É Dezembro: Como Terminar Uma Campanha de RPG – Tudo Menos D&D #03

Nós, amantes de RPG, já temos muita dificuldade para reunir um grupo, manter ele coeso e interessado em jogar periodicamente. Então, nas poucas vezes as quais alcançamos a realização de uma campanha mais longa temos aí um grande feito. Em contrapartida não conseguimos acumular experiência o suficiente sobre como terminar campanhas.

Os personagens jogadores tem a habilidade (as vezes inescrutável) de arranjar soluções e caminhos que os narradores/mestres nunca antecipariam. Depois de diversos desvios de tema e objetivos nas aventuras/crônicas os narradores/mestres podem ficar perdidos acerca de como proceder para finalizar com chave de ouro. Assim proponho alguns caminhos para inspirar os narradores/mestres perdidos.

O Eterno Retorno

Chamo de “eterno retorno” um final aberto no qual os personagens, por mais que consigam seus objetivos, recebem a escolha de continuar a trilhar o caminho que foi construído no decorrer da história. Inspirado no pensamento do filósofo alemão Friedrich Nietzsche: você viveria sua vida, com todos os seus acontecimentos da mesma forma, mil vezes? No caso dos personagens jogadores, reviver suas aventuras e agruras novamente, enquanto as cortinas se fecham e o sol se põe.

Um dos exemplos desse “eterno retorno” que mais gosto é o “fim” do Caverna do Dragão. O famoso desenho dos anos 80 não obteve um final produzido. Porém há anos circula na internet um roteiro de fim da animação, dividido em dois episódios, nos quais fica em aberto se os jovens escolhem voltar para casa ou continuam sua luta contra as forças do mal. Há ali a ideia de que existem elementos fortes tanto para ficar no mundo de fantasia, quanto para alcançar o objetivo primeiro, o qual motivou toda a aventura: voltar para casa. A luta continua, pois os personagens jogadores mudaram, amadureceram, passaram por problemas, e o completar a quest torna-se só um ponto, enquanto a jornada se estende ao infinito.

Para falar de um jogo eletrônico outro “eterno retorno” está presente nos créditos finais de Devil May Cry 3, no qual o protagonista Dante continua combatendo. A jornada do protagonista se inicia para prevenir uma catástrofe a ser causada por demônios. Com a meta concluída ele poderia voltar a sua rotina de trabalho em sua agência, mas opta por permanecer lutando, tanto por orgulho quanto pelo dever.

A Revelação

Acredito que na atualidade esse tipo de desfecho seja um dos mais praticados, em especial nos RPG’s de streaming. Bem nos últimos momentos da jornada os personagens jogadores são surpreendidos por alguma espécie de reviravolta – um aliado antigo se revela a fonte de todos os males, a situação já está perdida quando os heróis chegam no local, não será possível salvar todos os inocentes, entre outros.

Esta finalização é ideial se você quiser manter as emoções fortes. Algumas revelações mais famosas estão no cinema. Os exemplos que destaco são os finais dos filmes O Planeta dos Macacos e Psicose (ambos da década de 1960, então não considerarei como spoiler). Em O Planeta dos Macacos o astronauta interpretado pelo icônico Charlton Heston descobre que o planeta misterioso com símeos de inteligência avançada na verdade é a própria Terra, muitos anos no futuro. Ao passo que em Psicose a fixação de Norman Bates por sua mãe o leva a mumificá-la e assumir sua personalidade. Poderia escrever inúmeras páginas descrevendo grandes reviravoltas cinematográficas, mas ficarei com as descritas acima.

Equilíbrio Fino

Pois bem, no campo do RPG o mestre deve planejar com bastante antecedência as reviravoltas de fim de campanha. Elas não podem ser tão ocultas a ponto dos jogadores não verem sentido nelas, bem como não podem ser tão óbvias que os jogadores já tenham advinhado o mistério há muitas sessões atrás. Nesse equilíbrio reside o sucesso desse estilo. Em seu planejamento de campanha coloque informações que apontem para isso, mas não tantas pistas que permitam uma rápida dedução dos jogadores.

Por outro lado não tenha medo de alterar a revelação conforme a campanha se desenvolva. Você pode começar a campanha com a ideia de que os personagens jogadores foram manipulados pelo rei do local, mas durante a campanha essa ideia é abandonada, e será necessário criar alguém por trás desse rei (um herdeiro? Conselheiro mal intencionado? A rainha?). Não hesite em alterar a reviravolta final quantas vezes for necessário para manter o poder emocional da revelação para seus jogadores.

