A Última Batalha – Um Conto de Theros

Nesse conto, você acompanha a última batalha do herói de Iroas – Olympiodoros. Após uma grande jornada com alguns companheiros inimagináveis, o jovem se vê diante de seu maior inimigo.

Mesmo que perca a luta, sabe que a guerra está ganha. Não precisará mais lutar depois. Mas será que ele conseguirá desferir o golpe que lhe dará sua vitória?

A Última Batalha

Seu corpo estava dolorido dos golpes, seus músculos rígidos da tensão causada pelo ambiente, seus pés já não tinham a firmeza do começo da batalha, e a cada novo movimento sua mente gritava de exaustão e pedia por descanso.

Mas suas mãos, mesmo que suadas, continuavam firmes e seguras ao redor de sua lança, enquanto encarava seu inimigo.

Ao longe podia ver que as chamas e o fogaréu, que há pouco consumiam sua cidade, se apagavam lentamente através da noite. Ainda ouvia gritos e ordens de soldados de ambos os exércitos, tinidos de espadas que se encontravam, zunidos de flechas que cortavam o ar em todas as direções, brilhos mágicos e explosões coloridas que iluminavam algumas regiões conforme eclodiam ao redor dos dois.

Entretanto seus olhos permaneciam fixos no seu único alvo.

O enorme Minotauro, campeão de Mogis, estava tão cansado quanto Olympiodoros, e arfava bruscamente buscando ar para seus pulmões, tendo recebido tantos golpes e cortes que mal se distinguia a cor de sua pele do sangue que escorria de seu corpo.

Nenhum dos dois piscava, pois estavam cientes de suas condições.

Era o último golpe.

Oly não tinha com o que se preocupar. Havia se esforçado e lutado bravamente para estar ali. Perdera a conta de quantos fôlegos de vida arrancara pelo caminho até aquele momento, e já não tinha ideia de quanto do sangue que estava em seu corpo e em suas roupas era seu, de seus aliados ou de seus inimigos.

Porém ele tinha uma certeza: seu exército ganhara. Com muito suor e sangue, muitas vidas perdidas, muitas famílias que não estariam completas a partir dali. Inclusive a sua.

Por um segundo sua mente se dispersa e ele sente lágrimas geradas pelo calor da emoção quererem tomar conta de seu rosto. Percebe sua garganta fechar pelo sentimento que estava transbordando e não havia conseguido assimilar ainda.

Muitas coisas haviam acontecido nas últimas horas e ele não tivera oportunidade de compreender a grandeza dos fatos. Mas ele inspira fortemente, levando o ar pesado aos seus pulmões doloridos, e solta o ar devagar.

Ainda não havia acabado.

O grande Minotauro o encarava. Sabia que havia perdido, mas não iria pedir por clemência, e em um golpe final, iria tentar levar o grande herói de Theros consigo.

Rapidamente, dando um último suspiro enquanto corria na direção de Oly, a grande besta solta um enorme rugido que poderia assustar até o mais bravo dos guerreiros. Exceto o grande Campeão de Iroas, que observando a cena, abraça seu destino.

As duas grandes criaturas, com pesadas passadas, se dirigiam para o encontro que iria ser relatado pelos próximos milênios em inúmeras formas de arte.

Lança contra espada.

Bronze contra bronze.

Humano contra Minotauro.

Mogis contra Iroas.

Parecia existir apenas o silêncio, sem grunhidos ou quaisquer sons que denotavam grande luta. Não houve estrondos ou brados, principalmente para aqueles das quais suas vidas dependiam de um único golpe.

E de repente, o jovem herói parou no tempo, abruptamente de olhos fechados. Sabia que havia feito errado, quase como se esquecesse de todas as aulas que tivera na arena. Não deveria piscar diante do inimigo, e conseguia ouvir seu tio repreendê-lo ao longe, e por isso deixou escapar um pequeno sorriso.

Estava de pé, com a lança ainda em posição de ataque, congelado pela ideia do acontecido, e tendo a certeza, mesmo sem olhar, que seu golpe cortara o Minotauro forte e fundo o suficiente.

Seus sorriso se transformou em uma leve e curta risada enquanto escutava o barulho de queda de seu inimigo ecoando levemente ao seu redor, sem lhe dar preocupações de que pudesse voltar a se levantar.

GANHARAM!

Lentamente ele ajeitou sua postura, apoiando-se na lança para se manter firme. Seus olhos, semicerrados, percorriam o lugar que antes era sua casa. Estava tudo destruído, e algumas das construções que não se mantinham tão firmes, estavam lentamente se desfazendo.

O vulcão despertado repentinamente surpreendeu aos dois lados, causando um estrago gigantesco, e as cinzas caíam lentamente, tornando a paisagem uma espécie de quadro inacabado. A noite estava densa e fria, mas o grande dragão vermelho deixou inúmeros pontos de calor tremeluzentes ao redor.

Por um instante ele se preocupou. Onde estaria o dragão? Mas ao longe, observou enquanto um kraken, que com certeza obedecia a Dalakos, enrolou o grande dragão com seus tentáculos arrastando-o para o fundo do mar.

Ele manteve o sorriso.

Seus olhos ficaram mais pesados e ele percebeu os corpos caídos aos seus pés como se voltasse ao barco que antes estivera, balançando levemente. Sabia que isso não era normal.

Percebeu que seu mundo estava dando voltas e perdeu o equilíbrio por um instante, então olhou para baixo. Não entendeu como não sentiu antes, mas a adrenalina percorrendo seu corpo o impediu de cair assim que havia recebido o golpe, disso tinha certeza.

A grande espada do Minotauro agora atravessava sua barriga, e a cor vermelha se encontrava quase negra escorrendo do ferimento.

Mas ele não sentiu medo.

Sabia que havia cumprido seu destino.

E em um ato de misericórdia a si mesmo, retirou rapidamente a espada do local, observando o sangue jorrar violentamente enquanto caía de joelhos, para depois se sentar, e finalmente deitar.

Pensou na trajetória até ali. Na arena e em suas vitórias. Nos seus tios, que tanto lhe ensinaram, e na última aventura que tivera, com criaturas as quais talvez jamais pensou se aliar, mas que lhe ensinaram tão grandes coisas.

Ele sorria, pois sabia que todos fizeram o que deveria ser feito. Sabia que ganharam a guerra! Que se tornaram heróis, afinal, ele nunca fora de perder em nada, e sabia que sua morte não era uma derrota, era apenas o início de grandes feitos entoados e contados pelas próximas gerações. Sabia que sua memória jamais seria esquecida, nem a de seus aliados.

Com um último esforço ele abriu os olhos, ouvindo a risada de seu tio cada vez mais próxima, lhe parabenizando pela vitória. Mas a única coisa que enxergava era o céu noturno, escuro tal qual os pelos de Nisha, a leonina que rompeu as barreiras de preconceitos entre ela e os humanos por causa dele.

Focou seus olhos nas estrelas brilhantes, moldadas pelas nuances de Andrômeda, que pareciam sorrir para ele, lhe aquecendo o coração. E em um último esforço de fala, com um sorriso nos lábios e a memória do último beijo recebido, ele sussurrou para o Nix: estou indo te encontrar.


A Última Batalha

Texto e Revisão: Raquel Naiane.
Arte da Capa: Iury Kroff.

Ilustração por Iury Kroff.

ARTES OBSCURAS NUNCA DEVEM SER PROFANADAS

ARTES OBSCURAS NUNCA DEVEM SER PROFANADAS

Setembro. Início de mais um período letivo na Universidade de Miskatonic. O último de Howard.

Jovem, boa pinta, mas sem muito sucesso com as garotas, Howard estava mais interessado nas curiosidades de seu curso. Ele tinha uma “queda” por coisas antigas e arqueologia foi amor a primeira vista. Ser curador do museu de artes obscuras era seu sonho, para tal precisava se dedicar muito mais que os outros, afinal, que sorte ter encontrado aquele orbe antigo, o que lhe rendeu uma bolsa em Miskatonic.

Howard era o caçula de três irmãos. Sua família era simples e morava no subúrbio da cidade de Boston. Seu pai era aposentado de guerra se assim pudesse ser dito, na cabeça dele era um herói. Lutou na grande guerra, perdeu a audição de um dos ouvidos e manca da perna esquerda. Sua mãe ainda é jovem e trabalha em dois empregos pra segurar as pontas. Seu irmão mais velho “abdicou” de um futuro para cuidar dos mais novos e a irmã do meio não segue tanto os padrões de beleza a ponto de se casar com um nobre.

Assim, Howard, recebera mais que o nome de seu avô, mas também sua curiosidade e “fome” de conhecimento. Howard despertava, desde pequeno, um enorme interesse pela origem das coisas e a história por trás de toda criação. Além disso, tomou gosto pela arqueologia, sempre aos finais de semana, ele ia para as cavernas escavar, na esperança de encontrar algo.

Já estava no auge de seus 18 anos quando…

se surpreendeu com um achado. Howard havia escavado algo sinistro e valioso, era um totem macabro feito inteiramente de jade, ele pensou que se tratava de um Buda, mas era mais distorcido. Era um corpo humano, grotescamente obeso e nu, chamava a atenção por não ter cabeça e na palma de suas mãos haviam uma boca em cada, dela alongava-se uma esguia e cumprida língua.

Ingênuo e tomado por sua curiosidade, o menino levou o totem consigo. Em casa ele lavou e limpou o objeto estranho, revelando em sua base uma frase, Revelações de Glaaki, isso não dizia nada para Howard, mas ele sabia onde procurar. Sabendo bem o que desejava ele partiu para a Universidade de Miskatonic. Utilizando-se de seu achado ele fez contato com um dos mestres de ocultismo da Universidade, Doutor Lecard, que ao examinar o totem fizera de tudo para que Howard fosse admitido com uma bolsa integral.

Os semestres foram passando e Howard nunca mais retornou para sua casa, não saía da Universidade, às vezes permanecia em seu quarto o dia todo estudando. De fato ele era apaixonado por arqueologia, mas não pensava em desbravar tumbas e liderar expedições, queria apenas ser apto a curadoriar o Museu de Artes Obscuras. Tamanha era sua ambição que ele se esquecia de comer ou até mesmo de trocar suas roupas, achava isso uma perda de tempo. Seus colegas de quarto, um a um iam deixando sua companhia, até que ficasse sozinho de vez.

