um excelente sistema deste gênero: Shadow of the Demon Lord.
O Que É a Fantasia Sombria?
A definição mais fácil de fantasia sombria é a de uma história fantástica que incorpora o terror. Os elementos de fantasia costumam ter uma distorção, ou quem sabe uma verdade, que os leva para o lado sombrio. E não são apenas monstros horríveis, mas pessoas ainda piores que transformam um cenário de magia, reinos antigos e ruínas inexploradas em um verdadeiro mundo de fantasia sombria. Porque, como diz o bruxo Geralt de Rívia, tanto espadas de prata quanto espadas de aço são para matar monstros.
The Witcher é um ótimo exemplo de um mundo de fantasia sombria: nele, não só a mitologia, mas até mesmo contos de fadas e outras referências à ficção contemporânea assumem um tom obscuro e duvidoso, em que nunca se sabe como irá terminar, mas sempre tememos pela tragédia. Outro exemplo são As Crônicas de Gelo e Fogo, Dragon Age, Dark Souls e Warhammer.
Já nos RPGs, podemos começar citando o terror gótico de Ravenloft e terminar em Mörk Borg, passando pelas adaptações de todas as obras citadas acima e chegando, afinal, em Shadow of the Demon Lord.
O Fim É Apenas o Começo
No mundo de Shadow of the Demon Lord, os clássicos da fantasia medieval — religiões e cultos, raças fantásticas, poderes mágicos, reinos antigos, impérios malignos, ameaças dracônicas, terras distantes, nações exóticas e monstros do clássico ao bizarro — têm seu lugar ao sol. Ou, melhor: à Sombra. Uma entidade chamada de Demon Lord está sempre à espreita, procurando brechas nos limites da realidade para invadir o mundo e destruir tudo. Quando — não “se”, pois é apenas questão de tempo — ele invadir, não haverá escapatória, apenas o oblívio definitivo. Por isso, enquanto forças ocultas tentam trazê-lo para esta realidade, nossos heróis, voluntários ou não, tentam impedir sua vinda.
É neste quase fim do mundo que se passam as aventuras de Shadow. Em uma sessão, as personagens podem estar fugindo do massacre de homens-fera canibais. Na outra, tentarão libertar os prisioneiros de um necromante, prestes a perderem suas almas. Ao fim de suas carreiras, estarão vagando pelo próprio Vazio, cercados de infinitos demônios enquanto sacrificam suas vidas para fechar uma brecha que traria o Demon Lord. Espadachins, ladrões, magos e sacerdotes lutando lado a lado, sim, mas também carrascos, exorcistas, tecnomantes e devoradores de pecados — opções um tanto incomuns e levemente questionáveis, todas disponíveis aos jogadores.
E não só no cenário ou nas opções de monstros e personagens é que se faz a fantasia sombria de Shadow of the Demon Lord. Existem várias regras que apontam o caminho mais escuro, como contadores de Insanidade e Corrupção, doenças e ferimentos permanentes, magias negras com efeitos terríveis, maldições e outras consequências para ações tomadas em jogo. Tudo isso que está no sistema facilita incorporar o cenário na narrativa, e também ajuda quem quiser adaptar este sistema a outras histórias de fantasia sombria.
O Maior Desafio é Escolher Entre Dois Males
Complicar a vida nas personagens com regras cruéis, monstros bizarros e descrições sangrentas não basta para a verdadeira experiência da fantasia sombria: é preciso mostrar como o Mal, este com letra maiúscula mesmo contra o qual os aventureiros passam tanto tempo lutando, está não só presente por toda parte, mas também ganhando a batalha contra o Bem.
As pessoas são corruptas, e não só por ganância: que escolha elas têm na Cidade dos Ladrões, senão serem elas próprias criminosas? As pessoas são violentas, e não apenas pela brutalidade, mas porque, se atacarem primeiro, têm mais chance de sobreviver. As pessoas são egoístas e relutantes em se juntarem ao Bem em sua luta contra o Mal. Afinal de contas, o Bem perdeu tantas vezes que a probabilidade de derrota lhes parece muito maior do que de vitória.
Então, com tantas dificuldades que estas pessoas passam, com tantas escolhas difíceis que precisaram fazer, os heróis podem realmente culpá-las por suas transgressões? Elas não são vítimas neste mundo horrível, mesmo quando ajudam a perpetuar o mal que as aflige? E se isso não bastar para convencer os jogadores de que o certo e errado são difíceis de separar, o que acontece quando eles próprios precisarem fazer esta escolha?