O Sacrifício Final

Em uma campanha pontuada por tragédias e/ou horror não é incomum que seja exigido dos protagonistas um sacrifício final. O sacrifício final não precisa ser necessariamente a morte dos personagens dos jogadores, podendo ser a perda de algo realmente significativo para os mesmos.

Primeiramente, a forma mais direta e fácil de terminar uma campanha de RPG com o sacrifício final é envolvendo a perda dos personagens dos jogadores. Claro, recomendo que se conheça bem seus jogadores antes de colocar isso em prática porque nem todos podem gostar de passar meses jogando com um personagem só para ver ele ser carbonizado no fim.

Assim como nas outras formas de finalização de campanha existem exemplos icônicos no cinema (Lá vem spoiler de filme, depois não reclama hein!). No filme Rogue One: Uma História Star Wars uma equipe de enjeitados se reune para a missão de adquirir os projetos da Estrela da Morte. No decorrer desta missão fica claro que os protagonistas não tem outra opção senão recorrer ao sacrifício final para alcançar seus objetivos.

Nem Tanto Sacrifício Assim…

Um sacrifício final que não envolva a perda direta dos personagens só vai ser efetivo se os personagens tem algo importante a perder. Parece um pouco óbvio mas no dia a dia das sessões de RPG nós narradores podemos esquecer de valorizar algo indiretamente ligado aos personagens jogadores, nos concentrando no desenrolar da história, nos oponentes ou na ambientação. Assim incluir elementos paralelos que tragam afinidade e carinho dos personagens jogadores vai dar mais uma opção do que eles podem perder no sacrifício final. 

Em O Exterminador do Futuro 2 – O Julgamento Final o jovem John Connor perde algo muito importante no fim: o modelo T-800 redesignado por sua versão do futuro, enviado para o proteger do T-1000. O John Connor de 1991 é um adolescente que cresce sem a presença e o carinho familiar, e fica claro para os espectadores que sua relação com o T-800, interpretado pelo mítico Arnold Schwarzenegger, é uma ligação familiar. Quando ele deve se derreter no tonel de fundição é uma perda para John Connor como se fosse um pai falecendo. É esse tipo de sentimento e construção sentimental que devemos alcançar com o sacrifício final.

A Bonança Depois da Tempestade

Há uma única certeza na maioria esmagadora de RPG’s, independente do gênero: os personagens jogadores irão sofrer. A morte aguarda em cada rolagem mal feita, decisão impensada e conflitos com oponentes mais poderosos. Nada mais justo e gratificante, após uma longa jornada de sofrimento e superação, permitir que os personagens jogadores colham os frutos de suas ações.

A bonança depois da tempestade representa uma justa recompensa por todo esforço dos personagens jogadores realizados durante as aventuras. Esse é um final reconfortante, feito para aquecer os corações e reafirmar (ou criar) amizades.

Um dos finais mais conhecidos dessa categoria são os momentos de conclusão da trilogia de O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei temos a bonança depois da tempestade detalhada para alguns dos principais personagens (mais spoiler). Aragorn é coroado rei de Gondor, Frodo embarca para as Terras Imortais de Valinor e Samwise se casa. A lição que fica aqui é de prestar atenção no que o jogador quer para o seu persoangem e ajustar ao sentido da sua campanha. Um personagem que persiga riqueza durante toda a campanha pode ter o seu final de bonança como um bem sucedido aristocrata (fantasia medieval), empresário (moderno/futurista/cyberpunk).

Se você leu meu artigo até o final te agradeço e recomendo outros artigos meus, como esse aqui.

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É Dezembro: Como Terminar Uma Campanha de RPG – Tudo Menos

Autor: Eduardo Fracis
Revisão e Montagem da Capa: Isabel Comarella

Como Fazer Sessões Temáticas de RPG – Tudo Menos D&D #02

Como a maioria dos leitores deste artigo, também sou brasileiro. E brasileiro é conhecido mundialmente por seu amor à festividades. O Carnaval no Rio de Janeiro é uma das maiores festas do planeta. Sendo assim por que não incluir festividades na sua mesa, por isso vim aqui para te dizer como fazer sessões temáticas de RPG!

