Old Dragon 2 – Guia do Anão

Mais uma figura retirada da mitologia nórdica que chegou ao imaginário da fantasia moderna (e do RPG) através de Tolkien. Hoje falaremos sobre os anões. Ou “anãos”, de acordo com a tradução mais recente dos livros de Tolkien. Lembrando que o objetivo dessa série de artigos não é explorar as raças em termos de regras e mecânicas, mas sim alguns temas legais envolvendo a ficção dos cenários de fantasia.

“Então, meu amigo aqui quer te chamar pra sair, mas tá com vergonha…”

Artífices do Subsolo

Os anões são a raça que tem a representação mais homogênea em praticamente todos os mundos onde aparecem. Mineram metal, frequentam (ou vivem em) cavernas, são resistentes, baixinhos, barbados, teimosos, tradicionalistas e atraídos por ouro. Você vai encontrar essa descrição em todas as edições de D&D, além de jogos como Tormenta, Tagmar, Shadowrun, Burning Wheel, OSRIC, Old School Essentials, Zweinhander, Tales of the Valiant, Forbidden Lands, só para citar alguns!

Martin Litchfield West, em seu livro Poesia e Mito Indo-Europeus, classifica os anões como criaturas mágicas juntos a elfos, gnomos e fadas, mas particularmente ligados à forja de metais e com alguma origem em comum com a figura do deus grego Hefesto, também ligado a metalurgia, fogo e vulcões. Inclusive, embora sejam criaturas fundamentalmente diferentes, o parentesco com elfos transparece em nomes de figuras mitológicas como Gandalfr.

Na mitologia, muitas vezes os anões (assim como Hefesto) são responsáveis por forjar as armas e ferramentas dos deuses. Contudo, algumas histórias da mitologia nórdica também trazem algumas variações, como Fjalar e Galar, que criaram o Hidromel da Poesia, e Andvari, que possuía um anel mágico capaz de transformá-lo em um peixe.

Peguei um jobzinho de um tal de Zeus aí, já ouviu falar?

Tradição e Honra

O que Tolkien trouxe de novidade para os anões da fantasia foi seu senso de honra e respeito pelas tradições. Como já descrevemos no Guia do Humano, humanos em cenários de fantasia são o mundo conhecido, os olhos com que o leitor desbrava o mundo fantástico onde se passa a história. Portanto, características como a altivez dos elfos e a honra dos anões são constantemente exacerbadas para criar esse senso de fantástico. De outra forma, seriam apenas humanos com uma aparência diferente.

Inclusive, ao interpretarem anões e elfos, jogadores esquecem ou atenuam essas características. Porém, o potencial interpretativo ao criar pequenos rituais, tradições e tabus para personagens destas raças é imenso! Assim como a mentalidade dos elfos é moldada pela sua expectativa de vida além da nossa compreensão, os anões moldam sua cultura e suas personalidades em torno da grandiosidade de suas obras e civilizações. Inclusive, a ideia de anões que forjam armas para os deuses é pouquíssimo explorada em mundos de RPG, mas pode render excelentes backgrounds para artefatos poderosos.

Ganância

Em maior ou menor grau, muitas obras trazem a ganância dos anões como um ponto fraco de sua personalidade. Anões são exímios mineradores, e seu contato com ouro, prata e pedras preciosas. Inclusive, vale lembrar que até na Branca de Neve os anões trabalhavam nas minas.

E já que mencionei, é interessante ver que há vários anões imberbes em ilustrações clássicas da Branca de Neve.

No filme O Hobbit, isso aparece na forma de uma doença causada pelo acúmulo exacerbado de riquezas, a mesma coisa que afeta os dragões e os impele a acumular pilhas e pilhas de tesouros. Isso é um ponto bem interessante que pode trazer oportunidades bem legais para a interpretação e para a construção de mundo. Grupos particularmente ousados podem criar uma house rule exigindo testes de Sabedoria para contornar esse problema.

Além disso, também há referências mitológicas a respeito da ganância dos anões, em obras como Völsunga saga e Hervarar saga ok Heiðreks. Contudo, anões são conhecidos por honrarem seus acordos, e dificilmente essa ganância se manifestará em violência física e pilhagem. Contudo, extorsão e usura podem ser uma representação poderosa desta faceta.

Por Fim

Entender essas características é essencial para compreender o papel que cada raça desempenha em seu mundo de fantasia. Cada raça pode ser um ponto de partida para explorar temas diferentes, tanto em relação à narrativa do cenário quanto em termos de roleplay do personagem.

