Bárbaros e suas sociedades – Classes D&D

Olá porradeiros e furiosos, eu sou Willian Vulto. Esse é o quinto post da minha série de publicações que visa repensar e reimaginar as classes de D&D e dos mundos de fantasia em geral. Semana passada eu falei sobre os Clérigos e suas divindades, e essa semana falarei sobre os Bárbaros.

 

 

Sobre o Bárbaro:

O Bárbaro é uma classe muito mal interpretada e, quando eu digo isso, eu não estou falando dos jogadores. Eu estou falando de quem escreveu o jogo mesmo. Para a grande maioria dos jogadores, e para as regras também, o Bárbaro nada mais é do que um enorme ignorante com um machado na mão; um guerreiro sem técnica e com uma fúria insana em combate. As características da classe deixam isso claro, mas para explicar eu preciso fazer algumas comparações históricas.

“Bárbaro” surge como uma palavra grega para designar todos os estrangeiros, ou seja, todos os que não falavam grego. Mais para frente, no império romano (lembrando que os próprios romanos já tinham sido considerados bárbaros pelos gregos), o termo foi usado para designar quem não era nem grego e nem romano. Pouco depois, o termo passou a significar “não civilizado”.

Então temos um termo que foi usado para designar um monte de gente (todo mundo que não é grego), como árabes, vikings, africanos e todo o resto do mundo. E como nos lembramos dos Bárbaros quando jogamos RPG? Aqueles que têm fúria. É patético ou não é?

Tudo bem, é possível entender que, se você é um europeu e só conhece os Vikings quando eles estão saqueando suas terras e matando geral, você pense “Malditos Bárbaros”. É um povo que não da para conversar (até por que o idioma é outro) e que luta com muita bravura (afinal, eles acreditam que morrer em batalha é legal), mas ainda assim, é um reducionismo enorme. Pensar, por exemplo, que Bárbaros possuem Esquiva Sobrenatural, é desacreditar que esse “povo inferior” desenvolveu técnicas de luta que seu exército civilizado e certinho não consegue entender.

Em cenários de fantasia.

Em cenários de fantasia, não costuma existir uma Grécia ou uma Roma. Então o que são os Bárbaros nesses cenários?

O Bárbaro é o sub-civilizado. O representante de um povo (e de uma cultura) que vive próximo, porém fora da ‘modernidade’ das grandes cidades do reino

Existem alguns cenários onde guerreiros Bárbaros podem surgir:

Muitas vezes a “civilização” para de avançar por conta de obstáculos naturais e algumas tribos se mantém vivas e resilientes no entorno de grandes reinos, preservando sua cultura, mas convivendo pacificamente com o reinado. Geralmente essas civilizações são pobres (se tivessem algum recurso natural valioso em sua área, já teriam sido expulsos e mortos), mas conseguem viver tranquilamente e manter suas tradições. Normalmente o personagem Bárbaro é um campeão de suas tribos, um jovem que se mostrou forte desde sua infância e foi treinado para ser o braço forte de sua tribo.

Desse cenário, podemos tirar alguns tipos de personagens interessantes:

 

Os Bárbaros Próximos

O Representante Cultural:

Representantes Culturais são guerreiros de uma cultura, cedidos à outra como símbolos de amizade e de poder. O povo tribal à margem da civilização, envia seus melhores guerreiros para servirem ao grande reino que os acolhe e os protege e, ao mesmo tempo, mostrar que seu povo e sua cultura é capaz de gerar guerreiros poderosos e eficientes. Esse tipo de Bárbaro pode ter sido preparado para isso a vida inteira, por isso ele sabe ler e escrever normalmente o “idioma comum” além de já estar ligado aos traços culturais locais.
Esse tipo de personagem carrega um estigma pessoal, pois seu povo já está devidamente integrado à cultura local, mas ele ainda sofre preconceito. Além disso, uma simples falha sua com o regente local pode afetar o status de seu povo naquele reinado.

Talvez seja interessante escolher uma Arma Exótica como estilo de luta do seu povo. Druidas e Rangers também podem entrar nesse arquétipo.

A Resistência:

Aqui a relação entre a civilização e os ‘não-civilizados’ não é tão boa assim. A vila desse Bárbaro é o último reduto de sua cultura, próxima de ser devastada e erradicada da face da terra. Esse Bárbaro vai lutar com muita fúria para impedir esse avanço. Ele pode ser um grande herói ou um vilão perigoso, dependendo do lado em que os jogadores estiverem.

O Relutante:

O Relutante parece com a resistência, mas é a resistência contra-hegemônica. Nesse caso, a “tribo” está sendo absorvida pela civilização, mas o Bárbaro vai contra essa tendência, atuando como um sabotador de alianças e alguém resistente à mudança. Esse tipo de personagem odeia a cultura hegemônica da dita-civilização e vai fazer de tudo para que seu povo mantenha suas tradições e sua cultura. Esse Bárbaro se recusa a aprender a escrita e os modos locais, preferindo se isolar e manter-se em seu culto solitário aos deuses antigos de seu povo.

É um arquétipo excelente para vilões. Enquanto os personagens tentam forjar a aliança, o sabotador fará de tudo para impedir

O Vingador:

Esse é o Bárbaro que perdeu seu povo. Suas terras podem ter sido arrasadas pelo exército inimigo, e isso o obriga a entrar para o exército regular para poder enfrentá-los e esmagá-los. Ou seu povo pode ter sido dizimado e absorvido à força por um reino, o que o coloca como aliado de um outro reino distante que está em guerra contra esse.
No primeiro caso ele se torna um rancoroso Representante Cultural de uma cultura morta. E no segundo caso, ele vira um Estrangeiro (veja o post de guerreiro) no reino oposto, só desejando estar lá para poder esmagar seus antigos senhores.

Esse personagem pode assumir, como característica de interpretação, a Fúria Bárbara quando vê o brasão do povo que dizimou o seu, por exemplo.

Existem ainda cenários, onde os Bárbaros vêm de uma terra realmente distante, quase desconhecida pelos povos tradicionais do cenário de campanha. Esse tipo de povo gera outros tipos de Bárbaros.

Todos os que eu vou descrever a seguir, também carregam características do Estrangeiro

Os Bárbaros Distantes:

O Colecionador de Troféus:

Esse tipo de personagem vem de algum grupo que obriga seus jovens a viajarem pelo mundo. Quando o pretenso guerreiro alcança a maioridade, é obrigado a se lançar ao mundo em busca de aventura e de experiência. Esse tipo de personagem pretende voltar para sua terra um dia e contar suas aventuras. Esse tipo de personagem é um colecionador de histórias e de troféus: cada monstro que ele já derrotou, cada cicatriz e cada história, é um tesouro que ele pretende levar de volta para sua terra.
Esse tipo de personagem nem se importa tanto com dinheiro, mas vai aceitar embarcar em qualquer aventura que pareça perigosa e desafiadora.

O Andarilho Quieto:

Esse pode ser uma versão mais velha do Colecionador de Troféus. Esse tipo de personagem abandonou seu povo por algum motivo e isso já faz muito tempo. Ele viaja pelo mundo enfrentando tudo e qualquer coisa, sem medo e sem remorso.

Esse arquétipo é interessante para personagens que já comecem em níveis mais altos. Um velho, encarquilhado, forte como um touro e cheio de cicatrizes. Um velho que não conhece quase nada do reino, mas já viajou por regiões desconhecidas e enfrentou todo o tipo de coisa. Um herói do qual ninguém nunca ouviu falar. Uma pessoa que não conversa há tanto tempo que já não se lembra como falar.

O Bárbaro Racial:

Esse tipo de personagem lembra bastante o Clérigo Racial (veja o post do clérigo). Esse tipo de Bárbaro vai viajar pelo mundo como um representante de elite de sua raça. Ele vai tentar provar seu valor a todo custo e mostrar como seu povo é valoroso em combate. Esse arquétipo funciona melhor para raças menos comuns e menos adaptadas à civilização onde se passa a história, como Homens Lagartos, Orcs e outros tipos de criaturas.

O Guia:

Se o grupo de heróis precisa se aventurar em um terreno distante, é possível que existam pessoas que lá vivem. Esse arquétipo funciona muito melhor para o Ranger, mas um Bárbaro também pode ser um guia em sua região, sem maiores problemas, desde que pegue a perícia Sobrevivência.

O interessante do Guia é que, nesse cenário, ele é quem tem o conhecimento, enquanto os “civilizados” não conhecem nada sobre a geografia, fauna e flora local. É interessante ver a interação de um guia com um Mago escolástico que acredita saber muita coisa.

O Guia também pode ser um bom Batedor (veja o post do ladino) já que o Bárbaro tem Deslocamento aumentado e aguenta porrada caso entre em combate primeiro.

 

 

Em resumo, o Bárbaro é um guerreiro de um povo que vive fora da sociedade hegemônica do sistema-cenário. Então, para criar um bom Bárbaro você deve ter em mente duas questões fundamentais: “Em que tipo de cultura meu personagem foi criado?” e “Como se dá essa relação entre esse povo e a ‘civilização’ hegemônica”. Essa vai ser a linha guia para um Bárbaro interessante.

Porradaria é legal, mas também da para criar um Bárbaro cuja a interpretação não se limite a “eu ataco” e “eu entro e fúria”. É só não ter medo de ser criativo.

 

Então esse foi mais um texto meu.
Deixe sua opinião aqui nos comentários.
Espero estar de volta na semana que vem.

Icabode St. John [5]

Nos capítulos anteriores: Icabode, Sunday e Drake se uniram para enfrentar Solomon Saks, o mafioso polonês que capturara um vampiro para transformar a si mesmo em uma criatura da noite. Após invadirem o cativeiro, os três foram abatidos, um por um, até que Icabode à beira da morte alcançou o vampiro acorrentado. Para sua surpresa, descobriu que o preso não era uma pessoa má, e ao invés de matá-lo, Icabode o libertou e em seguida, morreu. 

 

O mundo era uma água negra, e suas mãos recém despertadas começaram a nadar em direção ao céu tomado por uma língua de fogo que dançava acima do mundo. Mãos e pés estranhos tocaram nele, e assim que chegou à superfície, nadou até uma margem, ao lado de milhares de pessoas que faziam o mesmo. Todas elas pareciam assustadas e surpresas. Icabode não fazia ideia de onde estava.

Ele engatinhou na terra seca, mas foi impedido de continuar ao ver diversos homens encapuzados, segurando hastes de madeira, com lâminas curvas na ponta. Antes que ele pudesse fazer algo, os encapuzados começaram a enfiar suas foices nos náufragos, penetrando seus corpos e os arrastando dali.

Os gritos de dor e pânico enchiam os ouvidos de Icabode, e não demorou para o seu grito se unir a eles. Uma foice atravessou seu ombro como se fosse um anzol, e o encapuzado começou a arrasta-lo para longe da água. Icabode gritava, olhando para todos os lados. O céu era feito de nuvens de fogo, e eles estavam cercados por montanhas negras.

Antes que ele fosse jogado em uma gaiola lotada de mulheres e homens nus, uma voz gutural bradou ao seu lado:

– Largue o garoto, ceifador! – era uma criatura chifruda, feita de brasas. Cada vez que falava, colunas de fumaça saíam de sua boca. – Não vê que ele é um Orelha Furada? Ele tem dono!

Icabode rapidamente tocou na própria orelha e percebeu que tinha uma espécie de etiqueta costurada. O ceifador sacudiu a foice até que seu corpo caísse no chão, cheio de dor. A mão da criatura chifruda se fechou sobre a cabeça dele, puxando-o para longe das gaiolas nas carroças, e em seguida, amarrando suas mãos em longas correntes de ferro negro.

Um grupo peregrinava pela terra árida e escura. Criaturas gigantescas e anima

lescas apareciam de todos os lados. As pessoas gritavam e imploravam por Deus, pois eles já sabiam onde estavam.

– Mas por que eu estou aqui? – Icabode inquiriu ao demônio que o arrastava para longe do grupo. – Meu pai sempre me ensinou que só pecadores vinham para cá! E que o pecado é ir contra sua consciência! Minha consciência está limpa! – Icabode gritou, batendo no próprio peito. – Eu não devia vir pra cá!