Pense na seguinte situação: os aventureiros passam dias desbravando uma masmorra terrivelmente mortal, que até mesmo ceifou a vida de um de seus companheiros. Mas, no fim das contas, eles alcançam a câmara mais profunda e encontram a arma ancestral capaz de derrotar a Senhora das Trevas! A alegria é imensa até perceberem que a arma não funciona, e então alguém se lembra de uma antiga lenda dizendo que a arma precisa de dezenas de almas para ser ativada. Quem os jogadores escolherão sacrificar? Irão capturar seus inimigos e lhes dar um destino pior do que a morte? E, se não houver tempo antes da batalha final contra a Senhora das Trevas, eles sacrificariam uma pobre vila camponesa para ativar a arma e salvar o restante do mundo?
É destes dilemas que a parte mais sombria da fantasia sombria vem. Alguns chamariam de horror psicológico, mas é mais simples do que isso: são escolhas dramáticas em que nenhuma das opções é boa.
E, ainda assim, os protagonistas desta história podem sim ser verdadeiros heróis.
O Contraste com as Trevas Faz Brilhar a Luz
Em um RPG onde não existem escolhas simples de se fazer, em que cada ação tem consequências e a sobrevivência nunca está garantida, parece fácil para as personagens se tornarem más. Mesmo assim, não é disso que tratam a maioria das histórias de fantasia sombria, e sim daquelas pessoas que lutam pelo bem apesar de tantas dificuldades.
Quando a batalha é realmente mortal, escolher lutá-la é mais impactante, e quando a vitória não virá de graça, aqueles que se sacrificarem serão lembrados para a eternidade. Até mesmo ladrões e assassinos dando suas vidas pelo amor egoísta por seus companheiros tornam-se legítimos heróis em um cenário como este. Quando você torna as sombras mais profundas na sua história, a luz, a esperança e os atos heróicos ficam mais significativos do que nunca, e este contraste é uma valiosa ferramenta narrativa na fantasia sombria.
As Sombras Mais Densas
Para terminar este artigo, tome como inspiração algumas das Sombras do Demon Lord, uma espécie de tema geral das histórias de Shadow of the Demon Lord, que guia as aventuras das personagens desde o nível 0 até o 10 e além. Esta Sombra indica quais inimigos, quais perigos e dificuldades surgirão como obstáculos e como as tensões irão se elevar cada vez mais até o clímax ao final da história, em uma batalha de tudo ou nada.
Quando a Sombra afeta a própria magia, os feitiços param de funcionar como deveriam e têm consequências catastróficas se os conjuradores não forem cuidadosos. Ainda pior, aqueles que ainda escolhem usá-la correm o risco de mancharem suas almas com Corrupção.
Se a Sombra recai sobre os sonhos de um deus morto, a realidade começa a se moldar de acordo com as lembranças e terríveis imaginações desta entidade, e talvez encontrá-la e despertá-la — ou destruí-la — seja a única salvação.
Por outro lado, quando a Sombra afeta o Grande Dragão, um ser de pura destruição e poderio impossível de deter, os aventureiros podem começar escapando de suas chamas, mas terminar indo de encontro a elas, com algum plano suicida para fazê-lo… dormir.
E se a Sombra afetar as mentes, espalhando uma loucura infecciosa? O que melhor para explicar o chamado à aventura das personagens do que a simples e pura insanidade que as leva a arriscarem suas vidas em uma batalha perdida? Estas e outras Sombras apresentadas em Shadow of the Demon Lord servem de inspiração para qualquer história de fantasia sombria que você queira contar, e são fáceis de adaptar para outros cenários e sistemas.
Se você gostou desta premissa e quer conhecer mais sobre Shadow of the Demon Lord e outros RPGs, não deixe de conferir meu canal no YouTube e nos vemos na próxima aventura.
Esta semana, a iniciativa da Biblioteca Arkanita apresenta o netbook Arquivos de Bel Kalaa, feito por Bernard Coutinho, conhecido nos antigos fóruns da Daemon como Lord Maihelkash. Nesta versão 2.3, Bernard concentra em inacreditáveis 607 páginas as informações para uma campanha completa de dark fantasy.