Elementos temáticos podem ser incorporados nos mais variados cenários e sistemas de RPG, do Horror Moderno ao Sci-fi e Fantasia Medieval – tanto de forma pontual quanto em longo prazo. Os benefícios dessas inclusões são variados: quebra de expectativa de jogadores mais experientes, trazer familiaridade para jogadores novatos, mais opções de eventos em cenários que de outra forma podem cair na monotonia, entre outros.

Pessoalmente gosto de incluir aventuras com temáticas diferentes e específicas de acordo com a época do ano, dentro do contexto de campanhas mais longas. Meu grupo presencial já esperava e sabia que nos últimos meses do ano haveria uma sessão com neve e presentes para seus personagens.

Neste artigo vou passar ideias de acordo com algumas festividades mais comuns tanto no Brasil quanto na gringa. Mas nada impede você de incorporar festividades do local onde você vive, a exemplo de importantes eventos regionais como Festival de Parintins no norte do Brasil.

Fevereiro – Carnaval

A grande festa pela qual o nosso país é reconhecido no mundo todo, o Carnaval, ainda que tenha elementos em comum nacionalmente, possui aspectos específicos em cada região/estado. Aqui vou me ater ao que conheço, o carnaval carioca.

Para facilitar a adaptação para RPG de mesa usaremos somente os aspectos principais das festividades. No Carnaval há o feriado em si, no qual muitos trabalhadores e estudantes ganham dias livres, a cidade se organiza em torno de desfiles carnavalescos, fantasias e passeatas festivas, os blocos, são acompanhados por música, boemia e clima de alegria.

Para o seu RPG pode ser que o Carnaval tenha tomado um tom diferenciado. Um Carnaval com horror: um serial killer atravessa o caminho dos seus personagens jogadores, os membros das atrações artísticas são monstros/alienígenas/vampiros/lobisomens disfarçados. O Carnaval tem algum intento secreto? Talvez o objetivo de reunir inocentes para um ritual maligno, ou recrutamento disfarçado para uma guerra que está indo mal para a nação.

Junho/Julho – Festa Junina

As festividades católicas em homenagem a São João e Santo Antônio tem importante lugar na cultura brasileira. Incluí-las, mesmo que adaptando elementos para encaixar apropriadamente no cenário do RPG, pode ser uma ótima oportunidade para engajar os jogadores.

A Festa Junina é conhecida nacionalmente pelas comidas e danças típicas, decoração colorida e caracterização da vida na zona rural. Comidas típicas podem ser servidas aos personagens jogadores (por que não alimentos mágicos em cenários de fantasia?), tanto ricos quanto pobres se vestirem caracterizados como bucólicos e inocentes camponeses (exploradores espaciais? Pagãos pastores de ovelhas? Inquisidores de bruxas?) do passado, danças rurais que desenrolam eventos sociais.

Outubro – Halloween

O típico feriado estadunidense, conhecido pelos brasileiros por causa dos filmes, séries e jogos. O Dia das Bruxas, inspirado em comemorações pré-cristãs europeias, ganha forte apelo comercial com as revoluções industriais. As tradições mais típicas continuam na forma de distribuição de doces para não receber travessuras das crianças fantasiadas de personagens de terror. Os “doces” podem ser qualquer tipo de objeto, como uma prenda. Enquanto as “travessuras” podem ser peças incômodas inofensivas ou armadilhas com violência e terror.

Esse feriado é facilmente adaptável aos mais diversos cenários. Qualquer ambiente urbano com sociedade organizada pode ser sua versão própria do Dia das Bruxas, da fantasia medieval a ópera espacial.
Filmes são excelentes fontes de inspiração para histórias de RPG com esse feriado. Dos clássicos das décadas de 1970 e 1980 com os monstros clássicos de Hollywood (lobisomens, múmias, bruxas e vampiros) a obras mais recentes de streamings.

Dezembro – Natal

Meu feriado preferido. A data pode ser utilizada como feriado religioso ou laico, sofrendo transformações semelhantes ao Dia das Bruxas, é um prato cheio com duendes, um “bom velhinho” que distribui presentes para crianças que se comportaram bem durante o ano e o krampus, sua contraparte, a qual pune crianças mal criadas. Papai Noel, krampus e duendes podem ser tanto aliados inusitados quanto oponentes improváveis. Uma fábrica de brinquedos amaldiçoada a ser explorada, uma tundra polar sinistra com uma velha mansão, uma caverna de abrigo para um monstro invernal.