A criatura se virou pra ele, deixando um rastro de fumaça para trás. Seus olhos eram bolas de fogo.

– Seu pai te ensinou? Foi seu pai quem vendeu sua alma. Orelhas Furadas são almas que já estão reservada para algum Senhor do Inferno.

Icabode sentiu suas pernas falharem e ficou de joelhos. O demônio agarrou sua cabeça novamente e o forçou a continuar. Ele estava atônito, sem acreditar que seu pai, o reverendo, vendera a alma do próprio filho a um demônio.

– Mas e sobre o livre arbítrio e as minhas próprias escolhas? – ele gaguejou, completamente perturbado. – Não tenho direito e autoridade sobre minha própria alma?

– Até a idade da plena consciência do bem e do mal, todos são de responsabilidade de seus pais ou tutores – o demônio explicou, sentindo um prazer nefasto em ver a dor no olhar de Icabode. – Quando os exércitos leais ao seu Deus iam à guerra, Ele mandava matar os inimigos e os filhos de seus inimigos. Dependendo dos pais, as crianças eram santas ou pecadoras. Parece que o seu pai escolheu o caminho errado, garoto.

Icabode não sabia que as coisas funcionavam daquele jeito. Tudo parecia muito arbitrário e injusto aos seus olhos. Em algum lugar perto dali, havia um paraíso onde Icabode merecia passar a eternidade, mas graças a seu pai, ele ficaria para sempre no inferno.

Adiante, sobre a trilha, havia um arco de pedra com uma placa com uma frase que cada um entendia em sua própria língua, “BEM VINDO AO INFERNO”.

– Ei, Icabode! – alguém gritou. Era Sunday, preso em uma jaula puxada por uma carroça. – Garoto, você morreu? – seu olhar era de tristeza e cansaço. Ele estava pressionado contra as grades enferrujadas, cercado de pessoas. – Pelo menos você conseguiu mata-lo? Você matou o vampiro?

Icabode lançou um olhar envergonhado para o amigo. O Mal vencera, e os heróis foram mandados ao inferno. Isso é inaceitável, Icabode pensou. Se existe justiça, as coisas não deviam ser assim. Ele olhava para Sunday, tentando achar alguma saída para aquela situação. Se não houver justiça… talvez eu possa fazê-la por conta própria, refletiu. Nessa hora, a sombra do arco de entrada do inferno recaiu sobre ele.

– Sunday! Nós não podemos morrer duas vezes, não é? – Icabode gritou.

O detetive olhou para ele, confuso. Icabode não esperou a resposta, e se jogou contra a coluna do arco, e começou a escalá-la. As pedras tinham sulcos e frestas que facilitavam a escalada. A corrente que o ligava ao demônio era longa, e o chifrudo escolheu não puxá-lo pelo simples fato de que seria mais interessante espera-lo chegar ao topo do arco. A queda seria mais forte. Mas ao chegar lá em cima, Icabode agiu rapidamente. Ele mesmo pulou para o outro lado, em uma queda livre.

Ele havia mirado em alguma carroça, para cair entre os demônios bovinos que a puxavam. A queda fora dolorida, e quebrou alguns de seus ossos, mas ele atingira o objetivo. Tomado pela dor, enroscou a corrente no eixo entre os debôvinos (demônios bovinos), e esperou que desse certo. A corrente era longa, mas chegara ao limite no último instante. Ela se retesou, passando por cima do arco e puxando o braço do chifrudo. O demônio tinha a altura de um poste e pesava no mínimo, uma tonelada.

Sem saber exatamente qual polo iria ceder primeiro, Icabode se manteve inerte, vendo a corrente diante de seus olhos, puxar o eixo da carroça, entortando-o. Se ele cedesse, seu plano falharia miseravelmente. Aguente, aguente! Ele pediu. Se havia alguma força do bem naquele lugar, aquela era a hora de intervir. O garoto começou a chutar as ancas dos debôvinos, forçando-os a continuar em frente.

O demônio chifrudo começou a puxar a corrente, vendo que estava prestes a ser puxado para cima do arco de boas-vindas. Bufando com raiva, ele puxou os braços para baixo, fazendo a carroça reduzir a velocidade. As correntes não podiam ficar mais rígidas do que naquele momento. Em algum lugar, algo iria ceder.

Sunday estava em uma gaiola, tentando enxergar o que Icabode havia feito depois de escalar a coluna. Ele não o via mais. Mas a atenção de todos estava voltada para a corrente que puxava o arco para baixo. As pedras começaram a balançar enquanto o demônio lutava para não ser erguido. No próximo instante, o arco cedeu, e as pedras milenares vieram abaixo, esmagando tudo que passava naquela hora. A carroça de Sunday foi desmontada, e ele mesmo fora pressionado por barras e ossos dos menos afortunados que estavam naquela jaula.

Um frenesi teve início, e todas as pessoas que estavam em liberdade começaram a correr. Sunday se arrastou para fora da gaiola, e viu o demônio chifrudo jogar os humanos para todos os lados, avançando em linha reta, rumo à outra ponta da corrente.

– Preciso ajuda-lo – Sunday disse, correndo na mesma direção. Icabode não teria nenhuma chance depois que aquele demônio o alcançasse.

– Corre, corre! – Icabode gritava, chutando o traseiro dos debôvinos com mais força. O chifrudo agora corria em sua direção, e a punição no inferno devia ser visceral. Icabode não pretendia ser pego pela criatura. O problema é que, nesse momento ele havia adentrado os limites reais do inferno. E isso era um puta problema.

– Como eu vou me soltar dessas correntes? – ele se perguntava. Seu corpo erra arrastado pelo chão, entre os animais. Seus braços continuavam presos ao eixo de ferro.

A carroça aumentava de velocidade, enquanto o chifrudo também corria mais rápido. Sunday ficara para trás, consciente que aquela corrida não era pra ele. Só restava ao detetive esperar que o demônio nunca alcançasse o garoto.

Icabode se ergueu e ficou sobre o eixo, com o corpo inclinado por causa do espaço curto das correntes. Ele não conseguia ficar em pé. Olhando para a frente, viu uma cidade satânica, cheia de fogo, rodas gigantes, estátuas e criaturas aladas sobrevoando o lugar. Com os movimentos limitados, ele apenas observou.

A carroça invadiu a cidade, quebrando cercas, paredes, invadindo praças, atropelando todas as criaturas no caminho, passando por colunas de fogo tão largas quanto a própria cidade. Icabode sentia como se estivesse em um liquidificador cheio de ácido. Nada parava aqueles debôvinos, e todos os obstáculos causavam grandes lacerações no garoto.

Seu corpo fora consumido por fogo, e vários cortes cobriam-no quase por completo. Estava fraco, e prestes a tombar do eixo, direto para o chão. Mas isso seria pior. Ali, ele estava um pouco mais protegido. A jaula da carroça ainda estava cheia de pessoas. E todas elas gritavam para ele tirá-las dali. Elas tinham falsas esperanças, e Icabode sabia disso. Não havia uma forma de salvar ninguém do inferno. Ele só ganhara tempo, e com o custo de ter o corpo todo moído.

As pessoas gritavam, avisando que o chifrudo estava perto, e que iria alcança-los logo. Icabode usava de uma força sobre-humana para continuar, mas ele preferia ser derrubado do que simplesmente desistir.

A carroça saiu da cidade e partiu em direção ao paraíso. Um lugar cheio de jardins iluminados, anjos e santos que bebiam e comiam em uma eterna comemoração. Icabode sorriu, esperançoso. Isso durou pouco tempo, pois ele percebeu que havia um imenso abismo entre o inferno e o paraíso.

– Claro – ele se lembrou. – A parábola do rico e de Lázaro.

A história bíblica mostrava dois homens conversando, cada um de um lado do abismo. O rico tentava ir para o paraíso, mas por causa do buraco não havia nenhuma possibilidade. E nesse momento, a carroça rumava para esse abismo.

– Agora sim, já era – Icabode suspirou, pensando que ia para uma espécie de inferno pior do que o próprio inferno.

Os debôvinos se jogaram no buraco negro, e a carroça caiu pesadamente. O chifrudo parou de correr ao ver aquele desfecho. Mas a corrente se esticou e começou a arrastá-lo. O demônio caiu no chão e tentou arrancar livrar seus pulsos para não ser levado pela carroça. No momento em que conseguiu se desvencilhar delas, sentiu o chão sumir debaixo de seu corpo. Ele também caíra no abismo.

Sunday viu a carroça despencar com Icabode e puxar o demônio consigo. O detetive lera sobre o abismo na bíblia. Esse lugar era mil vezes pior que o inferno. Era no abismo que Deus aprisionara as piores criaturas. Os demônios do apocalipse. O detetive chegara tarde demais, e mesmo assim, não teria chance alguma de salvar o garoto.

Ele mesmo estava duplamente condenado. Atravessara a cidade correndo, seguindo a trilha da carroça, e agora, centenas de ceifadores o perseguiam.

Olhou para trás e viu as inúmeras criaturas com foices, sob as sombras dos demônios alados, todos vindo em sua direção. Ele sabia que seria despedaçado. Mas talvez fosse merecido. Em sua vida, Sunday havia tomado algumas decisões erradas. Não tinha dúvida que o inferno era o seu lugar. Ele só queria um copo de whisky para degustar antes que fosse alcançado. E eles vinham com muita pressa, ah se vinham. Em poucos segundos, estariam sobre seu corpo.

– Que seja – Sunday ergueu a gola do sobretudo e colocou as mãos nos bolsos. Mas um grito o fez virar novamente. Alguém chamava seu nome.

Icabode sobrevoava o abismo. O garoto subia rumo ao céu, puxado por uma força invisível. Ele gritava o nome do detetive várias vezes.

– Pegue a corrente! – Icabode gritou, sacudindo a longa corrente que ainda estava presa em suas mãos.

Sunday olhou para os ceifadores, e não esperou mais. Ele disparou em direção ao abismo. Em suas costas, algumas foices começaram a rodopiar, tentando acertá-lo. Mas se os ceifadores não o alcançassem, o abismo iria. Ele saltou em direção ao buraco, erguendo as mãos, consciente de que tudo daria errado.

– Você conseguiu! – Icabode gritou, vendo o detetive pendurado em sua corrente, e ambos subindo para o céu, deixando milhares de demônios para trás.

Os dois atravessaram as nuvens de fogo, e continuaram subindo.

– Não estamos indo para lá! – Sunday gritou, surpreso, ao ver o paraíso ficando para trás.

– Talvez estejamos indo para o céu onde fica o Trono de Deus! – Icabode deduziu, temendo despencar a qualquer momento.

– Você deve estar certo – Sunday gritou. – Cuidado!

Uma criatura alada atravessou uma nuvem de fogo e agarrou a Icabode. O garoto ergueu as mãos e segurou as presas da criatura, afastando-as de seu rosto. Ele abriu a boca e mordeu a face do demônio, sentindo o gosto pútrido e cheio de enxofre, enquanto arrancava um pedaço dele.

– Volte para o inferno, criatura asquerosa! – Icabode gritou soltando as garras que foram direto em sua barriga, penetrando-o. Ele gritou.

Com as mãos livres, rasgou a membrana da asa de morcego do demônio, usando de toda a força que tinha. A criatura começou a cair em parafuso, e sumiu de sua vista. O corpo de Icabode estava irreconhecível. Perfurado, carbonizado e rasgado. Seus olhos estavam praticamente fechados, mas ele olhou para baixo e viu Sunday, ainda pendurado. Ele conseguiu finalmente sorrir.

– Deus nos salvou – tentou dizer.

Mas assim que alcançaram o ponto mais alto do céu, tudo escureceu, e estavam de volta ao mundo dos mortais. E foi aí que ele viu que Deus não o salvara. Em sua frente, alguém olhava com medo para seus caninos.

 

Leia  todos os  capítulos de Icabode St. John clicando aqui. Ou então encontre mais livros do autor clicando aqui.