Este netbook é dedicado a descrever todo o plano físico de Ark-a-nun, aquele imediatamente abaixo da Terra, lar de seres que se corromperam em um mundo em estágio avançado de degeneração e corrupção pela magia e pela veneração a deuses-monstro de locais ainda mais atemorizantes.
História de Ark-a-nun
Em quase 60 páginas, a história do plano de Ark-a-nun é tratada em minúcia, descrevendo todos os eventos que ocorreram no plano nos últimos milênios. As interações entre personagens lendários do próprio plano com seres de poder incomensurável vindos de outros locais da chamada Orbe do Grande Coyote, como é chamada a Orbe que contém Ark-a-nun e a Terra entre outras áreas.
Conteúdo do netbook
O suplemento apresenta informação em volume colossal, incluindo:
Entre as diversas raças de Ark-a-nun, são descritos os Ark-a-nos, Anzillu, Akrabus, Arkerontes, Zsne’Mul, Anansis, Dactiloi, Djinni, Draganos, Imps, Naguais, o Povo Serpente, os Profundos, Sernezs, Se’Irim e as Sombras.
A geografia de Ark-a-nun é descrita com uma infinidade de detalhes em cada reino e região incluindo também os idiomas falados, Estigmas e Máculas regionais em 220 páginas de um tratado geopolítico admirável.
Kits de habitantes de Ark-a-nun, como o Assassino de Magos, Detetive de Enanka, Mitlchimalli e muitos outros
As principais sociedades secretas de Ark-a-nun como a Escola dos Mares Arkanos, a Irmandade do Signo Amarelo, a Irmandade Bel-Kalaa, a Ordem de Aeeriton, a Ordem dos Ventos Mardukiana, a Ordem de Coacalco, o Templo de Mitras, a Ordem das Chamas Primordiais, a Sociedade Negra de Shazu e o Templo de Tiamat.
Diversos Aprimoramentos especiais para o cenário de Ark-a-nun, especialmente aqueles para influência de capacidades mágicas.
Características que influenciam na estrutura física, mental e espiritual de cada habitante de Ark-a-nun, chamadas Máculas e Estigmas.
Uma grande lista de Poderes Arkanitas, possuídos apenas por raças de Ark-a-nun.
Novas Perícias e Manobras de Combate para habitantes de Ark-a-nun.
Relíquias de Ark-a-nun, que podem ser utilizadas como elementos de interesse em campanhas envolvendo este plano.
Uma interessante listagem de Alfabetos Místicos para inspirar seus pergaminhos de magia.
Um Bestiário com aproximadamente 10 páginas de criaturas de todos os portes e naturezas em Ark-a-nun.
A cada nova versão, Bernard adiciona mais e mais informações a um netbook que não é nada menos que impressionante pelo volume de informação.
Você pode baixar este netbook aqui mesmo na Biblioteca Arkanita. Clique aqui para iniciar o download. E continue acompanhando as postagens semanais da Biblioteca Arkanita para outros grandes netbooks como Arquivos de Bel Kalaa!
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Olá querido leitor, esse é o Momento Indie, aquele tempinho que a gente conversa sobre grandes RPG’s em pequenos frasquinhos. Em resumo vamos aqui tentar descobrir ou revisitar muitos cenários e sistemas que são feitos por pequenos autores e editoras ou então que não estejam atualmente no mainstream dos principais jogadores.
Para estrear esse quadro, escolhi um RPG que a tempos me cativava a curiosidade da leitura por eu conhecer a HQ de onde o cenário foi desenvolvido. Estamos falando da HQ Beladona e do RPG de Jorge Valpaços, Pesadelos Terríveis.
Sobre Pesadelos Terríveis
Esse livro incrível tem a medida de 21x28cm, 144 páginas aterrorizantes, com a diagramação de Vitor Coelho e edição de Artur Vecchi, lançado pela editora AVEC.
Como eu disse antes esse livro vem para expandir o universo sombrio e melancólico de Beladona, flertando diretamente com o terror, a loucura e muito mistério.
Pesadelos Terríveis é jogo de fácil aprendizagem e destinado a muito role play, situações angustiantes e amedrontadoras tanto no mundo real quanto no mundo dos pesadelos aguardam os protagonistas dessa aventura que aqui são denominados sonhadores.
O Sistema
Os sonhadores deverão durante as sessões de jogo entender, enfrentar e sobrepujar seus medos mais superficiais, e mais enraizados através de poderes, que eles podem adquirir no mundo dos pesadelos. Estes geralmente vinculados a algum trauma que seu personagem possui, ou seja: “Sem traumas, sem poderes jovem gafanhoto”. Assim os poderes são forças extraordinárias que o sonhador consegue extrair de seus medos para conseguir superá-los.
