REINO DOS MORTOS [7]

Assim que tiveram certeza de que a aberração não estava por perto, o grupo saiu do poço e subiu novamente a muralha. Dhazil apontou para a cidade. A luz da lua mostrava milhares de cabeças perambulando pelas ruas.

– Durante o dia, isso parecia uma cidade fantasma – Galdor os lembrou, embasbacado com a quantidade de zumbis. – Agora há centenas de milhares deles!

– Isso é culpa do Rei Jules II – o anão explicou. – Ele construiu um sistema de esgoto terrivelmente grande. Ele tem o triplo do tamanho da própria cidade. Durante o dia os zumbis ficam lá embaixo, fazendo coisas de zumbis. E de noite, eles voltam à superfície.

– A não ser que algum tolo faça barulho e os chame para cima – Jim disse, sentindo-se culpado.

– Você fez isso! – Kvarn começou a rir, mas a ferida em sua perna latejou, fazendo-o engolir o riso.

– Nós só precisamos de algumas cordas – Clay deu às costas para a cidade e olhou para o campo lá fora. – A muralha é alta, mas tenho certeza que encontraremos cordas o suficiente para descermos.

– Vocês não farão isso – bufando, Dhazil escalou o parapeito e sentou na beirada. Ele apontou para a floresta não muito longe dali. – Se vocês saírem da cidade, o portão se abrirá, e os zumbis os perseguirão. Vocês estão carregando armas, armaduras e alforjes, e isso irá cansá-los. Se por algum milagre, vocês não cansarem antes de serem pegos, lá na floresta será o seu fim. Existem criaturas a serviço dos zumbis, que estão apenas esperando vocês correrem para lá.

– Do que você está falando? – Toiva perguntou. – “Criaturas a serviço dos zumbis”? Você fala como se os zumbis tivessem alguma espécie de hierarquia ou ordem.

– E eles têm, minha querida – Dhazil assegurou. – Há um mal terrível em Negressus. Eu já vi diversos grupos de viajantes entrarem nesta cidade e nunca mais saírem.

– Ninguém, nunca conseguiu fugir da cidade? – Galdor perguntou.

– Não que eu saiba. Na verdade, ocasionalmente algum navio atraca no porto e depois vai embora.

– E por que você não vai embora com eles? – Clay perguntou.

– Eu vou para onde Spólios manda – Dhazil saltou para a passarela novamente. – E não tem lugar melhor para o Cavaleiro da Sucata do que aqui – ele esticou o braço para a cidade em ruínas. – Mas se vocês realmente quiserem tentar partir, pelo mar seria sua melhor alternativa.

– A gente deve ir de dia – Kvarn sugeriu, e depois colocou a mão no ombro de Jim. – Se nosso amigo aqui não chamar a atenção dos zumbis de novo, dará tudo certo.

– Pare de incomodar o garo… – Toiva começou a dizer, mas foi abduzida por um vulto alado.

Uma criatura batia as asas sobre a cidade, carregando a bárbara para longe da muralha.

– Não gritem – Dhazil se enfiou na frente do grupo, erguendo as mãos. – Não chamem mais atenção – ele olhou para cima, preocupado. – Mas algo me diz que vocês nunca mais verão a sua amiga.

– Não, isso não vai acontecer – Clay se virou para o arqueiro. – Jim, veja bem para onde ela está indo. Kvarn, volte com Sor Dhazil. Você está ferido. Galdor, você deve ficar também.

Kvarn fechou o punho com raiva. Ele queria protestar, mas sabia que só iria atrasá-los.

– Eu não seria muito útil em uma missão de velocidade – o velho reconheceu, a contragosto.

– Ela pousou naquela torre – Jim apontou para uma alta construção no centro da cidade. – Devemos ir agora.

– Amanhã estaremos de volta – Clay disse para os outros, se virou e saiu correndo com Jim.

– Em minha humilde opinião, não voltarão – Dhazil disse, triste, vendo os dois correrem pela muralha até a escadaria.

Clay e Jim atravessaram o pátio de Dhazil e pararam diante do portal para uma rua. Havia pouco mais de dez zumbis por perto. Os dois se olharam e souberam o que devia ser feito. Clay rolou, atravessando a rua e se enfiando em um beco escuro. Ele sabia ser furtivo como ninguém.

Jim atravessou o portal e parou logo à frente, sacando as flechas da aljava. Ele começou a atirar nos zumbis ao redor, atraindo sua atenção. Quando eles começaram a se aproximar, o arqueiro recuou para dentro do pátio, fazendo-os o seguirem pelo portal, em uma espécie de fila. Clay saiu do beco, sacando suas facas do cinto e acertando as cabeças das criaturas, uma a uma, por trás. Quando a última caiu, os dois voltaram para a rua, agora vazia.

Eles se enfiaram no beco e saíram na outra quadra. Quando examinaram o caminho, perceberam que o seu plano de chamariz não funcionaria ali. Havia muitos zumbis, e atrás deles, a rua que estava vazia, começava a se encher novamente.

– É como Kvarn sempre diz – Clay sussurrou. – “As coisas escalonam muito rápido nas Terras Mortas”.

– Se fizermos barulho, estaremos mortos em menos de dez segundos – Jim percebeu, olhando ao redor. – E em cinco segundos se houver algum zumbi corredor por perto. O que faremos Clay?

– Eu não sei, garoto. Eu, sinceramente, não sei.

 

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REINO DOS MORTOS [6]

Eles corriam pela muralha em direção ao desconhecido que acenava de longe. Ao chegarem até a torre, o sujeito os fez passar pelo portal e descer a escadaria até o térreo, onde ficava um pequeno pátio cercado por um muro de madeira. Clay olhou para cima e viu a aberração correndo entre as ameias da muralha. Ela iria alcança-los em poucos instantes.

– Me sigam! – o estranho disse, indo em direção a um poço de pedra.

O sujeito era um anão, usando meio elmo e uma armadura enferrujada. Sua barba era da cor da ferrugem, e ela se abria como um leque sobre o peito. Ele subiu no peitoril do poço e saltou. Os aventureiros cercaram o buraco e olharam para o fundo, mas não viram nada além de escuridão.

– Podem pular – a voz veio lá de baixo. – Há feno o suficiente para aguentar a queda de um cavalo.

– E como vamos subir de volta? – Toiva perguntou, indecisa.

– Por Spólios! – a voz gritou, impaciente. – Olhem para a parede interna! As pedras formam sulcos de escalada. Eu entro e saio desse poço todos os dias!

Toiva e Clay se olharam e assentiram. Ele pulou primeiro e avisou que estava tudo bem. Kvarn estava com a perna ferida, e pulou com a ajuda dos outros.

– Eu acho que ele começou a descer as escadas – Jim alertou, olhando para a torre atrás do grupo. – Ele está vindo.

Toiva ajudou o mago e o arqueiro a pularem primeiro, e ela foi por último. Assim que se soltou do parapeito, sua visão foi tomada pela escuridão, e seus pés se enfiaram em um bolo fundo de feno. A queda não fez barulho. Mas antes que se levantasse, ele congelou, olhando para cima, onde as estrelas eram cercadas por um anel de escuridão. Dedos gigantescos surgiram do nada, se apoiando na pedra, e uma cabeça se enfiou na frente do céu. Trapos soltos esvoaçavam ao redor dos olhos que vasculhavam o interior do poço.

Toiva ficou imóvel, esperando que seu grupo tivesse notado a aberração lá em cima. A criatura era imortal e sanguinária. Se alguém fizesse um barulho sequer, seria o fim. Mas ninguém fez. O silêncio se tornara completo. Nuvens passavam acima da cabeça de trapos, no céu estrelado, e a aberração movia a cabeça lentamente, como se esperasse ouvir os batimentos cardíacos de alguém. Subitamente ela se virou e saiu. Toiva conseguiu respirar novamente.

– Venham – o anão sussurrou, e alguém pegou na mão de Toiva.

– Não vá se apaixonar – Kvarn avisou, dando duas pressionadas leves na mão da bárbara. – Eu sou um lobo solitário. Não sou do tipo que se casa.

– Claro que não – ela respondeu. – Nenhuma mulher seria tão tola para casar com você.

– Por Spólios. Silêncio – o anão os censurou, enquanto caminhavam por um túnel. Eles chegaram até uma área espaçosa, e de repente, faíscas de uma pederneira acenderam uma lâmpada. O anão surgiu no halo de luz e começou a acender as velas ao redor.

Eles estavam em uma câmara rochosa e úmida. O lugar estava cheio de entulhos, como um covil de dragão. Em pouco tempo, dezenas de velas foram acesas.

– Sejam bem vindos ao meu humilde lar – o anão disse, mostrando um sorriso sem muitos dentes. – Eu sou sor Dhazil, o Cavaleiro da Sucata.

– Eu sou Clay – o líder apertou sua mão, e apresentou os outros integrantes do grupo. – Muito obrigado por nos salvar, Dhazil.

– “Sor” Dhazil – o anão o corrigiu.

– Então o lance de “Cavaleiro da Sucata” é real? – Kvarn perguntou, sentando em uma cadeira de espaldar alto, almofada vermelha e encosto de veludo.

– Claro! – o anão apontou para a própria armadura velha. – Fui ungido por Sor Kardum de Altopico, escolhido e treinado para lutar em nome do deus Spólios!

– Spólios não é um deus – Kvarn sorriu, balançando o dedo em sua direção. – Espólios são as coisas que você pega depois de uma batalha.

– O quê? – o anão sacudiu os braços, ofendido. – Como ousa blasfemar contra o meu deus?