 

Clérigos são feitos de fé – Classes D&D

Olá jogadores, eu sou Willian Vulto. Esse é o quarto post da minha série que visa repensar e reimaginar as classes de D&D e dos mundos de fantasia. Semana passada eu falei sobre os Magos e suas escolas, e essa semana falarei sobre os Clérigos e suas divindades.

Sobre o Clérigo

 

O Clérigo é a melhor classe de D&D (minha opinião) e isso se dá por vários motivos. Eles podem usar várias armas, armaduras pesadas e ainda têm várias magias, dentre elas a bendita da cura.

A cura é a pedra no sapato dos clérigos e o que limita o uso de uma classe que tinha tudo para ser uma das mais versáteis de todas. É possível fazer um clérigo sem cura, mas seu grupo vai odiá-lo e desejar a uma morte horrível e dolorosa para você.

O Clérigo de Pelor, sem destreza, com armadura completa, Maça e tudo Cura, é um personagem excelente e extremamente funcional, mas se a ideia aqui é repensar as classes, vamos repensar o Clérigo também.

 

 

Alguns tipos de Divindades:

No nosso mundo, existem várias religiões que cultuam diferentes facetas de um mesmo deus, e mesmo os deuses de religiões politeístas podem assumir arquétipos diferentes em momentos diferentes. O livro básico de D&D já traz 19 deuses e isso já permite uma possibilidade bem grande de clérigos para esses deuses. A ideia aqui é pensar em algumas possibilidades incomuns.

Deuses Morte:

Em geral, cultos aos deuses da morte são vistos como malignos por muitos jogadores, mas não por quem estuda religiões. Em cosmogonias politeístas é comum que tenham deuses (ou entidades menores) responsáveis pela travessia das almas para o outro mundo.

Um Clérigo de um culto da morte pode atuar como um mortuário fixado em uma cidade, realizando rituais funerários pelas almas dos falecidos, mas também pode migrar para um fronte de guerra, onde muitas mortes com certeza ocorrerão. Um Clérigo da Morte pode viajar pelo mundo tentando encontrar zonas assombradas para poder limpá-las e purificá-las garantindo o descanso dos mortos. Por mais que se pense em um Clérigo da Morte como um Necromante, ele pode ser, na verdade, um Exorcista, garantindo o descanso aos espíritos perdidos.

A relação desses Clérigos com os Necromantes pode se dar de duas formas: ele pode ser contrário à todo tipo de necromancia, acreditando que não se deve macular a santidade dos Mortos; ou pode ser contra o uso de fantasmas, que são espíritos, mas não se importar que um Necromante use os corpos, sendo que os espíritos já se foram há tempos.

Um cultista da morte pode se recusar a curar alguém, caso entenda que este já cumpriu seu destino e já pode morrer. Ressurreição é a blasfêmia máxima para esse tipo de Clérigo.

Deuses do Submundo:

Deuses do Submundo, que cuidam do mundo dos mortos e das criaturas abissais são, normalmente, consideradas entidades malignas e isso se dá, em sua maioria, por observações cristãs posteriores. É possível que uma entidade do Submundo apenas cumpra sua função como tal, mantendo os horrores e as almas dos pecadores em seus devidos lugares. Um Clérigo do Submundo pode ser um arauto de sua divindade na terra, sendo responsável por ‘recuperar’ demônios (ou o equivalente na cosmogonia local) fugidos do submundo.

Imagine uma seita secreta de Clérigos de um deus do Submundo, que viaja o mundo de forma discreta, derrotando e expulsando demônios, usando como ferramentas o fogo abissal e outros demônios, controlados através de acordos.

Esse Clérigo parece um herói, chegando na cidade e eliminando demônios, mas precisa se manter discreto, pois seu culto não é bem visto pela sociedade. Pode ser um personagem interessante.

Deuses Malignos:

As vezes o Mestre te permite jogar com um personagem que seja Leal e Mal.

Mas o que um Clérigo maligno estaria fazendo com um grupo de heróis? O Mal, é claro, mas um mal a longo prazo.

Um Clérigo Maligno pode ter informação privilegiada (ou por conta própria, através de divinação, ou através de um mentor secreto) dos planos malignos de sua divindade e estar agindo para o “bem” momentâneo que vai desencadear em um grande “mal” no futuro.

Imagine um reino pequeno, mas com um rei com muita sede de poder. O grupo de aventureiros pode ser convocado para resolver problemas locais (como monstros e saqueadores, ou encontrar artefatos) e ajudar o reino a crescer.  Esse crescimento, no futuro, pode desencadear em um desbalanço de forças, na criação de um governo tirânico ou mesmo em uma enorme guerra.

Outro cenário: Um nobre convoca uma expedição para encontrar um antigo artefato, mas o Clérigo sabe (por fazer parte de um Culto Maligno cheio de conhecimentos proibidos) que esse artefato será uma das chaves para libertar um horror cósmico ancestral sobre a terra.

Em resumo, um clérigo Maligno pode fazer parte de um grupo, ser leal a esse grupo durante a missão, mas ter propósitos maiores à longo prazo. O mal é sempre dissimulado.

 

 

Deuses Elementais:

Em algumas cosmogonias existem divindades baseadas em arquétipos mais básicos, como os elementos. Esse tipo de Clérigo funciona de forma similar ao Mago Elementarista (veja meu post de mago), focando suas magias em seu elemento preferido.

É interessante pensar em uma oração focada e rituais baseados naquele elemento.

Um Clérigo do Deus do Fogo pode fazer sua oração matinal em frente à chama de uma vela e, mensalmente ter de queimar um animal em uma fogueira. Um Clérigo de um Deus da Terra pode gostar de andar descalço e sobrar poeira sobre os ferimentos quando for usar suas magias de cura. Um Clérigo de um Deus da Água pode se banhar várias vezes ao dia e mergulhar a pessoa em um rio para usar um Remover Encantamento. Esses são só alguns exemplos.

Deuses Neutros:

Divindades Neutras vão se desviar do grande conflito do Bem contra o Mal que existe em quase qualquer panteão. Esse tipo de divindade vai ter suas características próprias e modus operandi único.

Deuses da Magia ou do Conhecimento podem ter clérigos estudiosos (quase magos) que vivem para conhecer mais e mais e vão viajar o mundo por conta disso. Deuses da Natureza e das Florestas vão ter Clérigos que são quase druidas e se fixam em um território para protegê-lo ou viajarão o mundo para recuperar áreas degradadas. Deuses da Viagem vão ter Clérigos que nunca ficam parados em lugar algum e podem atuar como Batedores (veja o post de ladino). Esses são alguns exemplos.

Por outro lado, alguns deuses da Neutralidade vão, de fato, lutar para preservar uma neutralidade, se associando ao lado menos favorecido em uma guerra mais declarada. Quando o “mal” se levanta, os Clérigos dos deuses neutros podem se unir ao lado do “bem”.

Esse tipo de clérigo vai depender muito da divindade, mas também é possível ter várias ideias.

Deuses Raciais:

Cada raça tem um deus próprio que a representa (quase todas) e personagens não-humanos podem ser Clérigos desses deuses. Teoricamente, todo ser daquela raça já é um pouco devota dessa divindade, então onde o Clérigo se destaca?

O Clérigo de uma divindade racial representa um culto à identidade racial. Esses clérigos são realmente interessantes quando essa raça está desacreditada ou tendo sérios problemas para se manter. Quando a raça está com problemas é hora da Divindade se fazer presente para defender os seus e os clérigos serão os escolhidos para passar sua mensagem.

Um Clérigo de uma raça pode ser um emissário da paz, pregando o diálogo entre os povos; ou pode ser um guerreiro feroz na libertação de seu povo que vem sendo escravizado ou massacrado. Um Clérigo de um Deus Racial pode viajar o mundo provando seu valor e tentando ser um bom exemplo de seu povo.

Um Clérigo Racial também pode representar um Estrangeiro (leia o post sobre o guerreiro), caso represente uma raça recém-chegada à região (pode ser uma raça de refugiados, talvez).

Um Clérigo desse tipo é mais interessante quando representa uma raça que sofre preconceito por algum motivo. Imagine um Clérigo do deus dos Goblins, querendo provar o valor de sua raça em um mundo que os odeia.

 

 

Em resumo, um Clérigo não representa apenas um curandeiro que aguenta porrada. Um Clérigo é o representante de uma divindade e de uma fé na terra. Basta observar as religiões do mundo real para entender que elas são complexas e cheias de possibilidades.

Então tenha isso em mente quando for fazer um clérigo. O que essa divindade significa? O que significa ter a fé nessa divindade acima de tudo? Como uma pessoa assim se comportaria?

Outra opção é escolher a personalidade que você quer interpretar e depois tentar escolher a divindade que melhor se encaixa. Infelizmente isso sempre vai depender muito do Mestre e do Panteão que ele escolher usar na campanha. As vezes a sua ideia se encaixa perfeitamente com St. Cuthbert, mas a campanha é em Arton, por exemplo. Mas, mesmo assim, tem muita opção interessante. É só ser criativo.

 

 

Então esse foi mais um texto meu.
Deixe sua opinião aqui nos comentários.
Espero estar de volta na semana que vem.

Icabode St. John [4]

Nos capítulos anteriores: Icabode e o detetive ocultista Sunday foram traídos pelo mafioso polonês Solomon Saks, que ao invés de caçar vampiros, como prometera, capturara um apenas para se transformar em um deles. Em seguida, Sunday apresentou a Icabode, Drake Sobogo, capitão dos Balas de Prata, pelotão especial da 2ª Guerra que caçava criaturas sobrenaturais. Drake era boxeador clandestino e era conhecido como Capitão Sangrento. Ele conhecia o vampiro capturado por Saks, pois Sunday havia lhe pedido certa vez que o protegesse, pois era um informante, mas Drake se recusara a ajudar um vampiro. Agora, Sunday o havia lhe chamado para conversar novamente. 

 

– Me chame de Capitão Sangrento – Drake Sobogo disse ao ser apresentado a Icabode St. John. – Não quero meu verdadeiro nome sendo usado nesta conversa – ele olhava ao redor, desconfiado.

– Tudo bem, Capitão – Icabode assentiu. – Você já deve saber que nós estamos atrás do mafioso Solomon Saks.

– Eu estou aqui pelo vampiro – ele respondeu, lançando um olhar severo ao detetive Sunday.

– Eu sei, eu sei – Sunday precisava ser cauteloso ao falar com o boxeador de temperamento difícil.  – Mas Solomon Saks mantém o vampiro prisioneiro. E suas intenções são nefastas. Ele pretende tornar a si próprio uma criatura da noite.

– Mas quem seria tão idiota para trazer sobre si tamanha condenação? – Drake fez uma careta de absurdo. – Se esse Saks deseja a morte, diga a ele que a levarei pessoalmente. E sem cobrar nada.

– Nós não pretendemos mata-lo, Capitão – Icabode interveio. – Nosso negócio é apenas com o vampiro. Precisamos invadir seu cativeiro e mata-lo. Nenhum homem deve morrer.

– Quem é esse garoto? – Drake olhou para Sunday, irritado. – E por que ele pensa que pode dar ordens a mim?

– Eu não estou dando ordens, capitão – Icabode se explicou.

– Ele é o maior interessado nesta missão – Sunday rapidamente completou. – Seu pai foi morto pelo vampiro Anatole – ele ergueu a mão de icabode, mostrando seus dedos decepados. – E ele o caçou e o matou com as próprias mãos.

– Ele mereceu, assim como todos os vampiros merecem – Icabode beijou seu crucifixo. – Mas condenar os homens já não cabe a nós. Apenas a Deus.

Drake olhou para a mão de Icabode e para as feridas em seu rosto, e silenciosamente reconheceu que aquilo fora um feito e tanto. O rapaz acabara de receber o seu respeito. O boxeador olhou ao redor, refletindo. Sua intuição o mandava trabalhar com aqueles dois, mas seus olhos circulavam pelo apartamento, sempre em busca de algo suspeito. A cada balançar das venezianas, o som de buzinas, sirenes e brigas que vinham da rua, ele tencionava seus músculos. Olhou pela cozinha, contando quantos copos usados estavam sobre a mesa. Se havia algum sinal de que não estavam sozinhos ali.

