Manuscritos são artigos relacionados aos mais variados temas dentro do contexto do RPG. Variam de histórias próprias, contos, compêndios, resenhas e colunas com textos autorais.
Você teve algumas experiências traumatizantes como narrador, e achou que fosse um mestre ruim? ACHOU ERRADO, OTÁRIO! E eu vou te explicar o porquê.
Assim como andar de bicicleta ou fazer malabarismo, narrar RPG requer prática. Não é porque seu jogo foi horrível, e os jogadores ficaram revoltados, que você seja um mestre definitivamente ruim. Acontece que não existem escolas de um só dia. Tudo que você aprende na vida, leva algumas aulas, e com o RPG não é diferente. Pelo contrário, narrar uma aventura é um desafio muito grande.
Imagine só, você tendo que controlar um universo imaginário enquanto interage com outros personagens que podem tomar centenas de decisões imprevisíveis, e ter que reagir a todas elas de maneira criativa e espontânea. Caso você não seja um George Martin ou um Stephen fucKING, isso não vai ser uma tarefa muito fácil.
Você pode pensar: “ok, então se eu não sou um narrador ruim, apenas inexperiente, como poso mudar isso?”. Eu vou lhe dizer como.
Para facilitar a sua compreensão, vou separar este manual em três partes, cuja primeira é “inspiração”. Sei que é um nome clichê, mas me dê um voto de confiança. Você não vai se arrepender.
Quando você assiste um filme de época, cyberpunk ou medieval, os produtores, diretores e roteiristas querem garantir que os telespectadores tenham uma experiência imersiva na história. Para isso, eles preparam toda a ambientação, tendo cuidado com os figurinos, tipos de linguagem, decoração do cenário, etc. O objetivo disso é arrebatar a pessoa do cinema para dentro daquele mundo.
Igualmente, a cabeça do narrador precisa ser aquele estúdio de gravação. Sua criatividade precisa estar recheada com um set de filmagens. Você tem que pensar como um diretor e falar como um roteirista.
Não estou dizendo que precisa ser um cineasta profissional para ser um mestre de RPG, mas que você precisa ler, assistir e estudar histórias daquele cenário. Sua mente precisa estar munida com elementos daquela ambientação. Caso vá narrar um jogo de Vampiro, leia o material, contos, livros de vampiro. Se você for um cara que nunca leu ou assistiu nada sobre vampiros, como acha que serão os seus NPCs?
Narrador: “Vocês chegam até a fortaleza no cume da montanha, e um homem de bermuda caqui e camisa de gola polo abre a porta, segurando suas próprias mãos. Com um sorriso, ele pergunta: ‘boa noite senhores, vocês se importariam se eu bebesse seu sangue hoje?”.
Você pode achar que esta dica é desnecessária, pois se você pretende narrar alguma coisa, é porque já conhece e gosta desse cenário, e portanto, já leu e assistiu muitas histórias sobre o assunto. Pode até ser verdade, mas o propósito aqui é aprofundar sua imersão.
Quando você assistir um filme medieval, analise a vida do taverneiro, ainda que ele tenha aparecido por apenas cinco segundos. Tente pensar em sua rotina, em seus problemas, em sua família, em sua opinião política, sobre o que pensa do rei. Até mesmo, crie um problema de dicção pra ele. Misture sua personalidade e seus trejeitos com algum personagem da vida real que você conheça. Dê profundidade aos seus NPCs.
Certa vez eu fiz uma longa sessão medieval que girou em torno de um vilarejo cujo depósito de trigo fora contaminado por um fungo. Não houve cenas épicas de combate ou perseguição. Apenas os personagens tentando encontrar a causa da contaminação, e após a descobrirem, como iriam reabastecer o povo para que não passassem fome.
Os jogadores amaram a sessão. Ela foi recheada de elementos cotidianos de um vilarejo medieval, desde a ambientação que foi rica em detalhes, como na história em si. Para isso, eu havia pesquisado sobre contaminações por fungos na idade média, e como isso afetou as cidades e os vilarejos daquela época.
Antes de narrar algo, leia, assista e jogue coisas que envolvam aquele cenário. Veja nas entrelinhas e adapte as histórias. Não há problema em copiar tramas e dramas de outros lugares. Pelo contrário, é uma ótima forma de garantir um plot de qualidade para a sua mesa.
Se você é um mestre inexperiente e deseja narrar um RPG enriquecido, basta você se alimentar de histórias do mesmo cenário de sua mesa. Quanto mais você ler, mais fluídas serão suas sessões, e mais espontâneas serão suas descrições do cenário e dos NPCs. A “inspiração” é a diferença entre superficialidade e imersão profunda.
Nos capítulos anteriores: Após Anthony empalar a Solomon, o polonês percebeu que precisava fazer algo acerca dessa fraqueza. Alguns dias depois da briga, Anthony descobriu que o mafioso se encontrava com um traficante de informações que vivia no cemitério, o Sombra. O grupo foi atrás dele, e descobriram que Solomon pretendia fazer um ritual de bruxaria. Após matarem o Sombra, os mortos se levantaram, e o grupo começou a fugir. No caminho, encontraram com Solomon e seu séquito. Ao tentar empala-lo, Anthony descobriu que Solomon removera o seu coração do peito e o escondera em algum lugar. Em seguida, o polonês o empalara de volta e o matara. Leon fugira, e Icabode se escondera em um mausoléu, onde ouviu o séquito falar sobre alguém chamado de Maxiocan, o único que saberia como reverter o feitiço de Solomon.
Os mortos voltaram para suas tumbas, puxando a terra sobre si com seus dedos esqueléticos. A terra revolvida e os cadáveres atropelados por Anthony Ritzo irão atrair a atenção das pessoas e da polícia, Icabode concluiu, ainda escondido em um mausoléu. Quando seus ouvidos aguçados ouviram o último zumbi se aconchegar em seu caixão, ele saiu do esconderijo. Uma voz idosa e distante o fez parar.
– Mas isso de novo?
Icabode forçou os olhos, e viu saindo de um casebre, o zelador do cemitério. De novo? Ele se perguntou. Pelo visto, aquela não era a primeira vez que os mortos se levantavam. Aparentemente essa não seria a primeira vez que ele limparia essa bagunça. Melhor eu dar o fora daqui, Icabode se virou e correu pelo cemitério.
– Leon, você está aí? – ele chamou não muito alto. O companheiro tinha audição aguçada, e caso ele estivesse nas proximidades, iria escutá-lo. – Leon?
Icabode parou ao ver um corpo carbonizado em uma clareira, com um galho atravessado em seu peito. Era Anthony Ritzo. Se aquele brutamontes não foi páreo para Solomon, quem sou eu?
– Leon, pode me ouvir? – ele voltou a correr.
Depois de alguns minutos, desistiu. Olhou para o céu e imaginou que o amanhecer não estava tão distante. Leon provavelmente voltara para seu esconderijo na Estátua da Liberdade. Muito longe, e eu não aprendi a voar ainda, ele pensou, ficando preocupado. Precisava achar um lugar pra se esconder antes que o sol saísse e o pulverizasse.
Só tem um lugar… pensou, receoso.
Ele corria há mais de uma hora, sentindo seus músculos da perna se contraírem em uma dor lancinante. E não estava nem na metade do caminho. Decidiu sentar no meio fio, sentindo o desespero tomar conta de seu peito. Nenhum lugar parecia ser um esconderijo bom o suficiente. Todas as portas e estabelecimentos estavam fechados. Os becos eram muito expostos, assim como se esconder debaixo dos carros.
Ele sabia que onde quer que se metesse, alguém viria o seu corpo e o confundiria com um cadáver. Assim que a ambulância viesse busca-lo, ele iria para o sol e puf!
Vá para o esgoto, garoto, Sunday falou em sua mente. Icabode arregalou os olhos, feliz por ouvi-lo.
– Onde você está, Sunday? Diga-me, rápido!
Você não pode vir aqui agora. Corra para um esgoto antes que você vire farinha! Correndo contra o tempo, Icabode se levantou e foi até uma boca de bueiro e tentou erguer a tampa de ferro, pesada. Seu corpo estava faminto e esgotado de tanto correr. Os braços magrelos se esticaram e tremeram, e a tampa mal sacudiu.
Rápido, garoto! Você precisa sobreviver! Preciso de sua ajuda!
Icabode olhou para trás e viu o horizonte clarear. O negrume virou um azulado escuro. Sua pele começou a transpirar sangue, enquanto sua mente se enchia de um pavor intenso. A barra de ferro ergueu alguns centímetros agora.
Isso, força!
Ele conseguiu afastá-la um pouco para o lado. Se não fosse a exaustão, não seria tão difícil. Ele sentou, apoiando as mãos no asfalto, atrás. Seus calcanhares pousaram sobre a borda da tampa e começaram a empurra-la. Com uma careta e muita tremedeira, Icabode conseguiu empurrar mais alguns centímetros. Ele tentou enfiar seu corpo na brecha, mas ficou preso nos quadris. Se debateu como um gato aprisionado, e viu o topo dos prédios serem tomados pela claridade solar.
Aos poucos, se espremeu e deslizou o quadril pelo buraco, se contorcendo. Um paredão de luz já marcava a esquina daquela rua, e ele vinha em sua direção. Icabode se apressou, erguendo os braços pra cima, passando a barriga pelo buraco. Quando chegou nos ombros, ficou preso novamente, e o sol refletia sua luz no asfalto, queimando o rosto de Icabode. Num último grito de fúria, ele se impulsionou para baixo e caiu no chão, batendo o lado do corpo.
Muito bem, Sunday disse. Agora procure um esconderijo. Amanhã nos falamos.
Icabode saiu mancando no meio da escuridão, segurando as costelas doloridas. Ele tentou falar com Sunday novamente, mas o detetive não respondeu mais. Icabode viu frestas de luz passando pelo teto do esgoto, e ele tentou fugir o mais longe possível dessas aberturas. O dia estava nascendo, e seu corpo começara a enfraquecer mais ainda. Ele estapeou o próprio rosto, tentando ficar acordado, até que encontrou um entulho de lixo boiando num córrego do esgoto. Ele entrou na água que batia em seus joelhos, e mergulhou, trazendo o entulho para cima de si. A última coisa que ele fez antes de desmaiar foi chorar.
Despertou, assustado. Se levantou da água, empurrando o lixo ao redor. Uma fralda de pano, suja de fezes ficou grudada em seu rosto. Ele a arrancou com nojo. A fome coçava sua barriga com unhas afiadas. Ao redor, ratos corriam aos montes. Ele mordeu o lábio inferior, dividido entre o medo daquelas criaturas e a fome.
– Não farei isso – concluiu, caminhando pelo canal de água entre as calçadas ladrilhadas por onde os ratos cruzavam.
Enquanto procurava uma escada para o mundo de cima, ele atravessou alguns túneis escuros, até que algo chamou sua atenção. Um barulho de água sendo agitada em suas costas.
“Os vampiros não são as únicas coisas perigosas nas noites de Nova York”, Leon dissera na noite passada, alguns minutos antes do cemitério se encher de zumbis.
Houve outro barulho de água revolvida. Icabode se virou lentamente sobre os tornozelos e aguçou o olhar. Duas bolas amarelas reluziam na água, lado a lado. Enquanto ele tentava entender o que era aquilo, as bolas piscaram de forma reptiliana.
Icabode se virou novamente e começou a correr. Ele não sabia se o som de água que estava ouvindo era só de sua corrida, ou se vinha de trás também, mas por vias das dúvidas, preferiu continuar correndo. Ao virar na última curva, se deparou com uma grade de proteção que o impedia de seguir o caminho. Ele foi até o fim e se agarrou às barras de ferro, cansado. Em suas costas, o barulho de água se batendo voltou. Ele girou e pôs as costas na grade, assustado. Estava cercado. No caminho de volta estavam os olhos amarelos. De repente, uma cauda gigantesca, escamosa, se movimentou para lá e para cá, espalhando água pra todos os lados, e voltou a submergir.
Icabode tentou ficar invisível, mas os olhos continuavam focados nele. Faça alguma coisa agora, disse a si mesmo. Decidido, começou a correr pela lateral do túnel, esperando que fosse mais rápido do que aquele crocodilo gigantesco. Mas antes de chegar na metade do caminho, o animal se levantou sobre as patas, revelando uma altura surpreendente, e uma velocidade maior ainda.
Icabode tentou parar, deslizou e caiu de costas no chão. O corpanzil do animal se chocou com a lateral do túnel, esmagando e destruindo todos os canos da parede. Alguns eram gigantescos, e uma enxurrada começou a jorrar sobre Icabode, arrastando-o em direção à grade novamente.