– Só que “Spólios” não é um deus – Kvarn deu de ombros. – Então não houve blasfêmia.

– Cale-se! Ele é um deus, sim. Meu único deus e senhor!

– Não – Kvarn olhou para as unhas da mão, distraído. – Esse nome não existe. É ridículo.

– Eu deveria ter te jogado para a aberração! – Dhazil apontou para cima. – Você deve ser punido…

– Por favor, acalmem-se – Clay ficou entre os dois. Ele se virou para Kvarn. – Por que você está fazendo isso? Nunca desonre o deus de alguém!

– Como eu vou desonrar algo que não existe… – Kvarn começou a falar, mas Toiva chutou sua perna ferida. – AH! Sua filha da…

Ela lhe lançou um olhar desafiador. Ele colocou a mão na boca e não terminou a frase. Jim deu um passo para a frente.

– Espero que Spólios perdoe nosso amigo – o arqueiro disse, colocando a mão no peito, humildemente. – Se houver algo que possa fazer para compensar, me coloco à disposição.

– Algum dia eu penso em uma compensação – Dhazil abanou para eles com descaso. – Por enquanto temos que fazer algumas buscas pela cidade. Minha despensa durará poucos dias. Precisamos de mais mantimentos.

– Na verdade, não pretendemos ficar em Negressus – Clay informou. – Se você permitir que passemos a noite aqui, amanhã cedo deixaremos a cidade.

– Deixar a cidade? – Dhazil gargalhou, segurando a própria barriga. – Deixar a cidade! Essa é boa! Vocês acham que vão conseguir fugir!

O grupo se entreolhou, e o lugar ficou mais frio e escuro repentinamente.

 

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REINO DOS MORTOS [5]

A aberração não caminhava bamboleando, mas como um vivo, como uma criatura racional. Seu rosto era coberto por trapos, e espinhos de marfim se projetavam das costas, como uma crista.

– Jim? – Clay olhou para o arqueiro.

– Ele parece usar um exoesqueleto – o garoto avisou, tirando sua flecha mais larga e afiada. – Não acho que vou conseguir feri-lo.

– Você quer desistir garoto? – Kvarn segurava a espada com as duas mãos, firme. – Porque se quiser, ninguém vai te julgar. Somente eu.

A flecha de Jim passou rente aos cabelos enferrujados do guerreiro, atravessou o pátio, acertou o peito do inimigo e caiu no chão.

– Essa era a minha melhor flecha! – Jim gritou correndo em direção à escadaria da muralha externa. – Eu vou cobri-los por cima.

Toiva usava um gibão de texugo, e cintos de couro. Ela abaixou até uma carroça carbonizada e usou suas cinzas para pintar o rosto. Latkhar, o deus abutre, iria gostar disso. Ela deslizou três dedos da testa até o maxilar, criando listras negras. Toiva da tribo de Ishkar estava pronta para a batalha. Ela segurou uma espada em cada mão e começou a correr.

Kvarn se juntou a ela na corrida, erguendo sua espada acima da cabeça para dar o ataque mais brutal que podia. Enquanto isso, Clay corria sob os arcos laterais, escondido nas sombras. Seus pés eram rápidos e silenciosos. Ele tirou duas adagas das costas, e conseguiu se aproximar da aberração pela lateral.

O encontro da criatura com Kvarn foi explosivo. O monstro girou seu longo martelo e acertou o guerreiro em cheio, arremessando-o contra uma pilastra. Toiva aproveitou o movimento para saltar num amontado de barris e dar uma pirueta, passando sobre a aberração e caindo atrás dela.

– POR ISHKAR! – a bárbara gritou, passando as espadas nas panturrilhas da criatura.

A aberração se virou, gritando de dor. Clay surgiu das sombras, e enfiou as duas adagas em suas costas. O monstro se afastou dos dois, mancando e gemendo de dor, quando uma flecha acertou seu pescoço. Jim estava no topo da muralha, e já sacava sua próxima flecha.

– Você mexeu com o grupo errado, maldito! – Galdor girou as mãos e fez uma ventania empurrar o monstro com força.

A aberração caiu, rolando no chão, junto com tudo que estava no alcance do mago. Esqueletos e entulhos foram empurrados até acertarem a muralha interior.

– Kvarn, agora! – Clay gritou

A aberração colocou os cotovelos no chão para se levantar, quando Kvarn saltou sobre ele. O guerreiro enfiou a espada em seu peito, cortando músculo e quebrando ossos.

– Isso! – Toiva gritou. – Obrigado Latkhar!

– Meu nome é Kvarn – o guerreiro a corrigiu.

– Os deuses ajudaram – Clay disse, olhando a criatura tombada. – Mas foi o nosso trabalho em equipe que fez a diferença.

Antes que alguém pudesse responder, mãos gigantescas seguraram os tornozelos de Kvarn e o arremessaram contra a parede.

– ELE ESTÁ VIVO! – Jim gritou, disparando a próxima flecha. Ela atravessou o crânio do monstro, mas isso não pareceu surtir efeito algum.

A aberração ficou de pé e pegou seu martelo de volta.

– Chame a atenção dele enquanto eu pego Kvarn – Clay ordenou a Toiva. Depois ele se virou para Galdor. – Afaste-o!

O velho mago girou suas mãos, fazendo um pequeno furacão erguer o inimigo do chão em um impulso. A criatura caiu para trás, rolou e ficou em pé novamente. Toiva saltou em sua frente, impedindo-o de alcançar os outros. Clay ajudou Kvarn a se levantar e ambos saíram de perto do monstro.

– Para a muralha, todos! – Clay apontou para onde Jim estava.

A aberração girou o martelo, mas Toiva rolou para o lado, desviando do golpe por pouco. Em seguida, Galdor usou a ventania para empurrar o monstro novamente, enquanto a bárbara fugia. Todos conseguiram subir a escadaria e chegaram no topo da muralha. Kvarn mancava de forma brusca, fazendo careta de dor. Ele olhou para o grupo, sério.

– Não vou conseguir fugir – disse, apoiando-se em uma ameia. – Aquele filho da mãe me pegou de jeito.

Lá embaixo, a aberração já começava a subir a escadaria. Clay enfiou a cabeça entre os merlões e viu que a queda deixaria a todos aleijados.

– Saltar para fora não é uma opção.

– Então corram – Kvarn o empurrou. – Eu ganho tempo para vocês.

– Você quer desistir, garoto? – Jim lhe perguntou. – Porque se quiser, ninguém vai te julgar. Só eu.

– Ei, venham aqui! – uma voz cortou a noite. Um desconhecido acenava alguns metros à frente, na muralha. Ele saíra do portal de uma torre de guarnição.

– Viu só? – Clay passou o braço de Kvarn por cima de seu ombro. – Os deuses mandaram ajuda. Você precisa correr só um pouco.

– E se ficar muito difícil te carregar – Toiva pegou o outro lado de Kvarn -, a gente te solta no caminho.

– Rápido, corram! – Jim disparou uma flecha contra a criatura que subia a escadaria de três em três degraus.

O grupo correu, e Galdor ficou por último para empurrar a aberração quando fosse preciso.

 

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REINO DOS MORTOS [4]

O grupo batizou o beco sem saída como “Baixada da Égua”, uma viela de barro cercada por muros prestes a tombar sobre eles. Se alguma horda os visse ali, eles estariam encurralados.

– Não sei se alguém reparou, mas anoiteceu – Kvarn observou.

– Acredito que todo mundo reparou nisso – Toiva rebateu, mal humorada.

– E então? – Kvarn perguntou batucando o escudo com os dedos. – Não vamos sair?

– Você ainda não entendeu nada, seu bruto? – Galdor perguntou, impaciente. – Existem zumbis corredores nesta cidade. Se sairmos, estaremos mortos!

– Então vamos ficar para sempre aqui, é isso? – Kvarn sussurrou com sua voz grave. – Pois isso não me parece uma opção muito melhor.

– Não – Clay se intrometeu. – Vamos apenas ter certeza de que o perímetro está seguro.

– E como vamos saber disso se ficarmos aqui? – Kvarn perguntou.

– Eu esperava receber algum sinal – Clay assumiu, decepcionado. – Algum barulho longe daqui, alguma pista de que eles estão longe… Mas não ouço nada. O jeito é fazermos uma varredura.

– Eu vou – Toiva se ofereceu.

– Não – Clay balançou a cabeça. – Sou o mais silencioso do grupo. Eu irei.

– E se você ficar cercado? – Jim perguntou.

– Eu afastarei os zumbis – Galdor disse, olhando para Clay.

– Obrigado – o líder assentiu para o velho, e ambos deixaram a Baixada da Égua.

– A gente espera aqui – Kvarn brincou. – A não ser que fiquemos entediados.

Clay ignorou o comentário do guerreiro, e cobriu sua cabeça com um capuz. Galdor o seguiu, erguendo as mãos para realizar sua magia, caso fosse preciso. A rua era iluminada pela luz da lua, e o silêncio era tamanho que eles podiam ouvir o som das ondas quebrando nos cais. Desceram a rua em sentido sul, cuidadosos. Chegaram até um local onde podiam ver a rua por vários quilômetros à frente, numa longa descida. Clay sorriu.

– O caminho inteiro está livre.

– Então vamos chamar os outros – Galdor sugeriu.

Eles fizeram o percurso de volta até a Baixada da Égua, quando encontraram o grupo acuado, todos com armas em mãos. Eles pareciam assombrados.

