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Ceifadores — Resenha

Criado por Jorge Valpaços, o RPG de Mesa Ceifadores foi desenvolvido pela Lampião Game Studio e publicado pela AVEC Editora.

Devido ao tema do jogo, não há espaço para meias palavras ou metáforas nesse artigo.

Ceifadores é um RPG sobre assassinatos. Não, não como aqueles que você faz com seu grupo de aventureiros chacinando goblins em uma caverna.

Ceifadores é sobre a profissão de um assassino. Sobre um trabalho meticuloso, delicado e preciso.

Você deve estar se perguntando quem é esse assassino?

Bom… É você. Você e os demais jogadores. Se você tem mais de 18 anos e não tem gatilhos com temas relacionados a assassinatos a sangue frio, me acompanhe. Eu vou explicar…

Os Assassinos…

Antes de qualquer coisa, não vá pelo ingênuo caminho de pensar que os jogadores são os vilões. Ceifadores não é sobre heróis e vilões.

Ele é um jogo adulto e realista, que busca tratar temas como assassinato, morte, vida e todos os meandros, minúcias e ironias de uma existência tão próxima de um tema que está entre os maiores medos e as maiores curiosidades da humanidade.

Os jogadores interpretam profissionais da morte que recebem serviços de execução de vítimas (incluindo pessoas inocentes).

O narrador, denominado Mestre da Vida, além de fazer toda a parte de descrever as motivações, o cenário e os NPCs, também é responsável por criar os obstáculos que tentarão atrapalhar essa execução de acontecer.

Mas, antes de se horrorizar com esse tema, quero que você leia um trecho do livro escrito pelo próprio Valpaços:

“Caso você tenha chegado a este livro buscando apenas um jogo no qual você pode matar personagens sem pudor ou consequências, projetando raivas e rancores, feche este livro. Ok, este é um jogo sobre assassinos treinados. Matar personagens é parte do jogo. É justamente por isso que responsabilidade é necessária, por se tratar de um tema complexo, sério e maduro. Caso queira prosseguir com a leitura buscando entretenimento fácil em ‘jogo de matar gente’, você está distorcendo o propósito do jogo, provavelmente agredirá quem jogará contigo e afetará negativamente a comunidade de jogadores. Mas se você busca histórias intensas escritas com sangue sobre dilemas morais, vire a página. Ceifadores é justamente sobre isso.”

… São Humanos.

Ceifadores é um jogo e como todo jogo, você e seus amigues podem se divertir, rir e etc.

Contudo, a proposta central do jogo é que vocês, incluindo o mestre da vida, sintam constante desconforto.

Os assassinos, chamados pelo livro de ceifadores, não são unidimensionais ou caricatos. Desde o cuidadoso planejamento de como tirar aquela vida humana até a conclusão do ato da maneira mais eficiência e limpa possível, suas ações estarão gerando consequências sobre sua condição física e mental.

Diferente de mundos de fantasia, sabemos que assassinos existem e são profissionais como qualquer outro. Eles têm vidas pessoais para as quais voltar após uma missão, parentes, amigos, animais de estimação etc.

Por mais que seja difícil aceitar, a existência de um assassino é tão natural quanto a de um médico. Mesmo motivado por condições psiquiátricas, um assassino não é um monstro. Ele é um humano como qualquer outro.

Ceifadores coloca esse humano contra a parede através de dilemas éticos e morais. Joga com sua consciência. Seus limites. Suas regras.

Da mesma forma, o jogo põe o mestre da vida em uma posição antagônica a dos jogadores, tentando impedi-los de cometer suas execuções, convivendo com a impotência e tendo de lidar com isso.

A casa sessão, uma nova execução poderá acontecer.

Morte e Vida em Jogo

Vamos abordar um pouco sobre as mecânicas que caem sobre o mestre da vida e depois falamos dos assassinos.

Ceifadores trabalha com uma versão única do sistema da casa da Lampião Game Studio, chamado L’Aventure. Para jogar só é necessário os anexos no final do livro e de 2 dados comuns de seis lados (d6).

1d6 ficará com o narrador e será chamado de Dado da Vida (DV). 1d6 ficará com os assassinos e será o Dado da Morte (DM).

O DV representa sintropia, ou seja, ordem, paz e segurança. O mestre da vida usa de rolagens altas neste dado e de recursos que possuí para que a sessão acabe sem mortes, principalmente a da vítima principal.

O DM representa entropia, ou seja, caos, conflito e violência. O assassino usa de rolagens altas neste dado e de recursos que possuí para alcançar seu objetivo, ou melhor, sua execução.

Agonia

A regra de Agonia é o princípio básico do jogo.

Quando um assassino aponta sua ação em busca de executar seu alvo, ele rola o DM contra o DV do mestre da vida. A maior rolagem determina se o universo favorece a vida ou a morte.

Por exemplo: No momento em que o assassino tentar descobrir como é a rotina de um alvo, a mestre da vida pode exigir a jogada de Agonia. Se o DV for maior, a rotina do alvo é complicada e dá pouca oportunidade para uma execução fácil. Se o DM for maior, a vítima tem uma rotina previsível e com várias margens para ser assassinada.

Minúcias

Fatores que interferem na tensão entre a vida e a morte são chamadas de Minúcias.

Podem ser recursos da ficha do ceifador, elementos que descrevem o cenário, informações do dossiê da vítima, características da equipe de ceifadores ou mesmo algo circunstancial como um pé-de-cabra. Todas essas minúcias podem ser vantagens ou desvantagens que favorecem ou desfavorecem a vida do ceifador, colocando-o sob Boa Fortuna ou Má Fortuna.

Boa Fortuna significa que o ceifador joga o dado duas vezes e fica com o melhor resultado. Má Fortuna faz o mestre da vida rolar duas vezes e ficar com o melhor resultado. É possível ficar sob má e boa fortuna simultaneamente em ceifadores.

Existem regras mais detalhas sobre como usar uma Minúcia assim como elementos nas fichas dos ceifadores (perícias) que ficam para serem explicadas em um Guia de Criação de Personagem futuro sobre esse jogo.

Esses regras somam e subtraem resultados dos dados, trazendo mais aleatoriedade e, consequentemente, mais agonia ao jogo.

Considerações e Despedidas

Se o livro terminasse na parte onde são explicadas as perícias, eu já teria nas mãos um jogo consistente. Contudo, quando falamos de Valpaços, falamos de um dos maiores game designs de RPG do Brasil.

Com mais de 180 páginas, o livro ainda conta com regras para jogar com os ceifadores de forma colaborativa, como criar toda uma biografia do seu ceifador, além de mais dois capítulos familiarizando o mestre da vida com narrativas trilhadas pelas execuções e pela morte.

Durante toda a escrita, nota-se muito cuidado com o tema e muito respeito pela conexão que ele tem com a realidade. Você sente o peso da responsabilidade de produzir um jogo com um tema tão ousado e “problemático” sendo equilibrado com habilidade a cada palavra.

Ceifadores é um livro único com uma proposta única. Não se deixe levar pelo medo do tema. Confie no texto e viva uma experiência que vai te dar uma nova perspectiva sobre a vida humana.

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