Ele se levantou, indo de um lado para o outro, tentando evitar o raio de largura do crocodilo. Você precisa fazer mais uma investida! Pensou, se recusando a entregar as pontas. Depois de tudo o que você passou, seria idiotice morrer para uma lagartixa gigante. Ele apoiou à grade e se empurrou para o lado oposto. A boca do crocodilo tinha alguns metros de comprimento, e ela se abriu, recheada de dentes imensos, podendo engolir o humano em uma mordida. Seu movimento foi brusco, e o túnel era apertado. Isso fez com que o resto dos canos fossem destruídos.
O ataque da criatura foi rápido, e alcançou Icabode em um movimento. Ele se jogou de costas na água e jogou os pés contra o focinho do animal. Por um milagre, um dos pés se apoiou na parte superior do focinho, e o outro, na inferior. A boca se abriu, esticando as pernas do humano, e o crocodilo avançou, tentando abocanhá-lo. Icabode se equilibrava, enquanto o focinho o empurrava pelo esgoto. A água subia de nível rapidamente, o que aumentava a velocidade dos dois.
Icabode tentava olhar para onde era empurrado, mas a água batia em seu rosto, cegando-o. Por um breve momento, viu luzes descendo em frestas do teto, adiante. Uma escada, pensou. Esperou o momento certo, e assim que se aproximaram, ele se jogou. O crocodilo passou direto, e os dedos de Icabode grudaram na barra da escada. Ele abraçou o metal, tentando não ser levado pela enxurrada.
Um gorgolejar primitivo veio do túnel, e o crocodilo se ergueu da correnteza em um salto, voltando até ele. Diabos! Icabode começou a subir barra por barra, junto com o nível da água. No meio do caminho, sentiu a escada sacudir embaixo de seus pés e mãos. A fera a puxava com os dentes.
Só mais um pouco! Pensou, tentando chegar à tampa do bueiro antes que a escada viesse abaixo. Ele conseguiu enfiar os dedos nos buracos por onde a luz descia no exato momento em que a escada cedeu e afundou na escuridão molhada. A água agora estava a poucos metros, e um monstro de escamas se debatia logo abaixo, se desvencilhando da escada.
– SOCORRO, ALGUÉM! – Icabode gritou ao ouvir o barulho do tráfego alguns centímetros acima de sua cabeça.
A tampa sacudia sempre que um carro passava. A qualquer momento um pneu poderia esmagar seus dedos. Ele pressionou os pés contra a parede e as costas contra a outra, pendurado no ar. O crocodilo saltou da água e rasgou sua jaqueta jeans.
Estou morto, ele concluiu, vendo que não havia escapatória. Tentou se segurar enquanto pôde, mas a água já estava perto o suficiente, e o crocodilo mergulhou para dar o impulso final que o levaria até sua presa.
– Droga… – Icabode sentiu os pés deslizarem, e seu corpo despencou.
Sua visão escureceu enquanto ele afundava nas águas negras. Talvez essa tenha sido sua sorte. O crocodilo não esperava encontra-lo ali, e sua boca ainda não estava aberta. Mas ele já subia com toda velocidade, levando Icabode para cima. O vampiro sentia suas costas se aproximando do teto e se encheu de esperanças.
Ele subiu com muita força. Sua cabeça jogou a tampa do bueiro para o outro lado da rua, e seu corpo começou a subir a avenida, como se fosse o próprio Super Homem. Ele girou no ar. Estou voando! Finalmente, consegui!
Ele subiu a altura de quatro andares até começar a cair novamente, só que lentamente. Ao pousar de cócoras no chão, sob os sons de pneus cantando e gritos de testemunhas assustadas, o crocodilo atravessou o bueiro, rachando o asfalto ao redor, enquanto a torrente de água enchia a rua. Era um caos.
O crocodilo estava preso no bueiro, se debatendo. Icabode olhou pra ele e sorriu.
– Sei como é a sensação – dito isso, se virou para as dezenas de pessoas que olhavam a cena, assustadas. – Au revoir!
Tentou ficar invisível, mas as pessoas continuavam olhando pra ele. Não deve funcionar quando alguém estiver olhando pra você, pensou. Os motoristas dos carros começaram a descer, amedrontados com a destruição da pista. Icabode decidiu simplesmente correr até um beco e fugir. Ele estava irreconhecível, coberto com as piores sujeiras do esgoto da cidade.
A situação que passara era tão incrível que ele não evitou sorrir da própria desgraça. É como aquele musical diz: “New York, New York, is a wonderful town”. O musical “On The Town” fora lançado na Broadway um ano antes do fim da guerra. Icabode se lembrava disso pois seus pais foram assistir.
Broadway, ele pensou, se lembrando das prostitutas que foram mortas por Fermín na casa de Sunday. Elas haviam o comparado com algum garoto da Broadway. Sua consciência o trouxe à realidade. Ele precisava fazer algo. E não tinha como se encontrar com Leon na Estátua da Liberdade. Mas não é pra lá que quero ir.
Depois de uma longa caminhada, ficou invisível e entrou no prédio de Sunday. O porteiro ouvia o rádio, junto com alguns moradores no salão de entrada. O locutor falava sobre uma série de assassinatos que aconteceram naquela noite, e todas as vítimas morreram com uma estaca no coração. Os corpos estavam sem sangue, e alguns deles pareciam se esfarelar, como se fossem múmias.
Solomon está atacando os vampiros de Nova York, Icabode se apoiou na parede com a notícia. Ele subiu todos os lances de escada até chegar no apartamento com a faixa policial. Certamente o lugar estaria sendo vigiado. O Conselho de Nova York não deixava pontas soltas. Muito menos em dias como esses.
No centro da sala, um quadrado livre de poeira no chão indicava onde estavam o tapete e sofá. Leon os jogara em algum canto do rio, junto com os cadáveres das prostituas. Ele sentou numa poltrona e aguardou. Olhou ao redor, se questionando se Sunday passara por ali recentemente. Lembrou que foi nesse lugar que Anatole conheceu o detetive. E dali, ele o seguiu até Montauk, onde matou meus pais, pensou com amargura.
Seus ouvidos aguçados captaram o som de passos na sacada, e em seguida, adentrando a sala.
– Você não devia ter voltado aqui, neófito! – uma voz disse, seguida de uma risada. Era um vampiro desconhecido a Icabode, provavelmente um capanga do Conselho.
– Apenas me leve à Juíza – se levantou, erguendo as mãos.
– Você sabe que eles vão te matar no momento que te virem, não sabe? – o vampiro perguntou, surpreso com sua reação.
– Que eles façam o que tem que fazer – Icabode respondeu, sério. – Agora me leve.
O vampiro deu de ombros e o empalou sem resistência. Icabode sentiu seu corpo ficar imóvel, e as mãos frias do outro o arrastarem pela sala. Um momento antes de sumir pela sacada, seu nariz aguçado indicou um cheiro de nicotina e tabaco frescos. Seus olhos se estreitaram e viram um cinzeiro com uma bituca em seu canto. Ele aguçou a visão, e através das bactérias no ar, conseguiu captar uma leve fumaça subindo das cinzas.
Vampiros têm pavor a fogo, pensou. Um mortal esteve ali. Talvez alguém que soubesse que só seria seguro estar em casa durante o dia.
Sunday!
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Olá guerreiros sagrados, eu sou Willian Vulto e esse é o décimo primeiro post da série onde eu analiso as classes de D&D, tentando pensar elas de formas diferentes. Semana passada eu falei dos Bardos e essa semana eu encerro as classes básicas do 3.5 falando dos Paladinos
Sobre os Paladinos:
A classe Paladino sempre me pareceu uma classe muito mal explicada. Sempre me pareceu uma classe feita as pressas por alguém muito fã de heróis clássicos. O Guerreiro abarca todo o tipo de combatente (variando suas capacidades com a escolha dos talentos) e o Clérigo é muito versátil por poder escolher várias divindades muito diferentes. Por outro lado os Paladinos parecem ser feitos como heróis clássicos, com capacidades legais, mas muito fechadas em si mesmas.
Paladinos tem ligação com divindades e seus poderes vêm daí (assim como o Clérigo), mas, seguindo o livro do Jogador, por exemplo, não existe nenhuma relação entre a escolha da divindade, os poderes do Paladino e sua tendência. Se depender da descrição do livro básico (pode ser melhor explicado em algum outro lugar), todo Paladino serve a Heironeous, é Leal e Bom, luta montado em um bicho mágico e tem um “código de conduta definido pela ordem e pela bondade” que não é explicado em lugar nenhum e pode significar absolutamente qualquer coisa (a maioria dos jogadores e mestres colocam uma moral cristã como código de conduta.).
Na verdade, o Paladino funcionaria muito melhor em um cenário com apenas uma ou duas divindades. Faria total sentido. Você pode forçar a barra e dizer que a crença do Paladino está ‘acima’ das divindades e ele cultua o bem e a ordem como conceitos puros. Funciona, mas evidencia ainda mais o problema de uma classe totalmente mal descrita, afinal, se os paladinos seguem tendências (e não divindades), eu quero muito saber como seria um paladino do Caos, por exemplo.
Carisma e Montaria:
A cura baseada em Carisma pode ser explicada com base na Presença (como eu falei no post do Feiticeiro), mas eu nunca entendi muito bem como funciona o bônus de Carisma nos testes de resistência. O livro chama esse poder de Graça Divina, o que é engraçado, pensar que uma divindade concede mais ou menos de sua Graça de acordo com o Carisma do Paladino. Ou será que o Paladino precisa de confiança para usar a Graça? Não sei bem.
A Montaria do Paladino também é um troço meio mal explicado. O Paladino invoca uma criatura, mas isso não é bem uma magia. Não fica muito claro como essa ligação entre o Paladino e a montaria é construído. Pela descrição parece que ele simplesmente evoca um cavalo de outra dimensão e o cavalo serve ele de livre espontânea vontade. Novamente, divindades não são citadas na descrição.
Alguns tipos de paladinos interessantes:
Se for para seguir as regras, nada do que eu vou falar daqui para frente é possível. Nas regras todo Paladino é fundamentalmente igual e sem graça (vai ter graça uma vez, depois é tudo igual), então eu vou pegar esse conceito das tendências e extrapolar.
O Paladino do Caos:
O Paladino do Caos (caótico e neutro) é um representante do Caos na terra. Ele age conforme seus instintos, sempre mudando de opinião e de lado, repudiando toda a forma de ordem social e de lealdade. Para esse tipo de Paladino, desrespeitar autoridades, agir de forma inesperada e trair a tudo e a todos, são obrigações do seu código de conduta.
O Paladino do Caos não costuma planejar, mas ele pode fazê-lo quando um grande objetivo for almejado, como destruir toda a ordem social de um reinado milenar, por exemplo.
O personagem pode ter uma moeda que o ajude a tomar decisões de forma caótica e seu dom de Cura Pelas Mãos pode ter 50% de chance de curar e 50% de chance de causar dano.
O Juiz:
O Juiz (leal e neutro) é o representante da Ordem. Esse tipo de personagem não se importa com o Bem ou Mal, mas sim com as leis e com as instituições. Esse tipo de personagem pode atuar como um juiz incorruptível que só se importa com as normas e com as regras instituídas, sem se importar com o certo e errado.
Esse tipo de personagem é completamente conservador e para ele, a justiça é cega e deve ser protegida. Ele usará sua espada e seus poderes para eliminar agitadores e pessoas que perturbem a Grande Ordem das Coisas. Agitadores, Anarquistas, Revolucionários são os inimigos de um Paladino da Ordem.
Esse tipo de Paladino nunca mente, nunca trai e nunca quebra uma promessa.
O Bom Fanático:
O Bom Fanático é (bom e neutro ou caótico e bom) luta por um Bem maior (o grande Bem), mas tem um código de ética menos rígido do que o Paladino tradicional (leal e bom) o que permite que ele tome medidas mais drásticas para “fazer o bem” (no ponto de vista dele). O Bom Fanático vai matar malfeitores, derrubar “governos malignos” e causar tudo que julgar necessário para fazer o bem.
Para o Bom Fanático, os fins justificam os meios e ele sempre acredita estar certo.
Para a maioria das outras pessoas, o Bom Fanático é um justiceiro enlouquecido. Muitas vezes é considerado um criminoso.
O Cavaleiro do Apocalipse:
O Cavaleiro do Apocalipse (leal e mal, neutro e mal, caótico e mal) é o assecla de um niilismo trágico que perdeu toda a fé na humanidade. Para ele, a humanidade (e todas as criaturas do mundo) são um erro que merecem ser extirpados da terra. As criaturas desse mundo não merecem bem estar. Elas merecem sofrer e serem mortas das formas mais dolorosas e horríveis possíveis.
A diferença entre esse tipo de personagem e um Clérigo de um deus maligno, é que o clérigo acredita na divindade. O Cavaleiro do Apocalipse apenas deseja o Mal de todas as coisas (inclusive a si mesmo) e pretende destruir tudo em nome do Mal definitivo. Ele não vai medir esforços para acabar com tudo, até consigo mesmo e com seus aliados, afinal, deixar qualquer um sobreviver seria um ato de bondade.