– Vocês viram? – Toiva inquiriu, olhando ao redor. – Vocês o viram?

– De quem você está falando? – Clay indagou, preocupado.

– Ele era grande – Jim disse, umedecendo os lábios secos. – Ele era… era muito grande.

– Mas de quem diabos vocês estão falando? – Galdor perguntou, impaciente.

– Depois que vocês saíram – Toiva sussurrou –, ele passou em frente ao beco. Graças aos deuses, não olhou em nossa direção. Ele caminhava como uma pessoa normal, de forma calma e coordenada. Esse monstro não era como os outros. Eu nunca vi um zumbi assim.

– Seu rosto era coberto por trapos – Jim acrescentou. – Seu martelo se arrastava pelo chão, abrindo um sulco na terra. Espinhos compridos saíam de suas costas…

– Espere – Galdor o interrompeu. – Martelo? Zumbis não usam armas. Eles são criaturas irracionais. Incapazes de manusear qualquer objeto.

– Então o que vimos não era um zumbi – Kvarn garantiu, soturno. – Precisamos dar o fora daqui.

– Temos que sair desta cidade – Jim disse, colocando a mão no ombro de Clay.

– Mas o nosso contratante… – Clay começou a responder.

– Foda-se o contratante – Kvarn o interrompeu. – Existem zumbis corredores e uma aberração nesta cidade. O contratante não falou nada disso. O nível de dificuldade da missão subiu consideravelmente.

– Não sabia que você fazia o tipo assustado – Toiva disse.

– Eu não faço o tipo filantropo – Kvarn rebateu. – Se vocês quiserem que eu continue, o meu pagamento precisa subir também.

– Eu concordo com ele – Galdor ficou ao lado de Kvarn. – Zumbis corredores e uma aberração são coisas demais para mim.

– Todos pensam assim? – Clay se virou para Toiva e Jim que concordaram com a cabeça. – Então a missão está cancelada. Vamos dar o fora de Negressus.

O grupo deixou o beco e seguiu de volta ao norte. Todos seguravam suas armas em prontidão, atentos a qualquer barulho. Não demorou para chegarem na muralha da alfândega, recheada de cadáveres pelo chão e corredores.

– Oh, me foda! – Kvarn disse assim que adentraram o pátio entre os portões.

O grupo olhou em direção à saída da cidade e se depararam com o imenso portão levadiço fechado. As válvulas e correntes para abri-lo não estavam mais ali. Foram arrancadas à força e levadas para algum lugar. Seria impossível abrir aquele portão. Clay olhou ao redor, para o muro interno da alfândega e percebeu que só havia uma passagem disponível, a que levava de volta para dentro da cidade. E sob o umbral dessa passagem, um homem gigantesco os observava.

– Emboscada! – Clay gritou.

 

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REINO DOS MORTOS [3]

Clay girou sobre os tornozelos, tentando encontrar uma solução. Seus olhos encontraram uma casa ao seu lado, de paredes altas e caiadas.

– É uma grande construção – ele disse apontando para a porta. – Deve ter saída para a rua do outro lado. Alguém consegue arrombar?

Toiva ergueu as duas espadas e as desceu na altura da fechadura. As lâminas entraram com tudo, fazendo fissuras na madeira. Ela deu um chute, abrindo a porta e puxando as espadas de volta. Em seguida, algo aconteceu muito rápido. O cabelo ao lado de sua cabeça voou, e uma flecha acertou o crânio do zumbi que saltara em sua frente. Ele viera de dentro da casa.

– Obrigada – ela se virou para Jim que já puxava outra flecha.

– Rápido, entrem! – Clay gritou, apontando para a porta.

De fato, era uma grande mansão, com escadas laterais que levavam para uma galeria. O grupo caminhou até o centro da sala, quando a porta de um quarto foi derrubada, e vários zumbis começaram a sair de dentro.

Galdor se virou e começou a girar a mão, fazendo um pequeno furacão em sua frente, arrebatando os mortos com a força do vento e os jogando pela porta de saída.

– Tem mais! – Toiva gritou, vendo zumbis surgirem de um segundo quarto. – A casa está cheia!

– Lar vazio é um lar triste! – Kvarn gritou, e se jogou pela porta desse quarto.

– KVARN, NÃO! – Clay gritou, desesperado.

– Tarde demais para ele – Toiva disse, incrédula.

Ao se virarem para o corredor que levava para o outro lado da casa, o grupo parou. Uma silhueta se movia pelo caminho. Alguém se aproximava, e não dava para passar por ele. Era o dono da casa, provavelmente. Ele vestia uma toga branca, agora coberta de sangue e fezes. Seu corpo devia pesar uns duzentos quilos. A pele e banha balançavam como geleia ao redor de um esqueleto. Havia uma haste de lança atravessada em sua barriga. O zumbi gordo ergueu os braços e começou a se aproximar do grupo.

– Estamos cercados! – Toiva gritou, olhando para trás.

A porta em suas costas estava bloqueada pelos zumbis que Galdor continuava empurrando para fora.

– Jim, acabe com ele! – Clay apontou para o gordo no corredor.

Jim tinha poucos segundos para acertar o alvo antes de serem atacados. Ele nunca teve que atirar nessas condições. Tentou colocar a flecha no arco rapidamente, mas sua mão tremia, desordenada. Assim que o gordo os alcançou, ele atirou.

A flecha passou raspando pela cabeça do zumbi e acertou a parede. O gordo se jogou sobre o grupo, abraçando e caindo sobre Clay. Galdor sentia o suor escorrer pelo seu rosto enquanto mantinha a ventania direcionada para a porta que tremia freneticamente. O umbral começou a se soltar, abrindo um buraco maior.

– Eles vão entrar! – o mago gritou.

Toiva saltou sobre o gordo, tentando puxá-lo para o lado, sem sucesso. O zumbi abriu a boca e fechou os dentes sobre o couro cabeludo de Clay, fazendo sangue jorrar por sua pele. Jim conseguira encaixar outra flecha e correu para o lado, procurando um ângulo melhor. Ele esticou a corda e a soltou. A ponta da flecha entrou em um ouvido do gordo e saiu pelo outro.

O arqueiro correu até Toiva e tentou ajuda-la a tirar a criatura de cima de Clay. Apesar da força de ambos, o zumbi mal se movia. Clay não conseguia respirar, e seus olhos começaram a fechar.

– Isso não é hora de dormir, seu folgado! – Kvarn apareceu, coberto de sangue, segurando um escudo novo.

Ele ergueu o escudo e correu, se lançando contra o gordo, como um touro. Rapidamente, tirou o peso de cima de Clay. O líder do grupo despertou assustado.

– Eu não vou conseguir segurar por muito tempo – Galdor gritou, quando sua ventania começou a enfraquecer.

– Precisamos sair daqui – Toiva ajudou Clay a se levantar. – Galdor, rápido, venha!

O grupo disparou pelo corredor livre, rumo ao outro lado da casa. Não havia porta nos fundos, só uma passagem aberta. Eles alcançaram a rua e correram até um beco vazio.

– Muita gente morreu em suas casas – Galdor os alertou. – Devemos abrir as portas somente em caso de necessidade.

– Mas seria importante vasculharmos alguns lugares – Jim disse. – Precisamos encontrar remédio e comida.

– Eu concordo com o garoto – Kvarn disse, erguendo o escudo em forma de lágrima. Ele era feito de madeira, com tiras de aço, e coberto por couro verde. No centro havia o desenho de um sol branco. – Eu encontrei essa belezinha aqui na mansão. Nós não vamos encontrar boas armas jogadas na rua.

– Kvarn, você foi muito imprudente lá dentro – Clay se sentou, limpando o sangue dos olhos. – Poderia ter morrido.

– Graças à minha investida eu encontrei o escudo – Kvarn bateu na madeira. – Ele protege uma área bem grande, e é bom para empurrar inimigos também.

– Parece que o Kvarn encontrou uma namorada – Toiva brincou, guardando suas espadas. Ela se virou para Clay. – Como está sua cabeça?

– A mordida foi superficial – ele respondeu, tocando na ferida. – Vou ficar bem. O que me preocupou mais foi morrer esmagado.

– Gordo é foda – Kvarn brincou, apertando sua própria barriga volumosa.

– E agora, sul? – Jim perguntou.

– Sul – Clay ficou de pé, com metade do rosto coberto pelo próprio sangue.

Antes que eles saíssem do beco, um vulto cruzou a rua. Depois outros passaram rápidos. Galdor sussurrou “corredores”.

 

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REINO DOS MORTOS [2]

O grupo seguiu pela rua de pedras, prestando atenção a cada esquina que cruzavam. Havia vários tipos de mortos, e nem todos eram lentos e fracos. O grupo já encontrara zumbis que corriam tão rápidos quanto os vivos. Havia também os nobres e ricos. A maioria dos camponeses passavam fome, e por isso eram magrelos e fracos. Após virarem zumbis, eles continuaram magrelos e fracos. Mas aqueles que viviam em castelos com banquetes fartos, comendo o dia inteiro enquanto os empregados faziam tudo, esses eram mais difíceis de matar. Seus corpos eram maciços, e não era qualquer pessoa que podia matar um desses zumbis gordos e ensebados.

– Alguém consegue matar um gordo? – Clay perguntou, olhando para os companheiros. Toiva e Kvarn negaram com a cabeça. Suas armas eram muito fracas para isso.

– Eu consigo afastá-lo – Galdor disse, tocando na bolsa que guardava seu papiro.

– Eu mato – Jim respondeu, mostrando a flecha um pouco mais grossa que o normal.

