Space Dragon – Guia de Criação de Mundos

Uma das coisas mais legais de campanhas de ficção científica vintage é a possibilidade de explorar planetas estranhos com lógica duvidosa. Uma das coisas mais legais dos RPGs oldschool são as tabelas de coisas aleatórias. Space Dragon conseguiu unir essas duas coisas de um jeito bem legal. Vamos falar um pouco sobre isso.

Flutuando em uma lata de estanho

As regras para criação de planetas começam na página 193. São várias tabelas que podem dar uma grande variedade de resultados. Vamos passar por cada uma delas enquanto criamos um planeta de exemplo.

T11-5: Superfícies

A primeira tabela descreve aspectos bem gerais, incluindo descrições da fauna, flora e temperatura padrão, porém, fauna e flora também podem ser jogadas separadamente depois. Vamos usar as duas: a desta tabela será uma visão geral do planeta, enquanto a próxima será a região específica onde a tripulação irá pousar.

Rolamos 4 no nosso d10. Isso nos dá um planeta com superfície vulcânica, com répteis habitando o lugar, líquens como opção de alimentação padrão para estas criaturas e temperatura altíssima.

Outro método para criar mundos alienígenas legais é tentar descrever qualquer ilustração do Roger Dean.

T11-6: Atmosfera

A atmosfera pode ser ou não respirável e gerar efeitos colaterais prejudiciais para uma população despreparada, principalmente se eles foram obrigados a fazer um pouso forçado. É importante lembrar que, mesmo se rolarmos aqui uma atmosfera imprópria,  precisamos encontrar uma justificativa para a presença das criaturas que já estão no nosso planeta, como bolsões de ar respirável, cavernas habitáveis ou algo assim.

Com resultado 1 em 1d10, tivemos a sorte (ou melhor: os jogadores tiveram) de ter uma atmosfera padrão, com ar respirável. Também não precisamos nos desdobrar para conseguir explicar resultados muito bizarros ou discrepantes, que sempre pode ser complicado se estivermos fazendo isso no meio da sessão.

T11-7: Fauna

A tabela T11-5 nos deu uma visão geral do nosso planeta, mas aqui vamos conseguir algo mais específico para a região onde a nave dos jogadores pousou. Isso pode ajudar a trazer diversidade para o planeta, principalmente se você caprichar na descrição.

Dessa vez, os dados nos trolam, e com resultado 1 em 1d6, temos um maravilhoso grupo de mamíferos terrestres! Em um planeta vulcânico extremamente quente! Bom… no nosso planeta, camelos e jerboas são exemplos de mamíferos que conseguem tolerar boas quantidades de calor. Então, teremos aqui um grupo de ratinhos parecidos com jerboas que são implacavelmente caçados pelos lagartos grandões que dominam o lugar.

T11-8: Flora

A flora padrão do planeta são líquens, mas, como definido anteriormente, vamos usar essa tabela para tentar conseguir alguma diversidade para nosso planeta, com biomas diferenciados para a região onde o grupo de personagens se encontra. Novamente, capriche na descrição.

E, claro, os dados nos trolam novamente com um 6. Flora predominante inexistente. Já definimos que os lagartões caçam os ratinhos, mas os ratinhos comem o quê? Vamos usar nossa criatividade e poder de mestre para botar mais um passo nessa cadeia alimentar: Há vários insetos que se alimentam dos líquens que crescem na superfície rochosa do nosso planeta vulcânico. Esses insetos vão servir de alimento para nossos ratinhos e ajudar a dar uma diversidade para esse ecossistema bizarro.

Até agora, nosso planeta é praticamente um cenário de tokusatsu.

T11-9: Sociedade

A cereja do bolo: aqui definimos os habitantes inteligentes que nossos aventureiros espaciais vão encontrar. A tabela não nos dá raças ou espécies humanoides, apenas a forma básica de organização social. Podemos escolher uma raça alienígena que combina com as características do planeta que criamos até agora.

Naturalmente, homens-lagarto combinam bem com o cenário. Então, os repto-sapiens da página 220 serão nossa raça básica. Claro que poderíamos usar qualquer outra ou até inventar uma. Com 1 em 1d8, descobrimos que eles se organizam em uma monarquia. Teremos um grande rei-lagarto no centro da sociedade. Essa é a parte mais legal de inventar, e possivelmente é onde os PJs mais vão gastar seu tempo.

Nosso planeta terá uma monarquia religiosa, onde um sacerdote serve de porta voz para um lagarto gigante que serve como rei. O lagarto gigante possui mente e vontade próprias, mas se comunica apenas com o sacerdote.