A sala de estar ficava três degraus mais baixa do que o resto do apartamento. Os sofás de couro com pernas cilíndricas de madeira, sobre o carpete bege… Aquilo tudo era delicado demais para monstros com cheiro de enxofre. Quadros coloridos, como o de uma moça tomando Coca-Cola, um circo itinerante cruzando um deserto, e outros, decoravam o ambiente. Não, eles não estavam escondendo nenhuma criatura demoníaca ali. Na mesinha de centro, o cinzeiro portava três charutos velhos, o que não queria dizer nada além de que Sunday fumava pra diabos. O Capitão Sangrento socou a própria mão.

– Qual é o plano?

– Entrar em silêncio, esta madrugada – Sunday explicou. – Encontrar o vampiro e… – ele deslizou o dedo pela garganta.

Icabode jogou duas estacas na mesinha e mostrou o crucifixo, indicando que aquilo era tudo o que ia usar. Drake não fazia questão de levar pistolas. Elas deixavam pistas. Seus punhos eram tudo o que precisava.

Enquanto Icabode explicava a estrutura do prédio, já que ele ficara lá durante uns dias, Sunday preparava sua mala com binóculos, cordas, lock pick, clorofórmio e outros de seus frascos especiais. Assim que a lua sumiu entre colunas de nuvens, o trio deixou o apartamento.

 

No estuário de Newton Creek, sob a ponte Pulaski, o grupo se reuniu para trocar de roupas. Do outro lado do afluente, no Queens, ninguém conseguia vê-los colocando seus casacos e luvas. Em seguida, o grupo correu até um prédio de quatro andares.  Sunday conseguiu abrir a porta dos fundos, silenciosamente. Ali era uma região industrial, e não havia uma alma viva por perto. O detetive guardou seu equipamento de arrombamento e eles entraram em um cômodo escuro. Icabode tomou a iniciativa, relembrando do caminho para o lugar onde se encontrara com Solomon Saks pela primeira vez.

– Eu esperava que tivesse pelo menos um segurança no prédio – Sunday sussurrou. – Mas está vazio.

– Talvez eles não trouxeram o vampiro pra cá – Icabode respondeu, inconformado.

– Se ele não estiver aqui, nós vamos direto até a casa desse polaco filho da mãe – Drake resmungou, decidido.

Na escuridão eles atravessaram o lugar cheio de caixas. Havia uma porta e uma escada para o andar superior. Icabode abriu a porta e os três adentraram. O lugar tinha um cheiro forte de fumaça e de produtos químicos. Pelo eco, era um cômodo imenso. Havia um interruptor ao lado da porta, e ao acenderem a luz, viram algo terrível. Aquilo era uma cozinha de heroína, mas essa não era a parte do “terrível”. Dezenas de julacos dormiam em colchonetes, cercados de fuzis e metralhadoras. Todos acordaram assustados com a luz.

Estamos mortos, Icabode pensou, e no mesmo instante os poloneses começaram a gritar, pegando suas armas. Drake agarrou a gola de Icabode e o puxou para trás, enquanto Sunday fechava a porta novamente. Os tiros começaram, transformando a porta em lascas que choviam sobre os três.

– Para a escada! – Sunday gritou, e eles começaram a correr.

Conseguiram chegar no andar superior, e Drake Sobogo empurrou uma escrivaninha de ferro, bloqueando a porta. Ele tirou o sobretudo, e por baixo, estava vestindo apenas seu calção de boxe. Ele fechou os punhos e olhou para os dois.

– Vão atrás do vampiro. Eu seguro eles.

Icabode protestou, mas Sunday o segurou pelo braço e o puxou em direção à outra escada. Em suas costas, ouviram a porta ser derrubada, e o rapaz se virou a tempo de ver Troche invadir a sala. Drake o acertara com uma barra de ferro, e o som que ela fez na cabeça de Troche foi metálico, como se os dentes do julaco não fossem a única parte de seu corpo feita de metal. Outros criminosos adentraram o cômodo, e enquanto Troche e Sobogo lutavam, os outros começaram a atirar na direção de Icabode. Sunday o puxou, e os dois chegaram até o terceiro piso.

– Sunday! – Icabode gritou ao ver que sangue vertia da boca do detetive.

Uma bala o acertara na bochecha e saíra pelo outro lado. Os dois pararam de correr pra ele cuspir fora sua própria língua. Ele olhou para Icabode com os olhos molhados, e ambos souberam que iriam morrer antes de alcançar o vampiro.

– Só tem mais um andar, Sunday – Icabode gritou, invertendo os papéis e puxando o detetive pelo sobretudo. – Vamos pelo menos terminar a missão antes de morrer!

Mas antes que conseguissem chegar na escada seguinte, Troche atravessou a parede, coberto com sangue de Drake Sobogo. O julaco sorriu para eles antes de ataca-los. Sunday empurrou Icabode e se jogou contra o polonês. Troche agarrou seu pescoço com uma mão e o ergueu. Com a outra, ele perfuro a barriga do detetive, rasgando seus órgãos internos e atravessando até as costas. Seus dedos se projetaram para fora, cheios de tripas frescas.

Sunday olhou para Icabode, e um jorro de sangue grosso escapuliu pela sua boca e pelos buracos nas bochechas. Em seu olhar havia uma mensagem. Em seguida, o detetive segurou os dois braços de Troche, e empurrou a parede atrás de si, forçando os dois a ficarem perto da janela. Icabode correu e se jogou, empurrando-os com o ombro. Troche e Sunday foram arremessados contra o vidro, e despencaram em uma queda de dez metros. 

Os outros criminosos chegaram no buraco da parede, e Icabode voltou a correr. Antes que subisse a escada, ele foi alvejado por uma rajada, e seu corpo foi perfurado em vários lugares. Em um último esforço, ele chegou até o quarto andar, e fechou a porta atrás de si. Ela era diferente, feita de aço e com trincas resistentes. Eles demorariam para entrar. Mas entrariam.

O cômodo era cheio de crucifixos, todos pregados na parede. Do outro lado, correntes amarradas em vigas de aço, prendiam os braços de um homem prostrado. O vampiro ergueu a cabeça em sua direção, fraco. Primeiro, ele mostrou as presas, tentando parecer ameaçador. Depois, mudou de expressão ao ver Icabode tirando a estaca do casaco.

– Você veio me matar? – o vampiro perguntou. Sua voz era suave, e seu semblante, dócil.

– E não há nada que você possa fazer! – Icabode bradou, cambaleando.

– Rápido! – o vampiro o apressou, olhando para a porta. – Eles vão abrir a qualquer momento. Trespasse meu coração!

Icabode ergueu a estaca acima de sua cabeça, mas aquela resposta não era exatamente o que estava esperando ouvir.

– Você está querendo me manipular, criatura!

– Não! – o vampiro respondeu, angustiado. – Não importa, só me mate rápido!

– Por quê? – Icabode se ajoelhou diante dele, ficando cara a cara. – Por que você está me pedindo isso?

– Porque eu sou um maldito vampiro! – ele respondeu banhado em lágrimas. – Me transformaram em um deles como punição! Eu irritei um membro da sociedade vampírica, e ele me deu essa não-vida! Mas você precisa me matar antes que Solomon Saks me use para criar seu exército!

– O quê? – Icabode abaixou a mão, incrédulo. – Que exército?

– Ele quer transformar todos os seus capangas em vampiros – declarou. – Você não sabia disso? Ele quer dominar Nova York, e governar sobre os mortais e sobre os próprios vampiros.

– Então eu preciso te matar – Icabode disse, fraco, sentindo a vida deixar seu corpo. – Mas… mas eu não queria.

– Como assim? Eu sou uma criatura da noite, você precisa me matar!

– Você não é mau – Icabode disse, chorando, surpreso. – Eu esperava um monstro, mas… você não é um.

– Claro que eu sou! Você não faz ideia do tanto que luto contra o desejo de sangue e de morte!

– Viu. Um monstro não lutaria – Icabode se arrastou para longe dele. – Você está fraco por causa disso – ele arrancou o crucifixo e o jogou pela janela. – Recupere a sua força antes que eles consigam entrar.

Sob os protestos do vampiro, Icabode arrancou os crucifixos um por um, e os jogou pela janela. No fim, ele estava deitado, e grande parte de seu sangue vertera para fora do corpo. Ele sentia seu corpo dormente, e estava tonto. A porta em suas costas fora derrubada, mas sua consciência apagou. Seu coração parou de bater e a vida deixou seu corpo para sempre.

 

Leia  todos os  capítulos de Icabode St. John clicando aqui. Ou então encontre mais livros do autor clicando aqui.

Magos e as Escolas de Magia – Classes de D&D

Olá pessoas, eu sou Willian Vulto. Esse é o terceiro post da minha série que visa repensar e reimaginar as classes de D&D e dos mundos em geral. Semana passada eu falei sobre os Guerreiros, e essa semana falarei sobre os Magos.

Mago já é uma classe versátil por si só. A escolha das magias e das escolas já faz com que muitos magos tenham grimórios personalizados e únicos. Isso gera uma versatilidade em combate, mas nós sabemos que nem só de combate vive o RPG.

Ao contrário do Feiticeiro que tem poderes inatos e do Bruxo que faz pactos dom entidades superiores, o Mago é um estudioso da magia, normalmente tendo estudado em uma instituição formal, e precisa tratar a Magia como um objeto de saber.

Dessa forma, assim as personalidades dos Bruxos e dos Clérigos estão diretamente ligadas às suas entidades e divindades, a personalidade do Mago é influenciada pela sua formação e pela instituição onde foi instruído, assim como à sua escola de preferida.

Ideias interessantes para Magos

 

 

O Evocador Insano:

Esse é o Mago do jogador que queria jogar com um Bárbaro. A Bola de Fogo é seu machado e nada lhe faltará. Esse tipo de mago pode surgir em uma escola de magia criada em tempos de guerra e guiada pela demonstração de poder bruto. Ou pode ser da índole do mago esquentado, que se afasta da escola por achar os outros magos chatos demais. Pode ser interessante interpretar um gênio, mas um gênio totalmente impulsivo e irresponsável.

O Elementarista

O Elementarista é um mago especialista em magias de algum elemento natural. Esse tipo de mago pode ter uma ligação natural com esse elemento, ou ser formado nessa linha por uma escola totalmente especializada. O elemento pode ser ligado com a personalidade do mago (um piromante pode se um Evocador Insano, por exemplo), ou ligado à geografia/história de um grupo étnico específico, assim o mago pode ser um Estrangeiro (veja o post do Guerreiro). Imagine uma escola de magia dos povos do norte, especializada em magias do frio. Essa escola envia magos para viajar o mundo para demonstrar o poder dos magos do gelo, por exemplo.

O Invocador Naturalista:

Um mago especializado em magias de invocação pode se comportar quase como um Druída, sendo ligado à natureza, mas invocando animais sobrenaturais, espíritos guardiões como os Patronos de Harry Potter. Esse mago pode vir de uma escola naturalista (élfica talvez?), ou pode vir de uma escola tradicional, de onde decidiu se afastar por não ser entendido pelos outros magos. A relação desse mago com seu familiar, com a natureza e sua falta de ligação com outras pessoas podem ser os pontos altos da interpretação desse tipo de mago.

O Manipulador:

Em uma escola consolidada, longe de guerras externas, a política pode se tornar o principal meio de disputas internas na escola de magia. O Manipulador é especialista em magias de Encantamento, Controle Mental e outros artifícios. Pode ser interessante se os magos dessa escola considerarem magias ofensivas como magias menores e desprezíveis. E jogar com um mago sem ataque é um desafio a mais.