– Agora sim, me sinto mais seguro – Kvarn mandou um beijo para Jim. – “Garoto, o meu salvador”.

– Deixe-o em paz – Toiva sorriu. – Essa é a primeira missão dele fora de Deloran. Não o assuste.

– Assustado? – Jim perguntou, divertido. – Pelo contrário. Estou excitado. Não vejo a hora de matar uns zumbis.

– Se você está excitado para lutar com zumbis, você é um tolo – Galdor o repreendeu. – Não existe nada tão desesperador quanto ficar cercado por uma horda de mortos. Eles não sabem o que é ter medo. Eles simplesmente se jogam e te atacam com tudo o que tem.

– Eu não sou do tipo que fica cercado – Jim assegurou. – Caso uma horda apareça, a primeira coisa que faço é encontrar um lugar afastado e seguro, e…

Ele parou de falar assim que seu pé acertou um elmo de ferro no meio do caminho. O capacete rolou para dentro de um beco, direto para uma escadaria subterrânea de pedra. A cada degrau que acertava, o metal ecoava pelo túnel escuro, ribombando em meio a todo aquele silêncio.

O grupo ficou imóvel, olhando para a passagem no beco. Jim fechara os olhos, furioso consigo mesmo. Galdor deu um passo para frente. Seus olhos estavam arregalados e atentos. Ele virou o ouvido para ver se captava algum barulho.

– Não ouço nada – sussurrou, aliviado.

Mas antes que o grupo suspirasse, um som veio de baixo. Era um lamurio longo e rouco, seguido por um gemido agudo. Toiva se aproximou da escadaria e perguntou:

– O que é isso? Uma adega?

– Me parece mais um acesso aos esgotos – Galdor respondeu.

– Esgotos? – Kvarn perguntou, tentando parecer despreocupado. – Tipo aquele labirinto subterrâneo onde cabe milhares de pessoas? Certeza que é um esgoto?

– Definitivamente é o acesso de manutenção para o esgoto – Clay disse, olhando para a escuridão das escadas.

– Parabéns garoto – Kvarn se virou para Jim, pousando a mão em seu ombro. – Você começou bem.

Jim deixou os ombros caírem, envergonhado.

– Talvez seja só um – Toiva disse, se aproximando mais do buraco.

A resposta veio imediatamente em forma de gemidos. Várias vozes subiam do túnel, roucas e sem sentido. E estavam bem perto. O grupo se afastou da escada.

– Nós estamos mal equipados – Galdor se virou para Clay. – É melhor fugirmos.

– Ah, por favor! – Kvarn pediu, chateado com o conselho. Ele apoiava a espada sobre o ombro. – Nós vamos fazer essa desfeita com os nossos anfitriões?

– Galdor está certo, vamos procurar um refúgio – Clay disse, voltando a seguir seu caminho. – Venham todos.

O grupo o seguiu imediatamente. A poucos metros à frente, a rua virava para a direita, e logo estariam longe do campo de visão das criaturas que sairiam do esgoto. Assim que alcançaram a esquina, todos pararam de súbito. Não poderiam seguir adiante. A estrada estava bloqueada por zumbis. Dezenas deles. Os mortos vinham em sua direção, se arrastando lentamente. Os olhares das criaturas se moveram até o grupo, e começaram a estender seus braços, querendo alcança-los.

– São zumbis lentos – Toiva identificou. – Mas são muitos. Trinta, no mínimo.

– Se eles não andassem tão juntos – Clay mordeu o beiço.

– Precisamos voltar, Clay. Não podemos enfrenta-los – Galdor se virou pelo caminho que vieram, mas também teve que parar.

Zumbis saíam do beco, vindo do esgoto. Já havia cerca de cinco deles na rua, e no instante seguinte, esse número dobrou.

– Você disse que não era do tipo que ficava cercado – Galdor olhou para Jim. – Parece que você é um mentiroso filho da puta. Ainda excitado para matar zumbis?

– Primeira lição sobre Terras Mortas – Kvarn ergueu a espada do ombro. – As coisas escalonam muito rápido por aqui.

 

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REINO DOS MORTOS [1]

Kvarn era o encorpado do grupo. Peitoral e ombros largos, braços grossos e peludos. Os cabelos tinham cor de ferrugem, e a barba delineava seu rosto sem bigode.

– A cidade parece vazia pra mim – ele disse, diante da muralha de trinta metros de altura.

– Elas sempre parecem – Toiva respondeu, empunhando uma espada em cada mão. Apesar de ter crescido como bárbara, ela servira ao exército do rei, onde se tornou uma exímia espadachim.

– Mas nós temos que entrar de qualquer jeito – Clay disse, dando um passo à frente. Ele se virou para o velho barbudo mais atrás. – Galdor, o que sabe desse lugar?

– Como pode ver – o velho apontou para o mar à sua esquerda. – Negressus é uma cidade portuária. A praga veio pelos navios mercantis, quando tudo começou. Há uma chance de haver mortos por aqui, mas a maioria certamente já seguiu rumo ao oeste.

Clay assentiu, satisfeito. Ele se virou para um jovem de cabelos negros e sem barba alguma. Ele estava atrás do grupo, com um arco pendurado nas costas.

– Jim, fique de olho – Clay apontou para os próprios olhos e depois girou o dedo ao redor.

O arqueiro piscou pra ele. Apesar de jovem, Jim não fazia o tipo tagarela. Ele quase nunca falava. O seu negócio mesmo era puxar a corda e matar quem fosse preciso.

Os cinco viajantes decidiram adentrar os portões de Negressus, sem ter visão alguma do que tinha lá dentro. Esse tipo de situação não era rara. Frequentemente o grupo era contratado para adentrar as cidades tomadas pela praga dos mortos. Não havia ninguém mais capaz. Seus contratantes sempre pediam por coisas que foram deixadas para trás. Muitas vezes tinham que resgatar mapas, diários de bordos, baús e chaves.

Dessa vez, o objetivo do grupo era um quadro. Um rico lorde de Deloran procurou a Clay, dizendo ter ouvido falar dos serviços de seu grupo. Eles combinaram uma quantia a ser paga, e ele descreveu onde resgatar a pintura em questão.

Alguns dias depois, ali estavam eles, nas Terras Mortas, atravessando os portões de Negressus. Se tivessem sorte, iriam até o local indicado, pegariam o quadro, voltariam para Deloran e receberiam o pagamento. E se não tivessem sorte, bem, eles seriam cercados e devorados por um exército de mortos.

A praça logo depois dos portões fora tomada pela vegetação selvagem, recheada de capim, flores e cogumelos. Em contraste, o chão estava coberto de cadáveres decrépitos. Todos vestiam armaduras e espadas enferrujadas. Centenas de corvos perambulavam entre eles, grasnando e se alimentando daquele cemitério improvisado.

– Eles foram mortos com golpes nas cabeças – Galdor observou, apontando para os cadáveres. – Eles são zumbis mortos.

– Então não irão se levantar novamente – Kvarn disse, tentando encontrar alguma espada em boa condição entre os mortos. – Uma pena.

– Isso não é motivo pra ficar tão confiante – Toiva o alertou, olhando ao redor do pátio.

Ele era cercado por um quadrado de muralhas internas, separando-os da cidade por mais um portão. Ali era uma espécie de alfândega com postos de guardas.

– Houve uma grande batalha nesta cidade – Clay percebeu, vendo cadáveres pendurados até nas ameias da muralha interior.

– Você queria o quê? – Kvarn perguntou, esmagando uma barata. – Estamos nas Terras Mortas, onde o céu é azul e o chão é feito de ossos.

Jim trazia seu arco e flecha nas mãos, pronto para qualquer insurgência inesperada. Clay tomou a frente novamente e os liderou pelo próximo portão. Do outro lado, eles viram as ruas abandonadas e devastadas de Negressus. A cidade fora tomada pelos corvos.

– A torre – Jim avisou, apontando para o outro lado da cidade.

Uma torre quebrada se erguia dezenas de metros acima do chão. O ponto mais alto de Negressus. Era ali que estaria o quadro, segundo o contratante.

– Como era o nome… ? – Kvarn perguntou girando o dedo na direção da torre.

– Torre Sombria – Galdor respondeu, encarando a construção de pedra.

– Ela está do outro lado da cidade – Toiva disse, preocupada. – Devemos voltar e tentar entrar pelo acesso sul.

– O portão está fechado, vocês ouviram o contratante – Clay respondeu.

– Galdor, você não teria alguma magia pra abrir portões? – Kvarn perguntou ao velho.

– Eu perdi meus grimórios em Deloran, naquela caverna em que você causou o desmoronamento – Galdor respondeu, acusador. – Tudo o que me restou foi isso – ele puxou uma folha de papiro da sua bolsa. – Magia de vento.

– Quer dizer que tudo o que o nosso mago pode fazer no momento é assoprar na cara dos inimigos? – Kvarn perguntou com desdém.

Galdor deu um passo para trás e fez um movimento giratório com a mão. No mesmo instante, as folhas do chão começaram a rodopiar, e as roupas dos viajantes a balançar forte. Kvarn foi arremessado por uma quadra de distância, caindo no chão de pedras.

– Eu usei apenas um terço desse poder – Galdor avisou, se aproximando do companheiro. – Tente não ficar entre o meu vento e os meus inimigos.

Kavarn se levantou, atordoado.

– E você não fique perto da minha espada – ele cambaleava, tentando encontrar alguns palavrões decentes.

Clay balançou a cabeça, preocupado. Eles ainda não sabiam se o perímetro estava limpo.