Old Dragon 2 está disponível em versão física ou digital. O livro básico é gratuito para quem quer começar a jogar, e só com ele já dá pra usufruir de praticamente tudo que o Old Dragon Online traz. E não se esqueça de conferir outros posts de Old Dragon!

Bom jogo a todos!

 

Old Dragon 2 – Guia do Elfo

Elfos: pequenos duendes do folclore germânico que transformaram-se no pináculo da virtude e da nobreza dos mundos de fantasia pós-Tolkien. Lembrando que o objetivo dessa série de artigos não é explorar as raças em termos de regras e mecânicas, mas sim alguns temas legais envolvendo a ficção dos cenários de fantasia.

Nobres e Altivos

Apesar de eu ter falado deles no parágrafo introdutório, esqueça os elfos da mitologia teutônica. Os elfos de D&D (e, por consequência, de Old Dragon) são diretamente inspirados no trabalho de Tolkien. Eu posso apostar que, ao ouvir a palavra “elfo”, a maioria dos leitores vai pensar no Legolas, e não nos ajudantes do Papai Noel.

Lembrando que esse parentesco dos elfos com duendes e gnomos ainda transparece bastante no longa animado O Senhor dos Anéis de 1977.

Na Terra Média, os elfos são o apogeu da perfeição entre os mortais (mortais no sentido de não-divinos, pois os elfos tolkienianos não morrem de velhice). Integram-se harmoniosamente com a natureza, dominam a magia, as artes e o conhecimento.

D&D reflete um pouco essa premissa, ainda que de forma menos exagerada (já que a raça ainda precisa ser jogável). Em edições antigas, o elfo era uma classe que misturava habilidades de guerreiro e de mago, mostrando a natureza mágica e a busca pelo domínio em vários aspectos da vida apresentada por membros deste povo (o que é meio contraditório, já que supostamente os humanos deveriam ser os mais versáteis). Em AD&D, muitos consideravam o elfo uma das melhores raças, já que tinham uma tonelada de bônus e habilidades especiais (bônus em Destreza, resistência a sono, encontrar portas secretas, mover-se em silêncio na floresta, bônus em arcos e espadas) em troca de um mísero -1 em Constituição.

Isso, naturalmente, molda a personalidade dos elfos, que tendem a enxergar-se como guardiões dos outros povos, muitas vezes tornando-se distantes e até arrogantes.

O Tempo dos Elfos

Uma coisa muito difícil de botar em perspectiva é quanto vive um elfo. É normal interpretarmos os elfos como se fossem humanos, pois essa é a única experiência que podemos ter no mundo real. Contudo, leve em conta que um elfo (segundo os padrões de Old Dragon 2) atinge a maioridade aos 120 anos e é considerado adulto até cerca de 450. Um elfo que decida se aventurar, digamos, lá pelos 200 anos de idade, pode ter sido casado por 50 anos, ter filhos, família, uma carreira inteira em outra profissão, cultivado muitos hobbies, enfim, vivido uma vida inteira antes de partir pelo mundo. Ele pode ter tornado-se aventureiro apenas como uma espécie de “férias” do trabalho.

Colocando isso em perspectiva e usando nosso próprio mundo real como comparação, nosso hipotético elfo jovem adulto teria nascido ainda no Brasil Império. Teria visto a Guerra do Paraguai (aos 42 anos de idade), a Proclamação da República (aos 65) e praticamente todas as guerras modernas dos séculos XIX, XX e XXI!

Essa, inclusive, é a premissa do anime Frieren (que ainda não assisti, digam nos comentários se vale a pena): uma elfa maga que encara sua vida de aventureira como algo efêmero agora começa a ver seus antigos companheiros de batalha morrerem de velhice.

Agora imagine um lorde élfico com milhares de anos de idade. Ele poderia ter vivido o equivalente ao período da Europa medieval inteiro, ter visto grandes civilizaçÕes da antiguidade, como a Grécia Antiga, Império Romano, Cartago, ou mesmo ter encontrado grandes personalidades da história, como Cleópatra, o profeta Maomé e Charles Darwin.

Não sei se o anime é bom, mas adorei a premissa.