O modus operandi varia de acordo com o outro eixo da tendência, mas a ideia é sempre a mesma: causar o mal e destruição a tudo e todos até que só exista o vazio.
O Racionalista:
O Racionalista (neutro) não acredita em bem e mal, nem que a ordem ou o caos devam ser cultuados. Para ele só existe a lógica e o racionalismo. Racionalistas são extremamente pragmáticos, sempre pesando suas escolhas para obter bons resultados (o que é um ‘bom resultado’ depende se ele é mais egoísta ou altruísta). Nesse sentido, ele pode defender a lei e a ordem ou quebrar a lei e subverter o sistema sempre que achar necessário, sempre repudiando extremistas de todos os tipos.
O Racionalista critica os excessivamente ordeiros, os insanos caóticos e agitadores, os fanáticos religiosos e os destrutivos. As vezes o conflito contra os extremistas é inevitável.
O Paladino é uma classe muito travada e, infelizmente, para adaptar, você vai ter que negociar os poderes com o seu narrador. Mas, seguindo alguns desses conceitos e forçando a barra, é possível fazer personagens interessantes com essa classe.
Eu ainda prefiro os clérigos (da para fazer as mesmas pirações e mais algumas), mas para você que gosta da ideia de ser um fanático religioso, mas sem uma divindade definida, fique à vontade para explorar a ideia de “culto a um conceito”.
Assim sendo, por mais incrível que parece, é possível fazer Paladinos diferenciados. É só não ter medo de ser criativo e negociar com o mestre.
Então esse foi mais um texto meu.
Deixe sua opinião aqui nos comentários.
Espero estar de volta na semana que vem.
Nos capítulos anteriores: Icabode e Leon se uniram a Anthony Ritzo para caçarem Solomon, mas antes que sequer saíssem do esconderijo, o polonês apareceu com seu séquito, revelando que havia consumido a alma de todos os membros do clã de Anthony. Um confronto teve início, e no final, Anthony empalou Solomon. Mas antes que pudesse matá-lo, o séquito do polonês interveio e resgatou o corpo de seu senhor, levando-o para longe. Como Icabode e seus companheiros falharam em deter o inimigo, eles decidiram fugir, pois sua derrota atrairia a fúria dos vampiros do Conselho.
Quando criança, Icabode fora mordido por um rato dos esgotos de Nova York. Foi uma mordida daquelas que te deixam vários dias doentes. Seu trauma começou aí, e naquela briga de bar ficou mil vezes pior. Ratos vinham de todas as direções e o mordiam como se ele fosse um grande pedaço de queijo.
Nos dias seguintes após a destruição do Portões do Inferno, Icabode continuou sendo perseguido pelas criaturas. Elas estavam sempre escalando seu corpo, penduradas em suas roupas, vindo das ruas, das paredes, do meio da água. Eles estavam em todos os lugares. Uma semana depois ele parou de sentir a dor das mordidas, como se seu corpo tivesse acostumado com a sensação. Mas ainda assim os minions dos esgotos estavam sempre ao seu redor.
Um belo dia eles sumiram. Icabode saiu de seu esconderijo, aliviado pela primeira vez e foi até o parapeito de aço. Ele olhou ao redor, cem metros acima do chão. A ilhota estava cercada de água. As luzes da cidade estavam a quilômetros dali, como se até mesmo os prédio soubessem que era inteligente manter a distância entre eles. Icabode mal se lembrava de como tinham achado aquele esconderijo.
– Você está melhor? – Leon perguntou, se aproximando por trás. – Não acordou gritando hoje.
– Eles sumiram – Icabode gaguejou, olhando a câmara metálica ao redor. – Eu fiquei quanto tempo nesse estado? E onde está Solomon Saks?
– Duas semanas – Leon respondeu, preocupado. – E Saks continua desaparecido.
– Não mais! – Anthony Ritzo subiu as escadas, vestindo uma calça bege e camisa regata, branca. – Eu consegui uma informação sobre o paradeiro do polonês.
– Ele voltou à mansão? – Leon perguntou, surpreso.
– Não, mas eu encontrei um de seus capangas. – Anthony respondeu e jogou dedos decepados no chão. – O polonês fez uma visitinha ao Sombra. Ele é um traficante de informação que mora em um cemitério aqui de Nova York. É pra lá que vamos – ele olhou para Icabode. – Você parece lúcido. Virá conosco?
– Essa é uma pergunta idiota – Icabode respondeu, vestindo a jaqueta que trazia pendurada no ombro.
– Acalme-se, garoto – Anthony mostrou a palma da mão. – Iremos no meio da madrugada, quando a cidade estiver dormindo.
Às três da manhã, os três saltaram o muro de pedra como se fosse uma cerca para cachorros. Dentro do cemitério, não se podia ver o chão debaixo da névoa. As árvores pareciam dedos pelados, numa teia de galhos que cobriam suas cabeças. As lápides eram cobertas de musgo e teias de aranha, como se nenhum zelador passasse ali há anos.
– Quando alguém diz “cemitério”, em minha mente sempre vem o Cemitério Nacional de Arlington, um grande campo verde, cheio de lápides brancas e alinhadas – Leon disse, estalando os dedos, assustado.
– Pensei que vampiros não tivessem medo de cemitério – Icabode comentou, segurando o revólver.
– Não tem nem um mês que você é um de nós e já quer bancar o sabe tudo – Leon deu um soco em seu ombro. – Os vampiros não são as únicas coisas perigosas nas noites de Nova York.
– Silêncio! – Anthony ia à frente, com a escopeta encostada no ombro. – Vocês conseguem ouvir algo?
Leon e Icabode ativaram seus ouvidos aguçados e olharam ao redor.
– Ouço o barulho de correntes – Icabode disse, engolindo seco. – O som vem dali.
– Por que não vai na frente, valentão? – Leon o empurrou de leve.
Os três avançaram, cada um segurando sua arma. E Anthony ergueu a escopeta assim que viram um mausoléu antigo, com uma gárgula em seu topo. Icabode abriu seus ouvidos e escutou batidas abafadas e rítmicas, bem baixinhas vindo do mausoléu.
– Estou ouvindo o coração… é um humano.
– Sombra, saia do seu esconderijo! Se preferir, eu o trago arrastado! – Anthony gritou, cuspindo saliva.
Um gemido veio do mausoléu. Em seguida, correntes sacudiram e caíram no chão. O portão de ferro rangeu enquanto era aberto por mãos de unhas compridas. Um sujeito negro e corcunda apareceu, mancando. Usava calças de couro e um colete folgado. Em seu peito, havia uma corrente da cruz ansata, um Ankh.
– Qual o seu assunto com Solomon Saks? – Anthony perguntou, mostrando-lhe o cano da escopeta. – O que ele veio fazer aqui?
– Saiba que eu não sou a única pessoa em risco aqui – Sombra respondeu com sotaque estrangeiro, erguendo as mãos. Ele parecia assustado. – Se fizer algo comigo…
– Você está me ameaçando, seu merdinha? – Anthony se aproximou, colando a escopeta no rosto do homem. – Antes que você faça qualquer coisa, eu mando seu cerebelo para o topo daquela gárgula.
– Tudo bem – ele gaguejou. – Não precisamos fazer loucuras aqui. Mas no momento que eu quebrar o sigilo que tenho com o meu cliente, nunca mais confiarão em mim – ele viu a impaciência no olhar de Anthony e começou a falar. – Ele veio atrás de ingredientes para um ritual de bruxaria. Eu não sei qual ritual, ainda mais porque ele não tinha motivos de revelar uma coisa tão pessoal pra mim, um traficante de informações, não é? – ele sorriu, nervoso. – E os ingredientes serviriam para vários rituais diferentes, então não poderia nem lhe dizer algo específico. Depois ele me pagou e eu agradeci pela confiança – ele olhou para o cano em seu rosto.
– Eu acredito nele – Icabode disse, olhando ao redor.
– Eu também – Anthony disse, e apertou o gatilho.
O Sombra foi arremessado, e seu corpo rolou pelo chão. Ele segurou a barriga aberta e olhou para os três, surpreso.
– Ele disse o que queríamos! – Icabode gritou, se colocando na frente de Anthony. – Por que você fez isso?
– Não quero deixar um rastro de onde estive – Anthony respondeu, encarando-o nos olhos. – Ele entregou a Solomon, não entregou?
– Vocês deveriam ter saído daqui – Sombra disse, fazendo careta de dor. – Eu teria deixado vocês partirem.
– Do que você está falando? – Leon perguntou, se aproximando dele.
– Ei, se afaste daí – Anthony disse, receoso.
Uma luz verde emanou por dentro do moribundo, refletindo por seus olhos, como uma pequena explosão, e no instante seguinte, Sombra estava morto. Os três olharam ao redor, atentos.
– Vamos sair daqui, rápido – Anthony disse, se afastando do mausoléu. E no terceiro passo, ele tropeçou na raiz de uma árvore e caiu, ou pelo menos ele achou que fosse uma raiz.
Dedos começaram a abraçar seu tornozelo, prendendo-o no chão. Uma mão ossuda saiu de outra parte da areia e agarrou a outra perna. Outros dedos surgiram, segurando sua cabeça e braços. Um esqueleto de terno e gravata, cheio de vermes, saiu da terra agarrando o vampiro.
– Os mortos estão se levantando – Icabode disse, se virando a tempo de ver centenas de mãos se projetando para fora das covas.
A escopeta cuspiu algumas vezes, e Anthony estava em pé novamente.
– Rápido! – gritou ele. – Sigam-me!
Anthony começou a correr, e Icabode e Leon iam em seu encalço pulando sobre os esqueletos derrubados no caminho.
– Ele é um rinoceronte! – Leon disse, vendo Anthony derrubar dezenas de cadáveres, deixando um caminho de zumbis esmagados no chão.
Depois de percorrerem o labirinto de lápides, uma bola de fogo acertou uma cripta logo em frente ao grupo, fazendo-os parar. Uma figura comprida e esguia pousou diante deles.
– SAKS! – Icabode gritou ao ver o polonês.
Em seguida, Rabin surgiu ao seu lado, e Troche, o Judeu de Ferro, do outro. Solomon segurou suas mãos nas costas, sorrindo. Os zumbis fizeram um círculo ao redor do grupo, parados.
– Eles não vão nos atacar? – Solomon perguntou.
– Eles sabem que somos aliados do Sombra – Rabin respondeu.
– Perfeito. Não quero interrupções.
– Parece que você quer levar outra surra – Anthony jogou a escopeta no chão e foi até a árvore ao lado, arrancar um galho grosso.
– Na verdade estou surpreso de vê-los aqui – Solomon disse, observando Anthony tornar aquele galho em uma grande estaca. – Mas acho que precisamos terminar aquela nossa disputa, sim.
– Dessa vez, terminamos isso aqui – Anthony respondeu e marchou ao seu encontro com uma estaca improvisada na mão direita.
Ele avançou sobre Solomon e esticou o braço sem qualquer resistência. Solomon nem sequer saiu do lugar. A estaca entrou em seu peito e saiu em suas costas.
– Isso! – Leon gritou, excitado.
Icabode se manteve em silêncio. Rabin e Troche estavam sérios, olhando para o seu senhor. Nenhum deles fez qualquer tentativa de impedir Anthony. Tinha algo de errado.
– Funcionou? – Troche perguntou, subitamente.
– Claro que sim – Rabin respondeu. – Mestre?
Solomon Saks olhou para baixo, deixando os oponentes perplexos. Em seguida, ele arrancou a estaca do peito e a enfiou no coração de Anthony com tanta força que o empurrou alguns metros para trás. O polonês tirou seu sobretudo e mostrou seu torso nu, branco e pálido. Havia um buraco sobre seu peito, por onde Icabode e Leon podiam ver através. O coração de Solomon não estava ali.
Icabode ficou imóvel ao ver que o polonês removera o próprio coração, mas ao ver Anthony empalado e paralisado, saiu do transe e correu em sua direção.
– Rabin, termine isso – Solomon disse, e uma bola de fogo nasceu na mão do feiticeiro.
Rabin a arremessou, e ela virou uma coberta de fogo ao redor do corpo de Anthony. Icabode voou para trás, sentindo um pavor pior do que quando sentira com os ratos. Ver o fogo assim tão perto era como se tocasse o próprio sol infernal.
– Venha, rápido! – Leon o ajudou a se levantar e o puxou dali.
– Matem esses dois vermes – Solomon disse, e os zumbis começaram a avançar novamente.
– Use seu poder, rápido! – Leon disse, e desapareceu do nada.
Icabode se encolheu atrás de uma lápide e também ficou invisível. Os zumbis ao seu redor olhavam de um lado para o outro, procurando-o. Com muito cuidado, ele entrou em um mausoléu com o portão tombado, e sentou no chão de mármore. A luz da lua cobria seus pés, mas ninguém o via, mesmo se olhasse direto em seus olhos. Diante do portal, cadáveres bamboleavam e mancavam, com pedaços de pele e musgo pendurados em seu corpo.