– Deve haver outro portão mais próximo da torre – Toiva voltou a dizer.

– Não há – Clay puxou um mapa de couro e o estendeu no chão. Ficou de cócoras e começou a apontar para o desenho. – Negressus está selada. – O portão norte é o único acesso que temos.

– O jeito é atravessarmos a cidade inteira – Jim falou, concordando com a cabeça. – Se é o único jeito, então vamos logo.

Toiva olhou para o jovem, sabendo que ele estava certo. Resignada, ela girou os punhos das espadas e assentiu.

 

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Icabode St. John (CAPÍTULO FINAL)

Icabode atravessou os campos de neve até o local onde o avião de sucata aguardava. Ele apenas abanou a cabeça negativamente quando o piloto perguntou se os outros viriam.

O voo foi mais tranquilo na volta, chegando em Nova York uma hora antes do amanhecer. Icabode disse tudo o que aconteceu ao piloto, para que ele repassasse a Lancelot. Depois, se enfiou dentro da casa no centro do rancho, e entrou em torpor, esperando o dia acabar.

Assim que a noite velou o céu, um chofer entrou em seu quarto. Ele usava quepe de motorista, uniforme e luvas pretas.

– Mestre Lancelot o aguarda no Brooklyn – disse. – E me pediu para leva-lo.

Icabode sabia do que se tratava. Antes de ir para a Polônia, eles discutiram uma forma de emboscar o príncipe Fermín. O plano seria executado assim que Solomon Saks fosse derrotado.

– Vamos – Icabode abriu o dossel e saiu da cama.

No banco traseiro do carro, ele se lembrou de como Fermín havia tentado traí-lo, oferecendo sua cabeça para que o clã do Rato satisfizesse sua sede de justiça, e se submetesse ao novo príncipe de Nova York. Ele ia me vender, esse maldito traidor.

Fermín traíra a Juíza e a Dama do Véu Negro, e Icabode não poderia esperar algo diferente de deslealdade por parte dele. Mas hoje, príncipe, você pagará por isso.

O carro chegou na cidade e percorreu dezenas de avenidas e poucas pontes até chegar no Brooklyn, na rua escura, com as lâmpadas dos postes desligadas. A mansão de Solomon Saks era cercada por um muro de pedras, coberto de musgo e trepadeiras. A entrada principal era bloqueada por um imenso portão de lanças metálicas. Em sua frente, havia algumas viaturas policiais, e várias pessoas ao redor. Dentre elas, Lancelot, o primogênito do clã da Sabedoria.

– Você é o mais novo herói de Nova York! – Lancelot disse sorrindo, vindo em sua direção. – Você destruiu Solomon Saks!

Ele aparentava ser apenas um velho de cabelos brancos, frágil e dócil. Mas Icabode não era mais enganado por esse tipo de coisa. Esse mesmo velho estava ali para emboscar o vampiro príncipe de Nova York. Um velho frágil não faria esse tipo de coisa.

– Leon me disse que Caveira foi morto – Icabode respondeu, respeitosamente. – Sei que ele era seu homem de confiança.

Lancelot abanou com a mão, despreocupado.

– Casualidades! O importante é que ele ajudou a destruir aquele megalomaníaco.

Icabode sentiu raiva por Lancelot pensar daquela forma. Ele se perguntou se dali pra frente, todos os seus relacionamentos seriam assim. Se a cada morte de uma pessoa próxima, ele a consideraria mera casualidade. Não há espaço para amor, empatia ou compaixão nesse tipo de vida.

– Eu os chamei e depois os fiz dormir – Lancelot apontou para os policiais dentro das viaturas. – Quero que Fermín pense que eles estão aqui porque houve uma grande batalha na mansão. Seria muito suspeito se eu narrasse o confronto contra Solomon Saks, e nenhum policial viesse checar. Agora vamos todos entrar! Vamos acabar logo com isso!

Icabode viu todos os vampiros ao redor seguirem Lancelot pelo portão de lanças. Ele foi atrás, caminhando em direção ao centro da propriedade onde a mansão os aguardava.

– Eu irei até Manhattan chamar Fermín até aqui – Lancelot disse para todos ao redor. – Vocês precisam fingir que estão mortos. Espalhem-se no chão. Ele deve pensar que Solomon derrotou o garoto – ele apontou para Icabode – e seus amigos, e que todos vocês – ele olhou para os independentes – estavam aqui para ajuda-los, mas também foram destruídos.

– Mas meus “amigos” morreram na Polônia – Icabode o lembrou. – Ele não vai estranhar em ver apenas o meu corpo no meio dos cadáveres?

– Isso não é problema – Lancelot se virou para alguns de seus seguidores. – Você, você e você. Quero que assumam a forma do Caveira, de Leon e do negro.

Subitamente os três vampiros mudaram drasticamente de aparência e se tornaram os falecidos Drake, Caveira e Leon. Lancelot olhou para Icabode e deu um sorriso rápido e satisfeito. Em seguida, ele foi embora para buscar Fermín.

Icabode ficou olhando para as figuras familiares, triste. Aquilo era apenas uma ilusão. Ele não tinha mais nenhum conhecido por ali.

Vampiros dos clãs do Rato e da Sombra se esconderam, enquanto os do clã da Sabedoria e independentes se espalharam pelo terreno, fingindo de mortos. Icabode apenas deitou no meio do gramado e aguardou. Seus olhos fitavam o céu negro, afundando em seus pensamentos, deixando o som da cidade em alguma parte escondida de seu cérebro. Ele começou a reparar no barulho de água corrente. A mansão ficava à beira do East River, próxima da Ponte do Brooklyn. Alguns quilômetros dali estava o bar do Anthony Ritzo, estava também a fundição onde ele e Sunday morreram. Por ali estava o galpão onde ele ateara fogo em Anatole, o vampiro que matara seus pais. Ele mesmo estava a poucos passos de onde Ivanovitch fora morto.

Seus pensamentos flutuavam, analisando as últimas semanas intensas de sua vida. O tempo foi passando até que ouviu o som dos carros parando. Lancelot retornara. Fermín não estava sozinho. Ele trazia seu séquito junto.

O grupo adentrou a mansão, e Icabode tentou não mover os olhos quando percebeu a aproximação. Fermín ficou de cócoras ao seu lado.

– Pobre garoto – o príncipe disse, olhando em seus olhos.

– Vamos matar esse filho da mãe! – Lancelot declarou subitamente. Essa era a palavra-chave, e todos os vampiros se levantaram do chão.

– Emboscada! – Leo gritou, segurando o bastão de beisebol com firmeza. – O que é isso, Lancelot?

Algumas palavras foram trocadas, e o séquito de Fermín se rendeu aos inimigos. O príncipe tentou fazer o mesmo, mas sua rendição foi rejeitada. Ele começou a usar seu poder da palavra para controlar as pessoas ao redor, começando pelos sósias de Drake e Caveira. Icabode decidiu agir, e se jogou em sua direção.

– Caia no chão! – Fermín gritou, e Icabode despencou na grama, obediente.

Lancelot tomou a frente e desafiou o príncipe para um embate individual. Tudo aconteceu rápido. Fermín foi derrotado, e os vampiros começaram a desmembra-lo ali mesmo. Icabode ficou em pé, observando a cena. Lorena veio ao seu lado e perguntou:

– O que aconteceu durante essa semana? Por que você nos traiu? O que o fez escolher o lado de Lancelot, do clã do Rato e da Sombra?

Icabode contou o que aconteceu nos últimos dias, falando sobre a Polônia e de como Lancelot lhe informara que Fermín havia tentado uma aliança com o clã do Rato.

– Ele me traiu – Icabode disse. – Ele queria me entregar para os inimigos.

– Como braço direito de Fermín – Lorena começou a dizer -, eu posso lhe assegurar sem sombra de dúvida que isso nunca aconteceu. Fermín queria esmagar o clã do Rato. Ele sabia que não havia possibilidade de paz depois de ter traído a primogênita deles.

– E por que… – Icabode se virou para ela, surpreso.

Lorena se limitou a olhar para Lancelot com um sorriso frio. Ela virou e se afastou. Icabode olhava incrédulo para o novo príncipe, o velho e frágil Lancelot. Ele mentiu para mim, compreendeu. Fermín não havia lhe traído. Aquilo havia sido uma mentira para Lancelot convertê-lo ao seu lado. O clã do Rato e da Sombra também.

Icabode puxou a estaca de sua cintura, a mesma que levara para a Polônia. Todos que foram com ele, haviam levado uma estaca para caso encontrassem o coração de Solomon Saks. Icabode ainda carregava a sua. Ele olhou para Lancelot, e suspirou. Fazia muito tempo que não suspirava. As vezes ele até esquecia de respirar.

Icabode deu as costas para o ritual de coroação, com vampiros se ajoelhando e jurando lealdade ao verdadeiro príncipe, e foi em direção ao rio. Nada mais importava. Ele esperava que Lancelot fosse um bom governante, pelo menos melhor que Fermín.

Ele é exatamente igual ao Fermín. Um governo fundado em deslealdade e traições. Não sei se conseguirei adaptar a essa nova vida… e pra falar a verdade, nem quero.

O mundo das trevas não é pra qualquer um. É só para aqueles que conseguem viver às custas da morte. É só para aqueles que conseguem se alimentar do sangue e dor de outras pessoas. E Icabode não queria fazer parte daquilo.

Ele foi até a beira do East River, e olhou para a água escura. De repente, uma luz bruxuleou em suas costas. Um cheiro estranho entrou em suas narinas e ele ouviu o barulho de cascos. Alguém bufou, como se fosse um animal. Era o homem bode.