Saber quando se está no mundo real e no mundo dos pesadelos é outro desafio da proposta do jogo.
O antagonismo desse universo fica inicialmente a encargo dos Pesadelos, criaturas que se alimentam dos medos humanos e isso aumenta e carrega seus próprios poderes. Mas eu digo inicialmente por que é muito superficial dizer que os pesadelos são vilões e os sonhadores mocinhos. Portanto estamos falando de uma proposta de jogo adulta, onde os medos e traumas geram as mecânicas principais do jogo. É claro que a faceta humana não se reduz a luz e sombra, bom e mal, sonho e pesadelo. Por consequência existem sonhadores que se entregam a corrupção, humanos não despertos que alimentam inconscientemente os pesadelos, e acordos entre sonhadores e pesadelos para solucionar outras problemáticas. Então fica a encargo do narrador o quanto ele vai querer se aprofundar nessa psique do jogo.
Em Resumo
O livro possui uma construção literária muito boa e facilita a leitura de um conteúdo bem vasto pelas 144 páginas. Sobretudo os textos contam com advertências e dicas de como lidar com gatilhos e temas sensíveis, sempre ressaltando que o jogo é uma proposta de terror adulto. Possui muitas dicas para narrador na forma como abordar, tratar e conduzir os medos para gerar uma mesa aterrorizante e inesquecível para seus jogadores. Contudo estas serão dicas úteis e somatórias para todos outros sistemas e cenários de terror que você possa vir a narrar.
Com belíssimas ilustrações de Denis Mello, mesmo ilustrador da própria HQ Beladona. Em conclusão, Pesadelos Terríveis é uma compra indicadíssima para você que gosta de colecionar RPG’s e que gosta de uma mesa de terror.
Nos capítulos anteriores: Após Anthony empalar a Solomon, o polonês percebeu que precisava fazer algo acerca dessa fraqueza. Alguns dias depois da briga, Anthony descobriu que o mafioso se encontrava com um traficante de informações que vivia no cemitério, o Sombra. O grupo foi atrás dele, e descobriram que Solomon pretendia fazer um ritual de bruxaria. Após matarem o Sombra, os mortos se levantaram, e o grupo começou a fugir. No caminho, encontraram com Solomon e seu séquito. Ao tentar empala-lo, Anthony descobriu que Solomon removera o seu coração do peito e o escondera em algum lugar. Em seguida, o polonês o empalara de volta e o matara. Leon fugira, e Icabode se escondera em um mausoléu, onde ouviu o séquito falar sobre alguém chamado de Maxiocan, o único que saberia como reverter o feitiço de Solomon.
Os mortos voltaram para suas tumbas, puxando a terra sobre si com seus dedos esqueléticos. A terra revolvida e os cadáveres atropelados por Anthony Ritzo irão atrair a atenção das pessoas e da polícia, Icabode concluiu, ainda escondido em um mausoléu. Quando seus ouvidos aguçados ouviram o último zumbi se aconchegar em seu caixão, ele saiu do esconderijo. Uma voz idosa e distante o fez parar.
– Mas isso de novo?
Icabode forçou os olhos, e viu saindo de um casebre, o zelador do cemitério. De novo? Ele se perguntou. Pelo visto, aquela não era a primeira vez que os mortos se levantavam. Aparentemente essa não seria a primeira vez que ele limparia essa bagunça. Melhor eu dar o fora daqui, Icabode se virou e correu pelo cemitério.
– Leon, você está aí? – ele chamou não muito alto. O companheiro tinha audição aguçada, e caso ele estivesse nas proximidades, iria escutá-lo. – Leon?
Icabode parou ao ver um corpo carbonizado em uma clareira, com um galho atravessado em seu peito. Era Anthony Ritzo. Se aquele brutamontes não foi páreo para Solomon, quem sou eu?
– Leon, pode me ouvir? – ele voltou a correr.
Depois de alguns minutos, desistiu. Olhou para o céu e imaginou que o amanhecer não estava tão distante. Leon provavelmente voltara para seu esconderijo na Estátua da Liberdade. Muito longe, e eu não aprendi a voar ainda, ele pensou, ficando preocupado. Precisava achar um lugar pra se esconder antes que o sol saísse e o pulverizasse.