Icabode abriu os ouvidos e escutou a voz de uma quarta pessoa se juntando ao séquito de Solomon. Ele reconheceu a voz do homem que lhe mandara os ratos, era Gólgota.
– Mestre, eles mataram o Sombra! – Gólgota avisou.
– Malditos! – Solomon disse, furioso.
– Acalme-se – Rabin pediu, tranquilo. – Veja o lado bom disso.
– Lado bom? – Troche perguntou, impaciente. – O Sombra finalmente encontrou o endereço de Maxiocán, o único que pode reverter o feitiço de Solomon, e agora o Sombra está morto. Como iremos encontrar esse mexicano? Como iremos mata-lo?
– Se Maxiocán é o único que pode reverter o feitiço de Solomon – Rabin explicou com calma –, e o Sombra é o único que pode encontra-lo, nossos problemas estão resolvidos. Com o Sombra morto, ninguém encontrará Maxiocán.
– E ninguém saberá onde eu escondi meu coração – Solomon finalizou. – Finalmente me tornei Solomon Saks, o Imortal!
Icabode se lembrou do dia em que atacaram o esconderijo de Leon, ao lado de Saks e Sunday, quando pensava que Solomon iria iniciar uma “Guerra Santa” contra os vampiros. No final da noite ele os traíra, e dissera que todos ouviriam falar em “Solomon Saks, o Imortal”. Sua profecia estava se cumprindo.
Icabode abraçou os próprios joelhos e ficou balançando pra frente e para trás.
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Olá cantores e cantoras, eu sou Willian Vulto e esse já é o décimo post da minha série sobre as classes de D&D. Semana passada eu falei sobre Rangers e semana eu falo sobre os Bardos.
Sobre os Bardos:
O Bardo sempre foi uma classe que eu não entendo bem. A figura do menestrel que, além de contar histórias, vive suas próprias aventuras funciona para mim, mas eu tenho dificuldade de imaginar um personagem que luta enquanto canta, ou pior, toca um instrumento musical. Eu vou tentar adaptar esse fator conforme for pensando os tipos de Bardo.
Os Bardos, mais do que músicos são artistas performáticos completos. A principal perícia que gere a ‘Música do Bardo’ se chama Atuação e não Música. Isso gera algumas possibilidades interessantes.
De forma geral, o Bardo tem uma ligação direta com a música e com as artes. Então o perfil de artista desse personagem vai interferir na personalidade desse Bardo.
Outra característica interessante é que o Bardo não pode ser Leal. Isso ocorre por dois motivos:
1) por que o Menestrel, os artistas, as dançarinas são, por natureza, pessoas que vivem à margem da sociedade, sendo desligados das instituições tradicionais. Para o Bardo o exército é muito hierárquico, os Clérigos e Paladinos são excessivamente devotos, os Magos são riquinhos esnobes em suas universidades e os Monges são muito chatos. Os Druidas, Rangers e Bárbaros são mais autênticos e desprendidos, mas o Bardo prefere a cidade e a civilização, onde a cultura é mais viva e mutável do que em culturas tradicionalistas.
e 2) Por que os Bardos, enquanto artistas, são espíritos livres e não tendem a ficar presos em nenhum tipo de amarras, tratos e sociedades. A moralidade do Bardo é tão fluída quanto sua música.
Então, o Bardo é esse cara que não se prende a nada e acha todo mundo careta e formal demais, mas acaba precisando dos outros para poder se aventurar pelo mundo. Mas, por que um artista resolve se aventurar pelo mundo? Essa é uma das perguntas que vai servir de base para a criação de um Bardo.
Alguns tipos de Bardos:
O Antropólogo Musical:
O Antropólogo Musical já conhece a maior parte cultura dos reinos mais conhecidos, mas sente que precisa conhecer ainda mais para melhorar as suas habilidades. Esse tipo de personagem sente uma grande vontade de viajar pelo mundo conhecendo as culturas perdidas e distantes do mundo.
Como é a música dos Goblins? Como dança o povo Bárbaro das Terras Selvagens? É possível sobreviver ao canto das sereias e aprender com elas? Como funcionam a magia tribal que os Minotauros fazem com tambores? Essas são algumas perguntas que o Antropólogo Cultural quer responder.
Esse tipo de personagem respeita muito todas as formas de cultura e vai entrar em conflito com personagens preconceituosos. Se o Guerreiro do grupo acha que os Goblins devem ser exterminados, o Antropólogo vai defender que eles tem uma cultura complexa e muito mais antiga do que a dos humanos, por exemplo.
O Escalador Social:
O Escalador Social é um Bardo que conheceu, de alguma forma, a vida boa da nobreza. Ele acredita que, com sua arte, e uma boa quantia em dinheiro, ele pode deixar de ser um menestrel errante, e poderá se fixar em uma corte nobre, onde terá a boa vida que merece.
Esse tipo de personagem vai se aventurar para conseguir arrecadar algum dinheiro, fama, mas vai tentar usar seu grande carisma para pular etapas. Toda vez que um contratante nobre aparecer, esse tipo de Bardo vai tentar impressioná-lo e bajulá-lo a fim de conseguir algum status.
Esse personagem tem vida curta. O jogador tem que estar pronto para abandoná-lo assim que ele tenha uma chance de conseguir seu grande objetivo, que é se aposentar da vida de aventureiro.
O Contador de Histórias:
O Contador de Histórias conhece todos os épicos dos antigos heróis montados em Dragões, mas sente a necessidade de conhecer novas histórias. Esse tipo de Bardo vive em uma zona de conforto até que o chamado da aventura surge próximo a ele. Quando ele percebe que um grupo de mercenários está sendo contratado, ele se sente compelido a embarcar na aventura para ter a chance de construir a próxima grande história de heróis, ou morrer tentando.
Durante os combates e os momentos de clímax, esse tipo de personagem parece mais preocupado em como ele vai contar essa história, do que em como ficar vivo. Isso pode gerar momentos legais de interpretação.
A Dançarina:
Podem haver dançarinos homens, mas eu sou muito fã de Final Fantasy Tactics, onde só os homens podem ser Bardos e só mulheres podem ser Dançarinas.
A Dançarina não toca música, mas luta dançando e se move de forma tão graciosa que é capaz de inspirar os aliados e encantar os inimigos. É comum que a Dançarina seja uma mulher libertina e desinibida que sofre preconceito por ser uma mulher livre. Por outro lado, também existem dançarinas mais contidas, mas que acessam uma forma de gnose e se libertam apenas quando estão dançando. Ambos os tipos se destacam por seu carisma. Dançarinas são pessoas agradáveis de se ter por perto.
Esse conceito funciona e pode ser trabalhado com alguns dos anteriores.
Dancer em Final Fantsy Tactics
O Informante:
Uma das habilidades mais legais dos Bardos são os Conhecimentos de Bardo. O Bardo tem acesso a toda uma subcultura de contadores de história, fofoqueiros, e pessoas que falam demais. Esse tipo de personagem pode ser excelente como NPC em uma aventura urbana focada em uma cidade. Aquela pessoa que sabe quem negocia quem, quem deve para quem, e quem está traindo quem.
O Informante pode ser passivo, fornecendo informação em troca de dinheiro e favores, e pode ser ativo, atuando como um Espião (veja o post do Ladino) ou um Investigador (veja o Post do Ranger).
O Intermediário:
O Bardo faz magia Arcana e possui cura. Ele também tem perícias de ladino (Usar Instrumento Mágico é uma delas) e um alto Carisma. Isso faz com que os Bardos estejam no meio termo de todas as classes não exclusivamente combatentes.
O Intermediário vive nas tavernas e conhece todo mundo. Mais importante do que isso, ele é conhecido por todo mundo, sendo totalmente necessários para algumas negociações. O Intermediário vive em uma zona de conforto, realizando pequenos negócios, mas essa posição de confiança comumente o coloca em situações de risco. Um grupo de mercenários pode ter que levar o Bardo junto, simplesmente por que ele é o único que conhece o contado na outra cidade, colocando o Informante no meio de uma campanha inesperada.
Em Resumo: Os Bardos raramente se aventuram por motivos heroicos. Normalmente eles viajaram por interesses ou simplesmente por que caíram no meio de uma campanha. Quais são os objetivos desse Bardo? E por que ele saiu de sua zona de conforto. Essas são algumas das perguntas para fazer um bom Bardo.
Fazer bons Bardos é mais fácil do que parece. É só não ter medo de ser criativo.
Então esse foi mais um texto meu.
Deixe sua opinião aqui nos comentários.
Espero estar de volta na semana que vem.
Nos capítulos anteriores: O mafioso Solomon Saks consumiu a alma dos vampiros Anatole e Ivanovitch, dois cainitas poderosos. O Conselho de Nova York decidiu colocar a culpa disso em Icabode, Leon e Anthony Ritzo, ordenando que os três dessem um fim no mafioso. Eles se encontraram no bar Portões do Inferno e começaram os preparativos para a missão.
Icabode, Leon e Anthony pegaram diversas armas e munições do arsenal que ficava no porão do bar “Portões do Inferno”. Anthony vestira uma máscara de demônio e mandou que seu empregado, Brad, fechasse o bar.
– Eu não me sinto bem com armas – Leon disse, segurando uma pistola com má vontade. – Eu sei que é preciso, mas…
– Não fode – Anthony o interrompeu, saindo do porão para a cozinha. Ele olhava para o relógio, tenso. – Por que eles não me ligaram ainda?
– Eles quem? – Icabode perguntou, seguindo-o.
– Meus homens estão vigiando a mansão do polonês. Eles ficaram de ligar para me atualizar sobre seu paradeiro.
– Talvez ele não saiu de casa – Icabode falou. – Ou não voltou da noite passada.
– Não podemos esperar mais – Anthony resmungou, decidido. Os três estavam na cozinha, aguardando o bar esvaziar.
– Anthony – Brad, o bartender surgiu pela porta. – Os clientes estão se recusando a sair. Eles disseram que são veteranos, que está cedo e que querem mais bebida. O que eu digo?
– Era só o que me faltava – Anthony chutou a porta da cozinha, entrou no bar e ergueu a escopeta. – VOCÊS TEM TRÊS SEGUNDOS PRA DAR O FORA!
Icabode e Leon assistiram o lugar se esvaziar em poucos segundos. O bar era só deles. A jukebox tocava uma música do sul, e a fumaça dos fumos pairava sobre suas cabeças.
Anthony Ritzo tinha uma rixa antiga com a máfia polonesa. Ambos comercializavam armas no mesmo bairro. Icabode via a fúria do vampiro, e tinha medo de que ele fizesse alguma tolice como foi com Ivanovitch.
Lá fora, o motor da moto do último cliente se afastou, e os vampiros trouxeram suas armas para as mesas do bar, e começaram a debater se deviam ir até a mansão ou não. A resposta veio sozinha. A porta se abriu, jogando a luz da rua no assoalho.
– O bar está fechado – Brad avisou ao suposto cliente.
– Você não sabe o quanto isso é verdade – Solomon Saks respondeu.
Os três vampiros se viraram pra ele, incrédulos. O polonês puxou uma cadeira e sentou, calmo. Ele vestia um sobretudo negro por baixo de todo aquele cabelo e barba brancos. Ele sorriu, e as pontas de seus caninos pressionaram os lábios inferiores.
– Saia daqui – Ritzo ordenou a Brad, e o bartender foi para a cozinha. Em seguida, ele olhou para Solomon, fechando os punhos – Onde estão os meus homens?
– Lá fora – Solomon informou.
– Algum deles está morto? – Anthony perguntou, engolindo seco.
– Não estamos todo? – Solomon brincou. – Acalme-se, eles estão ali fora, junto com meus homens. Assim que o sol nasceu, meus empregados mortais visitaram covil por covil e os levaram até mim, empalados, é claro. Foi uma operação muito difícil e meticulosa. Eu fiz a proposta para cada membro do seu clã, assim como farei a vocês – ele olhou para Icabode, notando-o pela primeira vez. – Por que eu não suspeitei que você estaria aqui, no esconderijo do meu concorrente? Ontem você saiu sem dizer nada, e fiquei me perguntando onde teria ido.
– Por que não procurou na casa da sua mãe? – Icabode perguntou, cruzando os braços.
– Quê isso? – Leon olhou para o companheiro, surpreso. – Pensei que você fosse religioso.
– Agora sou um vampiro – Icabode deu de ombros.
– Acha que é isso que vampiros fazem? – Leon perguntou. – Xingam as mães dos inimigos?
– Calados – Ritzo rosnou, e ergueu a arma para Solomon. – Você é muito corajoso para entrar aqui sem os seus homens.
– Se tem uma coisa que eu sempre fui, foi ser corajoso – Solomon garantiu. – Por isso cheguei onde cheguei. E se você quiser fazer parte disso que estou construindo, dobre seu joelho e jure sua lealdade a mim.