O Natal é um tempo de compaixão, perdão e união familiar. Talvez uma oportunidade para personagens jogadores descansarem da ação frenética dos combates de pistola laser ou espadas. Interação social com entes queridos e amigos encontram lugar no Natal (ou a versão dele em seu cenário), com troca de presentes (que jogador não gosta de uma arma nova para seu personagem?) e reaproximação emocional com NPC’s importantes para a história.

Por Fim

Vou descrever uma experiência bem-sucedida do uso de feriados nas minhas sessões de RPG. Peço perdão por incluir um exemplo em D&D, mas é o exemplo que tenho: já mestrei uma aventura na qual o inverno havia chegado em Faêrun e o grupo de aventureiros viajava numa das estradas da Costa da Espada.
Uma tempestade de neve impediu o avanço do grupo, forçando-os a montar acampamento. No meio da noite se aproxima um duende (daqueles de aparência típica do Natal) e pede ajuda, dizendo que seu lar foi sequestrado pelo rival de seu chefe, o sr. Nicolau. Prometendo recompensas o duende guia o grupo pelas montanhas próximas até uma fábrica escondida, na qual os duendes foram ameaçados por krampus a fabricar bonecos autônomos malignos. Com estratégia o grupo elimina alguns bonecos, luta e expulsa krampus da fábrica e libertam sr. Nicolau. Gratos, sr. Nicolau e os duendes presenteiam os personagens jogadores com itens mágicos.


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Cronos, o Devorador de RPG’s – Tudo Menos D&D #01

Na mitologia grega, Cronos, o titã, devora seus filhos com o objetivo de não ser destronado por algum deles. O simbolismo dessa ação é que Cronos, o tempo, devora tudo e todos, até os deuses. O que dizer então do nosso querido jogo?

Depois de tantos anos jogando RPG, vejo que um dos principais problemas é o próprio passar do tempo. Na infância e na adolescência, temos mais tempo livre para atividades lúdicas, o que inclui jogos de tabuleiro e interpretação. As sessões de RPG com meus amigos podiam chegar a 10, 12 horas. A frequência com a qual jogávamos também tinha números que, para minha realidade adulta atual, seriam inimagináveis: lembro-me de um período de férias no Ensino Fundamental em que meus amigos e eu jogamos por quase todos os dias, de Dezembro a Fevereiro.

Todavia, Cronos nos alcançou. Faculdade, namoro, trabalho, casamento. As sessões de RPG vão se tornando cada vez mais limitadas, tanto em duração quanto em frequência.

Não só comigo, mas outros rpgistas relatam preocupações, como não saberem quando ocorrerá a próxima sessão, mestres/narradores encontram dificuldades para organizar um horário conveniente para todos, e histórias são interrompidas.

A rotina da vida, com suas obrigações e deveres, muitas vezes nos tira as pequenas (e grandes) alegrias simples. Encontros com amigos, risadas, boas histórias. Isso vale tanto para o ambiente do RPG quanto para outras formas de convívio social.

Assim, vou mostrar formas simples de tentar manter seu RPG vivo, apesar de agendas complicadas.

Seja realista

Mesmo que você esteja empolgado e tenha a possibilidade de jogar mais vezes por mês/semana, com mais horas, pergunte a(o)s companheiros(as) de mesa quantas vezes seria possível eles jogarem, bem como por quanto tempo. Certamente aliviará a ansiedade daqueles que esperam uma regularidade maior do que realmente será praticada.

Seja flexível

Sim, eu sei, é frustrante quando o jogo é desmarcado. Mas não desanime! Se o jogo foi cancelado em um dia, tente discutir com a mesa a possibilidade de encontrar outro dia na mesma semana ou nas semanas seguintes.

A Frequência

Não é imutável: em grupos (como o meu) que perpassam anos a fio, a frequência com a qual se pode dedicar ao melhor passatempo da História irá ser alterada. Como já citei quando adolescentes/mais jovens há mais tempo livre. Para que seu jogo não morra, recomendo a redução das horas. Lembro-me de jogar 10, 12 horas a fio quando adolescente. Atualmente nunca passo de 3 horas de RPG, o que me faz focar mais em qualidade (inclusive). Outro tópico difícil é reduzir a quantidade de vezes que se reúne para rolar dados. Se eram duas vezes por semana, passe para uma. De semanal para quinzenal? Uma vez por mês?

Espero que esse artigo tenha te incentivado a manter seu grupo de RPG – seja como mestre(a), seja como jogador(a). Viva as histórias de RPG, não importa a quantidade de vezes.


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