– Era questão de tempo, filho do reverendo – o demônio disse. – Ninguém vive para sempre. Agora vamos, você é meu, e eu já esperei demais.

– Eu não quero mais viver nesse mundo – Icabode confessou, levitando um palmo acima do rio. Ele flutuou até ficar longe da margem. – Mas que você volte para o inferno sozinho!

Ele estendeu a estaca e a enfiou no peito. A única coisa que sentiu foi dor. Suas mãos forçaram mais ainda, e por fim, ele usou a telecinese para fincar de uma vez a ponta de madeira no próprio coração. O homem bode gritava, frustrado.

Icabode sentiu um pouco de sangue molhar seus lábios, e seu corpo enrijeceu. Ele se tornou duro como uma estátua. No momento seguinte, seus olhos foram tomados pela escuridão da água corrente, e ele afundou, afundou e afundou…

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Icabode St. John [25]

Maxiocán ia à frente do grupo, de olho na bússola que os conduzia pela trilha de neve entre os pinheiros. Drake Sobogo trazia a mala com as armas e granadas, mais atrás do grupo. Leon aguçara seus ouvidos, em alerta. Seria sua responsabilidade avisar aos outros caso alguém se aproximasse. Caveira segurava seus revólveres, com os canos apontados para cima.

– Esperem! – Leon disse, se virando na direção dos pinheiros. – Estou ouvindo um barulho de árvores quebrando… meu Deus, ele já chegou!

Um vulto negro surgiu da floresta e se agarrou em Drake, levando-o para o outro lado das árvores, desaparecendo completamente do grupo. O Capitão Sangrento nunca mais veria nenhuma daquelas pessoas.

– Olha, olha, o que temos aqui – uma voz surgiu da noite, quando de repente, Gólgota surgiu no meio do caminho. Ele estava invisível até o momento. – Não me diga você é Maxiocán, o lendário caçador de vampiros!

– É ele sim – Rabin confirmou, descendo do céu como se fosse um anjo caído. – E acho que ele veio atrás do coração do chefe. Será que ele é tão poderoso quanto dizem, Gólgota?

– Só há um jeito de saber – o vampiro tirou os olhos de Rabin e se virou para Maxiocán. Em seguida, esses mesmos olhos se arregalaram, e uma veia saltou de sua testa.

O corpo de Maxiocán se tensionou imediatamente, sua pele enrubesceu, os vasos sanguíneos de seus olhos estouraram, transformando as pupilas em duas bolas vermelhas. E em seguida, seu corpo caiu duro como uma estátua para trás, ainda segurando a bússola.

– É tão fácil fritar o cérebro de um humano – Gólgota disse, satisfeito. – Por que não pode ser fácil assim com vampiros?

– Quem disse que não é? – Caveira perguntou, esticando os revólveres e apertando os gatilhos freneticamente.

Gólgota deu um grito de susto e ficou invisível, mas isso não serviu de nada, pois logo em seguida seu corpo voltou a aparecer, enquanto sua cabeça era perfurada várias vezes. Os miolos pularam para fora como pipoca, e em menos de um segundo, ele estava caído sobre a neve, tornando-a vermelha ao redor da cabeça. Os olhos eram como de peixe morto, e sua alma fora enviada direto para o inferno.

Leon se jogou sobre o corpo de Maxiocán, tirou a bússola de sua mão e ficou invisível. Caveira e Rabin estavam sozinhos, um de frente para o outro. O feiticeiro de Solomon olhava para o corpo de Gólgota, incrédulo. Aquilo acontecera muito rápido. Caveira era um pistoleiro muito habilidoso. Pegadas começaram a se formar na neve, quando Leon (ainda invisível) começou a correr com a bússola na mão.

– Você não vai escapar! – Rabin ergueu os dedos para o céu, e uma bola de fogo se formou no centro de sua palma antes de arremessa-la em direção a Leon.

Caveira virou morcego e se jogou em frente ao ataque, sendo atingido em cheio. Seu corpinho flamejante caiu fundo na neve, de onde saiu uma coluna de fumaça. De repente, sua forma humanoide se estendeu no chão, metade carbonizada. Ele tirou a máscara, revelando um rosto de morcego, peludo e chamuscado.

–  Como é o gosto do fracasso? – Rabin perguntou, olhando-o com curiosidade.

– Me diga você – Caveira gaguejou, forçando um sorriso. – Já que o meu camarada invisível acabou de entrar na floresta.

Rabin olhou para trás e percebeu que as pegadas de Leon sumiram entre as árvores. Agora seria impossível encontra-lo. Ele fechou os punhos, furioso, e ateou fogo no corpo de Caveira antes de voar para dentro da floresta.

Enquanto isso, Drake Sobogo sentia seu corpo bater em cada árvore no caminho, enquanto Troche o empurrava para dentro da floresta. O Judeu de Ferro o abraçara com força, imobilizando seus braços, e ele corria rapidamente, levando Drake para uma direção misteriosa. Foi quando as árvores acabaram que Drake percebeu seu destino. Havia um penhasco logo à frente, e Troche planejava joga-lo lá de cima.

Drake dobrou o pescoço para trás e pegou impulso antes de dar uma cabeçada no nariz de Troche. Isso o fez parar. Os dois rolaram pela neve entre a floresta e o penhasco. O Judeu de Ferro se levantou, segurando o nariz moído.

A alça da mala de armas ainda estava presa no ombro de Drake, e ele rapidamente segurou os dois lados da bagagem e a rasgou ao meio, como se fosse um saco de batatas fritas. Vários fuzis, metralhadoras e granadas caíram no chão, aos seus pés. Ele pegou a Thompson com munição de disco frontal e a ergueu.

– Não acredito que você vai trazer arminhas para a nossa batalha final – Troche disse, com o sangue escorrendo de seu nariz e encharcando a barba.

Drake apenas cuspiu para o lado e segurou o gatilho. A metralhadora cuspiu todas as suas balas, acertando o corpo do Judeu de Ferro com uma sequência de choques metálicos. Quando a munição acabou, Drake a jogou no chão, ignorando o disco fumegante derreter a neve. Troche ainda estava em pé, sorrindo para ele.

– Desgraçado – Drake sussurrou, pegando um fuzil para repetir o ataque. Ele atirou várias vezes, vendo Troche se aproximar, como se nada estivesse acontecendo.

– Você não sabe quantos vampiros eu absorvi para chegar onde cheguei – Troche disse, ficando cara a cara com Drake. – Eu sou o maldito Troche, seu filho da puta.

O Judeu de Ferro enfiou as mãos na barriga de Drake e abriu os braços, dividindo o militar em dois. Drake sentiu as tripas escorrendo de sua barriga e caindo em cima dos quadris. As pernas tombaram para um lado e o tronco para o outro. Drake cuspiu sangue, incrédulo. Ele morrera muito fácil. Suas mãos tatearam as armas ao redor, na esperança de reverter aquela situação.

Troche ficou de cócoras ao seu lado, sorrindo. Drake estendeu o braço em sua direção, agonizando. Os dedos apertaram o pescoço do judeu, sem forças. O militar começou a balbuciar algo, tremendo. Troche se abaixou um pouco para ouvir suas últimas palavras. Assim que ele inclinou, os dedos de Drake milagrosamente se mostraram fortes de novo, puxando-o mais para perto.

– O quê? – o sorriso de Troche se perdeu, quando ele sentiu o abraço ao redor de seu pescoço, puxando-o até encostar seu rosto no de Drake. – Por que você não me solta e morre logo?

– Eu não vou te soltar – Drake gaguejou, erguendo o outro braço livre. Com a visão periférica, Troche percebeu que ele sacudia uma espécie de chocalho perto de seu ouvido. – Porque nós vamos para o inferno juntos.

E Drake Sobogo soltou o lacre de uma das granadas.

 

Icabode St. John virou a cabeça, surpreso. Ele via uma imensa fogueira na trilha que seus companheiros seguiam, e uma grande explosão do outro lado da floresta. Aparentemente o seu grupo não conseguira encontrar o coração do polonês.

– Você tem um espírito guerreiro – Solomon disse com as mãos nas costas. – Isso é muito valorizado na máfia.

– Foda-se a máfia – Icabode respondeu, pensando nas suas alternativas. Seus poderes eram de invisibilidade, poder da mente e sentidos aguçados. Como usar isso?

– É exatamente disso que estou falando – Solomon disse, admirado. – Mas e aí, o que pensa em fazer? Se quiser se unir a mim, será muito bem-vindo.

– Eu passo – Icabode deu de ombros. – Eu já me aliei a você uma vez e me dei mal. No meu lugar, o que você faria?

Solomon gargalhou, resignado.

– No seu lugar, eu me mataria sem pensar duas vezes  – confessou.

– É o que vou fazer – Icabode estendeu o braço e fez Solomon sair do chão. Ele ergueu o outro braço e fez quatro tochas levitarem em direção ao vampiro.

Ele manteve o inimigo flutuando sob sua telecinese, enquanto as tochas se aproximavam de seu corpo. Icabode achou que ia vencer facilmente, até que percebeu o olhar de Solomon. O homem mais velho não temia o fogo. Ele olhava com uma curiosidade divertida para as tochas. E no próximo instante, as hastes de madeira pararam de se aproximar.

– O quê? – Icabode tentou força-las em direção ao outro, mas nada acontecia. – É você que está fazendo isso?