Os vampiros se olharam, receosos. Ele estava muito confiante. Isso era um sinal assustador. Icabode ergueu sua arma também e olhou para Anthony.
– Desculpe, mas não vou esperar você pensar no assunto.
– Não pensarei – Ritzo assegurou, sem tirar os olhos de Solomon. Em seguida, ele tensionou o braço da escopeta e apertou o gatilho.
O disparo foi alto e ensurdecedor. No susto, Icabode fez o mesmo. Leon a contragosto começou a atirar também. Solomon tombou para trás, junto com a cadeira, e sumiu de suas vistas. Anthony continuou disparando, transformando sua mesa em estilhaços.
– Esse maldito deixou o poder subir à cabeça – ele cuspiu para o lado.
– Isso foi muito fácil – Leon reconheceu, admirado.
Icabode se manteve em silêncio, desconfortável. Solomon ficou de pé repentinamente, olhando para o próprio sobretudo, desgostoso. Nenhum tiro pareceu ter feito grande estrago. Os três ficaram surpresos. A porta se abriu novamente e um homem de barba e cabelos encaracolados, negros, entrou. Ele vestia trajes pretos e uma pequena cartola.
– Mestre? – ele perguntou, preocupado. – Está tudo bem?
– Sim, Gólgota – Solomon disse para o outro vampiro. – Eles não querem fazer o acordo. Traga os membros do clã do senhor Ritzo, por gentileza.
Anthony olhou de um para o outro, tenso. Ele não sabia o que aquilo queria dizer. Gólgota saiu correndo e sorrindo. Depois, ele voltou com um sujeito místico, com medalhões, anéis e uma maquiagem de caveira. Os dois carregavam um grande saco de batatas.
– Rabin – Gólgota disse para o companheiro -, coloque nessa mesa aqui.
Os dois colocaram o saco sobre a mesa, e o viraram de cabeça pra baixo. Várias bolas peludas rolaram sobre a madeira. Ao ver que elas tinham olhos, Icabode percebeu que eram cabeças humanas. Solomon sorriu pra eles.
– Seu clã inteiro era muito delicioso – afirmou. – Não posso reclamar de um sequer.
– Você os capturou durante o dia, seu maldito! – Anthony arregalou os olhos, assustado. – Você… você invadiu suas casas… e os…
– Os consumi – Solomon terminou. Em seguida ele ergueu os punhos como um boxeador. – E agora estou louco pra testar meus novos poderes. Vamos ver se você é tão forte quanto me contaram.
Anthony apertou o gatilho de sua escopeta, mas só ouviu o clique seco, sem munição. Ele jogou a arma no chão e puxou a Thompson de cima da mesa. A metralhadora cuspiu as cápsulas para o lado como mergulhadoras de nado sincronizado. Solomon inclinava o corpo de um lado para o outro, tentando evitar que levasse todos os tiros. Quando o disco de munição acabou, Anthony jogou a arma no chão.
– Estou sentindo o poder em meu corpo – Solomon disse, limpando o sangue no canto da boca. Seu corpo parecia uma peneira, mas as balas não haviam afundado tanto.
Icabode tirou o pino de uma granada e a jogou em sua direção. Solomon se virou sobre o tornozelo e deu um tapa nela, jogando-a para trás do balcão. No instante seguinte, a explosão jogou estilhaços e vidros sobre todos. Leon havia desaparecido, e segundos depois, surgiu atrás do polonês, se jogando em seu pescoço para tentar derrubá-lo. Solomon pegou seus dois braços e o arremessou contra a parede.
– Chefe? – Troche entrou no bar, preocupado. – Tudo certo por aqui?
– Está tudo ótimo! – Gólgota interveio, sorrindo. – Venha assistir conosco, Judeu de Ferro.
Anthony disparou pelo bar como um raio, fazendo as mesas voarem para os lados, e se jogou contra Solomon. Os dois rolaram no chão, como duas rochas pesadas, destruindo tudo em seu caminho.
Icabode ajudou Leon a se levantar, e os dois ficaram imóveis, vendo a luta se espalhar para todos os lados. Os lutadores tinham uma velocidade sobrenatural, e ninguém mais naquele lugar tinha condições de se meter no meio.
Solomon agarrou Anthony pela gola e o empurrou contra a mesa de sinuca, quebrando-a no meio. O dono do bar bateu nos braços do mafioso, se desvencilhando de suas mãos, e começou a soca-lo no rosto.
A briga era barulhenta, e Solomon mantinha Anthony no chão. Todos assistiam, ansiosos, quando o polonês se inclinou para cima, com um pedaço de taco de sinuca enfiado em seu peito. Ele recuou, assustado, mas Anthony não perdeu a oportunidade. Ainda deitado, ele chutou a extremidade da estaca, empalando Solomon, finalmente. O polonês caiu para trás, duro como um manequim.
– Puta que pariu! – Gólgota gritou, arrancando a cartola da cabeça. – Rápido, façam alguma coisa!
Rabin, o feiticeiro, levitou pelo bar, estendendo as mãos em direção a Anthony, e uma bola de fogo do tamanho de uma laranja explodiu do nada, fazendo o vampiro cobrir o próprio rosto e correr para longe do corpo.
– Rápido, vamos acabar com isso! – Icabode gritou, e correu com Leon em direção ao mafioso empalado.
Gólgota subiu numa cadeira e começou a pular sobre as mesas e alcançou uma mesa em frente aos dois. Ele abriu os braços e disse:
– O chefe ta em reunião agora, então é melhor vocês pararem por aí.
– Saia da frente, maldito! – Icabode gritou, avançando em sua direção.
Gólgota mexeu os dedos para ele, sorrindo. De repente, Icabode viu ratos saírem das costas do maníaco, e correrem por seus braços, pela mesa e pelo chão, vindo em sua direção. Ele parou de correr e recuou, surpreso. Eram centenas de ratos, e todos começaram a subir em seu corpo, dilacerando-o com seus dentinhos afiados.
Leon estava parado, vendo Icabode girar, se debatendo, como se estivesse coberto de algo invisível. Ele olhou para Gólgota, e o vampiro disse:
– Agora vamos acrescentar uma pitada de pavor! – Gólgota ergueu os braços de baixo para cima, e repentinamente, Icabode começou a gritar mais ainda, caindo ao chão.
Anthony Ritzo correra para o cantinho do bar, fugindo das bolas de fogo que Rabin arremessava em sua direção. Enquanto isso, Troche alcançava o corpo de Solomon e removia a estaca.
Do outro lado, Leon pegou uma cadeira e a jogou em Gólgota, derrubando-o da mesa. Icabode parou de se debater, mas ele ainda gritava, olhando ao redor com pavor.
– Acalme-se, Icabode – Leon o segurava pelos ombros. – Era apenas uma ilusão! Olhe pra mim, olhe pra mim!
Brad, o bartender, veio da cozinha, atirando com dois revólveres nos inimigos, fazendo Rabin sair voando às pressas. Gólgota esfregava a têmpora cortada pela cadeira, e também fugiu, mancando. Por fim, Solomon começou a se afastar com os olhos arregalados. Ele estava muito ferido e espantado. Troche o acompanhou enquanto saíam pela porta.
Leon olhou para Anthony e o viu acuado em um canto, abraçando o próprio corpo enquanto olhava para o fogo que se alastrava nas mesas ao redor. Ele olhou para baixo e viu Icabode tremendo em seus braços, balbuciando palavras de socorro, e virando os olhos para todas as direções, apavorado.
Brad pegou um balde com água e apagou o fogo, e Anthony finalmente saiu de seu canto, com os olhos vermelhos. Ele se aproximou dos vampiros, olhou o bar destruído, as cabeças de seus homens espalhadas pelo chão e a lastimável situação de Icabode. Ele colocou a mão no ombro de Leon, olhou para Brad e disse:
– O Conselho tem olhos em todos os seus pontos de interesse. Neste exato momento, eles devem estar notificando todos os membros de Nova York sobre nossa derrota, e jogando a culpa sobre nós.
Leon assentiu.
– Precisamos fugir imediatamente.
Algumas quadras longe dali, enquanto Troche dirigia o Wraith, com Gólgota ao seu lado, Solomon e Rabin iam conversando no banco de trás.
– Eu fiquei completamente paralisado e vulnerável – Solomon dizia, tocando no buraco de seu peito, conseguindo sentir o próprio coração com o dedo indicador. – Que sensação terrível! Eu fui um tolo, arrisquei tudo e quase fui destruído! Maldito coração! Tão útil em vida, tão desgraçado na não-vida. És o meu Tornozelo de Aquiles!
– Meu senhor – Rabin disse, fazendo um movimento com as mãos, e toda a poeira e sangue no corpo de Solomon evaporou do nada. – Eu faço parte de uma linhagem de feiticeiros. Uma linhagem muito antiga, você sabe disso. Por que não vamos para a minha casa, onde estão todos os meus livros arcanos? Talvez eu tenha algo que possa lhe interessar.
– O que quer dizer, mago?
– Aquiles foi mergulhado de cabeça pra baixo no rio Estige, ficando só com o tornozelo de fora, onde a deusa o segurava. A única parte que não foi protegida pelas águas do rio e, portanto, seu ponto fraco.
– E o que isso tem a ver comigo?
– Talvez eu possa fazer algo que nem os deuses conseguiram. Proteger o seu Tornozelo de Aquiles.
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Olá cagadores, eu sou Willian Vulto e esse é o nono post da minha série sobre as classes de D&D. Semana passada eu falei sobre Feiticeiros e semana eu falo sobre os Rangers.
Sobre o Ranger
O Ranger é uma classe que é muito mal interpretada por que muitos jogadores (e mestres também) não entendem bem o por que de existir o Ranger. As ilustrações não ajudam muito também. Para muitos, o Ranger é um guerreiro elfo, ou um guerreiro humano que age como um elfo, ou guerreiro que tem um lobo, ou um simples arqueiro.
Obviamente o Ranger é mais do que isso e, para entender isso, é preciso entender de onde vem o termo Ranger. Ranger é normalmente traduzido como Guarda, ou Patrulheiro. É um termo utilizado pela polícia estadunidense para designar patrulheiros de áreas menos povoadas e mais ‘selvagens’, mas também pode se referir a um guarda florestal ou ambiental. O termo também já foi usado para designar os especialistas furtivos em bandos de ladrões. Imagine um bando de ladrões escondidos em uma floresta. Dentro desse grupo, existem aqueles que conhecem melhor o terreno e são mais furtivos, e são designados para vigiar a região identificando a movimentação de possíveis perseguidores.
Então, o Ranger é, na verdade, um especialista em um determinado tipo de terreno (o mais comum são florestas), e age de forma solitária naquele terreno, normalmente áreas afastadas. Apesar de parecer um Guerreiro em alguns momentos, o Ranger pode atuar quase como um Ladino, usando de furtividade e conhecimento do terreno para agir como um guerrilheiro. Além de dar porrada, o Ranger tem recursos interessantes, como sua habilidade de rastrear, seu companheiro animal e até algumas magias.
Então, o principal elemento de um Ranger é o terreno. Em que tipo de terreno ele vive e é especializado? Por quê? Como isso afeta o estilo do personagem.
Alguns Tipos de Rangers:
O Infiltrador:
O Infiltrador é uma espécie de O Guia (veja o post do Bárbaro), mas focado em ambientes de guerra. Imagine dois reinos em guerra, com tropas bem estabelecidas nas estradas e no mar. Felizmente um dos generais conhece um homem que vive na mata densa (ou outro terreno difícil) e pode servir de guia para que uma pequena tropa possa se infiltrar atrás das linhas inimigas. Esse personagem é um Ranger, que vai se aliar ao grupo e servir como um guia. Ele sabe lutar, mas sua principal habilidade é o domínio do terreno.
O Caçador de Criminosos:
A habilidade de rastrear e o conhecimento de terrenos são as grandes habilidades do Ranger. Se um grupo de ladrões, ou uma gangue de criminosos se esconde em uma floresta, você precisará da ajuda de um Ranger para encontrá-los. O Ranger pode atuar como um mercenário que oferece seus serviços para as autoridades das cidades próximas, sendo um clássico caçador de recompensas.
O Escalador:
O Escalador é bem parecido com o Infiltrador ou com um Guia, mas para ambientes exclusivamente montanhosos. Além de guiar uma pequena tropa, ele pode guiar o grupo para algum lugar alto e quase inalcançável. Se o grupo precisa alcançar o alto de uma montanha para pedir ajuda para o povo das fadas, é um Escalador quem vai se chamado para apoiá-los.
O Escalador pode usar a habilidade de combater com duas armas e lutar com um par daqueles martelos de escalada. Funciona bem e fica interessante.
Esse é um ótimo estilo para Ranger anão.