Magos e Artesãos

Como os anões, os elfos são muito associados a habilidades de criação de itens de qualidade superior, que muitas vezes confundem os limites dos objetos mundanos e mágicos. Alguns artefatos marcantes forjados por elfos na Terra Média incluem as espadas Glamdring, Ferroada e Orcrist, bem como a cota de Mithril usada por Bilbo e por Frodo.

Criaturas mitológicas ligadas à maestria nas artes aparecem em diversas culturas, e a habilidade em forja e ourivesaria dos elfos é um reflexo dessa longa tradição que chegou até a literatura de fantasia. A busca pela perfeição é também uma maneira de buscar a transcendência do tempo, o que é ainda mais impressionante levando em conta a longevidade assombrosa dos elfos. Uma jóia presente em uma família ou dinastia élfica “há gerações” pode ter milhares ou até dezenas de milhares de anos, possivelmente superando o tempo toda civilização humana do planeta Terra!

“Cale-se, tolo! Essa espada é mais antiga do que reinos inteiros!”

Por Fim

Entender essas características é essencial para compreender o papel que cada raça desempenha em seu mundo de fantasia. Cada raça pode ser um ponto de partida para explorar temas diferentes, tanto em relação à narrativa do cenário quanto em termos de roleplay do personagem.

Old Dragon 2 está disponível em versão física ou digital. O livro básico é gratuito para quem quer começar a jogar, e só com ele já dá pra usufruir de praticamente tudo que o Old Dragon Online traz. E não se esqueça de conferir outros posts de Old Dragon!

Bom jogo a todos!

Senhor dos Anéis – Biblioteca Arkanita

Esta semana, a iniciativa da Biblioteca Arkanita apresenta o netbook Senhor dos Anéis, de Júlio César “Gandalf” da Silva e Fabrício Botelho, adaptando a revolucionária trilogia de Tolkien para o Sistema Daemon. Com a estreia da série Anéis do Poder descrevendo eventos da Segunda Era, este netbook vem para auxiliar no entendimento da geografia, raças, deuses e eventos da Terra-Média da trilogia Senhor dos Anéis, popularizada no cinema por Peter Jackson.

Conteúdo do netbook

O netbook Senhor dos Anéis apresenta as seguintes informações:

  • Conceitos Básicos de RPG, apresentando todos os termos mais importantes e seus significados para sessões de RPG, e mais especificamente sobre o Sistema Daemon. Ao longo do netbook, todas as regras necessárias para construir personagens e conduzir campanhas via Sistema Daemon estão disponíveis.
  • A História conhecida da Terra-Média, narrando os principais eventos da Primeira, Segunda, Terceira e Quarta Eras.
  • Raças, com regras para jogar com Humanos, Hobbits, Elfos e Anões – o nível de descrição de cada raça é muito alto!
  • Um passeio pela Terra-Média, descrevendo reinos e pontos geográficos de relevância em todo o mundo conhecido como Terra-Média.
  • Magia, explicando como os poderes mágicos são acessados e praticados no universo de Senhor dos Anéis.
  • Religião, com uma breve descrição dos deuses Valar (incluindo Melkor, que se corrompeu e passou a ser chamado de Morgoth, o principal antagonista em todas as Eras).
  • NPCs, com as fichas dos principais personagens da trilogia Senhor dos Anéis no cinema: Frodo, Sam, Merry, Pippin, Aragorn, Boromir, Legolas, Gimli, Gandalf, um Nazgûl genérico e Saruman.
  • Ficha de Personagem, com design inspirado em Senhor dos Anéis.

Você pode baixar este netbook aqui mesmo na Biblioteca Arkanita. Clique aqui para iniciar o download do netbook. E continue acompanhando as postagens semanais da Biblioteca Arkanita para outros grandes netbooks como Senhor dos Anéis!

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Química entre Personagens – Dicas de RPG #64

No Dicas de RPG de hoje, vamos falar sobre como criar situações legais de roleplay para todos os personagens encontrarem sua vez de brilhar!

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Tema: personagens, grupo, química, relações, roleplay

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Química entre Personagens

Voz: Raul Galli.
Edição do Podcast: Senhor A.
Arte da Capa: Raul Galli.

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Music by Dance of Nordic Leaves – Epic Folk Original Soundtrack from Pixabay

3 Dicas para Experimentar na Pandemia – Dicas de RPG #63

No Dicas de RPG de hoje, Kastas vai falar sobre possibilidades para continuar jogando na pandemia. RPG solo, experimentar os diversos grupos nas redes sociais e os aplicativos de tabletop, e, por fim como testar possibilidades de jogos diferentes dentro do gênero que você ama!