Só tem um lugar… pensou, receoso.
Ele corria há mais de uma hora, sentindo seus músculos da perna se contraírem em uma dor lancinante. E não estava nem na metade do caminho. Decidiu sentar no meio fio, sentindo o desespero tomar conta de seu peito. Nenhum lugar parecia ser um esconderijo bom o suficiente. Todas as portas e estabelecimentos estavam fechados. Os becos eram muito expostos, assim como se esconder debaixo dos carros.
Ele sabia que onde quer que se metesse, alguém viria o seu corpo e o confundiria com um cadáver. Assim que a ambulância viesse busca-lo, ele iria para o sol e puf!
Vá para o esgoto, garoto, Sunday falou em sua mente. Icabode arregalou os olhos, feliz por ouvi-lo.
– Onde você está, Sunday? Diga-me, rápido!
Você não pode vir aqui agora. Corra para um esgoto antes que você vire farinha! Correndo contra o tempo, Icabode se levantou e foi até uma boca de bueiro e tentou erguer a tampa de ferro, pesada. Seu corpo estava faminto e esgotado de tanto correr. Os braços magrelos se esticaram e tremeram, e a tampa mal sacudiu.
Rápido, garoto! Você precisa sobreviver! Preciso de sua ajuda!
Icabode olhou para trás e viu o horizonte clarear. O negrume virou um azulado escuro. Sua pele começou a transpirar sangue, enquanto sua mente se enchia de um pavor intenso. A barra de ferro ergueu alguns centímetros agora.
Isso, força!
Ele conseguiu afastá-la um pouco para o lado. Se não fosse a exaustão, não seria tão difícil. Ele sentou, apoiando as mãos no asfalto, atrás. Seus calcanhares pousaram sobre a borda da tampa e começaram a empurra-la. Com uma careta e muita tremedeira, Icabode conseguiu empurrar mais alguns centímetros. Ele tentou enfiar seu corpo na brecha, mas ficou preso nos quadris. Se debateu como um gato aprisionado, e viu o topo dos prédios serem tomados pela claridade solar.
Aos poucos, se espremeu e deslizou o quadril pelo buraco, se contorcendo. Um paredão de luz já marcava a esquina daquela rua, e ele vinha em sua direção. Icabode se apressou, erguendo os braços pra cima, passando a barriga pelo buraco. Quando chegou nos ombros, ficou preso novamente, e o sol refletia sua luz no asfalto, queimando o rosto de Icabode. Num último grito de fúria, ele se impulsionou para baixo e caiu no chão, batendo o lado do corpo.
Muito bem, Sunday disse. Agora procure um esconderijo. Amanhã nos falamos.
Icabode saiu mancando no meio da escuridão, segurando as costelas doloridas. Ele tentou falar com Sunday novamente, mas o detetive não respondeu mais. Icabode viu frestas de luz passando pelo teto do esgoto, e ele tentou fugir o mais longe possível dessas aberturas. O dia estava nascendo, e seu corpo começara a enfraquecer mais ainda. Ele estapeou o próprio rosto, tentando ficar acordado, até que encontrou um entulho de lixo boiando num córrego do esgoto. Ele entrou na água que batia em seus joelhos, e mergulhou, trazendo o entulho para cima de si. A última coisa que ele fez antes de desmaiar foi chorar.
Despertou, assustado. Se levantou da água, empurrando o lixo ao redor. Uma fralda de pano, suja de fezes ficou grudada em seu rosto. Ele a arrancou com nojo. A fome coçava sua barriga com unhas afiadas. Ao redor, ratos corriam aos montes. Ele mordeu o lábio inferior, dividido entre o medo daquelas criaturas e a fome.
– Não farei isso – concluiu, caminhando pelo canal de água entre as calçadas ladrilhadas por onde os ratos cruzavam.
Enquanto procurava uma escada para o mundo de cima, ele atravessou alguns túneis escuros, até que algo chamou sua atenção. Um barulho de água sendo agitada em suas costas.
“Os vampiros não são as únicas coisas perigosas nas noites de Nova York”, Leon dissera na noite passada, alguns minutos antes do cemitério se encher de zumbis.
Houve outro barulho de água revolvida. Icabode se virou lentamente sobre os tornozelos e aguçou o olhar. Duas bolas amarelas reluziam na água, lado a lado. Enquanto ele tentava entender o que era aquilo, as bolas piscaram de forma reptiliana.