O Investigador:
Investindo nas perícias certas, é possível adaptar o Ranger para o ambiente urbano. Esse tipo de personagem funciona como um ladino bom em combate, aquele investigador que também cai na porrada, como os tiras durões de filmes dos anos 80. No lugar de um lobo, você tem um cão farejador. No lugar de Conhecimento da Natureza, você tem Conhecimento local, sabendo quem negocia com quem e como funciona a política local. Você deve ter as perícias Observar, Ouvir, Procurar, Sentir Motivação. E você pode usar armas curtas (duas, já que o Ranger pode combater com duas armas), já que vai ter que lutar em ambientes fechados, como becos e dentro de casas.
O Investigador é o rastreador urbano e pode atuar em tramas que aconteçam dentro de cidades. Pode ser um ambiente interessante para se colocar um Ranger.
O Guerrilheiro:
No post do Ladino, eu falei sobre o Guerrilheiro Urbano, que vai ser a resistência em uma cidade controlado por um exército. O Ranger funciona melhor em uma guerrilha clássica, na floresta, no pântano ou em terrenos mais difíceis. Ele pode se esconder nas árvores, atirar com o arco de forma muito precisa, rastrear inimigos, construir abrigos secretos e ainda usar o companheiro animal como olheiro nessa guerra.
O Guerrilheiro vai se posicionar como oposição à dominação de uma região. O exército invasor pode tomar a cidade, mas não vai conseguir tomar a valiosa mina que fica na floresta, por que lá existe a resistência.
O Guardião do Templo:
Esse é o Ranger mais ligado à natureza, transitando entre o Ranger, o Clérigo e o Druida. Esse Ranger pode ter alguma fé que o ligue a alguma localidade dentro de algum terreno que ele deve proteger, assim como o Protetor das Nascentes (veja o post do Druída). O Ranger pode ser um protetor de um antigo templo de um deus da natureza, ou de uma área sagrada para o povo das fadas.
Esse tipo de personagem vai fazer de tudo para impedir que invasores cheguem e saqueiem esses locais. O Guardião do Templo pode ser moderado ou totalmente radical, tentando matar quem se aproxime muito. O que ele protege, e como protege, pode variar. O principal é que, dentro daquele local, existe algo que merece ser protegido.
Em Resumo: O Ranger é alguém que entende o local onde vive e vai utilizar esse conhecimento para proteger algo (seja o próprio local ou algo dentro desse local), ou para tirar alguma vantagem tática disso. É isso que o faz diferente do Guerreiro, a tática e a estratégia.
Então, para fazer um Ranger, algumas perguntas são: Qual a especialidade? Por que ele luta? Como ele pode tirar vantagem dessa especialidade para esse objetivo? O Ranger é um personagem pragmático e prático.
Dá para fazer um Ranger mais interessante do que só um Arqueiro que tem um Lobo. É só não ter medo de ser criativo.
Então esse foi mais um texto meu.
Deixe sua opinião aqui nos comentários.
Espero estar de volta na semana que vem.
Nos capítulos anteriores: Após o infrutífero ataque à propriedade de Solomon Saks, Icabode foi separado de Sunday e Drake, sendo capturado pelo vampiro responsável por aquele setor do Brooklyn. O vampiro Anthony Ritzo o levou até o Conselho, onde estavam os cainitas governantes de Nova York. Icabode revelou que Solomon Saks pretendia criar um exército de vampiros, e em seguida, um dos membros do conselho, Ivanovitch, o levou para matarem o mafioso pessoalmente. Ocorre que ao chegarem lá, foram surpreendidos por Solomon, que já era um vampiro. Ele empalara a Ivanovitch e consumira sua alma, se tornando incrivelmente forte. Icabode foi resgatado por Leon, o prisioneiro de Saks, e ambos foram para o apartamento de Sunday, esperando que encontrassem o detetive desaparecido por lá, coisa que não aconteceu.
Icabode abriu os olhos sem saber se era o dia seguinte. Ele não sonhara. Não se sentia descansado. Ligou o rádio ao lado da cama, e descobriu que se passara mais de doze horas desde que fechara os olhos. A sensação que tinha era de que apenas dera uma longa piscada. Como se seu corpo estivesse…. morto… esse tempo todo.
Seu estômago doía e, e suas mãos tremiam. A fome estava pior do que na noite passada. Ele precisava sair imediatamente para se alimentar, caso contrário, a besta tomaria conta. Olhou para baixo e viu que vestia apenas um par de calças rasgadas. Abriu o guarda roupa de Sunday, e escolheu uma jaqueta de couro, camiseta branca e calças jeans.
Enquanto se vestia, ouviu um barulho de porta vindo da sala. Ele aguçou o seu ouvido e descobriu que Leon conversava com uma mulher, não, eram duas.
– Esse relógio é de ouro mesmo? – uma delas perguntou. – Se não for…
– Eu não mentiria pra vocês, garotas – Leon prometeu. – E vocês sabem onde moro. Eu não daria um relógio falso a vocês.
Icabode abriu a porta do quarto e viu o vampiro sentado no sofá, entre duas mulheres de roupas coloridas, com maquiagens fortes, plumas no pescoço e lantejoulas nos ombros. Leon vestia calças largas e uma bata branca.
– Olhe só, Matilda – uma delas disse, olhando para Icabode. – O amigo dele é realmente uma gracinha!
– Ele parece aquele ator que conhecemos na Broadway. Como era mesmo o nome?
– Dean Martin? Sim, a roupa pelo menos é igualzinha à da peça!
– Icabode, está com fome? – Leon perguntou. Em seu olhar, havia um alerta, como se pedisse para ele colaborar.
Icabode viu que Matilda tinha um relógio de ouro na mão. Provavelmente Leon havia encontrado nas coisas de Sunday. Aquilo era furto. Mas a fome não o deixava pensar muito sobre o caso. Ele precisava comer imediatamente, contando que não matassem as prostituas.
– Como vamos fazer isso? – Icabode perguntou, engolindo seco.
Antes que alguém respondesse, a porta de entrada tombou no carpete. Várias pessoas começaram a invadir a sala, todas encapuzadas, com espadas presas às cinturas. Depois, um homem magrelo, de chapéu coco, e pince-nez pendurado no nariz, adentrou o ambiente, olhando ao redor com nojo. Em seguida, uma dama com véu negro escondendo o rosto se pôs ao seu lado. Por último, uma criatura grotesca se enfiou no meio deles. Ela tinha dentes deformados, que atravessavam suas próprias bochechas.
Essa última, que Icabode conhecia como “Juíza”, olhou para as garotas no sofá e apontou seu dedo escamoso para elas.
– São cainitas ou mortais?
– São mortais, excelência – a dama de véu respondeu.
– Matem-nas – a Juíza disse, olhando para o lado.
Um dos homens encapuzados desembainhou a espada e avançou.
– O que é isso? Vocês sabem pra quem nós trabalhamos? – uma prostituta começou a gritar.
– Vocês não vão matar ninguém aqui! – Icabode se pôs entre eles, mas de repente, a dama de véu ergueu a mão em sua direção, e ele começou a flutuar, ficando preso no teto. – Me solte! Parem já com isso! Deixem as garotas em paz!
As prostitutas se agarravam em Leon que estava de olhos fechados, resignado. Elas gritavam ao aproximar do encapuzado. O homem enfiou a espada na barriga de uma e girou o punho vários vezes, perfurando vários órgãos internos. Depois ele foi até a outra e fez o mesmo. Icabode gritava sem conseguir se soltar do teto. Leon abraçou as duas mulheres, olhando para o encapuzado com ódio.
– Por que você não fez o serviço direito? Precisava dar uma morte lenta e cruel a elas? – ele as puxou para si e fechou os olhos.
Elas choravam com desespero. Leon fez suas presas surgirem e mordeu a Matilda, bebendo seu sangue até que ela desmaiasse. Depois, ele fez o mesmo com a outra que olhava para ele, como uma garotinha espantada.
A dama de véu pousou Icabode no sofá, e os encapuzados ao redor sacaram suas espadas, ameaçadoramente.
– Onde está Ivanovitch? – a Juíza perguntou a Icabode. – Ele não nos deu notícias desde ontem.
Ao ver que Icabode tentava controlar sua raiva, Leon interferiu.
– Ivanovitch está morto. Solomon Saks o empalou e consumiu sua alma.
– Mas que loucura está dizendo? – Fermín Pedralbes perguntou, exasperado. – Saks é um vampiro?
– Sim! – Icabode ficou de pé. – O seu amigo Ivanovitch foi um tolo! Ele estava todo confiante, partindo pra cima de tudo e de todos, como se fosse intocável! Mas Solomon nos fez de bobos, a mim e a vocês!
– Você disse que Solomon era mortal! – Fermín o lembrou. Os olhos estavam arregalados. – Isso tudo fazia parte do seu plano! Se livrar de Ivanovitch e fugir do julgamento do Conselho! Acha que iria nos enganar, não é? Mas você não contava com meus poderes telepáticos. Graças ao seu amigo negrinho, nosso prisioneiro, eu descobri onde era o seu refúgio! E agora, para onde irão fugir?
– Se você realmente tem poderes telepáticos – Icabode se aproximou dele. – Então entre na porra da minha cabeça e veja o que aconteceu de verdade! Caso contrário, pare de achar culpados pela sua derrota!
– Minha derrota? – Fermín olhou para a Juíza. – Vai permitir que ele fale assim com um membro do Conselho, excelência? Estripe-o, agora! Eu exijo!
– Não faça isso – a dama do véu negro disse. – Conforme o extraído do nosso prisioneiro, foram eles três quem fizeram com que Solomon se tornasse o que é. Eu sugiro que eles resolvam o problema. Assim que os membros cainitas de Nova York descobrirem o que aconteceu com Ivanovitch, eles procuração culpados. Se nós interferirmos agora, eles pensarão que poderíamos ter feito isso a qualquer momento. Mas se essa responsabilidade não for nossa, não há motivos para levarmos a culpa.
– Isso – Fermín olhou para ela com admiração. – E também que culpem a Anthony Ritzo. De Green Point a Brooklyn Heights, todo aquele território é dele! Se ele tivesse nos avisado a tempo, isso não teria acontecido. Que eles culpem a Ritzo também! Aquele maldito permitiu que tudo acontecesse bem debaixo de seu nariz. E por sua causa, Ivanovitch está morto!
A dama de véu negro e Fermín olharam para a Juíza. Esta assentiu:
– Eu condeno os réus a uma ordália, cuja missão seja destruir Solomon Saks e cada vampiro ou testemunha mortal criada pelo mesmo. Caso os réus fracassem, sua pena é a morte final, assim como a morte do prisioneiro que vocês conhecem como Capitão Sangrento. E agora vamos até Ritzo. Sabem onde é o bar dele?
– Fica na Quarta com a rua Keap, em frente a um parque – Fermín disse, e se virou para Icabode. – Vocês precisarão se aliar. Ritzo tem muitas armas. O nome do bar é Portão do Inferno – ele se virou e saiu, junto com a Dama do Véu Negro e a Juíza.
O séquito do Conselho de Nova York deixou o apartamento tão subitamente quanto chegaram.
– O que é uma ordália? – Icabode perguntou, ainda exasperado com a visita.
– É uma prova judiciária para provar se alguém é culpado ou inocente. Caso o réu fracasse, ele é considerado culpado – Leon virou o rosto, como se ouvisse algo. – Rápido, precisamos sair daqui. Estou ouvindo sirenes. Certamente alguém ligou para a polícia depois dos gritos – ele olhou para as prostitutas. – Beba tudo o que conseguir. Depois vou levar os corpos pela janela para não acharem que Sunday fez isso.
Icabode se alimentou de Mtailda, plenamente consciente de que estava ingerindo sangue de uma pessoa morta. As tripas da mulher caíram em seu próprio colo, pelo buraco feito com a espada. O sangue ainda vertia pelo vestido e fazia uma poça sobre o vestido.
– Precisamos levar esse tapete sujo de sangue, sofá e os cadáveres para fora daqui – Leon apontou para a sacada. – Eu consigo fazê-los levitar, mas você terá que voar por conta própria. Você tem esse poder, Icabode, e precisa usá-lo agora! Não posso erguer tudo sozinho.
– Certo, leve-as. Eu darei um jeito – Icabode disse, pegando o relógio de Sunday de volta. Leon ergueu as mãos e fez o sofá sair do chão, seguido pelo tapete. Os cadáveres estavam deitados para não caírem. Com muito cuidado, Leon passou tudo pela varanda, e voou atrás das coisas.
Icabode se inclinou sobre o parapeito e viu as viaturas parando em frente ao prédio. Ele fechou os olhos e esperou que seus pés saíssem do chão, mas nada aconteceu. Ele ativou os sentidos aguçados, e ouviu os policiais subindo as escadas do prédio. Vamos, garoto, saia daí! Sunday disse em sua mente. Onde está você? Icabode perguntou, surpreso. Por que não está em casa?