Entretanto, Howard não se importava com nada daquilo,…

…se estava magro demais, imundo e solitário. Isso não mudaria sua obsessão pelo desconhecido. Mas, não era só isso que mudou em Howard. Ele não se importava com mais nada e nem ninguém. Semanalmente ele saía de seu quarto para observar por alguns minutos seu totem que agora repousava na estante principal da sala de Artes obscuras da universidade, também saía para pesquisar na biblioteca, seu destino era sempre a ala de ocultismo e também saía para tomar um banho e arranjar comida. Era só isso e só mais um pouco teria concluído seu objetivo maior, não fosse um novo achado que mudaria sua existência para sempre.

Um certo dia em suas buscas pela biblioteca, Howard encontrara um tomo muito antigo parecia ser datado de antes de 1865, não se sabia ao certo. Eram 12 volumes, escritos em papiros antigos, amarelados e com um cheiro fortíssimo de conservante de papel. Era um compilado de manuscritos, em inglês, relatados por membros de um culto no início do Século XIX.

Todavia, Howard só queria lê-lo, e assim o fez…

“Além de um abismo na noite subterrânea, uma passagem leva a uma parede de tijolos maciços, e além da parede ergue-se Y’golonac para ser servido pelas figuras esfarrapadas e sem olhos da escuridão. Por muito tempo ele dormiu junto à parede, e aqueles que rastejam pelos tijolos correm por seu corpo sem nunca saber que é Y’golonac; mas quando seu nome é falado ou lido, ele sai para ser adorado ou para alimentar e assume a forma e a alma daqueles de quem se alimenta. Para aqueles que lêem sobre o mal e procuram por sua forma dentro de suas mentes, evocam o mal, então que Y’golonac volte a caminhar entre os homens e espere o tempo em que a terra será limpa e Cthulhu e levantará de sua tumba entre as ervas daninhas, Glaaki golpes abrem o alçapão de cristal, a ninhada de Eihort nasce à luz do dia, Shub-Niggurath avança para esmagar a lente da lua, Byatis irrompe de sua prisão, Daoloth arranca a ilusão para expor a realidade por trás.”

No início Howard não entendeu muito bem do que se tratava, parecia um livro sobre fanáticos religiosos. Mas, era tarde demais, aquele nome não saía de sua cabeça. Ele ouvia uma voz lhe sussurrar. Uma ilustração lhe revelara que se tratava da mesma figura de seu totem. E então, ele pronunciou o indizível:

– Y-G-O-L-O-N-A-C – letra por letra.

E sua mente, enfim se encontrou com a criatura. Ela era imponente e vil. Sádico e faminto. Não era uma visão, era um sonho, todas as noites o mesmo sonho. Aquela criatura asquerosa caminhava até si para encontrá-lo copulando em depravação com homens, mulheres e animais, suas bocas em suas mãos salivavam e sibilavam numa língua incompreensível, e da lascívia se alimentava. Elas lhe dava ainda mais prazer, vomitava em sua boca um doce néctar de prazer que fazia seu corpo se entregar a tudo e a todos, mas também lhe tirava, com o prazer vinha a fome, e as bocas lhe morriam arrancando leves nacos de carne, em seguida lambiam a ferida e não se sentia dor, apenas prazer, o mais sublime prazer.

Então, de repente, mas como se tivesse passado muito tempo, Howard acorda em quarto. Sua respiração começou a se tornar sôfrega nas últimas semanas, seu corpo se torna mais frágil a cada dia, como se aos 23 anos possuísse o mais severo caso de osteoporose diagnosticado, sua mente esqueceu todo e qualquer conhecimento banal, para dar lugar a Ele, sua pele tem cheiro de podridão, tomada por marcas ensanguentadas de mordida infeccionada, é possível ver alguns vermes o devorando de dentro para fora. Mas, Howard não sente dor, no lugar desta, um prazer distinto, como se fizesse parte de algo maior.

Apesar de tudo…

Iniciava o último semestre, raramente era visto em público, tomava suas refeições no quarto e recebia as aulas através de colegas que copiavam para lhe ajudar. Estava doente, muito doente, não tinha forças para andar longas distâncias, sua mente se tornara débil ao ponto de criar um dislexia latente, que passava somente quando estudava os mitos nos tomos de Glaaki.

“Aqueles que desejam conhecer as verdades incognoscíveis do universo, aqueles que desejam alcançar o inatingível, devem sacrificar todas as vestimentas humanas para que possam renascer e perceber não apenas a natureza revelada do universo, mas também de si mesmos.”

Essa foi a última mensagem assimilada por Howard. Os sonhos se repetiam com frequência, na noite e também durante o dia. Ele, O Profanador, como era conhecido a deidade invocada por Howard, cumprira seu objetivo perverso, havia aprisionado uma vítima, tomou sua mente e se alimentava de sua energia voluptuosa. O menino sedento de curiosidade havia se tornado parte daquele culto macabro, não como membro, mas como sacrifício.

O Deus profano devorou sua vítima ao ponto desta se tornar totalmente intangível e desaparecer. Antes disso, Howard em último esforço cognoscível escondeu os tomos na biblioteca de Miskatonic e jogou o totem da criatura no rio ali próximo, uma tentativa de evitar o pior. Improficuidade sua. Y’golonac já havia despertado neste mundo, seu culto logo se reestabelecer ia, a libidinagem da humanidade ao passar dos anos o traria de volta a vida. É só questão de tempo para o antigo profanar a tudo e todos.

Fim…(?) de Artes Obscuras nunca devem ser profanadas…

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Um Novo Amigo – Histórias de Fogueira #2

A série Histórias de Fogueira irá trazer alguns contos de terror sobre temas variados. Em “Um Novo Amigo” iremos acompanhar a trajetória de um ser que apenas quer ser ouvido. Você gostaria de ser o novo amigo dele?

Um Novo Amigo

Victor se sentou no chão ao lado do seu novo amigo Orc enquanto limpava as mãos sujas de sangue. Fazia pouco tempo que haviam se conhecido, mas depois do combate, o Orc, embora jovem, estava fraco. Então, ele o ajudou a sentar perto da fogueira que havia feito.

“Deixa eu te contar minha história, amigo. Preciso desabafar”, disse Victor enquanto o apoiava melhor na árvore que usava como suporte.

“Senta aí, isso vai demorar um pouco. Não é uma história bonita e muito menos feliz que eu vou contar agora, mas é a vida real, aquela que a maioria das pessoas prefere não saber que existe.”

“Meu nome é Victor, ou pelo menos era assim que o Doutor me chamava. Foi ele quem me criou, sabe? Um cientista louco que me trouxe de volta dos mortos, não para achar um novo método de medicina, não… Muito longe disso. Foi por pura crueldade!”

“Eu me lembro da primeira vez que abri os olhos neste novo corpo. A dor era insuportável! Sentia cada parte do meu ser gritar em agonia.”

“A sala era meio escura, havia barulho de metal e cheiro de ferro por toda parte. Minha visão ainda estava embaçada por causa de todo o processo, mas quando se acostumaram, pude notar algumas máquinas e pedaços de corpos dispostos pelo lugar.”

“O Doutor estava lá também, com aquele sorriso sádico, os olhos estáticos que não sorriam junto com o rosto. Você não conhece nenhum Doutor, não é, amigo Orc? Posso te chamar assim, certo? De amigo Orc?”

O Orc continuava em silêncio com o olhar calmo na direção de Victor.

“Bom, espero que não conheça nenhum Doutor, pois ele me observava como se eu fosse um rato de laboratório. O experimento mais precioso dele!”

“Ele veio até perto de mim, caminhando lentamente sem falar uma palavra sequer, cheirando a mofo. Então esticou a mão para encostar em meu rosto. Senti seus dedos finos e a mão fria quando apertou minhas bochechas enquanto dizia que eu era sua arma, criado para destruir e servir aos seus propósitos obscuros.”

O Orc lentamente inclinou a cabeça em direção à fogueira. Havia um cantil próximo a ela e ele percebeu que estava com a boca seca, então estendeu o braço para pegá-lo, mas Victor foi mais rápido.

“Você deve estar com sede… não me admira, você foi muito bem na luta. Aqui, tome”. Ele colocou gentilmente o cantil na boca de seu amigo. “Devagar, amigo, não quer morrer engasgado, não é?”

Após alguns goles, Victor tirou o frasco e disse: “Calma, vai tomar tudo e deixar seu amigo sem nada?” Então ele riu e usou a água para lavar as mãos, terminando de limpá-las.

“Como eu ia dizendo sobre minha vida: os dias e noites eram um tormento sem fim, amigo. O Doutor se divertia me torturando, testando os limites do meu corpo reanimado. ‘Você é meu triunfo, Victor‘, ele dizia, enquanto me eletrocutava ou ajustava algum mecanismo dentro de mim que só aumentava a dor.”

“Ele queria saber até onde eu poderia aguentar, quanto sofrimento eu suportaria antes de quebrar. Mas eu não quebrava, amigo. Eu não podia dar essa satisfação a ele.”

Victor se inclinou em direção ao amigo Orc, dando algumas tapinhas no rosto dele, uma vez que estava meio sonolento e seus olhos trêmulos não conseguiam focar em mais nada.

“Vamos, amigo. Acorde! Ainda estou na metade da história. Aqui, tome isso.” O Orc abriu a boca, e Victor derramou uma de suas fórmulas.

O gosto era amargo e Victor sabia disso, a fisiologia do Orc não era feita para suportar as infusões e pelo visto, o amargor veio acompanhado de uma forte dor no estômago que que fez o Orc se inclinar.