Icabode se virou novamente e começou a correr. Ele não sabia se o som de água que estava ouvindo era só de sua corrida, ou se vinha de trás também, mas por vias das dúvidas, preferiu continuar correndo. Ao virar na última curva, se deparou com uma grade de proteção que o impedia de seguir o caminho. Ele foi até o fim e se agarrou às barras de ferro, cansado. Em suas costas, o barulho de água se batendo voltou. Ele girou e pôs as costas na grade, assustado. Estava cercado. No caminho de volta estavam os olhos amarelos. De repente, uma cauda gigantesca, escamosa, se movimentou para lá e para cá, espalhando água pra todos os lados, e voltou a submergir.
Icabode tentou ficar invisível, mas os olhos continuavam focados nele. Faça alguma coisa agora, disse a si mesmo. Decidido, começou a correr pela lateral do túnel, esperando que fosse mais rápido do que aquele crocodilo gigantesco. Mas antes de chegar na metade do caminho, o animal se levantou sobre as patas, revelando uma altura surpreendente, e uma velocidade maior ainda.
Icabode tentou parar, deslizou e caiu de costas no chão. O corpanzil do animal se chocou com a lateral do túnel, esmagando e destruindo todos os canos da parede. Alguns eram gigantescos, e uma enxurrada começou a jorrar sobre Icabode, arrastando-o em direção à grade novamente.
Ele se levantou, indo de um lado para o outro, tentando evitar o raio de largura do crocodilo. Você precisa fazer mais uma investida! Pensou, se recusando a entregar as pontas. Depois de tudo o que você passou, seria idiotice morrer para uma lagartixa gigante. Ele apoiou à grade e se empurrou para o lado oposto. A boca do crocodilo tinha alguns metros de comprimento, e ela se abriu, recheada de dentes imensos, podendo engolir o humano em uma mordida. Seu movimento foi brusco, e o túnel era apertado. Isso fez com que o resto dos canos fossem destruídos.
O ataque da criatura foi rápido, e alcançou Icabode em um movimento. Ele se jogou de costas na água e jogou os pés contra o focinho do animal. Por um milagre, um dos pés se apoiou na parte superior do focinho, e o outro, na inferior. A boca se abriu, esticando as pernas do humano, e o crocodilo avançou, tentando abocanhá-lo. Icabode se equilibrava, enquanto o focinho o empurrava pelo esgoto. A água subia de nível rapidamente, o que aumentava a velocidade dos dois.
Icabode tentava olhar para onde era empurrado, mas a água batia em seu rosto, cegando-o. Por um breve momento, viu luzes descendo em frestas do teto, adiante. Uma escada, pensou. Esperou o momento certo, e assim que se aproximaram, ele se jogou. O crocodilo passou direto, e os dedos de Icabode grudaram na barra da escada. Ele abraçou o metal, tentando não ser levado pela enxurrada.
Um gorgolejar primitivo veio do túnel, e o crocodilo se ergueu da correnteza em um salto, voltando até ele. Diabos! Icabode começou a subir barra por barra, junto com o nível da água. No meio do caminho, sentiu a escada sacudir embaixo de seus pés e mãos. A fera a puxava com os dentes.
Só mais um pouco! Pensou, tentando chegar à tampa do bueiro antes que a escada viesse abaixo. Ele conseguiu enfiar os dedos nos buracos por onde a luz descia no exato momento em que a escada cedeu e afundou na escuridão molhada. A água agora estava a poucos metros, e um monstro de escamas se debatia logo abaixo, se desvencilhando da escada.
– SOCORRO, ALGUÉM! – Icabode gritou ao ouvir o barulho do tráfego alguns centímetros acima de sua cabeça.
A tampa sacudia sempre que um carro passava. A qualquer momento um pneu poderia esmagar seus dedos. Ele pressionou os pés contra a parede e as costas contra a outra, pendurado no ar. O crocodilo saltou da água e rasgou sua jaqueta jeans.
Estou morto, ele concluiu, vendo que não havia escapatória. Tentou se segurar enquanto pôde, mas a água já estava perto o suficiente, e o crocodilo mergulhou para dar o impulso final que o levaria até sua presa.
– Droga… – Icabode sentiu os pés deslizarem, e seu corpo despencou.