Os outros homens e mulheres-lagarto trabalham cultivando líquen e criando répteis e outros animais que servem como a base do sustento da sociedade. Eles conseguem minerar e forjar metal, mas a base de sua tecnologia é a rocha vulcânica, que aprenderam a moldar em grandes estruturas.

Nome e Descrição

O livro sugere um nome pseudocientífico baseado na nossa rolagem: HL-41161. Por outro lado, os homens-lagarto que habitam o lugar certamente possuem língua própria e nomes mais naturais para as coisas que estão ao seu redor. Esse ponto se resume a aparar as arestas usando seu poder de mestre e preencher os detalhes que faltam. Você também pode usar o que foi sorteado até aqui para criar uma tabela de encontros aleatórios. Algumas sugestões que estão no livro básico: aranha gigante, crocossauro (com alguma mudança de descrição para adaptar ao ambiente rochoso), dragão venusiano, formigácida, gigantossauro, homem-lagarto (para grupos de bandidos errantes), lagarto do deserto e monstro de lava.

Vocês finalmente chegam ao planeta HL-41161, também conhecido como Planeta Arktar por seus habitantes. Segundo o computador de bordo, o rei Arktar é um lagarto-gigante centenário que só se comunica com seu sacerdote, Okdar. Mesmo assim, a população confia nos religiosos e segue sua vida em paz. O ambiente vulcânico é hostil, por isso a maioria dos repto-sapiens vive em cavernas, onde constroem incríveis cidades usando rocha vulcânica, que aprenderam a trabalhar enquanto ainda está quente, criando uma arquitetura única. Eles sobem à superfície apenas para trabalhar em suas fazendas durante a noite, quando o clima é mais ameno. Eles criam grandes lagartos para tração animal, bem como mamíferos menores e insetos para servir de comida. 

Fun fact: eu uso o rolador de dados do Google enquanto escrevo esses tutoriais.
Fiz a mesma coisa no Guia de Criação de Personagens.

Por fim

Criar mundos únicos para Space Dragon parece desafiador a princípio, mas é mais simples e divertido do que parece. Algumas referências científicas sem dúvida podem ajudar, mas não precisa ser uma grande preocupação, já que a maior referência são aqueles ficções científicas meio galhofentas dos anos 50 e 60. Se você leu até aqui e ainda não sabe do que estamos falando, veja a página oficial ou nossa resenha.

Bom jogo a todos!

Space Dragon – Resenha

Space Dragon, escrito por Igor Moreno e publicado pela Buró, é um jogo-irmão de Old Dragon, no sentido que ambos compartilham o sistema de regras e têm um forte apelo oldschool. Mais do que isso: Space Dragon traz um sabor retrofuturista muito interessante, trazendo à mente referências como Flash Gordon, Space Ghost e até Herculóides!

D&D Old Dragon no Espaço

A ideia de pegar um cenário de fantasia e jogar pro espaço não é nova. AD&D teve Spelljammer, Pathfinder teve seu Starfinder e até Tormenta teve sua versão de exploração espacial no suplemento Mundo dos Deuses, onde os planos divinos formam um sistema planetário (mais tarde meio que oficializado na campanha da Twitch Guilda do Macaco).

O grande diferencial do Space Dragon, contudo, é justamente unir esse apelo retrofuturista (mais especificamente, essa sub-estética do retrofuturismo conhecida como Raygun Gothic) com um sistema simples e elegante como o de Old Dragon, que desafia mais para a criatividade e esperteza dos jogadores do que as fichas de seus personagens.

Capacetes redondos e armas de raio que fazem “bzíum” fazem parte do clima.

Sistema

Quem está familiarizado com Old Dragon não vai se surpreender muito. O sistema de regras é baseado em Old Dragon e traz para o Space a essência OSR. O básico do sistema d20 continua funcionando normalmente aqui: para atacar, você rola 1d20, soma alguns modificadores e precisa vencer a defesa do adversário.

Atacar? E as outras coisas? Bom, quem está familiarizado com sistemas OSR já sabe que não existem muitas outras coisas nas regras além disso, mas isso não é um defeito: é uma característica. Para fazer qualquer outra coisa, você simplesmente descreve o que seu personagem vai tentar. Quer se esconder do alienígena? Nada de “eu rolo furtividade”. É mais para “tem alguma pedra ou máquina por perto que eu possa usar para me esconder?”. Em geral, esse diálogo entre jogador e mestre é suficiente para avançar a história. Se você precisa mesmo fazer uma rolagem, jogue 1d20 e tente tirar um número menor que seu atributo.