Victor sabia ler as pessoas, pois ele havia ganho a vida fazendo isso no passado, e era nítido nos olhos do Orc que ele não fazia ideia das reais intenções daquele homem, que continuou sua narrativa:

“E então havia Lucy. ‘Minha noiva’, como o Doutor a chamava. Ela era uma obra-prima de loucura, tão cruel quanto ele, talvez até mais. Foi criada poucos meses depois de mim, com a alma de um psicopata que o Doutor pegou e trancou naquele corpo belo e letal. Ele fez a caçadora perfeita e, de alguma forma, implantou nela uma obsessão insana por mim.”

“Ao menos eu acredito que tenha sido ele que a fez ser daquele jeito, já que haviam momentos em que ela parecia demonstrar algo parecido com um amor distorcido por mim, como se houvesse algum resquício de humanidade. Mas era tudo para me ver sofrer, me incentivar a fugir e depois me caçar. Me fazer sentir dor.”

“Cada caçada da Lucy era um pesadelo. Ela me rastreava dia e noite, sempre um passo atrás de mim, me vigiando, pronta para atacar, mas evitando fazê-lo para me ver desistir. Depois dizia que me amava, mas seu amor era uma faca de dois gumes, cortando mais fundo do que qualquer lâmina.”

“Ela já confessou que adorava me ver sangrar, adorava o som dos meus gritos. E apesar de todo o horror, ainda havia uma parte de mim que ansiava por ela.”

“Talvez a loucura dela estivesse se espelhando em mim, talvez fosse apenas o desespero de alguém que não queria estar sozinho… Você já se sentiu assim, amigo Orc? Estar com alguém aparentemente inofensivo, mas que no final só queria te ver sofrer?”

O Orc, cansado, apenas fechou os olhos com um semblante sem esperança e deixou a cabeça pender em direção à árvore. “Você não é de falar muito, não é? Enfim…”

“Novamente eu fugi do laboratório, do Doutor e de Lucy, mas nunca estive realmente livre. Sempre senti a sombra dela atrás de mim, sabe? Uma presença constante e uma ameaça eterna.”

“O Doutor me quer de volta e sempre usa a Lucy para isso. Aposto que desta vez ele ordenou que ela me trouxesse vivo ou morto. Agora estou sempre em fuga olhando por cima do ombro.”

“Sei que um dia ela vai me encontrar, e nesse dia será o fim. O fim para um de nós dois. Mas até lá eu luto, amigo Orc. Luto contra o que sou, contra o que fizeram de mim e, infelizmente, nem sempre consigo me vencer. Tudo se torna difícil quando tudo o que conhece é dor e sofrimento.”

Victor observou que o Orc continuava com os olhos fechados, peito imóvel. “Amigo Orc?” perguntou ele, inclinando-se para sentir o pulso do Orc, apenas para constatar o óbvio.

“Você lutou bem, Orc. Mais sorte na próxima. Se sua alma quiser vingança, eu estarei esperando e será uma honra”, disse Victor, revirando os bolsos de seu suposto amigo.

“Talvez você entenda, talvez não. Mas precisava desabafar, precisava que alguém soubesse o que aconteceu comigo. O que ainda acontece, na verdade.”

“E Lucy!” gritou para o alto “se você estiver ouvindo, e eu sei que está aí, sei que não vai parar até me encontrar. Mas eu não vou mais facilitar, amor. Vamos ver quem cai primeiro desta vez!”


Um Novo Amigo

Autor Convidado: Ewerton Silva.
Revisão: Raquel Naiane.
Arte da Capa: Gerson Berredo.


Encontre mais contos de terror clicando em: Histórias de Fogueira.

O Fim – Histórias de Fogueira #1

A série Histórias de Fogueira irá trazer contos de terror sobre temas variados. Em “O Fim” você irá conhecer um jovem que apenas está buscando sua sobrevivência no fim do mundo. Mas será que apenas os zumbis são o perigo?

O Fim

O fim do mundo havia começado há uns meses, e após certo tempo eu havia perdido a noção dos dias passados com as noites mal dormidas e não saberia dizer se já faz anos ou não.

Felizmente a bagunça inicial já passou, e várias famílias ainda estão razoavelmente bem dentro de suas casas com muros repletos de cacos de vidro e portões gigantes que servem como “barreiras anti-mortos-vivos”.

Sofrendo perdas ou retaliações apenas quando devem sair considerando que seu estoque está baixo, ou como era meu caso: pessoas que não aguentam ficar trancadas e preferem se arriscar.

Claro que o início importa mais que o fim. Onde se estava quando as primeiras pessoas saíram enlouquecidas pelas ruas mordendo umas às outras? Essa pergunta é válida quando se trata da sobrevivência do primeiro dia.

Eu estava na rua com alguns amigos que se tornaram meu primeiro grupo de sobreviventes, ou quase. Perdi alguns naquele dia, mas continuei de pé, e depois disso não consigo me ver estacionado em algum lugar.

Segui os dias aguardando o grupo de protagonistas que provavelmente já está investigando de onde o vírus veio e como ele pode ser controlado ou exterminado, até eles chegarem ao resultado do plano infalível que estão criando e dar um fim para essa bagunça.

Não faço parte desse grupo, sou apenas um figurante no fundo da cena me esforçando para não virar um minion do vilão”.

E depois de tanto tempo entrando em grupos que, ou morriam todos, ou resolviam se aquietar para tentar viver em paz em algum lugar, percebi que seria mais fácil seguir meu caminho sozinho, sem ninguém a quem temer pela vida, ou pior, a quem temer pela morte.

Aquele era um dia tranquilo em específico. Estava andando em uma rua rodeada por floresta, ouvindo o silêncio ser quebrado pelo farfalhar das folhas ocasionalmente sendo levadas pelo vento. Olhava ao redor com cautela procurando por água, pois a minha reserva tinha se esgotado.

Havia andado o dia todo e estava cansado e com sede, não escutei um único gotejar e precisava me reabastecer, e quando pensei em procurar uma árvore de troncos grossos para tentar dormir, ouvi ao longe um barulho que sabia não pertencer ao vento.

Meu coração acelerou e eu olhava ao redor com cuidado até ouvir uma voz feminina pedindo por socorro.

Já havia sido vítima desse tipo de truque no passado devido à minha predisposição para ser excessivamente ingênuo e benevolente. Uma mulher aparentemente frágil precisando de ajuda, e de repente, um grupo de outras pessoas me rodeava e roubava meus recursos.

E sabendo disso, eu não consegui resistir ao chamado. Mesmo sendo um figurante, eu ainda era humano.

Segui a voz apreensivo até chegar a um pequeno barranco, íngreme o suficiente para causar estragos, mas não tão alto a ponto de matar. A voz estava vindo de uma jovem que havia caído e estava presa em uma árvore que não sucumbiu à queda, ficando na diagonal.

Analisei a cena antes de me mostrar: o terreno estava liso, então ela não estava achando apoio para subir, e a queda deixaria qualquer um machucado o suficiente para ser lento e um alvo fácil. Não era uma boa alternativa.

Olhei ao redor e não parecia ter ninguém por perto, até porque, aquele não era um local propício para uma emboscada já que a mulher realmente poderia morrer. A menos que eles não se importassem com isso… mas eu estava pensando demais!

Me aproximei um pouco e na hora que me viu a moça entrou em alvoroço pedindo ajuda. Ainda receoso, pedi que se acalmasse e me aproximei, tirando do meu kit de sobrevivência uma corda que peguei em uma loja qualquer.

Fiz um laço firme e arremessei, pedindo pra ela posicionar ao redor da cintura. Depois procurei um ponto de apoio enquanto ela fazia o que pedi, até que achei uma pedra firme. Então eu puxava de um lado e ela tentava escalar do outro.

Quando finalmente chegou no topo, me apoiei nos joelhos tentando buscar o ar enquanto ela deitava no chão e olhava para o céu. Em seguida começou a rir como se tivesse acabado de ouvir a piada mais engraçada da história, e entre os risos, me agradeceu, o que me fez rir também.

Ela não era uma armadilha, era uma companhia. Começamos a conversar e percebi que ela tinha os mesmos ideais que os meus: ficar vagando, conhecendo pessoas novas e quase morrendo em penhascos (isso me fez rir de novo).

Como já estava tarde, expliquei que iria subir na árvore para dormir, mas estava com sede, então ela disse que conhecia um lago perto e que era lá que buscava recurso quando precisava.

Começamos a caminhar, primeiro em silêncio, depois fui puxando assunto e ela foi cedendo. Me contou de sua vida anterior, como era esforçada e estava estudando para ser médica, mas que “O Fim”, como chamou, acabou com seus planos.

Ela também perguntou de mim, e aos poucos fui contando meu passado. Contei que trabalhava como vendedor, e essa profissão havia me ensinado a ler as pessoas, entender quando estavam me passando a perna e que isso era uma vantagem aqui fora.

Ela me olhou séria: “O mundo mudou e as pessoas também! Todos criaram mais cascas dos que aquelas que já possuíamos. Ler alguém hoje é mais difícil do que antes”.

Continuamos andando em silêncio, já que eu pensava em suas palavras, e antes que eu pudesse perguntar mais, um som que reconheci me chamou atenção: ÁGUA!

Olhei para ela animado e ela começou a andar mais rápido até que estávamos em um lago muito grande. Perguntei se realmente era seguro e ela me assegurou que sim, mas não aguardei sua resposta.

Eu já havia jogado minha mochila no chão, tirado minhas meias e meus tênis, e antes de tirar a camiseta olhei para ela, que me encarava.

Ela apenas acenou que sim, como se estivesse me dando permissão, e se dirigiu para um tronco caído numa pequena clareira que parecia já ter sido visitada muitas vezes por ela. Por fim, tirei minha camiseta, minha calça e pulei na água.

Há tempos não sentia nada como aquilo na pele! Estava com saudade de um modo inexplicável e aquilo era quase o paraíso. E em nenhum momento a jovem olhou para mim, não que eu tenha percebido.

Quando me encontrei com ela novamente, já vestido, ela havia feito uma pequena fogueira. Ficamos em um silêncio confortável enquanto eu admirava aquela paisagem e pensava na sorte de ter encontrado aquela mulher.

Até que percebi uma casa do outro lado, muito velha e acabada, parecendo prestes a cair por um sopro, mas o que me deixou mais incomodado, é que eu parecia conhecer aquele lugar.