Sua visão escureceu enquanto ele afundava nas águas negras. Talvez essa tenha sido sua sorte. O crocodilo não esperava encontra-lo ali, e sua boca ainda não estava aberta. Mas ele já subia com toda velocidade, levando Icabode para cima. O vampiro sentia suas costas se aproximando do teto e se encheu de esperanças.
Ele subiu com muita força. Sua cabeça jogou a tampa do bueiro para o outro lado da rua, e seu corpo começou a subir a avenida, como se fosse o próprio Super Homem. Ele girou no ar. Estou voando! Finalmente, consegui!
Ele subiu a altura de quatro andares até começar a cair novamente, só que lentamente. Ao pousar de cócoras no chão, sob os sons de pneus cantando e gritos de testemunhas assustadas, o crocodilo atravessou o bueiro, rachando o asfalto ao redor, enquanto a torrente de água enchia a rua. Era um caos.
O crocodilo estava preso no bueiro, se debatendo. Icabode olhou pra ele e sorriu.
– Sei como é a sensação – dito isso, se virou para as dezenas de pessoas que olhavam a cena, assustadas. – Au revoir!
Tentou ficar invisível, mas as pessoas continuavam olhando pra ele. Não deve funcionar quando alguém estiver olhando pra você, pensou. Os motoristas dos carros começaram a descer, amedrontados com a destruição da pista. Icabode decidiu simplesmente correr até um beco e fugir. Ele estava irreconhecível, coberto com as piores sujeiras do esgoto da cidade.
A situação que passara era tão incrível que ele não evitou sorrir da própria desgraça. É como aquele musical diz: “New York, New York, is a wonderful town”. O musical “On The Town” fora lançado na Broadway um ano antes do fim da guerra. Icabode se lembrava disso pois seus pais foram assistir.
Broadway, ele pensou, se lembrando das prostitutas que foram mortas por Fermín na casa de Sunday. Elas haviam o comparado com algum garoto da Broadway. Sua consciência o trouxe à realidade. Ele precisava fazer algo. E não tinha como se encontrar com Leon na Estátua da Liberdade. Mas não é pra lá que quero ir.
Depois de uma longa caminhada, ficou invisível e entrou no prédio de Sunday. O porteiro ouvia o rádio, junto com alguns moradores no salão de entrada. O locutor falava sobre uma série de assassinatos que aconteceram naquela noite, e todas as vítimas morreram com uma estaca no coração. Os corpos estavam sem sangue, e alguns deles pareciam se esfarelar, como se fossem múmias.
Solomon está atacando os vampiros de Nova York, Icabode se apoiou na parede com a notícia. Ele subiu todos os lances de escada até chegar no apartamento com a faixa policial. Certamente o lugar estaria sendo vigiado. O Conselho de Nova York não deixava pontas soltas. Muito menos em dias como esses.
No centro da sala, um quadrado livre de poeira no chão indicava onde estavam o tapete e sofá. Leon os jogara em algum canto do rio, junto com os cadáveres das prostituas. Ele sentou numa poltrona e aguardou. Olhou ao redor, se questionando se Sunday passara por ali recentemente. Lembrou que foi nesse lugar que Anatole conheceu o detetive. E dali, ele o seguiu até Montauk, onde matou meus pais, pensou com amargura.
Seus ouvidos aguçados captaram o som de passos na sacada, e em seguida, adentrando a sala.
– Você não devia ter voltado aqui, neófito! – uma voz disse, seguida de uma risada. Era um vampiro desconhecido a Icabode, provavelmente um capanga do Conselho.
– Apenas me leve à Juíza – se levantou, erguendo as mãos.
– Você sabe que eles vão te matar no momento que te virem, não sabe? – o vampiro perguntou, surpreso com sua reação.
– Que eles façam o que tem que fazer – Icabode respondeu, sério. – Agora me leve.
O vampiro deu de ombros e o empalou sem resistência. Icabode sentiu seu corpo ficar imóvel, e as mãos frias do outro o arrastarem pela sala. Um momento antes de sumir pela sacada, seu nariz aguçado indicou um cheiro de nicotina e tabaco frescos. Seus olhos se estreitaram e viram um cinzeiro com uma bituca em seu canto. Ele aguçou a visão, e através das bactérias no ar, conseguiu captar uma leve fumaça subindo das cinzas.
Vampiros têm pavor a fogo, pensou. Um mortal esteve ali. Talvez alguém que soubesse que só seria seguro estar em casa durante o dia.
Sunday!
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