Agora não é hora pra falarmos sobre isso! Sunday ripostou. Saia daí! E Icabode tentou mais uma vez. Ele sentiu uma pressão no centro de seu corpo. Em seguida, sentiu-se sendo puxado para cima. Oscilou sem sair do lugar por mais um tempo, quando ouviu os policiais adentrando o apartamento. Você precisa agir agora! Sunday gritou.
– Foda-se – Icabode não conseguira sair mais que dez centímetros do chão. Então subiu no parapeito e saltou. A queda era alta, e os dados foram rolados. Para sua infelicidade, ele não conseguiu voar. O chão vinha em sua direção quando a queda foi interrompida dois metros acima da avenida, só pra continuar em seguida.
Icabode caiu de peito no asfalto, e alguns carros buzinaram, desviando do caminho. Ele olhou ao redor e se enfiou no primeiro beco que viu. Não conseguira voar, mas amortecera a queda em pleno ar. Isso era um avanço. Parou o primeiro táxi que viu e mandou que fosse para o Brooklyn, na Quarta com a Keap.
Levou quinze minutos para chegar no local. O bar Portão do Inferno tinha janelas temperadas coloridas. Em frente, uma fila de motos ladeavam a calçada, a maioria, Harleys. Nada japonês ou alemão, obviamente. Ele deu o relógio de Sunday ao taxista incrédulo e entrou no bar.
O estabelecimento estava cheio de clientes, tomado por fumaça de cigarro, jukebox alta e luzes coloridas. No balcão, Leon conversava com um homem que Icabode reconhecia da noite anterior, musculoso, vestindo suspensórios e quepe. Era Anthony Ritzo. Eles trocaram olhar, e Ritzo indicou uma porta com a cabeça. Leon reparou que Icabode chegara, e os três foram em direção à porta. Ritzo olhou para um sujeito mal encarado e mandou que cuidasse do balcão.
A cozinha estava cheia de sacos e barris, com legumes, bebidas e cigarros. Um rato fugiu ao vê-los. Ritzo enrolou o tapete do chão, revelando um alçapão escondido. Ele o abriu e mandou que os dois descessem.
Icabode e Leon olharam ao redor, surpresos. O subsolo do Portão do Inferno era um armazém de armas. Ritzo começou abrir caixas e mostrar seus brinquedinhos.
– O Conselho saiu de seu esconderijo no Upper East Side e veio pessoalmente até o meu bar – ele disse, com deboche. – Acho que estão mesmo com medo do polonês.
– Se eles tivessem levado a sério o meu aviso, Solomon Saks poderia estar morto agora. Mas Ivanovitch agiu como se a ameaça não fosse real – Icabode disse, amargo.
– Quem diria que aquele filho da mãe fosse derrubado por um neófito? – Ritzo parou um momento, reflexivo. Depois ele olhou para os dois, ressentido. – Não sei como eles deixaram vocês vivos depois de tudo que fizeram.
– Eles precisam de um bode expiatório – Leon explicou. – Se você faz parte da sociedade, deveria conhecer o modus operandi do Conselho. Quando todos descobrirem que Ivanovitch morreu, a Juíza fará questão de dizer que a culpa é minha e de Icabode, e que tudo isso ocorreu no seu domínio, senhor Anthony.
– Sim, sim – Ritzo o interrompeu, irritado. – Eu sei como as coisas funcionam por aqui. E a culpa de tudo isso é de vocês! – ele fechou os punhos, inconformado.
– A culpa de tudo isso é de Saks! – Icabode o corrigiu. – E se não nos unirmos para impedi-lo, ele ficará mais forte a cada dia. Saks tem dinheiro, armas e capangas.
– Eu sei disso – Anthony apontou para as próprias armas. – O polonês e eu vendemos armas no mesmo território. Nossos homens já trocaram tiros algumas vezes. Mas isso acaba hoje!
– Hoje? – Leon perguntou. – Você quer que o ataquemos hoje? Mas não seria melhor gastarmos um tempo preparando um plano à prova de falhas? Não foi por causa desse impulso que Ivanovitch está morto?
– Eu concordo com ele, Leon – Icabode disse, pegando uma pistola de uma caixa. – O tempo é aliado de Solomon. Acho que sou o único que entendeu até agora que o mafioso é ardiloso e astuto. Ele deve estar articulando coisas maléficas neste exato momento, e quero derrubá-lo antes que continue.
– Mas nós nem sabemos onde ele está – Leon disse, receoso.
– Sabemos sim – Anthony respondeu, erguendo um cinto de granadas ao redor do ombro. – Desde o tiroteio de ontem, tenho homens vigiando a mansão do polonês.
– E quando partimos? – Icabode perguntou, examinando uma metralhadora Thompson.
– Agora – Ritzo tirou uma máscara de carranca da parede e colocou no próprio rosto. – Esse filho da puta vai morrer hoje.
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Olá Draconianos, eu sou Willian Vulto e esse é o oitavo post da minha série sobre as classes de D&D. No post anterior eu falei sobre os Monges e essa semana eu vou falar sobre os famigerados Feiticeiros.
Sobre os Feiticeiros
Feiticeiro é uma classe muito legal de se jogar. Você tem menos magias que o Mago, mas isso não é problema já que, na maioria dos combates se usa sempre as mesmas magias. Além disso você lança mais magias por dia e não precisa preparar magias, o que é muito legal.
Para efeitos práticos, o Feiticeiro é só um mago diferenciado, mas isso anula algumas possibilidades interessantes que a classe gera. Existem três elementos interessantes no Feiticeiro que tornam esses personagens únicos.
Magia inata:
A Magia do Feiticeiro não vem dos estudos, nem da fé, nem da natureza e nem da música. Isso torna o feiticeiro uma classe especial com membros que acreditam ser especiais, podendo transitar entre uma arrogância corrosiva e um senso de dever heroico. “Eu sou especial, logo devo ter uma missão especial”.
Além disso, o Feiticeiro pode desenvolver suas próprias magias com seu próprio sistema, o que pode gerar momentos interessantes na história.
Magia baseada em Carisma:
A Magia do Feiticeiro é baseada em Carisma e, até hoje, ninguém me explicou muito bem como isso funciona. Para o Bardo parece mais claro, mas para o Feiticeiro esse entendimento exige um pouco mais de pensamento. Então para mim, esse Carisma do Feiticeiro é definido por uma palavra, Presença.
Presença é aquela capacidade que algumas pessoas têm de se fazer presente. Todo mundo tem um amigo super maneiro que parece incrível, mas que olhando de perto não tem nada de especial. O que faz que aquela pessoa chame a atenção é a presença. A capacidade do cara de se posicionar e de passar confiança. E para isso a pessoa tem que ter confiança em si mesma.
Essa é a forma que eu encontrei de fazer a magia do Feiticeiro fazer sentido na minha cabeça. Um jeito prático de fazer que Carisma seja um atributo mental. A confiança do feiticeiro em si mesmo e em seu dom é, ao mesmo tempo, o que faz com que sua magia seja mais poderosa e que sua presença de espírito atraia as pessoas.
Fonte Duvidosa:
Esse é um fator que eu não vejo as pessoas utilizando nos Feiticeiros. Mais legal do que ter Sangue de Dragão, ou uma descendência Celestial ou Extra-Planar, é o fato de você não saber de onde seu poder vem. A dúvida é extremamente interessante para as narrativas e podem gerar situações interessantes. Um Feiticeiro pode ter total convicção de sua linhagem ou viver em dúvida constante. Ele pode adorar e cultuar sua herança, ou pode odiá-la por fazer dele o que é. São várias possibilidades.
ALGUNS TIPOS DE FEITICEIRO
O Caçador de Dragões:
O Caçador de Dragões acredita ser o filho bastardo de um Dragão (pode nem ser), o que é uma teoria comum para explicar o poder dos Feiticeiros. Porém, para esse personagem, os Dragões são criaturas malignas que abusam dos humanos e devem ser exterminados para que não possam mais fazer mal. É o conceito clássico do Bastardo que odeia o pai, mas nesse caso o Pai é muito poderoso e é um Dragão.
Esse Feiticeiro vai viajar pelo mundo a fim de se aprimorar até ter poder para matar Dragões, incluindo seu próprio pai.
O Amaldiçoado:
Os poderes do Feiticeiro surgem do nada e devem ser controlados através da força de vontade e do poder mental do Feiticeiro. Porém, muitas vezes a descoberta desses poderes pode ser traumática. O Amaldiçoado é um Feiticeiro que matou parentes ou outras pessoas amadas nesse primeiro momento de descoberta do poder.
Esse tipo de feiticeiro acredita que seus poderes são uma maldição e que podem se descontrolar a qualquer momento. Seus poderes evoluem, mas ele pratica para aprimorar seu controle, para que nunca perca o controle de novo.
O Amaldiçoado é um personagem triste que vai tentar afastar a tudo e a todos de si mesmo, já que não quer que mais ninguém se machuque. Mesmo assim, sua conscicência e sabedoria o tornam uma pessoa interessante que atrai as outras.
O Herói:
O Herói acredita que seu dom o torna especial. Porém, os poderes também são um fardo e ele entende que seu dom deve ser usado para o bem. O Herói vai viajar o mundo procurando pessoas que necessitem de ajuda e injustiças a serem combatidas.
Esse tipo de personagem é extremamente confiante o que o posiciona como um grande combatente, admirado por muitos. Por outro lado, sua extrema confiança em seu destino especial, pode torná-lo um aventureiro inconsequente e que se coloca em risco mais do que o necessário.
O Cético:
O Cético conhece todas as teorias que tentam explicar os poderes dos Feiticeiros, mas não acredita em nenhuma delas. Será que sou filho de um Dragão? Será que tenho sangue Extra-Planar? Não sei, mas alguém sabe.
O Cético sabe que existem criaturas muito antigas e muito conhecimento perdido em antigos templos espalhados pelo mundo. Por isso, ele vai viajar pelo mundo em busca da verdade sobre a sua origem e a origem dos seus poderes. Apesar de não precisar estudar para aprender Magia, ele é um estudioso de história e de cosmologia.
O Cético funciona como um Arqueólogo (veja o post do Mago), mas com um objetivo muito mais específico. O Cético, antes de entrar em combate, vai fazer questão de conversar com o Dragão para saber se ele sabe algo sobre Feiticeiros e o possível sangue dracônico, por exemplo.
O Manipulador:
O Manipulador é o Feiticeiro que usa seu Carisma nas duas frentes possíveis. Sua presença e auto-confiança o impulsionam no mundo da magia e também na micropolítica da cidade, ou do reino. O Manipulador consegue muita coisa com seu Carisma e mais ainda com pequenas magias de encantamentos, que ele pode usar várias e várias vezes durante o dia. O Manipulador é um escalador social e vai disputar os interesses na política local, primeiro como agente de uma força superior, depois estendendo seus próprios tentáculos.
Esse tipo de Feiticeiro funciona mais como NPC e mais ainda como um vilão em tramas citadinas. Nunca se sabe quem está trabalhando para ele por causa de controle mental, por troca de favores ou simplesmente por causa de seu Carisma e traquejo social.
O Caoísta:
O Caoísta é estudante independente de Magia. Esse Feiticeiro sabe que existem energias que vêm de outros planos, e sabe que ele tem o dom de manipulá-la. Apesar do processo parecer natural, o Caoísta acredita que, através da tentativa-e-erro e de um método pragmático, ele pode melhorar os resultados de sua magia.
Para o Caoísta, existe um sistema de regras para a Magia e cabe a ele identificá-lo. Apesar de entender que os métodos dos Magos não funcionam para ele, ele respeita os Magos por terem um sistema funcional.
Esse tipo de Feiticeiro vive treinando e fazendo conjecturas sobre suas magias, as vezes parecendo um louco e as vezes parecendo um grande filósofo que consegue enxergar as linhas de energia que unem todas as coisas.
Em resumo: O Feiticeiro é muito mais que um Mago que lança muita magia. O Feiticeiro é um personagem que tem um dom natural, que pode significar uma ligação com algo maior e especial. Mas do que isso, a presença de um feiticeiro, evidencia a eterna dúvida sobre os sistemas do mundo. Um feiticeiro pode passar a vida achando que seus poderes vêm do sangue de Dragão, mas por fim descobrir que não é nada disso.
Então as perguntas para criar um bom Feiticeiro são: De onde vem os poderes do meu personagem? De onde o meu personagem acha que seus poderes vêm? Ele se acha especial ou um amaldiçoado? Como ele lida com isso? Como ele lida com Magos?
Da para fazer Feiticeiros muito interessantes. É só não ter medo de ser criativo.
Então esse foi mais um texto meu.
Deixe sua opinião aqui nos comentários.
Espero estar de volta na semana que vem.
Nos capítulos anteriores: Após a missão desastrosa de derrotar Solomon Saks, Icabode foi capturado pelos vampiros que governavam a cidade. Sem saber o paradeiro de Sunday e Drake, Icabode revela os planos do mafioso polonês, alertando os vampiros. Eles enviam Icabode com Ivanovitch, o vampiro mais forte do mundo, para matarem Solomon. Ocorre que os dois não sabiam que o mafioso já se transformara em vampiro e que se alimentara de Anatole, uma criatura antiga. Com as defesas baixas, Ivanovitch foi empalado e consumido por Solomon, que era mais forte do que ele esperava.