Forcei a vista um pouco, e me endireitei em cima do tronco que me servia de banco, mas mesmo que não viesse nada a mente, aquela sensação não ia embora…

Antes que pudesse comentar sobre o que estava sentindo, percebi que ela se aproximava de mim, e com um olhar sapeca me perguntou se podíamos contar histórias de terror.

“Uma diferente daquela que vivemos?” questionei brincando.

Ela retrucou que na sua época jovem era escoteira, e era uma tradição contar histórias assustadoras ao redor da fogueira. Olhei para onde estávamos, e realmente parecia o clima perfeito para isso.

Resolvi começar contando uma história bem meia boca de uma versão da Loira do Banheiro, pois não consegui pensar em coisas diferentes ou inventar algo, e quando terminei, pedi para ela me surpreender.

“Existe uma lenda que contávamos nesse lago que vale a pena ouvir: Há muitos anos, uma senhora rica havia se mudado para essa região e construiu uma enorme casa bem ali.”

Ela apontava para a colina do outro lado do lago, onde atrás das sombras das árvores era possível avistar as paredes corroídas daquela mansão. Aquela cena me trazia alguma memória em pedaços que eu não conseguia juntar.

“A mulher era sozinha, não tinha filhos e nunca havia se casado. Vivia apenas na companhia de seus três poodles gigantes.”

Ao longe ouvimos um uivo, e tentei disfarçar o arrepio na minha coluna com uma piada sobre coincidências do destino, mas ela não riu.

“A casa também recebia a visita de alguns mordomos e serviçais aos finais de semana que ajudavam com a limpeza e outros afazeres. Ela vivia feliz com sua rotina programada e curtindo a solidão que sempre quis.”

“Até que um dia, um grupo de jovens apareceu, fazendo uma grande fogueira e muito barulho. Pareciam ter saído de filmes de terror onde nenhum deles tem neurônio e só pensam em atos libidinosos.”

Ela me encarou séria, como se a culpa fosse minha… mas eu sentia que talvez fosse, mesmo que não conseguisse explicar.

“E em uma daquelas noites começou a chover muito forte, uma espécie de tempestade com ventania. E o grupo avistou a casa como um bom lugar para se esconder após alguns dias perturbando a paz e sossego daquela doce senhora”

“Eles foram até lá e bateram incessantemente na porta, e quando começaram a gritar que iriam forçar a entrada, a idosa abriu as fechaduras e os permitiu adentrar seu lar.”

“Seus cachorros não paravam de latir, presos em outro cômodo, e os jovens começaram a reclamar e agir como se aquela casa pertencesse a eles.”

“O que eles não sabiam é que a senhora tinha alguns problemas, e havia se isolado para manter os outros seguros. Naquela noite, ela deixou os cachorros soltos para que a ajudassem, e um a um lentamente matou aqueles que haviam tirado sua paz.”

“Os primeiros foram mais fáceis, porém um rapaz em específico havia levado seu irmão mais novo, e queria proteger ele, dessa maneira, pegou um machado escondido no armário, e ainda conseguiu atingi-la com um único golpe no rosto, deixando uma cicatriz que cortava sua face.”

“O irmão mais novo fugiu, mas todos os outros ela conseguiu matar, porém nenhum corpo foi encontrado quando os policiais vieram revistar o lugar após ouvirem o testemunho do menino.”

“Dizem que nada foi achado porque a senhora usava como comida aqueles que tirava a vida e até hoje os que vem tirar o sossego da idosa, tem o mesmo destino no fim.”

Dei um pulo quando novamente ouvimos os uivos e latidos anteriores, só que dessa vez pareciam mais próximos. Ela achou graça do meu susto, e quando eu ia comentar que os bichos estavam perto, ela começou a falar da família dela repassando essa lenda como verdade.

Minha cabeça começou a doer forte, e eu me distrai do susto anterior, continuando nossa conversa e entrando em assuntos banais, ora falando de como as coisas eram antes, ora sonhando com um futuro em que as coisas fossem voltar ao normal.

Mas aquela sensação de conhecer o lago e a casa começou a aumentar. Olhava ao redor e parecia que eu já estivera naquele local antes, só não entendia como.

E de repente os uivos estavam tão perto que eu sabia que estávamos em perigo. Me levantei rápido e puxei aquela moça para minhas costas, perto do lago. No pior dos casos, poderíamos usar a água a nosso favor.

Mas lobos sabem nadar, não sabem?

Minha cabeça não estava funcionando direito, e a dor parecia aumentar. Era como se algo estivesse querendo voltar à minha mente, mas não encontrava o caminho.

Olhando ao redor, para além de onde a claridade da fogueira poderia iluminar, percebi dois círculos amarelo brilhantes se aproximando. Era definitivamente um lobo.

Sentia as mãos da mulher nas minhas costas, tremendo. Os animais com o vírus zumbi eram ainda piores que as pessoas, e eu não tinha ideia do que fazer para sair daquela situação.

E enquanto encarava os olhos daquele animal, percebi mais dois pares de olhos se aproximando pelas laterais, formando um círculo com seis olhos amarelos emitindo rosnados baixos na nossa direção.

Senti então, água nos meus pés. Olhando para baixo percebi que havia andado para trás devagar e por isso estava dentro do lago. Mas e a mulher?

Chamei por seu nome, mas não tive resposta. Balancei as mãos para trás sem tirar os olhos dos três bichos que me encaravam das sombras, mas não senti nada no ar.

Quase como se fosse ensaiado, aquela jovem apareceu atrás da criatura que havia aparecido primeiro, com um semblante sombrio e sorriso malicioso.

Baixei minha guarda acreditando se tratar de uma pequena pegadinha, mas quando ela levou suas mãos ao rosto e rasgou sua face, como se fosse papel, eu sabia que algo estava completamente errado.

Por baixo de seu rosto jovial, olhos amarelos surgiram, totalmente vazios de alma. Seu sorriso aumentou, se assemelhando a uma caça quando encontra sua presa, e pude ver cortando seu rosto uma enorme cicatriz.

Naquele momento, flashes vieram a minha mente, e eu entendi o motivo de estar com aquela estranha sensação.


O Fim

Texto e Revisão: Raquel Naiane.
Arte da Capa: Gerson Berredo.

Ilustra por Shadow

Encontre mais contos de terror clicando em: Histórias de Fogueira.

E assim nasce Fúria

Olá! A Fúria foi uma personagem que surgiu no meio de uma aula de física. Meus personagens, no geral, começam pelo desenho. E com ela não foi diferente pois, no meio da aula, desenhei uma moça de cabelo enrolado, com chifres de carneirinho e cara de brava. E assim nasceu Áries, ou como todos a conhecem, Fúria.

Depois da ideia inicial veio a ficha.

A Fúria pode facilmente ser confundida com um bárbaro com seu jeito inconsequente de lutar, mas, na verdade, ela é uma guerreira bem disciplinada. A raça escolhida foi tiferino, digo escolhida, mas, na verdade, ela não foi pensada para isso. Não era para ela ser meio demônio, e sim meio carneirinho. Porém, por falta de algo que se encaixasse nisso, ela passou a ser meio demônio, e isso veio a calhar mais para a frente.

Falando de números, a prioridade foi maximizar a constituição, eu queria que ela fosse um frigobar ambulante. Meu segundo foco foi em força, eu queria que ela machucasse quando batesse. Eu pensei nela como uma guerreira com machados duplos, no final foram trocados por espadas (me arrependi um pouco dessa decisão).

Nativa da Guilda

Diferente de alguns personagens que foram importados de outros cenários, como Cysgod que veio de Forgotten Realms ou Ale Atorius que saiu de Arton, Fúria foi pensada diretamente para o cenário da Guilda, o reino de Ethernet. Ela veio de uma cidade próxima, a qual estava interessada nas anomalias que a vila de MRPG manifestava.

Desde então, a Fúria já foi adaptada para muitos outros sistemas, como 7º Mar, Mutante Ano Zero, Caminho RPG e, mais recentemente, para Savage Worlds. O foco dela sempre foi manter a ideia de ataques múltiplos e linha de frente, tanto que ela já usou machadão, espadão e até serra elétrica.

Sendo meio seca e introspectiva, ela tenta manter todos a seu redor seguros (menos os inimigos), ela respeita autoridades e sabe ver o valor de todos. Penso que mesmo sendo parruda e grossa, ela consegue, com pequenos atos, mostrar certa doçura e carinho por aqueles que ela considera amigos, digo, conhecidos, porque a Fúria não tem amigos. 😉


Texto: Jujuba
Revisão: Escritor Ansioso
Imagem de Capa: Juaum Artwork

Festival do Solstício – Eventos da Vila de MRPG #03

Este conto chamado “Festival do Solstício” faz parte da coleção de histórias da Morada e Refúgio dos Primeiros Guardiões, ou como é popularmente conhecida, Vila de MRPG. Ao longo desta série de contos, vamos narrar como a votação e seu resultado afetaram a Vila de MRPG. Esses eventos são decididos pelos Patronos e Patronas do MRPG que possuem personagens na Vila.

Festival do Solstício

Após as Bruxas terem sido derrotadas, a floresta, lentamente, começou a voltar à sua normalidade. Consequentemente, a Vila se animou para retomar antigos costumes e realizar o evento que todos aguardavam ansiosamente: O Festival de Solstício de Verão.

Esse festival se iniciou há tempos, quando os seguidores dos primeiros guardiões se estabeleceram na região. E, agora, sem as bruxas, poderiam comemorar sem medo de que algum ataque acontecesse durante o evento.

O evento sempre trouxe inúmeras pessoas diferentes para prestigiarem suas atrações inusitadas. Permitindo, assim, que houvesse circulação da economia e na ampliação de contato de pessoas vindas de vários lugares. Entretanto, como era de se esperar, a realização do festival demanda investimentos. E sem muitos recursos devido à maldição que se abateu sobre a Vila, onde houve escassez de alimentos advindos da caça e da pesca e plantio, são levantadas algumas possibilidades para que o Festival acontecesse:

As ideias para o Festival

A primeira ideia vem de Tavu, o prefeito administrativo, que sugere que a Vila pegasse um empréstimo com a Capital do Reino de Intarnat. Assim inclusive, facilitaria para atrair pessoas de lá para a Vila, podendo, também, ganhar algum suporte e apoio de grandes famílias das regiões próximas para fazer a moeda girar.