De repente, as quatro tochas se apagaram, como se mãos invisíveis tivessem se fechado sobre elas. E Solomon Saks começou a descer, até seus pés voltarem a tocar o chão.

– Existe uma regra no mundo vampírico – Solomon Saks estava ereto, com as mãos ainda atrás das costas. – O vampiro mais forte não pode ser subjugado pelo mais fraco. Qualquer poder sobrenatural que tentar usar contra mim, fracassará.

Espantado, Icabode tentou usar novamente seu poder, mas Solomon Saks nem se moveu. Ele se virou e fez as tochas se lançarem contra o inimigo, mas o polonês fazia todas caírem no chão antes de se aproximarem.

– Já chega – Solomon disse. – Já lhe dei todas as chances que precisava. Agora irei mata-lo, garoto.

Icabode não o viu se aproximar. Primeiro sentiu o impacto do soco esmagar seus órgãos internos. O próximo golpe deslocou o maxilar. O chute fez seu joelho quebrar, e sua perna se dobrar para trás. Icabode estava no chão, completamente desmontado. Ele olhou para o trono ao lado, e viu sua tia Katherine ainda inconsciente, amarrada por uma corrente. Eu falhei com você, tia.

Ele viu a sola do sapato de Solomon Saks pisar em seu rosto. Lentamente, o pé do polonês foi se afundando, e os ossos faciais de Icabode foram cedendo. Esse era seu fim.

 

Alguns quilômetros dali, Leon corria pelas árvores, ainda invisível. Quando perdeu Rabin de vista, ele voltou ao normal. E voltou a seguir a bússola. Não muito longe de onde estava, havia uma cabana solitária no meio de uma clareira. E coincidentemente a bússola apontava para essa direção. Ele não fazia ideia que Caveira fora transformado em pó, ou que Drake explodira a si mesmo, abraçado a Troche, ou que Icabode estava sendo esmagado por Solomon. Leon até mesmo acreditava que Maxiocán podia ser salvo, que ele estava só em transe.

Mas Leon estava enganado. Maxiocán era um vegetal. Um corpo sem consciência alguma. Ele era a última pessoa incólume de seu grupo. E agora Leon entrava na cabana apontada pela bússola. O lugar estava em ruínas, e em seu interior havia apenas uma pessoa. Uma velha com um pano amarrado ao redor da cabeça, olhando para uma foto, triste. Ela ergueu os olhos para Leon e mostrou a foto para ele. A imagem era em preto e branco, e mostrava um garoto sorrindo.

– Esse é o seu filho? – Leon perguntou para a mulher. – Esse é Solomon?

Ela ignorou a pergunta, e ergueu o baú que estava no colo. Leon o recebeu e abriu a tampa. Era um coração humano, o coração de Solomon.

– Não! Não faça isso! – Rabin gritou, vindo pela trilha de neve. Ele voava rapidamente em direção à cabana, vendo através da porta, Leon tirar o coração do baú.

Leon puxara a estaca do casaco e a erguera sobre a cabeça. O feiticeiro estava prestes a invadir a cabana.

Tudo aconteceu muito rápido. Leon abaixou a estaca com toda a força de seu corpo, sentindo o sangue queimar em suas veias, bombeando o bíceps do braço direito. A estaca atravessou o coração e saiu do outro lado de sua mão. Rabin parou no meio do caminho, gritando com os olhos arregalados. Ele se virou e voou para longe, desesperado.

Leon se virou para a mãe de Solomon e percebeu que ela se encostara na parede e abaixara a cabeça. A velha estava morta.

Icabode olhava para Katherine enquanto sua cabeça estava sendo esmagada. Sunday estava em silêncio. O mundo estava em silêncio. E aquilo estava demorando demais. Solomon não terminava o serviço. Depois de alguns segundos, Icabode percebeu que o vampiro estava imóvel. Ele se arrastou e observou, surpreso, o polonês parado como uma estátua, e seu pé erguido como se fosse esmagar algo.

– Deu certo – Icabode concluiu. – Eles encontraram o coração.

Ele foi saltando sobre uma perna até a tocha mais próxima, a trouxe de volta e estendeu-a sob o pé do polonês. As chamas começaram a se espalhar pelo corpo de Solomon Saks aos poucos. Icabode ficou em sua frente, olhando-o nos olhos. Ele ficou feliz ao ver que as pupilas vermelhas de pavor.

– Você está sentindo isso, não está? – ele perguntou, satisfeito.

Solomon se tornou uma coluna de fogo, imóvel. Não demorou muito para Rabin alcançar o topo daquele monte. O feiticeiro olhou para o polonês e depois para Icabode. E seu olhar era de confusão e perda. Rabin olhou para o horizonte e fugiu, e nunca mais foi visto.

Icabode se virou para trás, e não viu mais sua tia. Apenas a mancha de sangue no chão. Ele olhou ao redor, e a encontrou, sumindo no meio da névoa. Ela andava de mãos dadas com alguém. O desconhecido vestia um longo casaco de detetive e um chapéu.

Adeus, meu amigo, Icabode pensou, vendo Sunday levar sua tia para a eternidade.

 

Após uma longa caminhada de volta, ele encontrou com Leon. Não sabiam se havia outros sobreviventes, mas isso não importava mais. Os dois apenas seguiram em silêncio pelo caminho que haviam percorrido mais cedo. Lá estava o monte de cadáveres, com a porta da umbra no seu topo.

Os dois subiram até ela, quando uma figura encapuzada apareceu.

– Vocês foram avisados! – o espectro bradou. – O portal só pode ser aberto por meio de um sacrifício pessoal.

– Não – Icabode rebateu. – Nós dois iremos atravessá-lo. Deve haver uma maneira.

– Você sabe que não há – Leon o censurou, tirando a estaca do casaco. A mesma estaca que usara no coração de Solomon. – E não tem problema. Quando você veio atrás de mim na fundição de Solomon, eu quis que você me matasse. Aquele dia eu pedi para você fazer isso.

– Se você fizer isso, vai acordar no inferno – Icabode o avisou, sentindo uma lágrima de sangue escorrer pelo rosto.

– Eu acho que de todos os vampiros – Leon começou a levitar. – Eu não fui tão ruim assim. Quem sabe exista uma salvação para a minha alma?

Icabode viu o amigo subir a uma distância incrivelmente alta. Lá em cima, Leon apunhalou o próprio coração. Icabode aguçou sua visão sobrenatural e viu o corpo cair na escuridão e acertar o chão, aos pés do monte de cadáveres. Mesmo longe, ele via nitidamente o rosto de Leon, definitivamente morto. Ainda que arrancassem a estaca de seu coração, ele nunca mais se levantaria.

A porta da umbra se abriu, e Icabode a atravessou chorando como se fosse uma criança.

 

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Icabode St. John [24]

O sol se pôs e os vampiros se encontraram no rancho ao norte de Manhattan. Havia um galpão e uma pista de pouso, e ao redor, um mar de pinheiros. O último carro a chegar era de Drake Sobogo. Ele desceu, seguido por um homem de roupa militar, pele morena e bigode frondoso. Em seu peito estava escrito “BALA DE PRATA: PEPPERS”. Ele trazia um casaco grosso sob o braço.

– Maxiocán? – Icabode perguntou, franzindo as sobrancelhas. Caveira, Lancelot e Leon se olharam, igualmente surpresos.

– Eu sou de uma linhagem de caçadores de criaturas malignas – Maxiocán disse, com Drake ao seu lado. – Quando recusei ajuda-los a matar Solomon Saks, eu tomei uma decisão incoerente. Quando a ficha caiu, peguei o primeiro avião para Nova York naquela mesma noite. Os Balas de Prata eram uma família – ele olhou para Drake. – E pelo visto eu não fui oficialmente dispensado de meus deveres, não é, capitão?

–  Quando o vi na minha porta, pensei que você fosse me matar – Drake revelou, sorrindo pela primeira vez em muito tempo.

– Matar o Capitão Sangrento? – Maxiocán se perguntou. – Seria uma boa coisa para colocar no meu currículo.

– Se vocês não querem ser recepcionados por um bom e velho sol nascente, devem partir agora – Lancelot olhou para o relógio de bolso. – A viagem para a Polônia é longa, e vocês precisam encontrar um abrigo antes do dia raiar… e antes que eu esqueça, coloquei algumas ovelhas dentro do avião para vocês se alimentarem.

Os cinco entraram no avião de sucata, com suas bolsas cheias de armas, munições e granadas, e deixaram o território americano alguns minutos depois. O voo foi turbulento do começo ao fim. Em alguns momentos o avião se mexeu tão forte que os vampiros saltaram em seus assentos. As carcaças das ovelhas deslizavam de um lado para outro, como bichos de pelúcia sem enchimento.

O trem de pouso quicou no chão congelado algumas vezes até o avião derrapar e parar num banco de neve. A rampa traseira se abriu e o grupo desceu no meio da nevasca. Maxiocán se encolheu debaixo do casaco de pele.

Mas que carajo! – gritou ele.

– A cidade está ali! – Icabode gritou, aguçando seus olhos em direção a uma redoma de luz alguns quilômetros de distância. – Gdynia é a cidade que Solomon pousou.

– Cheque a bússola! – Leon sugeriu.

Icabode a puxou de dentro da jaqueta, e Maxiocán se aproximou, estendendo a mão. O vampiro entregou o objeto de volta ao seu dono. Maxiocán a ergueu diante dos olhos e se virou.

– Ela está apontando no sentido contrário – ele gritou. – Solomon Saks não está mais na cidade. O que tem ao norte?