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Tema: Mecânica – motivação – Engajamento

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3 Dicas para Experimentar na Pandemia

Voz: Raul Galli.
Edição do Podcast: Senhor A.
Arte da Capa: Raul Galli.

Músicas:

Music by Dance of Nordic Leaves – Epic Folk Original Soundtrack from Pixabay

Falhas – Dicas de RPG #62

No Dicas de RPG de hoje, vamos falar sobre falhas e como lidar com elas sem destruir sua campanha.

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Tema: Mecânica – Falhas

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Falhas

Voz: Raul Galli.
Edição do Podcast: Senhor A.
Arte da Capa: Raul Galli.

Músicas:

Music by Confused Mind -Liecio Rodriguez from Pixabay

Sombra – Dicas de RPG #61

No Dicas de RPG de hoje, vamos falar sobre a mecânica da sombra e como ela pode te ajudar a deixar seu jogo mais tenso e emocionante à partir dos seus jogadores e de como eles vão encarar as próprias trevas que habitam dentro de si.

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Tema: Mecânica – Sombra

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Sombra

Voz:  Mateus Herpích
Edição do Podcast: Senhor A.
Arte da Capa: Raul Galli.

Músicas:

Music by Muzaproduction from Pixabay

RPG É Espaço Para Militância? – Off-Topic #13

Existe espaço para militância dentro do RPG?
Dentre todas as questões possíveis de serem abordadas, será mesmo válido abrir esse espaço para militância?
E entre todos os conceitos abordados, o que podemos considerar como sendo militância?
Podemos considerar o RPG, além de diversão, uma ferramenta de estudos sociais?
Que tal ponderarmos um pouco sobre o RPG e como ele vai muito além de uma simples ferramenta de diversão?

 

ESPAÇO PARA MILITÂNCIA?

O que podemos considerar como sendo um espaço para militância?

Primeiramente, o objetivo é definir o significado de militância. Segundo o dicionário:

  1. qualidade de militante
  2. defesa ativa de algo, principalmente de uma causa ou de um partido, atividade militante
  3. atitude das pessoas que trabalham ativamente por uma causa ou uma organização

Com essa definição em mente, podemos entender que qualquer causa ou ponto de vista, defendido de forma sistemática e ativa, é uma forma de militância.

Mas como isso pode ser levado para dentro das mesas de RPG? Será que existe um sistema ou modelo de jogo próprio pra isso?

Se analisarmos bem a fundo, e considerarmos que uma pessoa militante o é ativamente de forma constante, e de certa forma em tudo que faça, como essa pessoa deixaria de lado sua militância ao jogar RPG?
Será que podemos de fato isolar totalmente o que conhecemos e compreendemos do mundo ao fazer nossos exercícios de imaginação?
Não seria o RPG uma réplica do que imaginamos ou como concebemos o mundo e o que conhecemos?

Quais militâncias e de que forma elas podem estar inseridas ou presentes nas jogatinas e mesas?

 

ESPAÇO PARA MILITÂNCIA ÉTNICA

A militância étnica acontece em praticamente todos os jogos.
Em todos os cenários de fantasia, existem inúmeras raças e etnias. Peguemos como exemplo o cenário de Tormenta, suas inúmeras raças e localizações.

Quando falamos do preconceito que Elfos sofrem, ou de como Tamuranos precisaram se refugiar após a queda de Tamu-ra, estamos abrindo espaço para assuntos étnicos.
Existe de fato uma raça superior? Inferior? O que determina que a diferença impeça a convivência? É possível viver com respeito?
A obra de Tolkien aborda também essas questões, já que de todas as raças e povos da Terra-Média, foi justamente um Hobbit quem foi encarregado da missão de destruir o Um Anel. E ele não estava sozinho, já que Magos, Anões, Elfos e Humanos se uniram ao jovem Frodo.
Se é possível, e em muitas vezes necessário, unir povos, raças, etnias e culturas diferentes no jogo, por que não usar essa pluralidade para ceder um espaço de militância?

E se for uma sessão, por exemplo, de X-Men? É possível mesmo separar toda a militância da questão Mutantes x Humanos? E como não correlacionar isso com a xenofobia e o racismo que existem no mundo real?