Demonologista:

O Demonologista pode parecer um Clérigo Maligno, mas a diferença é clara. O Clérigo cultua o sobrenatural, enquanto o Demonologista é um estudioso que entende os extra-planares como recursos a serem usados em benefício próprio. O Demonologista vai ser desacreditado, mas vai tentar provar que é ele quem está no controle desse demônios e não o contrário. Esse tipo de mago pode vir de uma escola secreta, ou ter sido expulso de uma escola tradicional por estudar magias proibidas.

 

 

O Infiltrador:

Esse tipo de personagem é um malandro que tinha tudo para ser um ladino, mas acabou em uma escola de magia. Esse tipo de mago prefere invadir um castelo com sua invisibilidade a enfrentar monstros por aí. Ilusão pode ser sua escola preferida. A relação dos outros magos com o Infiltrador é sempre controversa. Ninguém confia nele, mas sempre precisam de seus trabalhos.

O Criador:

É o ferreiro dos magos, o personagem especializado na criação de Itens Mágicos. Esse mago pode estar viajando o mundo para conhecer novas magias, ter contatos com Itens Mágicos diferentes e juntar dinheiro para começar sua própria produção.

O Arqueólogo:

Esse é o Mago que enjoou dos livros da biblioteca de sua escola. Ele vai viajar o mundo em busca daquela biblioteca lendária de um reino à muito esquecido. Esse pode ser um mago que já começa a campanha mais velho. Ele pode, também, ser um mago que passou tanto tempo enfurnado na biblioteca até se tornar desligado da realidade, sabendo tudo de história antiga, mas quase nada da história atual. Esse é um mago que tende a ser bem preparado já que sabe que vai ter de enfrentar ruínas. Magias de Adivinhação são muito importantes para o Arqueólogo.

Necromantes: Aguarde, vai ter um post especial para eles.

 

 

Existem vários tipos de magos, mas nem todos precisam ser o adulto de meia idade, sábio e levemente pedante. A formação acadêmica sempre faz parte do background do mago, então use isso para construir um personagem mais interessante.

A relação do Mago com a escola, e da escola com o mundo, podem dar um bom background social e psicológico para o seu personagem. “Como uma escola tão diferenciada se fixou nesse reino?” ou “Como um aluno tão diferente se formou nessa escola tão tradicional?”, essas são boas perguntas para começar a criar seu Mago Implacável.

 

 

Então esse foi mais um texto da minha série.
Deixe sua opinião aqui nos comentários.
Espero estar de volta na semana que vem.

Guerreiros permanecem após as guerras – Classes D&D

Olá combatentes, eu sou Willian Vulto. Esse é mais um post da minha série de publicações que visa repensar e reinterpretar as classes de D&D e dos universos de fantasia no geral. Semana passada eu falei sobre os Ladinos, e essa semana falarei sobre os Guerreiros.

Sobre os Guerreiros

 

 

O Guerreiro é o profissional da guerra, tanto que o nome já deixa isso claro. É isso que significa ser um guerreiro, um soldado profissional, treinado para o combate. Assim como o Ladino é versátil com as perícias, o Guerreiro pode assumir suas possibilidades com seus muitos Talentos.

O Guerreiro brilha em tempos de guerra, podendo atuar como elo entre os militares e os aventureiros. O exército pode precisar que um grupo investigue um antigo templo perdido, ou que viaje através de uma região perigosa para enviar uma mensagem, por exemplo. Nesse caso, enviar mercenários é melhor do enviar uma tropa regular, mas o comandante pode enviar um dos seus guerreiros de confiança para acompanhar o grupo.

Por outro lado, a versatilidade dos homens de armas se mostra mesmo nos tempos de paz, quando o guerreiro precisa se reinventar. Então a pergunta é: O que um soldado profissional faz quando a guerra acaba?

Guerreiros em tempos de Paz

O Armeiro:

O Guerreiro tem Ofícios como uma de suas perícias e existem especialistas em armas dentro das fileiras do exército. Um ex-armeiro militar pode ter usado o dinheiro que acumulou no seu tempo de exército para abrir sua própria forjaria, onde vive pacificamente até que o chamado da aventura o tire de sua zona de conforto. Um personagem desse tipo afirma que prefere a calmaria, mas sonha com a ação e morre de vontade de usar a sua velha espada manchada de sangue.

O Lutador Profissional:

Alguns pessoas, que se alistam cedo e não sabem fazer nada além de lutar. Em tempos de paz, essas pessoas podem se tornar lutadores e levar uma vida de campeões de lutas ilegais nos recantos mais afastados do reino. Não é difícil tirar um guerreiro desses de seu mundinho e colocá-lo em uma aventura pelo mundo. Esse tipo de personagem pode ser muito bom em lutar com humanos, mas não conhecer nada sobre o mundo e suas criaturas míticas. Isso pode trazer uma boa interação com os personagens mais viajados do grupo.

O Mercenário:

Esse é o mais clássico dos personagens guerreiros. Assim como o Lutador Profissional, o Mercenário só sabe lutar, mas acredita que pode ficar muito rico com isso. Ele vai aceitar qualquer trabalho que necessite de um par de braços fortes e uma espada afiada. Esse tipo de personagem fica ainda mais interessante se for caótico, podendo mudar de lado a qualquer momento em que surgir uma proposta de trabalho melhor.

O Instrutor:

É comum que os filhos não primogênitos de famílias nobres treinem para ser cavaleiros. Esses jovens senhores precisam de um instrutor. O Instrutor é um guerreiro que se destacou de alguma forma e conseguiu seu emprego com uma família nobre após a guerra. Esse Guerreiro não precisa ser o melhor na arte da porradaria, mas precisa ter um carisma mínimo para lidar com nobres e a paciência de um professor, ao contrário do clássico guerreiro de Carisma 8. Esse tipo de personagem pode se ver obrigado a se arriscar mais do que gostaria em nome de manter sua boa ligação com a nobreza.

 

 

O Estrangeiro:

O Estrangeiro é como um Mercenário, mas um mercenário vindo de outro reino. Houve uma guerra lá, ela acabou e ele virou um aventureiro solitário, viajando pelo mundo para conhecer outras culturas. O Estrangeiro pode ter acabado de chegar no reino onde vai se passar a campanha, então para ele tudo é novo, desde os traços culturais mais cotidianos até a cosmogonia local. O Estrangeiro é um personagem excelente para quem quer Usar Arma Exótica.

O Orfão:

Alguns guerreiros são orfãos de guerras que nunca aconteceram. As vezes, tensões militares ocorrem entre reinos e exércitos inteiros são treinados para uma batalha que nunca vai acontecer. Esse tipo de personagem odeia o “reino inimigo”, que ele foi ensinado a odiar. Mas ele realmente acredita que seu povo teria conseguido um acordo melhor se tivessem lutado pelo menos um pouco. Então o Orfão é um jovem, em forma, treinado, equipado, ressentido, com muita energia, mas sem nenhum inimigo para atacar. Esse jovem vai aceitar qualquer chamado da aventura que o permita bater em alguém ou alguma coisa.

O Veterano:

O Veterano, ao contrário do Orfão, viu os horrores da guerra. Ele é um velho que lutou por anos e coleciona cicatrizes, no corpo e na alma. O Veterano é como um Mercenário, mas sem toda a ambição, afinal ele já é velho demais para isso. O Veterano também não sabe o que fazer da vida, e normalmente se aventura para instruir os mais jovens, sempre contando histórias dos tempos idos. Um Veterano pode ser extremamente ressentido, caso acredite que a guerra a qual dedicou sua vida não teve nenhum resultado. Um Veterano relutante vai tentar alertar os mais jovens sobre os horrores da guerra e pode dedicar seus últimos anos a manter a paz entre os povos.

 

 

Na prática, na hora do combate, o Guerreiro vai ser bom em bater com uma arma e em aguentar porrada. Isso não costuma variar muito.
Então, o que pode fazer com que um Guerreiro seja único é seu background e a forma como ele se coloca em relação ao grupo e ao mundo.

Se for construir um Guerreiro, use a guerra a seu favor.

 

 

Então esse foi mais um texto meu.
Deixe sua opinião aqui nos comentários.
Espero estar de volta na semana que vem.

Icabode St. John [3]

Nos capítulos anteriores: Após caçar e abater o vampiro Anatole dentro do galpão da máfia polonesa, Icabode foi apresentado ao dono do local, Solomon Saks, o judeu polonês que controlava o Brooklyn. Icabode disse que Anatole matou seus pais, e Solomon lhe propôs uma aliança para iniciarem uma guerra santa contra os vampiros. Icabode apresentara o detetive ocultista Sunday, que poderia ensinar tudo o que precisavam saber acerca das criaturas. Após Solomon chamar seu capanga com dentes de metal, Troche, e mais um pequeno exército, eles foram até o esconderijo do primeiro vampiro que iriam caçar. Mas para a surpresa de Icabode e Sunday, Solomon capturou a criatura e revelou sua verdadeira intenção, que era se tornar um vampiro. 

 

O Capitão Drake Sobogo corria desesperado pelas ruas do vilarejo francês, tentando fugir dos soldados alemães. Ele olhava ao redor, sem acreditar no que acontecera. Todo o seu pelotão fora morto em poucos segundos, e o capitão fora o único sobrevivente. Seus companheiros não morreram por serem maus atiradores ou por estarem em menor número, ou por terem sido emboscados, nada disso. O grande problema foram os inimigos. Eles não eram humanos.

Sobogo parou subitamente, quando os alemães começaram a cair do céu em sua frente. Atrás, um grupo deles acabara de chegar. O americano estava cercado. As criaturas em uniformes nazistas tinham orelhas pontudas e sobrancelhas grossas e compridas.

Sobogo deu dois passos para trás e entrou em uma mansão em ruínas, prestes a desabar. Olhou ao redor e não achou nenhuma porta ou janela por onde pudesse escapar. Os elfos nazistas invadiram o imóvel, apontando suas armas para ele. Sobogo se encostou na coluna mestra da casa, cercado. O nazista de sobretudo cinza e medalhas de honra se aproximou, sorrindo.

– Pronto para morrer, amerricana? – ele perguntou com sotaque alemão, puxando o cão da sua Walther PPK. – Eu tenho que resolver isso o quanto antes, pois devo voltar à base imediatamente. Eles servirão foie gras o elfo sorriu, ansioso pelo banquete. – E também, pedirei a herr Oscar para hospedar meus elfos no castelo – ele apontou ao norte. – Estamos cansados de ficar na floresta.

Sobogo cuspiu no chão com desprezo. Os dramas pessoais daquela criatura não o interessavam. Em seguida, o americano olhou ao redor, para cada um deles. Havia cerca de doze elfos.

– Vocês não deveriam estar tão confiantes assim – garantiu. – Veja bem, eu era um boxeador nos Estados Unidos…

– Você vai dar soquinhos em todos nós até a morte? – o líder zombou, abrindo os braços.

– Não – ele admitiu. – Mas essa não é a questão. Eu quero explicar por que vocês vão perder essa – ao ver a curiosidade no olhar do elfo, Sobogo continuou. – Eu era um boxeador invicto até enfrentar meu oponente mais fraco. Ele me venceu porque o subestimei. Eu deixei seu rosto deformado no ringue, e quando fui olhar para uma câmera, para comemorar a vitória, ele me golpeou direto no maxilar. Meu cérebro apagou na hora. A partir desse dia, aprendi uma lição muito importante. Todo homem deve medir seu adversário. Vocês não fizeram isso, e por isso irão morrer.

– Sua história é chata e não me comove – o elfo disse, decepcionado. – O que te leva a pensar que não vai morrer hoje?

– Não foi o que eu disse – Sobogo respondeu, se afastando da coluna. – Eu vou morrer, mas não por suas mãos. Mas todos vocês morrerão pelas minhas – ele girou sobre o tornozelo.

Ao entender o que estava prestes a acontecer, o oficial gritou desesperado para que seus homens atirassem. Mas era tarde demais. O Capitão Sobogo deu o cruzado de direita mais forte de sua vida, quebrando a coluna mestra da ruína. O telhado veio abaixo, e em seguida, as paredes.