– Apenas neve – Caveira respondeu, gritando. – E depois, o oceano Báltico. Ele deve ter algum refúgio, e não deve ser muito longe da cidade. Criaturas como nós não podem se dar ao luxo de fazer longas viagens sob o céu aberto.

– Nós temos poucas horas até o sol nascer – Drake disse, preocupado. – E se não encontrarmos nada no caminho? Não seria melhor passarmos um dia em Gdynia?

– Eu não darei nenhum dia a mais para aquele maldito – Icabode disse, e começou a caminhar na direção apontada pela bússola.

– Eu não deveria fazer isso – Caveira disse, seguindo Icabode. – Eu sou do clã da Sabedoria. Não seria muito sábio ir nessa direção.

Leon foi atrás. Maxiocán e Drake se encararam antes de fazerem o mesmo. Os cinco marcharam pela nevasca noturna, deixando qualquer vestígio de avião ou cidade para trás. Eles estavam em uma escuridão total, em meio a neve e ventos de cem quilômetros por hora. Maxiocán ia à frente, com os olhos na bússola, mas como ele era o único mortal, seu corpo era o mais afetado pelo clima de trinta graus negativos.

Após duas horas de caminhada, Maxiocán foi o primeiro a cair. Ao leste, o horizonte começou a revelar os primeiros tons de claridade. Drake Sobogo pegou seu amigo nos braços e continuou caminhando. Icabode mantinha o ritmo, decidido.

Em sua cabeça, vinham os pensamentos de que tomara uma decisão suicida, que deveria ter ouvido a Drake e passado o dia em Gdynia. Os outros morreriam, e culpa era dele.

– Vocês também lembram de quando eram vivos, e a neve refletia a claridade, fazendo a luz solar nos acertar com mais força? – Caveira perguntou, olhando para o leste. – Acho que isso – ele apontou para a neve ao redor – seria uma espécie de “chão de lava” para nós. Engraçado, não?

Leon foi o segundo a cair. Apesar de não sentir frio, o vampiro sentia suas panturrilhas doerem. Para manter o corpo em pé, seu estoque corporal de sangue evaporava aos poucos, deixando-o fraco e faminto. Icabode seria o próximo a tombar, se não fosse sua disposição para achar o esconderijo de Solomon. Caveira se transformou em morcego e pousou sobre o corpo de Maxiocán que era carregado por Drake.

O céu nasceu, e se não fosse pelas nuvens carregadas, os vampiros já estariam mortos na neve. Drake Sobogo começou a sentir as gotas de sangue escorrerem por seus olhos. Em sua frente, ele viu uma fumaça exalar do corpo de Icabode. Sentiu pena do garoto. Ele se perguntou como seria aquilo, como era morrer queimado. Se seria rápido, ou se eles iriam agonizar até que os corpos não existissem mais.

Icabode passara o braço de Leon sobre os seus ombros e o ajudava a caminhar. Drake ficou assistindo os dois subirem o topo de um monte de neves, e os viu cair no chão. É o fim, pensou o militar. Icabode ficou de joelhos, e olhou para trás, com o rosto sujo do próprio sangue. Mas ele parecia otimista. Drake ficou surpreso, e correu para alcança-los.

– Achamos, Drake – Icabode apontou para baixo, onde havia uma pequena cabana de madeira no meio da neve.

O céu e as nuvens se abriram nesse exato momento, e a luz solar encheu o vale gélido. Drake soltou Maxiocán no chão, agarrou a Icabode e Leon pelos troncos e os jogou com força. Os dois fizeram um arco no céu e caíram no chão próximo à cabana. Em seguida, ele fechou as duas mãos ao redor do morcego e saltou vários metros de altura, caindo próximo aos outros. Os quatro vampiros entraram na cabana e fecharam as cortinas. Ali dentro, estariam completamente protegidos do sol. Alguns minutos depois, Maxiocán entrou, cambaleando.

A cabana só tinha um cômodo, e nenhum móvel. Havia duas portas, a que eles atravessaram, e uma do outro lado. Todos ficaram frustrados, pois obviamente aquilo era apenas uma cabana abandonada, e não o esconderijo de Solomon.

Não demorou muito, e os vampiros morreram. Eles passariam o dia inteiro deitados na mesma posição, como se nunca mais fossem se levantar. Maxiocán também se entregou ao chão, e dormiu.

Assim que o sol se pôs e a ventania voltou a sacolejar a cabana, o grupo acordou. Maxiocán já estava de pé, obviamente, olhando para a bússola.

– Tem algo errado – ele disse. O ponteiro rodopiava sem parar. – É como se tivéssemos chegado no local.

– Espero que não – Leon disse, fraco. – Eu não conseguiria enfrentar Solomon sem me alimentar primeiro. Preciso de sangue.

– Todos precisamos – Caveira disse, com os braços apoiados nos joelhos. Ele passou a mão por baixo da máscara de caveira e secou o sangue do próprio rosto.

– Ei – Drake Sobogo disse após abrir a porta de onde vieram. – Venham – ele olhava hipnotizado para fora. Havia um cervo parado no meio da neve, olhando curioso para a cabana. Ele tentou correr, mas Icabode o ergueu no ar, impedindo-o.

Os quatro vampiros se curvaram sobre o animal, sugando todo o sangue de seu corpo. E assim que voltaram para a cabana, descobriram que Maxiocán não estava lá dentro sozinho. Havia um homem alto, encapuzado, levitando. Seu rosto estava escondido na escuridão do capuz, e seus dedos eram ossos, sem carne alguma. Ele estava parado diante da porta do lado oposto.

– Quem ousa abrir o portal da Umbra? – a voz era duplicada e fria.

– Sou Maxiocán Allende, e procuro por Solomon Saks.

– O portal sempre está aberto para quem está do lado de fora – o espectro disse. – Porém, para abri-lo por dentro, é preciso que haja um sacrifício pessoal.

– Não importa – Icabode deu um passo para a frente. – Nós precisamos entrar.

O espectro deslizou para o lado e estendeu a mão, e a porta se abriu, mostrando um campo de neve, igual ao que eles estavam. Os vampiros passaram pela porta, um por um. Maxiocán passou por último, e a porta se fechou em suas costas. Eles olharam para baixo e perceberam que estavam em uma montanha de cadáveres. Não se via mais a cabana, mas apenas uma porta solitária no topo do monte.

– Umbra? – Drake perguntou, confuso.

– Umbra é o limbo – Maxiocán explicou. – Estamos em outra dimensão agora. É como se fosse o nosso mundo, porém mais espectral.

– Como Solomon Saks conseguiu esconder seu coração na Umbra? – Leon perguntou, descendo as pilhas de cadáveres, junto com o grupo.

– Rabin deve ter feito isso – Caveira respondeu. Ele se virou para Maxiocán e explicou. – Solomon Saks tem um feiticeiro judeu. Nada a ver, nada a ver mesmo.

O grupo chegou à base do monte de cadáveres e seguiu por uma trilha de neve, entre uma floresta de pinheiros. A estrada repentinamente se bifurcou entre a principal e uma tangente que ia para o topo de um morro.

– A seta aponta para a estrada em frente – Maxiocán disse.

Nesse momento, um gritou cortou o céu da Umbra. Ele veio do topo do morro. Era uma voz feminina, de dor.

É Katherine! Sunday gritou na mente de Icabode. É sua tia!

– Eu preciso ir por aqui – Icabode apontou para a trilha. – Mas vocês devem ir atrás do coração.

Os outros se olharam, preocupados, mas decidiram não contraria-lo.

– Tome cuidado, Icabode – Leon apertou o ombro do amigo, e os dois se despediram.

– Pegue isso – Drake pegou uma granada de sua bolsa e a colocou na mão do garoto. – Caso você precise.

Quatro foram para um lado, e Icabode foi para o outro, subir a trilha do morro. Quando a subida se tornou árdua demais, ele decidiu usar sua telecinese para levitar até o topo. Não queria gastar muito os seus poderes, pois poderia precisar deles depois.

Você precisa salvá-la, Icabode, Sunday pediu, aflito. Katherine é o amor da minha vida, e você precisa garantir que ela fique bem… a não ser que você tenha que escolher entre matar o maldito polonês e salvá-la. Destruir aquele demônio é sua prioridade.

Não se preocupe, Sunday, Icabode disse, voando pela ventania gelada. A bússola está apontando para outra direção. Solomon não está por perto. Eu a salvarei e depois me juntarei aos outros.

Assim que surgiu no topo do morro,  ele avistou uma clareira, cercada por longas tochas. No centro, havia um trono de metal, e amarrada ao pé do trono, estava Katherine. Ela estava deitada, inconsciente, e havia sangue em sua barriga.

Icabode pousou ao seu lado, e assim que tocou em sua tia, uma voz surgiu em suas costas.

– Parece que a nossa guerra contra os vampiros foi longe demais, não foi?

Icabode se virou e viu um homem de porte altivo, com longos cabelos e barbas, brancos como a neve, esvoaçando sob o vento. Ele vestia um terno preto de três peças.

– Saks – Icabode murmurou. Ele estava sozinho com o polonês.

– Solomon Saks, o Imortal – o homem o corrigiu.

Icabode se lembrava bem de quando ele se chamou assim pela primeira vez. Os dois estavam caçando Leon, unidos em uma suposta guerra contra os vampiros. Ambos ainda eram mortais naquela época. Agora, os dois eram neófitos, mas Solomon Saks era praticamente um deus, e Icabode… bem, Icabode estava prestes a enfrentar um deus, sozinho.

 

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