Dervain, o Capitão da Guarda, porém se preocupa. Afirma que eles não estão preparados para um evento tão grande que atraísse tantos olhares. Ainda mais considerando que os soldados estavam em treinamento. Visto que, anteriormente, eram fazendeiros e pescadores e precisavam se adaptar à vida como homens de espada e escudo. Ou seja, provavelmente demoraria um pouco para que houvesse, realmente, uma guarda de prontidão. Então, se a cidade fosse realizar algum tipo de evento, mesmo que pequeno, uma Guarda terceirizada deveria ser contratada para a proteção de todos. E o empréstimo ainda deveria ser pego, mas investido em segurança.

Ouvindo atentamente as ideias apresentadas, Taior, o outro prefeito, sugere que um festival não é uma boa ideia, e que esse ano poderiam fazer algo diferente. Incentivando aos cidadãos para realizarem uma festa em homenagem à natureza, jejuando por uma semana ou não comendo quaisquer tipos de alimentos provenientes de animais. Assim, eles iriam permitir que a natureza conseguisse se recuperar após sofrer com a maldição recente.

A Votação

Com as três ideias sugeridas, o prefeito decide falar abertamente as opções para os habitantes da Vila e, assim, todos votariam. Desta maneira, a decisão tomada seria a mais justa para todos. Mas algo inusitado acontece, após cada cidadão escolher aquilo que mais gostaria, o prefeito percebe que houve um empate!

A mesma quantidade de pessoas quer realizar a festa, contratando uma guarda externa que possa ajudar, e também querem jejuar para acabar de vez com a maldição e honrar a natureza. Todos ficam abismados com a coincidência do empate e, pensando em como realizar o desempate de forma justa. Entretanto um recém chegado a vila, que não havia votado até então por estar em missão, inclusive a missão que acabou com a maldição da bruxa. Este era Sanderwind, que decide desempatar e vota publicamente em realizar a festa com a Guarda Terceirizada, o que leva os cidadãos à loucura e à felicidade de poderem relaxar após alguns dias angustiantes sofrendo com situações adversas.

Sendo assim, os preparativos para o Grande Festival começam!

Preparativos para o Grande Festival do Solstício

Alguns dias antes do festival, Antônio e Cornélio vão juntamente com Alladyn e Phalcol espalhar as boas novas nas cidades e vilarejos próximos.

Alê é enviado em uma missão urgente, para o mais longe da cidade possível até o fim do festival, escoltado pelo próprio Marcelonour e Eldir.

O Dia do Evento

No estábulo Garner já é possível ver os melhores cavalos sendo trazidos e expostos para quem tiver interesse adquirir. Grandes alazões de pelos listrados e ferraduras prateadas brilhando como se tivessem sido polidas há pouco.

O Anão Tagarela, Koch e Durrak arrumam a taverna para o grande evento. Organizam mesas e cadeiras, escolhem as melhores bebidas para expô-las atrás do balcão, atraindo curiosos que pagarão para consumir os líquidos diferenciados. Não somente isso, também já se preparam para possíveis brigas de taverna, que são extremamente comuns em eventos desse tipo.

Enquanto isso o Capitão Dervain, que teve a ideia inicial da Guarda Terceirizada, juntamente com os sargentos Gornog e Fúria, começam a escolher os melhores mercenários para proteger a cidade. Eles se encontram com Duncarin que cumpre sua promessa e mantem os guardiões em prontidão.

Jeff, Alenca e Pietro convidam a Guilda de Mercadores do Reino para venderem seus produtos na feira, e é claro, pagar tributos à vila por isso. Enquanto o anão Ferreiro Rocher prepara suas obras primas para vender, um grande arsenal de armas únicas entalhados em metais preciosos e raros, capazes de fazer até o mais muquirana gastar um pouco a mais para ter um item colecionável. Rumpple não fica de fora e monta uma barraca com antiguidades, e aproveita de pequenas distrações para tirar dos mais abastados sem ninguém perceber.

E tantos outros vendedores e mercadores que, graças aos grandes heróis que acabaram com a maldição que assolava a vila, podem agora expor suas mercadorias sem medos maiores do que alguns trombadinhas ou negociações acaloradas, as quais tipicamente acontecem em eventos como esse.

Problemas Acontecem

Entretanto um grande imprevisto acontece e alguns Guardiões, como Arlech e Shakan são chamados, de última hora, para uma missão nas distantes terras de Deadlands juntamente com Cysgod e Thommas, com isso poucos protetores ficam no evento.

Felizmente Durvain teve a ideia da Guarda Terceirizada, já que no meio do evento, alguns baderneiros aparecendo querendo causar confusão e situações desconfortáveis no meio da multidão. Empurraram cidadãos comuns e tentaram azucrinar os vendedores que estavam nas ruas. Nesse momento, a Guarda mostra sua prontidão e consegue resolver a situação sem que existam lutas, desgastes ou derramamento de sangue que cancelassem o evento.

A primeira vista tudo estava ocorrendo conforme o planejado, porém, como nem tudo são flores, ao tentar tirar os baderneiros da cidade sem mortes, um ou outro item são quebrados, e os valores são restituídos aos proprietários para que as vítimas não sofressem prejuízo e o festival não seja mal falado pelas terras ao redor.

E os heróis? Bem, Crash, Sanderwind e Willy são convidados a descansar graças ao grande desgaste da batalha contra a bruxa dragão. Aproveitam o evento do jeito que podem, mesmo que as dores no corpo sejam muitas. Ganham algumas bebidas grátis em agradecimento pelo esforço que tiveram, e uns olhares assanhados de senhoras um pouco mais bêbadas.

E ao fim, Acumare, Cedro Velho, Taior, Agoor e Travesso ficam responsáveis por restaurar o dano causado pela grande pedra de metal que caiu do céu, indo até a floresta para restaurar o equilíbrio entre a natureza e a cidade.

Conclusão

Por fim mesmo com alguns contratempos, a noite do Solstício não poderia ser melhor, permitindo que os cidadãos se sintam felizes e mais uma vez em paz por morar naquela Vila. O empréstimo para a guarda terceirizada foi pago com os lucros do evento, os cofres da vila continuam com o saldo baixo, mas o moral da população foi elevado graças as comemorações.

Em Termos de Jogo

O Moral na vila subiu graças ao evento ser um sucesso. Entretanto a Vila de MRPG ainda está em um status crítico.

Ficha:

Defesa: Relevante [2]
Atrativos: Baixo [1,25]
Fé: Básica [1,25]
Influência: Irrelevante [1]
Mercado: Básico [1]

Status:

Finanças: Pobre
Moral: Média
População: Baixa


Assim sendo, se você gostou desta história e está interessado em participar, torne-se um Patrono do MRPG e junte-se à Vila de MRPG para experimentar essas aventuras emocionantes!


Festival do Solstício – Eventos da Vila de MRPG #03

Autores: Douglas Quadros, Raquel Naiane.
Revisores: Douglas Quadros, Ricardo Kruchinski.
Arte da Capa: Douglas Quadros.

Fuga de Lenórienn Parte 01 – A Quinta Estação

Fuga de Lenorienn Parte 01 é a primeira parte do segundo capítulo do romance “fan made” A Quinta Estação, por Oghan e publicado no site do Movimento RPG. Para acompanhar a série completa, entre neste link. Caso você goste desta história compre as obras do autor clicando aqui clicando aqui! Caso você não tenha lido a primeira parte do conto, clique aqui!

Sinopse

O Exército do Reinado triunfou! Liderados por Sir Orion Drake, a coalisão de soldados, heróis e mercenários venceu onde era impossível vencer. Mas, nem só a Tormenta é uma ameaça para este mundo: A Aliança Negra, o Império de Tapista e muitos outros problemas precisam de heróis para enfrentá-los.

Nesta época de transformações, surge a Confraria dos Redentores, uma companhia mercenária especializada em proteger os mais fracos e impedir que o mal se espalhe.

Nesta nova parte da história, acompanhamos a luta de uma família élfica fugindo da ameaça da Aliança Negra.

Sobre o autor

Oghan é escritor de afrofuturismo e primeiro autor de steapunk do Brasil com seu romance O Baronato de Shoah, foi vencedor do Wattys 2018, e é autor de Os Oradores dos Sonhos, além de publicado na Revista Nigeriana Omenana Magazine e na MV Media nos Estados Unidos; também tem seu nome gravado no legado de Arton através de um conto em Crônicas de Tormenta volume 2 e seu sonho é escrever o primeiro romance focado na Grande Savana.


Fuga de Lenórienn Parte 01

Em outro lugar.

Em outro tempo.

— E, por último, eu acuso Tealandrane de causar pânico desnecessário em nossa comunidade — a voz de Marlevaur ecoou pelo salão da justiça, onde o julgamento era feito.

O elfo que conduzia o julgamento de um de seus melhores amigos vestia uma túnica negra com detalhes em dourado e vermelho que pouco combinava com a típica delicadeza de seu povo. A severidade no olhar beirava a fúria e conforme ele denunciava os crimes de Tealandrane, ficava mais óbvio que não havia crime, mas medo do acusado.

Taelandrane, ou simplesmente Tae, não conseguia culpar os irmãos. Lenórienn, seu reino, era atacado constantemente pela Aliança Negra, a coalizão de goblins, orcs, bugbears, hobgoblins e liderada por Thwor Ironfist, que segundo a lenda era o emissário de Ragnar, o deus da morte.