Dos sobreviventes, surpreendentemente, Sobogo foi o primeiro a sair dos escombros. Ele estava coberto de poeira e sangue. Um elfo se levantou só para ser alvejado pelo americano. Outro também. Por último, o oficial nazista conseguira se arrastar para fora. Sobogo colocou o pé em seu peito e mirou em sua cabeça. Antes que o elfo pudesse barganhar por sua vida, ele apertou o gatilho. Um buraco brotou acima de sua sobrancelha peluda, e um sangue grosso escorreu até uma das orelhas pontudas.

Sobogo saiu das ruínas, incrédulo. Não achava que fosse sobreviver àquilo. Aos poucos, várias pessoas surgiram de suas casas, curiosas. Ao o verem caminhando sozinho, e os elfos mortos nos escombros, eles se aproximaram. Sobogo não falava francês, mas qualquer um sabe o que merci beaucoup significa. Elas estavam agradecidas.

O soldado mancava, desnorteado. Ele não fazia ideia de onde poderia encontrar os seus aliados, ou de como fugir dali. Enquanto tentava organizar as ideias, as pessoas começaram a se alvoroçar, assustadas. Elas apontavam para o norte, e quando Sobogo se virou, viu uma coluna de poeira se erguer ao longe. Veículos saíam do castelo dos alemães. Um comboio vinha até o vilarejo.

– Mas que grande merda – Sobogo declarou, sabendo que era seu fim.

Ele podia fugir ou se esconder, mas no terceiro francês torturado, os alemães descobririam o rumo que ele teria tomado. Não importava o quão agradecido aquelas pessoas estavam, ninguém gostava de ser torturado. Sobogo suspirou, olhando ao redor. Ele viu o medo no rosto daquelas mulheres e crianças. Se perguntou onde estariam os homens do vilarejo. Muitas daquelas pessoas tinham as bochechas molhadas de lágrimas, e Drake Sobogo percebeu que precisava delas, assim como elas precisavam dele.

Alguns jipes chegaram no vilarejo. O oficial responsável era um homem de olhos com cores diferentes e uma cicatriz que rodeava todo o pescoço. Ele fora avisado sobre um tiroteio que acontecera ali, e decidiu levar a maioria de seus homens até o local. Provavelmente a situação havia sido controlada, já que a guarnição do vilarejo era feita de elfos, e essas criaturas eram duras na queda.

– A cidade está vazia, senhor – um soldado declarou o óbvio.

O alemão mandou que continuassem, intrigado. Se perguntou se os franceses haviam se revoltado e atacado os elfos, e depois fugido. Mas algo ainda mais estranho aconteceu. Do outro lado da cidade, diante de uma fundição velha, cheia de janelas, havia um homem que o oficial odiava por dois motivos, porque ele era americano, e porque era negro. Sobogo caminhava cambaleando, obviamente ferido. Ele segurava um fuzil, não muito ameaçador.

– Onde estão os elfos? – o oficial se perguntou, preocupado. – Onde está o pelotão desse negro? Pra onde foram os franceses?

Os outros soldados gritavam para o americano abaixar a arma, mas Sobogo apenas se recostava no muro baixo da fundição. Ficar em pé doía. Os alemães desceram dos carros e se aproximaram do inimigo solitário. Apenas o oficial olhava ao redor, desconfiado. Seu nariz experiente sentia o cheiro de emboscada.

– Vamos sair logo daqui – ele disse, dando as costas para Sobogo. – Matem o negro e voltem para os carros, rápido!

– Ei, você poderia me fazer um favor? – Sobogo gritou para ele. – Diga a Hitler que ele será o próximo!

Quando o alemão se virou, sem entender aquelas palavras, o topo de sua cabeça se abriu, cuspindo miolos para todo lado. Várias janelas da fundição explodiram enquanto os sobreviventes do vilarejo atiravam com as armas dos elfos. Os soldados alemães começaram a atirar de volta, mas havia gente em todos os andares, e eles não sabiam exatamente em quem atirar. As refugiadas desarmadas faziam gestos com as mãos para confundi-los.

– Mandem esses chucrutes de volta para o inferno! – Sobogo saltou sobre a mureta e se escondeu no pátio da fundição. Ele ficou de cócoras e começou a atirar também.

Os alemães morreram sem conseguir matar uma pessoa sequer. Os sobreviventes do vilarejo pegaram suas armas e marcharam até o castelo ao norte, e depois, rumo a Berlim. Mais tarde, Sobogo ficara sabendo que aquelas pessoas, em sua maioria, mulheres, velhos e crianças, conseguiram chegar em Frankfurt, matando todos os alemães que ficaram em seu caminho, até que foram finalmente derrotados.

Drake Sobogo foi resgatado pelos seus compatriotas e levado até uma base próxima a Calais, onde o conduziram para um quarto secreto. Lá, seu general reunira soldados que também haviam enfrentado criaturas místicas, e criou o pelotão de missões sobrenaturais, os Balas de Prata, sob o comando do Capitão Drake Sobogo. O pelotão não durou nem um ano, e Sobogo viu todos os seus companheiros morrerem das piores formas, e pelas criaturas mais diabólicas que brotaram do meio da guerra.

Ele fora enviado de volta para casa, onde teve que ir para o boxe clandestino, já que se tornara um homem violento demais para os torneios tradicionais. Foi nesse submundo de apostas e pessoas má intencionadas que ele conheceu certo sujeito misterioso.

– Fiquei sabendo que você era o capitão dos Balas de Prata – disse o homem, surgindo de um beco escuro, entre colunas de vapor que vinham dos esgotos de Nova York.

– Isso é confidencial – Sobogo respondeu, mostrando o crucifixo com uma mão e fechando a outra. Ele ficara conhecido no submundo como Capitão Sangrento, pois seu soco era tão violento que bastava um golpe para nocautear o adversário e deixar seu rosto completamente coberto de sangue.

– Vamos trocar telefones – o homem pediu, estendendo um cartão pra ele. – Tenho certeza que poderemos ser de grande ajuda um para o outro.

Sobogo pegou o cartão e leu “Detetive Particular de Assuntos Obscuros – Sunday Crow.” Ele olhou para o detetive, surpreso, e guardou o cartão.

Os dois mantiveram contato pelos próximos dias, até que o detetive lhe chamou para o primeiro trabalho. Os dois se encontraram em uma lanchonete à meia noite, e Sunday parecia bem preocupado.

– Preciso que você me ajude a esconder um informante. Os vampiros de Nova York estão atrás dele – Sunday olhou para trás, em direção a um viaduto escuro. Escondido nas sombras, havia um homem. – Antes que pergunte por que eu chamei logo você… é melhor te mostrar pessoalmente. Venha comigo.

Atravessaram o asfalto escorregadio e chegaram até o túnel onde o informante aguardava. A primeira coisa que Sobogo fez foi mostrar o crucifixo, como habitualmente fazia diante de desconhecidos. Isso raramente tinha algum efeito, mas dessa vez foi certeiro. O informante saltou três metros de altura e se prendeu nos tijolos do túnel, de cabeça pra baixo. O capitão arregalou os olhos, surpreso. O informante mostrou seus caninos vampirescos.

– Ele é um deles! – Sobogo gritou, segurando Sunday pela gola e pressionando-o contra a parede. – Você está me pedindo pra proteger um vampiro!

Ele o soltou quando faróis adentraram o túnel. O militar olhou para o vampiro no teto e decidiu agir. Quando o carro se aproximou, ele pulou em seu capô e se impulsionou em direção ao teto. O soco acertou o peito da criatura, jogando-a do outro lado. O motorista do carro acelerou, assustado com toda aquela atividade nas sombras.

– Capitão, pare com isso! – Sunday pediu. – Eu preciso dele vivo!

Sobogo o ignorou e correu em direção ao homem no chão. O vampiro saltou, rodopiando sobre a cabeça do capitão e caindo em suas costas. O boxeador girou, jogando o cotovelo para trás, mas o vampiro se inclinou, desviando do golpe. Em seguida, deu um chute que lhe acertou os dois tornozelos, e quando Drake Sobogo ficou na horizontal, em pleno ar, o vampiro acertou suas costas com uma força sobrenatural. O militar foi arremessado para fora do túnel, rolando no chão.

– Já chega – o vampiro pediu, mostrando a palma da mão. – Não quero te machucar.

Sobogo cuspiu o sangue no chão e se levantou. Fechou os punhos e voltou para o túnel, em posição de boxeador. O vampiro olhou para Sunday, angustiado.

– Eu não quero machucá-lo, detetive. É melhor você segurá-lo.

Com um passo largo, Sobogo desferiu um de seus melhores golpes. Sua mão acertou em cheio o rosto da criatura. Em seguida, o militar recuou, assombrado. O informante permanecia na mesma posição, olhando para ele com grande desconforto. Isso era diferente de dor. Seu soco não fizera nada.

– Criatura maldita – Sobogo sussurrou.

– Ele é diferente – Sunday garantiu. – Preciso que me ajude a protege-lo.

– Diferente uma ova! – Sobogo esbravejou e lhe deu as costas, sabendo que seria inútil continuar aquela briga. – Eu não farei parte disso. Quando quiser mata-lo, aí sim você me chama.

 

Alguns meses se passaram, e Sobogo estava em seu apartamento, esmurrando um saco de areia. As brigas clandestinas só aumentavam, e ele não perdia uma. E durante seu treino, o telefone de ferro tocou. Ainda encharcado de suor, ele atendeu. Era Sunday. O detetive pediu para se encontrarem novamente. Precisavam falar sobre aquele vampiro.

O boxeador foi até o apartamento do outro, e ao chegar lá, encontrou um jovem vestindo uma boina e um colete. O garoto tinha apenas dois dedos na mão direita, enfaixada.

– Capitão Drake, esse aqui é Icabode St. John, um amigo.

Drake Sobogo olhou para o garoto, e por algum motivo sentiu um arrepio. Mal ele sabia que o próprio Diabo estava ali perto, observando aquele encontro.

 

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Icabode St. John [2]

Nos capítulos anteriores: Icabode perseguia o vampiro Anatole até encontrá-lo fora da cidade. O vampiro tentou fugir voando, mas Icabode se agarrou nele, e ambos sobrevoaram Nova York em uma luta sanguinária. Eles caíram em um carro durante uma perseguição policial. Depois de o vampiro se livrar das viaturas e matar o motorista, o carro em que estavam invadiu um galpão cheio de mafiosos poloneses. No fim, Icabode paralisou Anatole com uma estaca no coração e ateou fogo em seu corpo. 

 

Apesar dos dedos decepados, cortes profundos e costela quebrada, nada incomodava tanto a Icabode quanto aquele sofá que parecia ser feito de areia movediça coberto de veludo. Do outro lado da sala, um “julaco” (nome que Icabode dera àqueles judeus poloneses), o encarava, entediado.

O médico da máfia cuidara de seus ferimentos e lhe dera uns analgésicos. Depois de uns dias de descanso nos fundos de um açougue, Icabode fora trazido para o escritório do líder dos julacos, Solomon Saks, um velho de barba e cabelos brancos.

Em sua frente havia uma mesa de sinuca com vários pacotes de heroína em cima. Icabode sabia disso porque ouviu os julacos falando sobre as drogas. Ele não queria se meter no assunto, por isso ficou em silêncio. Tudo o que queria era ouvir o que Saks tinha a dizer e ir embora.

Quando o velho chegou, ele convidou Icabode a se sentar à sua mesa. Solomon Saks tinha uma postura incrivelmente ereta, e seus passos eram firmes e rápidos. Ele não parecia ser o homem de setenta anos que sua barba divulgava. Com um sorriso educado, pediu que Icabode explicasse o que tinha acontecido e por que seus homens diziam que um vampiro tinha matado Mickey, um de seus funcionários mais leais.

Ao lado de Saks, um julaco de mais de dois metros de altura observava a conversa em silêncio. Eles o chamavam de Troche, que significa “mordeu” em polonês. Antes do final daquele diálogo, Icabode entenderia o motivo.

– Semana passada – Icabode começou a explicar -, meu pai foi visitado por um velho amigo, Sunday. Ele disse que estava nos visitando apenas para ver como iam as coisas… mas ninguém sai de Manhattan e vai para Montauk só por isso. Os dois ficaram horas no escritório do meu pai, falando em privado. Depois que Sunday foi embora, eu entrei escondido no escritório e encontrei isso em cima da mesa.