Icabode assistia a cena, assombrado. Solomon Saks matara Ivanovitch, a Besta do Oriente, e agora possuía um poder terrível. O próximo a ser morto e consumido seria o próprio Icabode, que estava ferido, caído no chão.
Fuja, garoto, fuja! Sunday disse em sua mente.
– Onde você está? – Icabode sussurrou, ainda sem saber como o detetive se comunicava com ele.
De repente, uma figura se materializou em sua frente. Um homem, cobrindo os próprios lábios com o dedo, pedindo silêncio. Ele tinha barba e cabelos sedosos, compridos. Suas roupas eram trapos cheios de sangue. Icabode o reconheceu imediatamente. Era o vampiro que ele libertara da fundição em Green Point. Ele colocou a mão no ombro de Icabode e olhou para Solomon. O mafioso gargalhava, diante do carro que acabara de dividir ao meio. Em seguida, ele olhou para onde Icabode estava e seu olhar ficou perdido. Girou sobre os calcanhares, procurando algo.
– Onde ele está? – ficou repetindo. – Onde está aquele maldito? – gritou.
Você está invisível, garoto, Sunday explicou. Não faça barulho.
Furtivamente, Icabode saiu com o vampiro pelo buraco da sala, e os dois foram para o quintal.
– Você sabe voar, não sabe? – o outro sussurrou.
– Ouvi dizer que estava voando por aí, mas não lembro de nada.
– Se pendure em meus ombros – o vampiro disse com desgosto.
Icabode se agarrou às costas dele, e o chão começou a se afastar de seus pés. Os dois sobrevoavam a quadra, indo para longe da mansão.
– Depois que você fugiu da fundição – o vampiro disse -, eu não vi para onde foi. Fiquei te procurando em todos os cantos do Brooklyn. Você estava irracional, faminto. Eu temi que você saísse por aí fazendo besteira, ou que ao amanhecer, o sol te fulminasse.
– E por que você está tão preocupado comigo?
– Eu te transformei em um cainita – o outro explicou. – É o meu papel garantir que você sobreviva e que não faça nenhuma besteira… pelo menos até ter autonomia. Meu nome é Leon, e o seu?
– Icabode – ele respondeu, olhando para o pescoço de Leon. Debaixo daquela pele, havia sangue. E Icabode estava com muita fome. – Mas como você me achou?
– Eu consigo ouvir coisas a quilômetros de distância. Posso ouvir bolas de algodão caindo no chão, se estiver muito perto. Quando o tiroteio começou, imaginei que tivesse algo a ver com você. Felizmente, eu estava certo. E agora, pra onde quer que te leve?
Montauk, pensou Icabode, mas não podia ir pra casa, sabendo que Sunday e Capitão Sangrento estavam em algum lugar, em perigo. Então ele disse para leva-lo até à casa do detetive. Só depois lembrou que foi Sunday quem entregou o esconderijo de Leon a Solomon Saks.
– Leon – Icabode disse, enquanto atravessavam o rio. – Eu sei que você conhece o detetive Sunday. Ele estava comigo na fundição. Ele me disse que você era seu informante.
– E onde ele está? – Leon virou o rosto, surpreso. – Ele foi me resgatar?… – ele virou o rosto para frente novamente. – Acabo de lembrar que você foi até lá para me matar. Sunday descobriu que eu fui preso, e decidiu me matar antes que eu causasse algum problema maior.
– Na verdade foi Sunday quem o entregou a Saks – Icabode corrigiu, temendo ser solto vários metros acima do chão. Ele viu que o vampiro virou o rosto novamente, sem dizer nada. – Eu pedi pra ele me entregar o endereço de um vampiro. Ele relutou, mas eu o obriguei. Não foi pessoal.
Leon assentiu.
– Ele fez o certo. Eu mereço mesmo morrer. Todos nós merecemos.
– Mas você é tão diferente dos outros – Icabode disse, perplexo. – Como pode pensar dessa forma?
– Isso é questão de tempo… você verá quando a fome começar a tomar controle do seu… – ele se lembrou de algo. – Você está racional agora. Como fez isso? Como se alimentou?
– Um cachorro… – Icabode se lembrou de quando Anthony Ritzo o empalou na calçada. Tinha o corpo de um cachorro ao seu lado. – Eu acho.
– Você deve estar faminto. Depois falamos sobre Sunday. Precisamos alimentá-lo.
– Esquece. Não vou beber sangue.
– Você vai sim – Leon retrucou. – Se você não beber agora, a besta que há dentro de você, irá lutar contra a fome. Ela tomará o controle de seu corpo, e sua mente ficará inconsciente. Você matará a primeira coisa que estiver em sua frente pra se alimentar. Não subestime a sua fome, Icabode. Eu já subestimei, e as coisas não acabaram muito bem.
– Quais opções eu tenho para não condenar a minha alma? – Icabode perguntou, inconformado.
– Tarde demais, meu amigo – Leon disse, resignado. – Por que acha que não me matei ainda? Além de ser vampiro, ser suicida? O meu lugar está garantido no inferno.
– Você acha que todos eles se preocupam com isso? Os outros vampiros?
– Provavelmente sim. Mas chega um momento onde todos aceitam a sua natureza. Ou você abraça a besta para “viver” nesta não-vida, ou você luta contra ela, e acaba sendo destruído e mandado para o inferno.
– Pelo visto você ainda não fez a sua escolha – Icabode disse, tanto para ele quanto para si próprio, percebendo que sua fome aumentava.
– Escolha? – Leon franziu o cenho. – Não existe tal coisa… olhe só, uma construção embargada. Achamos o nosso restaurante.
– Restaurante? – Icabode olhou para o prédio com mais de dez andares, incompleto e antigo.
– Indigentes, meu amigo, indigentes.
– Tudo bem, mas não precisamos matar ninguém.
Os dois pousaram no terraço cheio de musgo, cocô de pombo, garrafas e latas. O rosto de Leon parecia com a imagem de um Jesus católico, mas ao encarar Icabode, suas presas tornaram o sagrado em profano. Ele tirou sua camisa suja de sangue e fez o sinal para Icabode fazer o mesmo. Ele não queria assustar as presas antes da hora.
– Você tem os mesmos poderes que eu – Leon informou. – Você pode voar, pode ficar invisível e pode ter os sentidos aguçados. Estes últimos não ficam sempre funcionando. Você precisa prestar atenção. Nós entraremos em uma área escura, e você precisa abrir seus olhos malditos.
Icabode olhou ao redor, e piscou várias vezes, tentando ativar o poder. O vento deslizava frio em seu corpo igualmente gélido. Manhattan era como uma cabeça, e os prédios eram os fios de cabelo. Havia milhares deles ao redor, todos pontilhados com janelas acesas, decorados com propagandas da Coca, com marca de cigarro, atrações da Broadway, marcas de bebida, um zepelim da Kodak voando acima de suas cabeças.
Pela janela de um quarto, Icabode viu um asiático colocar uma camisa vermelha. Na mesa em sua frente havia dois incensos acesos, ladeando a foto de um general de seu país. No canto superior da foto, havia o símbolo comunista.
-Uau! – Icabode piscou, percebendo que o quarto estava muito longe dali, e que vira detalhes tão pequenos que nem um binóculo conseguiria revelar. Ele se virou para Leon. – Estou pronto.
Os dois desceram o primeiro lance de escadas, e descobriram um piso abandonado, sem paredes e cheio de lixo. Eles continuaram descendo até os ouvidos aguçados de Icabode ouvirem os primeiros sons. Era um ronco.
George discutira com seus pais extremamente religiosos quando ainda era adolescente. Ele fugiu de sua casa no Tennessee e foi viver no litoral. Depois de quinze anos viajando, decidiu ficar em Nova York, onde ficou por mais duas décadas. Os últimos cinco anos de sua vida foram os piores. Ficara desempregado, sem teto e sem dinheiro. Dormindo em vários lugares diferentes. Aquele prédio estava sendo seu lar nos últimos meses. Os outros indigentes tinham jogos completos de panela, isqueiro, garrafas de alambiques e cigarros. Eles se ajudavam sempre que podiam.
Era madrugada e ele dormia profundamente, quando de repente, algo o despertou. Dois homens estavam em pé, encarando-o. Eles não vestiam camisas. Um deles parecia Jesus, e o outro não tinha alguns dedos da mão.
– Não acorde os outros – Jesus dissera. – Eu tenho uma proposta pra você.
– Eu não sou nenhuma bicha – George respondeu calmamente, sem saber se estava falando com um anjo ou com um nóia.
– Nem nós – o jovem respondera com uma careta.
– Deixe-nos beber um pouco de seu sangue, e pagaremos bem – Jesus propusera. – O que acha?
– Isso não é errado? – George perguntou, completamente confuso. Talvez estivesse sonhando.
– Nós poderíamos pegar à força, se quiséssemos – Jesus explicou de maneira ponderada. – Mas nós queremos pagar por isso.
– Nesse caso – George olhou ao redor e viu que estava sozinho. Era um péssimo dia para ficar sozinho no sexto andar. Aquilo não era Jesus, porra nenhuma. Aquilo era um dos demônios que ele ouvia falar nos becos do submundo. – Prometem que não vão me matar… ou me transformar em um de vocês?
– Nós prometemos – o garoto assegurou, incomodado com a pergunta.
– Como querem fazer isso? – George perguntou, ainda deitado.
O que parecia com Jesus ficou de cócoras, e o garoto o imitou. Em seguida, cada um pegou um de seus braços e os levou até suas bocas. Os lábios eram frios e secos. O hálito parecia um sopro invernal. George esperou mordidas doloridas e profundas, mas tudo o que sentiu foi uma leve picada de mosquito, seguida por uma coceira. Seu corpo inteiro foi tomado por aquela sensação, e havia uma certa dormência. Ele sentiu o sangue correr pela virilha, e logo seu membro ficou ereto. A sensação era realmente boa. Ele se sentiu fraco e tonto. Piscou lentamente, e de repente, escuridão.
– Ele está bem? – Icabode perguntou, afastando o braço de sua boca com muita relutância. Ele queria continuar bebendo o sangue do mendigo, mas agora estava assustado. – Ele desmaiou?
– Sim, ele está vivo – Leon o acalmou. – Se você prestar atenção, pode ouvir as batidas de seu coração. Mas por hora, a besta não tomará conta de nosso corpo. Podemos procurar mais um indigente.
– Não! – Icabode pediu. – Não podemos simplesmente ir pra casa? Amanhã a gente continua – ele olhava para o homem desmaiado, pálido. O gosto do sangue em sua boca era doce e quente, como um resquício da vida que ele nunca mais teria.
– Por mim, tudo bem – Leon deu de ombros. – Eu também relutei bastante quanto à beber sangue. Mas hoje, decidi que é melhor beber um pouco e não matar ninguém, do que não beber nada, e me tornar uma fera assassina. É melhor você superar essa fase logo.
– Eu irei – Icabode prometeu. – Só não hoje, por favor.
– Claro. Amanhã continuaremos – Leon bateu em seu ombro, com um sorriso. – Antes de partir, precisamos fazer mais uma coisa – ele ergueu o braço do mendigo e lambeu o local da mordida. Os buracos sumiram imediatamente. – Faça isso sempre que se alimentar pra cauterizar a ferida.
Icabode pegou o outro braço e fez o mesmo. No próximo instante não havia marcas de mordidas no mendigo.
– Você disse que iria pagar pelo sangue – Icabode o lembrou, puxando os bolsos vazios da calça.
– Eu menti – Leon respondeu, se aproximando da borda do andar. – Nós dois precisávamos do sangue com urgência, e eu não tenho um tostão furado comigo. Você vai ter que fazer coisas assim a partir de agora. A sobrevivência é uma arte – ele olhou para o céu. – O apartamento de Sunday é aqui perto. Devemos ir logo. O sol está prestes a nascer.
– Espero que ele esteja lá – Icabode se pendurou novamente no vampiro, e os dois saíram do prédio. – Assim que o encontrarmos, podemos ir atrás do Capitão Sangrento.
– De quem?
– Era o nosso terceiro mosqueteiro – Icabode explicou. – Uns vampiros o capturaram.
– Quem? – Leon perguntou, sobrevoando alguns prédios.
– Uns tais de Fermín, Anthony Ritzo, uma juíza, e Ivanovitch. Este último foi morto por Sacks.
– Sacks matou a Besta do Oriente? – Leon quase gritou. – Se você conhece o Conselho de Nova York, então já está mais envolvido à não-vida do que eu esperava.
Os dois pousaram na sacada do apartamento de Sunday, e adentraram o imóvel, mas o detetive não estava lá. Em seguida, eles isolaram o local contra a luz solar, e apagaram.
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