Isolados das nações por um arrogante tratado de paz, Lenórienn só descobriu que o continente havia caído nas mãos das criaturas quando já era tarde demais. Os elfos resistiam, desacreditando nas habilidades de seus inimigos e fazendo pouco caso das histórias. Batedores tinham sido enviados aos reinos humanos, mas nenhum retornara; os sacerdotes tinham invocado entidades para dar-lhes pistas do que fazer, mas as forças ancestrais não respondiam suas perguntas. Até mesmo grandes figuras tinham intervido na situação, como o sacerdote Razlen Greenleaf, mas nada convenceria os elfos que eles corriam um risco.
Até que o golpe final foi dado, a princesa Tanya foi sequestrada por Thwor Ironfist de dentro do palácio do regente Khilanas e ofertada à Aliança Negra. Isto havia derrubado o moral dos elfos e só os mais velhos continuavam com sua insistência em se manterem isolados.

Todos, exceto Taelandrane, que enviara cartas a seus amigos de outros reinos e pedira sua ajuda para sair da cidade. Sem respostas, organizara uma pequena rebelião dentro do palácio, que ficou conhecida como Inconfidência Élfica, mas não teve sucesso por que uma parte de seu grupo o entregou às autoridades por medo ou receio de desagradar a deusa.

— Thwor Ironfist vai atacar de novo e nós estamos despreparados… — Taelandrane fez um gesto abarcando o salão inteiro, assustando os guardas ao ponto de eles sacarem as espadas — Não digam que não estão com medos, nós podemos sentir nas ruas, nas árvores e até no ar o quanto esta nação treme perante o novo inimigo.

— Você blasfema contra nosso estilo de vida, Taelandrane, precisa colocar a cabeça no lugar — Qyne, um dos elfos do conselho, retrucou em voz baixa — Nossa cultura é muito mais forte do que sua fé abalada pode entender.

— Enquanto discutíamos sobre as árvores que plantaríamos nas fronteiras a Aliança Negra sequestrava a princesa — Taelandrane fechou os punhos de raiva e a magia escapou por seus olhos em uma onda vermelha e azul incandescente. O mago era conhecido por seu aspecto selvagem e impulsio, boa parte dos presentes sabia que ele estava ali por uma questão de boa vontade e poderia vencer os guardas sem esforço algum. Isto e sua postura resoluta em fazer valer sua opinião eram o pouco que lhe garantiam a confiança e respeito de seus pares.

— Chega! — Marlevaur ergueu a voz, irritado — Nós ouvimos seus planos e buscamos pistas na floresta, só encontramos alguns humanos e suas histórias absurdas de máquinas de guerra capazes de explodir castelos.

Um riso geral escapou dos elfos, mas havia um leve toque de apreensão nele.

— Só a ideia de que um bando de goblinóides seria capaz de nos derrotar já deveria ser considerada crime obsceno. — Qyne, o sacerdote-mestre, emendou — Você profana o nome da deusa com sua desconfiança, Taelandrane.

— Onde ela está, senão envolta com seus súditos apreciando a si mesa, ao invés de protegendo os batedores que estão sumindo na floresta? — Taelandrane dispersou a magia ao seu redor e percebeu que havia ido longe demais.

— Este julgamento acabou — Qyne se levantou do trono de juiz — Ezrataelandrane, o júri declara a ação procedente e considera o réu culpado de menosprezar a cultura élfica milenar e ignorar a honra de seus antepassados, humilhando e ridicularizando nossa fé e nação.

— O que? — Tae quase engasgou.

— Sendo assim, considerado por unanimidade um instrumento voluntário do inimigo estrangeiro. — Qyne bateu o martelo — Caso encerrado.

Fuga de Lenorienn Parte 01

Autor: Oghan N’Thanda.
Revisor: Isabel Comarella.
Adaptação do Post: Douglas Quadros.
Ilustrador da Capa: Theo S. Martins.

 

O Presente das Fadas Parte 03 – A Quinta Estação

O Presente das Fadas Parte 03 é última das três partes do primeiro capítulo do romance “fan made” A Quinta Estação, por Oghan e publicado no site do Movimento RPG. Para acompanhar a série completa, entre neste link. Caso você goste desta história compre as obras do autor clicando aqui clicando aqui! Caso você não tenha lido a primeira parte do conto, clique aqui!

Sinopse

O Exército do Reinado triunfou! Liderados por Sir Orion Drake, a coalisão de soldados, heróis e mercenários venceu onde era impossível vencer. Mas, nem só a Tormenta é uma ameaça para este mundo: A Aliança Negra, o Império de Tapista e muitos outros problemas precisam de heróis para enfrentá-los.

Nesta época de transformações, surge a Confraria dos Redentores, uma companhia mercenária especializada em proteger os mais fracos e impedir que o mal se espalhe.

Mas, o que acontece quando o mal parte de dentro da própria Confraria?

Sobre o autor

Oghan é escritor de afrofuturismo e primeiro autor de steapunk do Brasil com seu romance O Baronato de Shoah, foi vencedor do Wattys 2018, e é autor de Os Oradores dos Sonhos, além de publicado na Revista Nigeriana Omenana Magazine e na MV Media nos Estados Unidos; também tem seu nome gravado no legado de Arton através de um conto em Crônicas de Tormenta volume 2 e seu sonho é escrever o primeiro romance focado na Grande Savana.


O Presente das Fadas Parte 03

Girou nos calcanhares, irritada com aquela responsabilidade toda. Quando o bebê crescia em sua árvore, dentro da seiva e de seu útero, ela não precisava parar seus afazeres para cuidar dele. Podia nadar, brincar e se embelezar à vontade. Faltava-lhe entender o porquê de tantas fêmeas por aí gostarem de ser mães e largarem a própria vida para cuidar daqueles ranhentos.

O vento estava mais forte do outro lado do lago, Lylia sabia o que isso significava: sílfides, os espíritos do vento. Criaturas mágicas que viviam nas brisas e nos céus. Claro que por serem dominadoras de um elemento tão caótico e livre, as sílfides eram um pouco mais malucas que suas contrapartes.

Encontrou com Shaela, a sílfide, após uma caminhada de quase meia hora. Ela estava nua, exceto por uma espécie de túnica transparente que não escondia nenhum detalhe de seu corpo magro. Seus cabelos eram curtos e revoltos, combinando com os olhos cinzentos cor de princípio de tempestade.

Shaela fora a única das seis Rainhas Elementais que se relacionara com um Dragão-Rei. Lylia mentira para Meriele quando dissera que se lembrava do que havia acontecido por causa deste relacionamento. Era mais do que óbvio que as duas raças não se misturavam por algum medo divino das crias, mas isso não vinha ao caso.

Lylia começou a falar, mas Shaela avançou e tapou sua boca com a mão. Lylia sentia faíscas de relâmpago atingindo seus lábios e umidade ao seu redor. Queria abraça-la, mas Shaela jamais se permitiria ser tocada por criaturas da terra.

— O nome dele era Hydora… e minha punição é jamais tocar o chão de novo… — Shaela criou uma miniatura de dragão com os raios entre seus dedos, então a apagou com um sopro. — Vim dar um presente para o seu filho, mas um presente igual aos ventos.

— Caótico, inconstante, louco e frio? — Lylia se incomodou com as palavras da amiga. Era o mesmo que esperar um discurso coerente da chuva de inverno ou uma anedota de uma fogueira.

— Ele receberá as graças de um dos deuses — Shaela voou para longe, seu elemento desapareceu entre nuvens. — Ou não. Mas talvez receba mesmo, só para entender o quanto eles são cruéis e bondosos.
Lylia observava se sentindo um pouco idiota enquanto Shaela desaparecia entre as copas das árvores. Deveria ter esperado por aquilo, mas nunca se cansava de se surpreender com as sílfides. Fez uma anotação mental “esperar o pior dos ventos, sempre”.

Havia uma fogueira em uma clareira. Em meio às chamas uma salamandra aproveitava o calor e se espreguiçava. Ao ver Lylia, a salamandra se ajeitou com algum respeito e apontou o dedo para o bebê.

— Seu filho terá gripe — tanto a salamandra quanto Lyla entreolharam-se, constrangidas com aquele presente estúpido. — Não, quero dizer… Seu filho será ateu!

— Como que alguém é ateu em um mundo onde os deuses descem para tomar chá na sua casa? — Lylia protestou. — Quero um presente melhor, vamos logo com isso!

— Vocês fadas são muito confusas. — A salamandra se colocou de pé na fogueira, agitou a cauda. — Que tal uma arma?

— Arma é interessante, mas eu queria algo menos clichê. — Lylia coçou atrás da orelha — Ele já ganhou nome, amores e a graça de um dos deuses.

— Ele vai ser um herói de verdade! — a salamandra cuspiu uma pequena bola de fogo — Ele terá surtos de heroísmo quando precisar ajudar alguém que precise muito dele!

— Que coisa mais besta, qualquer herói pode fazer isso — Lylia bocejou. — Um personagem principal de histórias não pode ser só isso.

A salamandra bufou, entediada com a falta de visão da dríade.

— Certo, então ele vai ser um aventureiro nato. Tá bom pra você? — o tom da salamandra dava a entender que a conversa tinha terminado.

— Que arma você queria dar? — Lylia percebeu que a salamandra estava pouco disposta a colaborar.

— Duas espadas! — a salamandra abriu os braços e atacou o ar — Duas magníficas espadas que eu achei por ai, uma de gelo, outra de fogo…

— Pode parar aí, eu conheço essas armas de algum lugar… —Lylia coçou o queixo – Sua trapaceira, estas armas já estiveram em outra história!

— Tá bom, tá bom! — a salamandra caminhou até um galho caído e o segurou com as duas mãos — Seu filho terá a habilidade de criar uma espada a partir da natureza nativa que o rodeia…

— Tá bom, aceito — Lylia partiu com o filho, tentando se lembrar, exatamente, o que “nativa” significava. Ela esperava que não fosse aquela coisa que ficava por cima do leite quando fervia.

Faltava o último presente, podia ser um clichê, mas podia ser algo único. Pedir presentes a uma bruxa resultaria no que era necessário para Khanta se tornar o maior herói que Arton já vira. Lylia mal podia se conter, acelerando o passo e mal falando com o filho. Talvez a bruxa lhe desse um grande inimigo, talvez uma missão impossível de realizar, mas, mesmo que ele quase morresse, era obrigatório vencer no final.