RPG é um dos espaços mais plausíveis de se abordar esses assuntos, de forma natural e não tendenciosa, proporcionando Bleedings onde a parte “opressora” pode assumir o papel da parte “oprimida” e vice-versa! Nada mais educativo que “sentir na pele” a situação, não é mesmo?

 

ESPAÇO PARA MILITÂNCIA POLÍTICA

Esquerda? Direita? Centro? Isento? Monarquia? República? Ditadura?
Sério mesmo que isso não tem espaço pra uma mesa de RPG?
Pode ser que de fato não tenha espaço para politicagem. Partidos e candidatos do nosso mundo real, em via de regra, não são os mesmos dos mundos fictícios que jogamos.
Mas política é sim um assunto vital e necessário nos jogos como um todo.
O Mundo das Trevas inteiro, por assim dizer, é um grande e imenso cenário de políticas! Seja o esquema monárquico da hierarquia de Vampiro a Máscara, com seus espaços para embates contra Anarquistas, e ainda a disputa ideológica entre Camarilla e Sabá. Sim, querides, isso é pura política!!
Quando pegamos novamente Senhor dos Anéis, e vemos a formação da Sociedade do Anel, a aliança entre Rohan e Gondor, a batalha dos Ents, tudo isso é política!
Se pegarmos novamente Tormenta, toda a ideia do Reinado, de suas divisões, de suas políticas soberanas, das discrepâncias de leis e governos, tudo isso é política!

Concordo que pode não haver espaço para militância quanto a conceitos, termos e estados atuais. Mas dentro do RPG é possível abordar as relações de como seria um bom governo, das formas diferentes de governos que existem, dos diferentes regimes e tudo mais.
Novamente, podemos aplicar um Bleeding para mostrar como um governo ditatorial funciona, o que de fato deveria ser uma república, as diferentes formas de monarquia, a distância entre governo e população e muito mais!

Se a política está presente em filmes, animes, games, quadrinhos, músicas, séries e em todas as formas de consumo da cultura pop, por que seria diferente com o RPG?

 

ESPAÇO PARA MILITÂNCIA DE GÊNERO E/OU SEXUALIDADE

E quanto à questão de gênero? Será que existe espaço de militância para tal dentro do RPG?
Nesse aspecto em específico, talvez exista o espaço não apenas dentro, como também fora do RPG!
Convenhamos, é notória a situação machista e tóxica do cenário nerd/geek no mundo né? Não são raros os relatos de mulheres ou LGBT+ que sofrem preconceitos pura e exclusivamente por conta de gênero e/ou sexualidade.

E novamente, é algo que está muito presente nos cenários e nas tramas de RPG.
Quando vemos situações como, por exemplo, “Elfos não serem uma raça legal de jogar por serem muito “afeminados””, ou certas personagens serem deixadas de lado por serem “mulheres”, está ali a questão de gênero e de sexualidade.
Mesmo cenários mais densos como Lobisomem o Apocalipse aborda demais essa questão, já que uma de suas principais tribos, as Fúrias Negras, são uma tribo exclusivamente feminina, e que os Filhos de Gaia muitas vezes são retratados como “inferiores” por outras tribos justamente por sua tolerância, ali também está o espaço para militância.

E fora das mesas de jogo, é muito comum, como já citado no artigo sobre Preconceitos e Fobias RPGistas, que mulheres e LGBT+ precisem, de fato, ter espaços separados e próprios para que possam jogar de forma tranquila e sossegada. Isso é o cúmulo do preconceito!

Até poucos anos atrás, ter um nome feminino ou assumidamente LGBT+ era algo totalmente fora que questão, mas hoje em dia talentos como a escritora Karen Soarele, a quadrinista Érica Awano, a youtuber Anna Schermak,a streamer Amedyr e Stephan Martins, ativista LGBT+ não-binario e host do canal Ordem do Dado, não apenas são uma realidade, como também parte essencial do cenário RPGista.
E esse cenário nunca mudaria, e nem estaria como está hoje, se uma abertura para a militância de direitos nunca acontecesse!

 

ESPAÇO PARA MILITÂNCIA ACIMA DE TUDO?

Mas então isso quer dizer que o RPG deve ser um espaço de militância acima de tudo e de todos?
Não. De forma alguma. Em hipótese nenhuma.

O RPG é um instrumento, uma ferramenta, e como tal, seu uso e funcionalidade estão limitados apenas pela imaginação!