Icabode tirou a página rasgada de uma bíblia do bolso e a estendeu para Saks. O trecho marcado dizia “E qualquer homem da casa de Israel, ou dos estrangeiros que peregrinam entre eles, que se alimentar de sangue, contra aquela alma porei a minha face, e a extirparei do seu povo.” No rodapé da página tinha um nome circulado várias vezes com caneta: “Anatole”. Icabode continuou a história.

– No outro dia, eu estava chegando do mercado à noite, quando vi uma lamparina acesa no quintal de casa. Meus pais estavam pendurados de cabeça para baixo, amarrados a um carvalho velho. Seus pescoços estavam abertos, e o sangue caía direto em uma tina de vinho. O vampiro estava atrás deles, bebericando de uma caneca de madeira. Quando ele me viu, deu um sorriso e se escondeu nas sombras.

Troche abriu um sorriso, achando a história interessante. Seus dentes eram feitos de aço, pontiagudos. Aquilo era intimidador, e Icabode evitou qualquer contato visual com o julaco.

– Naquela madrugada, enterrei meus pais. Depois, eu peguei uma das cartas que eles trocaram com Sunday e encontrei seu endereço. Entrei no primeiro ônibus para Manhattan e contei o ocorrido a ele. Sunday chorou, assumindo toda a culpa daquilo. Ele explicou que certamente Anatole o seguira até Montauk em sua última visita. Disse que o vampiro era um forasteiro, e que havia lhe procurado antes, querendo saber o paradeiro do reverendo Peter St. John, meu pai, mas Sunday mentiu, alegando que não o conhecia.

– Como esse vampiro encontrou o amigo de seu pai? – Solomon Saks perguntou.

– Sunday é um detetive muito conhecido no submundo do ocultismo. Provavelmente alguém indicara seu nome a Anatole sem saber que ele e meu pai eram próximos.

– E por que seu pai deveria ser conhecido pelo submundo ocultista? – Solomon perguntou, intrigado.

– Eu também estou atrás dessa resposta – Icabode confessou, olhando para a mesa. Ele ergueu os olhos e voltou à história. – Mas quando Sunday veio nos alertar sobre Anatole em Montauk, certamente o vampiro o seguiu e descobriu nosso esconderijo… Que estranho. Eu nem sabia que estávamos nos escondendo de algo.

– E como você encontrou o vampiro?

– Sunday sabia como encontra-lo. Ele me passou o endereço e eu o alcancei ao norte, fora da cidade. O maldito viera só matar meus pais e já estava voltando para o local de onde viera. Mas eu o ajudei e o mandei direto para o inferno. Durante nossa luta, a gente acabou caindo no carro de Mickey. O resto da história os seus homens já te contaram.

– Meus homens disseram que o vampiro tinha o rosto derretido e o corpo coberto de balas, e mesmo assim ele se levantou e saiu caminhando antes de você finalmente mata-lo.

– Sim. Matar criaturas imortais não é tão fácil quanto parece.

– Mas você o fez – Solomon o lembrou. – E com nenhuma arma em mãos. Imagina com os recursos necessários, as coisas que seria capaz de fazer.

– Sim… – Icabode disse, cauteloso. – Mas eu não sou nenhum assassino. O que fiz, fiz carregado de ódio e tristeza. Algo que nunca tinha sentido antes. Meus pais sempre me ensinaram que o ódio é um pecado mortal, e pretendo nunca mais fazer algo movido por esse sentimento.

– E que tal movido por uma missão santa? Vampiros não são criaturas do mal? Não acha que nossa cidade ficaria mais protegida se acabássemos com elas? O seu pai era um reverendo. O meu era um rabino. Não acha que eles teriam orgulho de nós se fizéssemos algo a respeito? – ele ergueu a página da bíblia e leu: “contra aquela alma porei a minha face, e a extirparei do seu povo.” Isso parece algo bem bíblico pra mim.

Icabode pegou a página e voltou a ler o versículo. Aquilo lhe parecia melhor do que voltar para sua casa vazia em Montauk. Uma “missão santa”, como Saks dissera. O jovem refletiu um pouco e depois assentiu, concordando. Solomon Saks sorriu, satisfeito.

 

Sunday era um homem de cabelo grisalho, solitário e saudosista. Ele bebia um copo de uísque quando alguém bateu em sua porta. Pela janela, viu Icabode todo enfaixado e ferido. O detetive     ficou feliz ao ver que o garoto não tinha morrido. Ao seu lado havia um judeu de grande estatura. Sunday pegou uma pistola e abriu a porta, em alerta.

Em seguida, os três estavam sentados na sala de estar. Troche não disse uma palavra durante a visita. Icabode explicou a proposta de Saks, mas Sunday não se sentiu confortável com aquilo. Como policial aposentado, ele sabia quem eram aqueles poloneses, e principalmente, sabia quem era Solomon Saks.

– Eu nunca cacei um vampiro na vida – Sunday deixou claro. – Olhe para você. Essa foi sua primeira briga, e veja como ficou. Quase morreu! Se fizermos isso, quem sabe o que vai acontecer? Nós nunca conseguiremos limpar as ruas da cidade dessas criaturas. Você não faz ideia de quantas existem por aí.

– Por isso eu preciso que me diga onde estão. No outro dia,  você comentou que conhecia outros vampiros em Nova York.

– Você não vai querer mexer nesse vespeiro, garoto – Sunday o alertou. – Parabéns, conseguiu matar um deles, mas lembre-se, Anatole era forasteiro. Se você começar uma guerra com um membro da sociedade vampírica daqui, todos eles irão revidar. Acredite.

– Eu não estou sozinho – Icabode olhou de lado para Troche que observava em silêncio. – E pra falar a verdade, não me importaria em começar uma guerra santa.

– Guerra santa? – Sunday repetiu, abaixando a cabeça, decepcionado. – Você não sabe o que está dizendo.

Icabode se levantou, frustrado.

– Se você não vai nos ajudar, eu dou um jeito sozinho. Obrigado – ele se virou e começou a se afastar.

Sunday pensou em seus amigos, Peter e Sandra, e em como ele causara a morte dos dois. O órfão deles estava ali, indo para a morte certa, e tudo isso era sua culpa. Suspirando, ele colocou o copo de uísque na mesinha e disse:

– Espere. Eu sei onde UM deles está. Felizmente é um pobre coitado. Deixe os planos comigo. O papel de Saks será apenas prover as armas e os soldados, entendido?

– Oh – Troche falou pela primeira vez, mostrando os dentes de aço. – Nós entendemos perfeitamente.

Icabode e Sunday passaram o resto da tarde no escritório de Solomon Saks, discutindo sobre seu primeiro plano e explicando as fraquezas dos vampiros. A quantidade de julacos e armas que Saks iria dispor facilitariam bastante a missão. Daria até mesmo para colocá-la em prática naquela noite, e o próprio Saks fazia questão de ir junto.

– Isso é um pequeno exército – Sunday olhava para as anotações sobre a mesa.

– É uma “guerra” santa, camarada. Toda guerra precisa de exércitos – Saks declarou, orgulhoso.

Icabode sabia que o detetive não gostava nem um pouco daquela conversa. Oras, ele próprio não estava gostando daquilo, mas o garoto não conseguia discordar de Saks. Se existisse uma guerra a ser travada em nome da paz, era aquela maldita guerra que eles estavam planejando.

O escritório de Solomon Saks tinha um carpete verde, sofás de veludo, lustres de ouro e cortinas coloniais. A heroína fora substituída por armas em cima da mesa de sinuca, vários julecos adentravam a porta dupla sem parar. As luzes de um grande painel elétrico do outro lado da rua atravessava a janela com cores mistas sobre o exército de homens barbudos com chapéus negros. Havia dezenas deles. Cada um pegou uma arma que estava em cima da mesa e se preparou para a guerra santa.

Lá fora, havia um Rolls Royce Wraith 1946. Troche abrira a porta para que Solomon, Icabode e Sunday entrassem. O exército de Saks foi espalhado em vários outros carros. E a marcha das valquírias seguiu pelas ruas escuras de Green Point, Brooklyn, em direção a algum lugar em Long Island.

Troche era o motorista, e Saks ia ao seu lado. No banco traseiro, Sunday sussurrava para Icabode, tentando falar mais baixo do que o som do rádio.

– Você sabe que fizemos aliança com um dos criminosos mais poderosos de Nova York, não sabe?

– Há males que vem para o bem, Sunday – ele deu dois tapinhas na coxa do policial.

– Isso é um pacto com o diabo, isso sim – Sunday sussurrou para si.

 

O quarteto ficou em silêncio o percurso inteiro. Eles saíram da cidade e continuaram em uma estrada de terra por um bom tempo, ladeados por densos matagais. Depois de vários quilômetros sem ver construção alguma, os carros pararam diante um cercado. No centro do terreno havia uma mansão velha e caindo aos pedaços. As janelas foram fechadas com tábuas, e o jardim, tomado por ervas daninhas e joio.

– Diga para todos os carros virarem os faróis para a casa – Solomon Saks disse, saindo do Wraith 46. – Vamos capturar esse filho da mãe.

– Capturar? – Icabode franziu a testa, surpreso.

Os carros ainda estavam manobrando quando Icabode se pôs diante de Solomon. O velho de postura invejável e peito estufado, encarava o garoto, sério. Sua barba e cabelo esvoaçavam com o vento frio que se adensava ao seu redor. Sunday se colocou ao lado do jovem, desafiador.

Todas as luzes estavam apontando para a mansão, e o exército se reuniu diante do portão. Todos de preto, todos com armas, todos com uma missão diferente do que Icabode esperava.

– Obrigado pela ajuda, garoto. Todas as informações que vocês nos passaram sobre os vampiros foram bem úteis – Solomon disse, colocando a mão no ombro de Icabode. – Mas você está dispensado. Eu assumo daqui pra frente.

Quando Sunday fez menção de avançar, Troche lhe mostrou a arma, fazendo os dois saíram de frente. Saks e seu capanga os deixaram sozinhos. Icabode olhou para o detetive, envergonhado por ter causado aquela situação. Os dois não fizeram nada além de assistir a operação de Saks.

O exército adentrou a mansão, arrebentando as portas da frente e das laterais com chutes e tiros. Lá dentro, mais explosões e clarões dos disparos. Balas costuravam as paredes, e um soldado fora arremessado pela janela. Em seguida, veio o silêncio. Um grupo de julacos saiu pela porta da frente, arrastando um corpo. O vampiro tinha uma estaca no coração, mas aparentemente ainda estava vivo. Eles o jogaram em um dos carros, e o comboio foi embora dali. O Rolls Royce se aproximou dos dois observadores quando Saks colocou a cabeça pra fora.

– Vocês fizeram parte do que está por vir – disse ele, satisfeito. – Depois desta noite, nenhuma outra família será tão grande quanto a nossa. Todos ouvirão falar de Solomon Saks, o Imortal!

O carro se afastou, deixando os dois para trás, sozinhos no meio do nada. Icabode e Sunday se entreolharam.

– “O Imortal”? – Icabode perguntou, confuso.

– Ele pretende se tornar um vampiro – Sunday explicou. – Garoto, essa guerra não será tão santa assim.

 

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Nem todo ladino é ladrão – Classes D&D

Olá criaturas, eu sou Willian Vulto, novo redator do MRPG, e esse post é o primeiro de uma série onde vou repensar as classes de D&D. Todo mundo conhece bem as classes, mas vou tentar trazer um olhar diferenciado para esses arquétipos. Nesse primeiro texto, falarei sobre o Ladino.

Sobre os Ladinos.

 

 

É muito comum que a classe dos Ladinos seja interpretada como um grupo de simples ladrões. Alguns mestres até anunciam assim. Porém essa é uma visão limitada de uma das classes mais interessantes dos mundos de fantasia. Mas afinal, se não um Ladrão, o que é um ladino?