— Por que o bem sempre vence no final, viu? — Lylia parou na entrada da cabana da bruxa, uma estrutura que ficava no meio do pântano e bloqueada por duas gigantescas árvores mortas. Sentindo um calafrio, abriu a porta com cuidado para não incomodar a irmã mais velha. O menor deslize e seu presente poderia ser uma verruga na ponta do nariz.

— Se o bem não venceu, é por que a história não acabou — ela completou o raciocínio.

Por dentro a cabana da bruxa era como as outras, ornamentada com animais empalhados, esqueletos de pássaros e esquilos; por cima da porta de entrada havia um enorme crânio de alce e a lareira sempre queimava os restos de lenha da noite anterior. Cortinas finas cobriam as janelas circulares, o aroma de ervas e incensos se espalhava pelo cômodo único e a cadeira de balanço sempre balançava, mesmo que ninguém estivesse sobre ela.

— Seu filho será corajoso — Lylia ouviu a voz da bruxa, mas não sabia de onde ela vinha. A semelhança com as histórias dos bardos era tão empolgante que ela se deixou levar pela situação.

— Seu filho será bonito — a voz continuou. Lylia parou ao lado do caldeirão e viu um homem negro e forte, empunhando duas espadas feitas de galhos de árvores.

— Isso é tudo? Obrigada — Lylia voltou-se para a porta, recuou assustada ao se ver de frente com a Rainha Trevas.

Caliadore era velha por que as histórias exigiam que assim o fosse. Ela tinha a mesma idade das outras Rainhas Elementais de Caed Dhu e podia rejuvenescer quando quisesse. Ela não era má, apenas cumpria o papel que lhe fora imposto pelo arquétipo das Trevas, assim como Tenebra, a deusa da noite.

Lylia tinha a impressão que Caliadore gostava de ser uma anciã recurvada e com um olho de vidro, apesar de, em certas ocasiões, apresentar-se como uma mulher jovem e curvilínea.

— Mais alguma coisa? — a petulância de Lylia era incontrolável, principalmente confrontando a irmã mais velha frente-a-frente. As energias das duas eram opostas, quase inimigas, ainda que se completassem.

A bruxa ergueu o rosto, olhou para Khanta, depois para Lylia e falou.

— E seu filho não será o personagem principal desta história.

O Presente das Fadas Parte 03

Autor: Oghan N’Thanda.
Revisor: Isabel Comarella.
Adaptação do Post: Douglas Quadros.
Ilustrador da Capa: Theo S. Martins.

 

O Presente das Fadas Parte 02 – A Quinta Estação

O Presente das Fadas Parte 02 é uma das três partes do primeiro capítulo do romance “fan made” A Quinta Estação, por Oghan e publicado no site do Movimento RPG. Para acompanhar a série completa, entre neste link. Caso você goste desta história compre as obras do autor clicando aqui clicando aqui! Caso você não tenha lido a primeira parte do conto, clique aqui!

Sinopse

O Exército do Reinado triunfou! Liderados por Sir Orion Drake, a coalisão de soldados, heróis e mercenários venceu onde era impossível vencer. Mas, nem só a Tormenta é uma ameaça para este mundo: A Aliança Negra, o Império de Tapista e muitos outros problemas precisam de heróis para enfrentá-los.

Nesta época de transformações, surge a Confraria dos Redentores, uma companhia mercenária especializada em proteger os mais fracos e impedir que o mal se espalhe.

Mas, o que acontece quando o mal parte de dentro da própria Confraria?

Sobre o autor

Oghan é escritor de afrofuturismo e primeiro autor de steapunk do Brasil com seu romance O Baronato de Shoah, foi vencedor do Wattys 2018, e é autor de Os Oradores dos Sonhos, além de publicado na Revista Nigeriana Omenana Magazine e na MV Media nos Estados Unidos; também tem seu nome gravado no legado de Arton através de um conto em Crônicas de Tormenta volume 2 e seu sonho é escrever o primeiro romance focado na Grande Savana.


O Presente das Fadas Parte 02

Parou na beirada de um lago, onde sentiu a vida pulsar e os líquidos de seu corpo correrem com mais velocidade. O coração palpitou com a ansiedade e ela gritou pela irmã das águas.

— Eu sei que você está aí, Meriele! — as ninfas eram como as dríades, com a diferença que suas almas ficavam presas a lagos ou rios, ao invés de árvores. — Pare de fingir que foi passear!

— Não quero comprar nada! — carrancudo como só um lago poderia ser, Meriele — Muito menos doações para duendes abandonados!

— Saia daí ou eu vou ferver você, sua ninfa preconceituosa! — Lylia passou os dedos pelo lago, esticou o bebê para frente e o deixou cair. Ao invés de afundar e se afogar ele rodopiou na água e respirou como se ela fosse seu ambiente natural.

Meriele emergiu ao lado do infante, erguendo-o em uma coluna de seu elemento, o bebê esticou os bracinhos quando ela fez menção de pegá-lo. Abraçaram-se, a ninfa passou a mão em seus cabelos, gostara dele, apesar do excesso de superfície em seus modos.

Ao invés da alegria de Tyro ou da inocência de Lylia, Meriele transbordava sensualidade, as curvas de seu corpo atraíam humanos desde o princípio dos tempos, ela fora adorada por muitos povos e quase se casara com o Grande Oceano. Cortejada por marinheiros, estivadores e matronas nas beiras dos rios, acostumara-se a ser amada.

— Mas não é que vocês, das terras verdes e duras, até que fizeram um bebê bonitinho? — Os cabelos de Meriele eram de um tom azul-escuro que lembrava uma tempestade em alto-mar, os olhos eram profundos como rios antigos, a boca lembrava chuvisco, era doce, pacata, delicada.

Certa vez, por inveja ou ciúmes, Tyro chamara Meriele de “aquela gorda”, Lylia nunca entendera como isso poderia ser um insulto, o corpo de Meriele a fazia pensar em noites de amor e abundância. Os seis irmãos elementais levaram o caso ao tribunal da Floresta Negra, e a discussão foi encerrada com um único e frio “Calem a boca” proferido por Trevas, a mais velha.

— Eu tive de desfazer a sua alcova — parecia um lamento, Meriele beijou o sobrinho na testa — Achei que você não voltaria mais depois de sua última história.

— Foi culpa minha, eu devia ter avisado que retornaria, mas não tinha certeza que as outras iriam me querer aqui… Não é todo mundo que aceita muito bem o romance entre dríade e… — Lylia interrompeu a si mesma — Mas eu devo confessar que esperava um pouco mais de paciência da sua parte. Só fiquei duas luas fora!
— Seu amante era mais era um rei — Meriele deu de ombros — E você conseguiu ver através do Rio do Tempo o que ele faria no futuro.

— Quem sabe não criamos um espacinho para o bebê? — A verdade era que Lylia estava enjoada da alcova e queria construir outra, mas tinha preguiça de gastar tempo e energia reformando o que Meriele lhe fizera. — Humanos demoram muito para crescer?

— Um bocado, mas não tanto quanto elfos e eu não faço ideia do quanto essa coisinha vai viver — Meriele mantinha a criança em cima de uma onda que ela mesma criara, abaixando e levantando a maré para diverti-la.

— Dá azar não batizar os recém-nascidos, dizem que os trolls surgem à noite para roubá-los — Meriele sabia que era mentira, os trolls eram muito piores do que se imaginava — trolls são devoradores de carne humana e colocam os bebês deles no lugar do seu.

— Como você sabia que o pai dele era um rei? — Lylia, desconfiada, tentou pegar o filho de volta, mas Meriele o erguera alto demais.

— Até mesmo o pântano mais imundo possui água, e onde houver água, estarei — Meriele recitou — Você veio em busca de um presente para ele?

— Sim, é o que vim buscar — um pouco angustiada, Lylia pensou em usar sua mágica para resgatar o filho, mesmo tendo certeza de que a irmã jamais o machucaria.

— Ele irá amar, mais do que os humanos são capazes de conseguir, menos do que os deuses são capazes de entender. — Meriele desceu a onda onde Khanta estava sentado. — Seu amor será tempestuoso, conflitante e intenso, mas será verdadeiro.

— O amor é uma arma – Lylia segurou no braço da irmã, deixando que sereias levassem o filho para o meio do lago. As duas começaram a andar por cima da água para chegar ao outro lado da floresta, embaixo da superfície elas podiam ver baleias, golfinhos, tubarões e um kraken.

— O amor pode ser uma arma, ou um escudo, tudo depende de como você o carrega — Meriele retrucou, parou nos limites do lago, menos de cinco metros adiante a floresta recomeçava. — Você sabe a origem do sangue do pai dele?

— Sckharshantallas, o dragão vermelho — Lylia sussurrou no ouvido de Meriele, que fingiu surpresa.

— Mentirosa — a ninfa das águas sorriu — Rainhas Elementais não se misturam com Dragões-Reis.

A frase teve um peso muito maior na conversa do que elas esperavam. Houve um silêncio incômodo e pesado entre elas, uma parede de segredos colocada entre duas entidades ancestrais e tão velhas quanto os próprios dragões.

— Foi só uma brincadeira, eu jamais me deitaria com Sckhar! — Lylia quebrou o silêncio com mais uma frase cheia de significados que a irmã não conseguia desvendar.

— Acho bom, Lylia — Meriele retrucou — Até mesmo a Rainha da Luz deve ter algum bom-senso de vez em quando.

— O pai do meu filho é um caçador da Grande Savana. — Lylia recolheu o bebê. — Ele procurava um presente para sua tribo.

— Eu gostei dos seus presentes, Meriele – Lylia não queria que o filho sofresse, mas o amor era uma constante na vida dos mortais. Sua prole transitaria entre os dois mundos e superaria o presente-maldição. — Que o amor seja uma arma e um escudo.

Lylia estava do outro lado do lago, olhou para trás e viu Tyro e Meriele conversando. Queria se juntar a eles e ir brincar na mata também, mas tinha responsabilidades a cumprir, precisava presentear o filho para que ele crescesse e se tornasse um herói.

O Presente das Fadas Parte 02

Autor: Oghan N’Thanda.
Revisor: Isabel Comarella.
Adaptação do Post: Douglas Quadros.
Ilustrador da Capa: Theo S. Martins.