Imaginem uma faca. Seu uso “correto” ou tradicional, é para cortar. No entanto, é possível usar uma faca para apertar um parafuso, como espátula para espalhar a margarina no pão, para fazer uma marca em algum lugar, para aquecer e fazer furos em garrafas plásticas…
A faca é uma ferramenta, e quem a usa determina a forma e objetivo de uso que preferir.

O RPG é a mesma coisa! É uma ferramenta, e como tal pode ser usado apenas para a pura e simples diversão, assim como também pode ser usado para ensino, ou até mesmo militância!
O que eu não concordo, e acho que não deveria existir, é o engessamento da ferramenta como algo de uso exclusivo!
Lembremos sempre da regra máxima: “o combinado não sai caro”. Em tendo isso em mente, transformemos o RPG em mais que apenas uma ferramenta básica, mas uma ferramenta multifuncional cheia de espaço para militância e aprendizado!

Tendências não são escolhas

Vejo muitas discussões sobre tendências em D&D, principalmente sobre como elas seriam difíceis de se interpretar ou entender. Eu imagino que a origem dessa confusão venha do modo como as pessoas encaram tendências, dentro do jogo em D&D, da mesma maneira como encaramos a conduta das pessoas no mundo real.

Em nosso mundo, as pessoas não nascem ‘más’, ‘caóticas’, ‘ordeiras’, ‘neutras’ – a não ser, talvez, em casos extremos de problemas genético-psicológicos. Tais maneiras de se comportar advém da forma como a pessoa é criada, do meio em que ela vive, das tristezas e alegrias que ela experimenta ao longo da vida. Portanto, em nosso mundo, a índole de alguém é normalmente fruto de sua criação e de suas escolhas na vida.

Tendências estariam ligadas às cores da alma, às energias do corpo

Tendências em D&D e Suas Origens

Contudo, seria esta a mesma realidade em D&D? Talvez para melhor compreendermos, devêssemos abstrair um pouco e nos lembrar das origens de D&D, bastante inspirada pela literatura fantástica clássica onde existem forças categóricas de ‘Bem’ e ‘Mal’, ‘Justiça’ e ‘Caos’. A própria obra de Tolkien, O Senhor dos Anéis, foi grande base para D&D e ela é pautada no combate contra as forças do Mal, encabeçadas por Sauron. É uma visão bastante maniqueísta, onde quem é ‘mau’ é assim por sua própria natureza, é mau na própria alma.

E vemos coisa semelhante também D&D, tanto que existem planos onde as Tendências são mais fortes. Existem planos da ‘Ordem’, do ‘Caos’, do ‘Bem’ e do ‘Mal’, lugares em que estas ‘ideias’ se manifestam de forma concreta, tangível. Portanto, podemos concluir que, em D&D, as tendências são Energias Cósmicas, componentes da própria matéria do multiverso.

E tanto é assim que mesmo objetos inanimados, que não teriam como ter crenças ou comportamento, podem ter ‘tendências’. Por exemplo, existem muitos itens mágicos malignos que surgem após serem usados para matar e torturar muitas vítimas. Um lugar que testemunha diversas mortes, como o cadafalso de uma forca, fica com uma aura ‘maligna’. Isso apenas reforça, na minha opinião, a ideia de que em D&D – pelo menos no D&D antigo – as tendências são elementos que compõe o universo e, da mesma forma, compõe as pessoas, o que as direciona para certos tipos de conduta.

Concluindo

As energias do mundo de D&D compõe a matéria do espírito do personagem

Acho que é por enxergar as tendências dessa forma, como energias, que nunca tive problemas com elas em D&D. Para mim, as tendências não são questão de escolha. Assim como, no mundo real, não escolhemos nascer bonitos ou feios, pobres ou ricos, sendo atraídos por X, Y ou Z; igualmente, em D&D, pelo menos no D&D antigo, as pessoas nascem com uma tendência. É por isso que a mudança de tendência é tão traumática, difícil ou, muitas vezes, impossível para um personagem. As tendências representam os tipos de energias cósmicas que estão em você – ordeiras, neutras, malignas, boas etc. Somente num caso extremo (grande sofrimento, extremo esforço ao longo de anos, intervenção divina ou mágica) alguém seria capaz de mudar de tendência – da mesma forma como, em nosso mundo, se uma pessoa tem medo de barata, ela não vai ‘deixar’ de ter medo sem um grande esforço, por mais idiota ou irracional que esse medo seja.

 

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