Para começar o meu pensamento, primeiro temos que pensar o que o nome significa.

O nome original da classe é Rogue, que tem um monte de significados, mas tem uma origem que remete ao termo “vagrant beggar”, que refere-se a um pobre andarilho, um mendigo ou, de forma mais geral, a um indivíduo sem amarras à terra. Se levarmos em conta que boa parte dos cenários de fantasia usam como base a Europa Medieval feudalista, um homem desligado da terra, também é desligado da servidão aos senhores feudais, e daí que surge essa ideia de que o “homem livre” que transita entre as terras é, na verdade, um vagabundo perigoso e, eventualmente, um ladrão.

No Brasil, o nome da classe foi traduzido como ladino, um termo que significa esperto, astuto, inteligente e, muitas vezes, malandro. É assim que eu interpreto o cerne do que vem a ser essa classe: uma classe de sujeitos espertos que se viram apesar de não serem atléticos e fortes, como guerreiros e bárbaros, e nem possuírem o dom da magia, como magos e clérigos. Um tipo de sujeito que precisa ser esperto para sobreviver, mesmo que isso seja criminoso as vezes, mas nem sempre.

Mas eu quero ser ladrão, e daí?

 

 

Tudo bem, você pode querer jogar com um ladrão clássico, no pior sentido do termo. Você pode ser um vigarista, punguista, trombadinha, estelionatário e golpista sem escrúpulos nenhum. De fato, é um tipo bem legal de personagem e está tudo bem. Por outro lado, é importante lembrar que a classe não serve SÓ para isso.

E pelo amor da sua divindade favorita, não fique roubando bolsas em tavernas! Eu vejo muito jogador iniciante (mal instruído pelo mestre) que realmente acredita que ser ladino é ser um trombadinha da pior estirpe.

“- Vocês estão na taverna. O que vocês fazem?”
“- Tem alguém com a bolsa de moedas dando mole?”

Não se rebaixe por ninharias. Um ladrão aventureiro tem grandes desejos, como invadir uma masmorra ou roubar a torre de um mago poderoso, por exemplo, e não ficar roubando moeda de camponeses. Tenha uma coisa em mente: se você tem uma espada, ou uma besta, você já é mais rico do que uns 80% da população de qualquer lugar. Não se rebaixe por ninharias.

Como fazer um ladino não-ladrão?

Mais do que um ladrão, um ladino é um especialista. Mas especialista em quê? No que ele quiser, afinal ele tem pontos de perícia suficiente para isso.

Pense em todos os filmes de guerra que você já viu. Filmes onde os soldados precisam levar algum especialista junto, por que a missão exige um conhecimento ou habilidade específica. Um ladino pode ocupar qualquer uma dessas tarefas (a menos que a especialidade seja magia, nesse caso vão chamar um mago mesmo.).

Alguns Exemplos:

 

 

Armadilheiro: É o mais clássico, “vamos invadir uma masmorra e podem ter armadilhas, chamem um especialista”. O importante, e que tem que ficar claro aqui, é que a perícia de desarmar armadilhas, não vem junto com a perícia de roubar bolsas. Não precisa ser um ladrão para isso, você pode fazer parte de uma guilda de engenheiros, que trabalha para o reino. Então você quer viajar o mundo desarmando armadilhas justamente para aprender mais e ser capaz de criar mecanismos melhores. Pode ser interessante.

Batedor: Toda tropa móvel tem batedores, aqueles cavaleiros mais ágeis que vão à frente para ver a movimentação dos inimigos. Um ladino pode ser excelente nessa função em cenários de guerra. Ou pode ter sido um batedor que ficou sem trabalho depois que a guerra acabou, por exemplo. Converse com seu mestre, é possível que você tenha treinamento militar e ele te deixe usar alguns equipamentos de guerreiro, ou algo do tipo. Um ladino treinado pelo exército pode ser algo interessante de interpretar.

Espião: Espionagem só é crime quando é contra o seu país. Contra a nação “inimiga”, é um trabalho honesto à serviço de sua majestade. Ninguém se lembra, mas disfarce é uma perícia de ladino, assim como obter informação, blefar e sentir motivação.

Investigador: Por mais que uma cidade tenha uma guarda, não são os guerreiros quem vão descobrir os crimes que ocorrem na cidade. Existe um especialista que vai fazer essa função. Intimidar, Diplomacia, Avaliação e Conhecimento (Local), também são perícias do ladino.

Tradutor: Outra perícia que pouca gente usa é a perícia de Decifrar Escrita, o que permite que o Ladino seja um tradutor de textos antigos em masmorras. Em mundos onde a magia é escassa e os Magos foram banidos, por qualquer motivo que seja, só o ladino pode identificar antigos itens mágicos de tempos antigos. A perícia Usar Instrumento Mágico permite que o Especialista possa usar qualquer tipo de item mágico, seja arcano ou divino.

Guerrilheiro Urbano: A parte mais difícil de manter controle sobre uma cidade com um exército é a guerrilha urbana. Pessoas que estão em guerra contra os seus soldados, mas não se comportam como uma tropa regular. Pessoas que conhecem a cidade e se movem rapidamente, hora lutando, hora se passando por cidadão comum. Um guerrilheiro urbano (que pode ser um terrorista rebelde ou um guerreiro da liberdade, depende de quem está contando a história), precisa ser ágil, dissimulado e capaz de desaparecer na cidade. Um ladino é melhor nisso do que qualquer guerreiro.

Em Resumo

As vezes você vai ter que jogar de ladino por que todo grupo precisa de um. Mas isso não significa que você precise ser um fora da lei que corre atrás de moedas como um cachorro corre atrás de uma bola. Essa classe permite muito mais do que isso.

Não tenha medo de ser criativo.

 

 

Então esse foi o meu primeiro texto aqui.
Deixe sua opinião aqui nos comentários.
Espero estar de volta na semana que vem.

Resenha 3D&T Alpha

“Não há tabelas de armas. 3D&T nunca terá tabelas de armas. De jeito nenhum.” – Marcelo Cassaro na introdução do Manual 3D&T Alpha – Versão Revisada.

Tenho certeza que muitos RPGistas veteranos torceram o nariz imediatamente ao ler a frase acima, mas sejamos sinceros: se você alguma vez já tentou jogar RPG com um completo iniciante usando sistemas considerados clássicos, deve ter gastado mais tempo respondendo perguntas como “o que é uma klaive”, “o que significa 18-20/x2” ou “onde eu anoto a penalidade do meu colete kevlar” do que jogando de fato.

Afirmo, sem medo de errar, que 3D&T – acrônimo meio zoado para Defensores de Tóquio 3ª Edição – é o melhor sistema para introduzir um novo jogador ao RPG (seguido pelo FAE, mas aí já é outro review). O sistema é simples e dinâmico e a criação de personagens é extremamente rápida, principalmente se o mestre der uma forcinha na hora de escolher Vantagens e Desvantagens.

Jogadores veteranos que derem uma chance ao sistema vão encontrar um sistema narrativo extremamente sólido, com mecânicas que podem gerar ótimas oportunidades de interpretação, principalmente pra quem tem interesse naqueles momentos super dramáticos de obras como Fullmetal Alchemist ou Scott Pilgrim.

Para que esta resenha não fique muito extensa, vou tentar separar os pontos fortes e fracos do sistema em tópicos:

Pontos Fortes

• Regras acessíveis e dinâmicas – Role um dado para atacar, um dado para defender e um dado para resolver qualquer outro tipo de ação. Um jogador iniciante consegue aprender isso em poucos minutos, enquanto um jogador veterano vai levar, literalmente, segundos para entender o sistema. Além disso, é muito fácil para o mestre improvisar regras novas ou criar estatísticas do nada quando seus jogadores tomam um rumo inesperado durante a aventura.

• Solidez e equilíbrio – Apesar da simplicidade, 3D&T é um sistema equilibrado e com poucos furos a serem explorados por aqueles jogadores chatos que querem se sobressair às custas da diversão dos outros.

• d6 – 3D&T usa apenas dados comuns de seis faces para jogar. Isso não costuma ser um grande empecilho em cidades grandes e capitais, mas em vários pontos do Brasil ainda é relativamente difícil achar dados multifacetados.

• Construção de personagens rápida e descomplicada – Um dos maiores problemas que eu costumo enfrentar ao introduzir novos jogadores usando jogos como Mundo das Trevas ou D&D é que a construção de personagens é tão demorada que o iniciante muitas vezes já perdeu a empolgação ao terminar de fazer a ficha. 3D&T usa poucos pontos, permitindo ao mestre e aos jogadores iniciarem a partida quase que imediatamente.

• Versatilidade – Por ser um sistema genérico, 3D&T pode ser facilmente adaptado para qualquer tipo de cenário, desde lutas colossais como em Dragon Ball Z e One Punch Man até aventuras mais modestas na pegada de Stranger Things. O sistema é simples o suficiente para que o mestre faça modificações sem muita dor de cabeça, contando inclusive com um suplemento totalmente voltado para este tema, o Manual do Defensor.

• Cenários diferenciados – 3D&T tem três cenários oficiais muito diferentes entre si, reforçando a versatilidade do jogo: Tormenta Alpha (o mundo de fantasia mais querido do Brasil em sua versão anime-chuta-baldes), Brigada Ligeira Estelar (uma cruza entre Space Opera, Mechas e espionagem, no melhor estilo Gundam Wing ou Code Geass) e Mega City (uma gigantesca cidade que une 4 outros mini-cenários: Super Mega City, com super-heróis; O Torneio das Sombras, com lutadores ao estilo Street Fighter e Final Fight; Megadroide, com robôs ao estilo Megaman e, por último, Crônicas de Nova Memphis, com anjos, demônios e vampiros na pegada dos jogos do fim dos anos 90 com temas apocalípticos e sobrenaturais).

• Drama e narrativa – Sabe aqueles momentos épicos de anime em que o herói desperta o Sétimo Sentido ou vira Super-Sayajin? Então, 3D&T é feito para isso!

• Opções infinitas – Pense no personagem mais louco que você consegue imaginar. Pensou? Dá pra montar em 3D&T.

• Gratuito – Precisa dizer mais? É só baixar o PDF no site da Jambô.

• Sem tabela de armas – Sério, quem precisa delas?

Pontos Fracos

• Excesso de termos estrangeiros – Sei que é chatice da minha parte, mas o uso excessivo de termos em japonês ao longo do manual é um tanto incômodo, a ponto do livro apresentar um glossário no capítulo inicial. Palavras como Kemono, Ningen e Youkai poderiam facilmente ser trocados por termos em português, principalmente em um jogo que visa introduzir iniciantes ao RPG.

• Resolução de conflitos muito voltada para o combate – Isso não chega a ser um grande problema para grupos que gostam de usar a inteligência dos jogadores e o roleplay como forma de resolução de conflitos, mas pode atrapalhar os iniciantes mais tímidos. De qualquer forma, o suplemento Manual do Defensor oferece alternativas para isso.

• Liberdade demais – A versatilidade é um dos pontos mais fortes do sistema, mas talvez seja preciso acertar os ponteiros entre o mestre e todos os jogadores antes de começar a jogar para evitar o cara que insiste no “eu tenho PdF5 e uma pistola d’água” em uma campanha de Dark Fantasy, por exemplo.

• Sem tabela de armas – Bom, tem quem goste, né?

Com ou sem tabela de armas, 3D&T é um sistema roubusto, dinâmico, e simples o suficiente para que jogadores iniciantes sejam introduzidos ao RPG sem dificuldade. Marcelo Cassaro, seu autor, sempre viu o sistema como uma porta de entrada para RPGistas novatos, que depois de conhecer o hobby migrariam, naturalmente, para jogos mais complexos como D&D ou Mundo das Trevas. Eu, humildemente, tendo a discordar do autor aqui. 3D&T tem características únicas e um sabor especial que tornam ele diferente de qualquer outro RPG, e a boa quantidade de suplementos pode agradar a iniciantes e veteranos.

Bom jogo a todos!

Baixe o Manual 3D&T Alpha — Edição Revisada clicando aqui.

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