 

O Presente das Fadas Parte 01 – A Quinta Estação

O Presente das Fadas Parte 01 é uma das três partes do primeiro capítulo do romance “fan made” A Quinta Estação, por Oghan e publicado no site do Movimento RPG. Para acompanhar a série completa, entre neste link. Caso você goste desta história compre as obras do autor clicando aqui clicando aqui!

Sinopse

O Exército do Reinado triunfou! Liderados por Sir Orion Drake, a coalisão de soldados, heróis e mercenários venceu onde era impossível vencer. Mas, nem só a Tormenta é uma ameaça para este mundo: A Aliança Negra, o Império de Tapista e muitos outros problemas precisam de heróis para enfrentá-los.

Nesta época de transformações, surge a Confraria dos Redentores, uma companhia mercenária especializada em proteger os mais fracos e impedir que o mal se espalhe.

Mas, o que acontece quando o mal parte de dentro da própria Confraria?

Sobre o autor

Oghan é escritor de afrofuturismo e primeiro autor de steapunk do Brasil com seu romance O Baronato de Shoah, foi vencedor do Wattys 2018, e é autor de Os Oradores dos Sonhos, além de publicado na Revista Nigeriana Omenana Magazine e na MV Media nos Estados Unidos; também tem seu nome gravado no legado de Arton através de um conto em Crônicas de Tormenta volume 2 e seu sonho é escrever o primeiro romance focado na Grande Savana.


O Presente das Fadas Parte 01

Quase todos os reinos de Arton possuem uma floresta com o mesmo nome, Caed Dhu, Floresta Negra. Uma recorrência folclórica necessária para que os mortais tivessem um lugar onde situar suas histórias e qualquer bardo conhecia para situar suas histórias, apesar de nenhum deles poder afirmar sua localização.

A fauna e a flora da Floresta Negra eram únicas: bruxas más, fadas boas, crianças perdidas, lenhadores solitários, caçadores amargurados, animais falantes e tudo o mais que sobrevivesse à magia, como árvores vivas, salamandras, cavalos sem cabeça, sereias, ninfas, insetos apaixonados por sapateado e árvores sábias. A floresta era o arquétipo do conto de fadas repetido à exaustão, mas nunca cansativo. Era bem comum que certos papéis se invertessem, como o caçador sorridente e as crianças más que empurravam bruxas boas para os fornos, mas isto só acontecia pelas mãos dos artistas mais brilhantes, o que era raro em Arton, uma vez que a grande maioria deles estava mais preocupada em contar as lendas de heróis galantes e da Tormenta.

Ou garantir o jantar na corte, que sempre fora conservadora com suas histórias locais.

As árvores eram sempre frondosas e cobriam o sol, deixando nesgas de luz passarem aqui e ali. Regatos aliviavam a jornada das donzelas e dos caçadores quando a situação pedia; uma cachoeira cristalina sempre escondia uma caverna mágica; a cabana da bruxa ficava embaixo de árvores mortas e na única região pantanosa, mesmo que o terreno ao redor fosse uma tundra ou deserto.

Uma das Caed Dhu, no entanto, era a verdadeira. Localizada na Pondsmânia (ou era em Petrynia?), o reino das fadas (ou o reino das histórias fantásticas?), possuía formato triangular e era cercada por três rios: Kinzig, Neckar e Murg.

— Já ouvi um bardo dizer que roedores letrados tentam há anos erguer sua própria academia arcana por estas bandas — Lylia, a moça de cabelos verdes e pele escura cruzava a floresta com um embrulho nos braços. — Que absurdo! Estes roedores deveriam ir aprender magia em escolas que já existem, ao invés de ficar aqui arranjando briga com aquele tal gato, Maurício!

Lylia conhecia cada história de Caed Dhu por que fazia parte delas. A dríade, nascida ali, crescera próxima a árvore onde sua alma residia, apesar do corpo que perambulava com a aparência de uma elfa. Na infância Lylia passava os dias vagando pela floresta e a protegendo, mas ao se tornar uma adulta passou a sentir atração por viajantes e ajuda-los em suas jornadas, para que ela mesma se tornasse imortal em suas lendas.

— Você sabia que se eu quisesse, piscaria os olhos e apareceria no meio de Caed Dhu, pediria os presentes para minhas irmãs e viveria em paz pelo resto da minha vida? — Lylia acariciava o rosto do filho — Mas uma dríade, de vez em quando, tem que viver grandes aventuras, que tragam mais histórias para sua floresta, não é mesmo?

O bebê fez um barulho engraçado e sorriu. Lylia deu um beijo estalado em sua testa e prosseguiu a jornada apreciando a pele dele, um preto vistoso e brilhante que lembrava as escamas de um dragão.

— Você ainda vai conhecer a Grande Savana onde seu pai nasceu — Lylia duminuiu o passo ao chegar ao cento da floresta, onde havia um círculo de pedras maiores do que casas humanas. — Deixa eu te contar uma coisa, fedido — Lylia cutucou a barriga do bebê com a ponta do dedo — Este círculo só existe na floresta original, ele é um presente de Allihanna, a deusa da natureza, para a mamãe e as titias.

— Aposto que você vai receber os melhores presentes do mundo todo, tem como não gostar de uma porcariazinha como você? — ela esfregou o nariz no do bebê, uma faísca de energia mágica correu entre os dois e tremulou como a chama de uma vela — Espero que alguém te dê uma história só sua! Imagina? O meu bebê defendendo o reino de dragões e trolls?

Sem prestar muita atenção às reações da criança, Lylia continuou o falatório.

— Suas lendas viriam para Caed Dhu e se espalhariam pelo mundo. Seria você o filho do Paladino de Arton? O herdeiro de Lisandra, a druida? Ou o exterminador da Tormenta? — lendas incontáveis povoavam o mundo, Arton era uma terra de heróis e cada um deles parecia atrair uma galeria de vilões impossível de derrotar. As forças do bem e do mal eram claras, palpáveis e perceptíveis no dia-a-dia. — De repente você é a lenda da Dríade e do Cavaleiro, ou da Donzela e do Peregrino? Uma que ainda não contaram é a história do Viajante e da Feiticeira! Não importa, uma vez que você tenha idade, vai viver grandes aventuras como o herói principal da sua vida!

— Quem sabe você não se torna o novo imperador? — Lylia parou para descansar na frente do regato.
O som de uma flauta substituiu o barulho da floresta. A melodia era doce, rápida e alegre, como se todos os deuses das artes e da natureza se unissem para compor a canção mais doce, rápida e alegre da existência. Em um impulso, Lylia colocou o bebê em cima de um tronco e foi bater palmas.

O sátiro emergiu dos arbustos, primeiro seus chifres curvilíneos, iguais aos de um bode, depois a cabeleira desgrenhada e espessa, suja de terra e folhas. Sua pele era marrom e cheirava a terra molhada na chuva de verão. Da cintura para baixo ele era peludo, também igual a um bode e suas patas fendidas marcavam a grama por onde passava, mas as marcas desapareciam segundos depois, já que o sátiro não gostava de ser perseguido.

— Tyro, que alegria! — Lylia o abraçou e os dois dançaram por um breve instante — Este é meu filho. Quero um presente para ele.

— Você teve um filho tronco? — Tyro estranhou — Deve ter sido uma noitada e tanto! Vamos chama-lo de Toquinho!

— Claro que não! — Lylia olhou para trás, o bebê caíra para trás do tronco e se agitava em uma tentativa desengonçada de se levantar — Meu filho é isso aqui!

— Preferia o tronco… – Tyro analisou o bebê que a irmã erguia pelas roupas, coçou o cavanhaque, segurou o bebê só por um pé, balançou e mediu, como se fosse uma boneca de pano. Teve uma ideia que julgou brilhante.

— Chifres! Todo mundo precisa de chifres!

— Não vou colocar chifres no meu filho! — Lylia bateu o pé no chão com petulância. — Dê um presente bom para o meu filho!

— Ele me parece fracote, tem certeza que vai sobreviver sem chifres? — Tyro, as sobrancelhas erguidas em surpresa, virou a criança do lado certo e acariciou sua barriga. — Patas fendidas?

— Patas o que? Fedidas? — Lylia soltou um gritinho esganiçado. — Não ouse!

— Tá bom, tá bom… deixa eu pensar….uma cauda? — Tyro gostava de caudas, deixavam os seres mais sensuais, qualquer que fosse seu gênero. — Pela sua expressão azeda, também não.

O sátiro respirou fundo, coçou a sobrancelha, pensando na única coisa que poderia dar à criança que mais ninguém daria. O presente deveria embelezar, servir para alguma coisa e marcar o pequenino para que fosse reconhecido por outros seres mágicos.

— Um nome! — Tyro sorriu — Um nome de herói que tenha grande significado e motive as pessoas ao seu redor!

— Certo, um nome seria muito bom! — Lylia bateu palmas — Que nome você dará ao meu filho? Tem que ser um nome único, especial, de herói salvador de Arton! Menos Sandro, que já usaram em alguma lenda por ai, tenho certeza. Também não quero Orion, nem Vallen, ou Cristian, tem que ser um nome totalmente original!
— Um nome muito original, devo dizer — Tyro rodopiou tocando a flauta. — Khanta Wamnyama que significa “A estrela que será lembrada”!

Lylio ficou séria. Ruminou o nome por um longo período, a cada segundo de compreensão o sorriso se iluminando e crescendo como a lua.

— Perfeito! Khanta Wamnyama é um nome super fácil de dizer, até o humano mais Katabrok da cabeça vai decorar! — ela beijou o rosto do sátiro e saiu pela floresta, cantarolando o nome do filho.

— Você esqueceu isso aqui — Tyro pigarreou erguendo o bebê que ainda estava em suas mãos.

Lyla voltou, arrancou-o dos braços do sátiro, revirou os olhos e seguiu viagem.

O Presente das Fadas Parte 01

Autor: Oghan N’Thanda.
Revisor: Isabel Comarella.
Adaptação do Post: Douglas Quadros.
Ilustrador da Capa: Theo S. Martins.

 

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