Classes

As principais classes do Old Dragon (e do D&D clássico) estão representadas aqui: Cosmonauta (Guerreiro), Gatuno (Ladino), Cientista (Clérigo) e Mentálico (Mago). Cosmonautas e Gatunos funcionam de um jeito muito parecido com suas contrapartes medievais. Mentálicos possuem certa flexibilidade se comparado com os Magos, já que seu limite diário de magia não é representado pelos famosos círculos de magia, e sim pelo Alcance Mental, que funciona mais ou menos como PMs de RPGs eletrônicos. Cientistas, por sua vez, não usam magia como os clérigos, mas fazem inventos, que requerem um pouco mais de tempo. Contudo, possuem uma habilidade análoga ao famoso Expulsar Mortos-vivos dos clérigos chamada Desativar Robôs (mas precisam construir um invento chamado Disruptor Positrônico antes).

Além disso, há também regras para naves, veículos e combates espaciais. Não podia faltar.

Se você quer fazer alguma coisa em Space Dragon, descreva. Os dados não vão salvar você.

Cenário

O cenário em Space Dragon não é profundamente descrito, mas sim sugerido através das raças, criaturas e outros elementos apresentados. A ideia é que o mestre construa seus próprios planetas, sociedades, guildas, missões e etc. No melhor espírito oldschool, temos tabelas para gerar planetas e relíquias tecnológicas aleatoriamente – algo muito divertido!

As raças disponíveis para os jogadores são apenas três: Humano, Androide e Mutante. Mutante é a mais flexível de todas, com mutações sorteadas aleatoriamente em tabelas. Por outro lado, há várias raças alienígenas no bestiário, como Zorks (sim, são Orcs com “Z” na frente, e daí?), Xhenianos, homens-lagarto e outros. Há também dragões planetários e toda sorte de monstros esquisitos para o mestre povoar os planetas que inventar.

Nas capas internas há um mapa espacial com algumas localizações com nomes como Colônias Lunares ou Minas de Jóias de Zentarr, mas não há descrição desses locais no livro. São apenas sugestões evocativas para que o grupo preencha com sua imaginação.

“O mutante cosplay de Han Solo vai na frente com os três robôs. Eu vou… hã… buscar uma coisa na nave.”

Por Fim

Space Dragon é um RPG interessante, descontraído, com um sabor diferente dos outros RPGs espaciais do mercado. O efeito nostalgia parece ter apelo pra galera da minha geração, nascida no final da década de 80 (também conhecidos como Millenials ou “bando de véio paia”), mas acredito que o jogo vai além disso. O fato de não ser uma ficção científica “hard” dá ao grupo a liberdade de ter sessões despretensiosas e descontraídas, sem se preocupar necessariamente com a velocidade de dobra especial de cada nave. No site da Buró há uma versão fastplay gratuita para download, bem como outros materiais e aventuras.

E não esqueça de ver também nossa campanha de Old Dragon 2.

Bom jogo a todos!

Scum and Villainy – Resenha

Scum and Villainy é o terceiro e último jogo lançado pela Buró através do financiamento coletivo dos títulos Forged in the Dark. Quer dizer, os três jogos foram lançados simultaneamente, ele é apenas o último e estou resenhando. As resenhas de Blades in the Dark e Band of Blades podem facilmente ser encontradas aqui no site.

Mas o que diferencia S&V dos outros títulos? Bom, times de contrabandistas e aventureiros deslocando mercadorias escusas pelo espaço é uma boa imagem mental para começar.

Blades no Espaço

Vamos ser francos e diretos: Não dá pra ler Scum and Villainy sem ficar constantemente lembrando do Han Solo e de todo esse lado marginal do Star Wars. Praticamente todas as sugestões de missões e personagens envolvem algum lado desse tema do contrabandista espacial. O jogo bebe muito do Blades in the Dark, sendo praticamente um Blades no espaço! Então, se você conhece ou curtiu o primeiro, não tem erro.

Assim como Blades in the Dark tinha o grupo como uma espécie de meta-personagem, em Scum temos uma nave. É a sua chance de criar algo icônico como a Millenium Falcon, personalizando-a com módulos e instalações do seu gosto. Também temos aqui a obrigatória lista de facções rivais, assim como geradores aleatórios de trabalhos e missões (com exemplos muito diretos e fáceis de entender).

A arte de S&V é muito parecida com a de Band of Blades. É charmosa, mas não tão legal quanto a do Blades in the Dark.

Cenário

De todos os jogos Forged in the Dark, confesso que o Scum foi o menos atraente em termos de cenário, na minha opinião. Blades in the Dark e Band of Blades têm cenários muito únicos e cheios de personalidade. S&V têm certa personalidade, mas tem muito mais espaço para ser preenchido pelo mestre, até pelo escopo grandioso comparado aos outros dois.

Mas isso não quer dizer que não tenham coisas legais no cenário de S&V. Há um lado místico muito presente no cenário, chamado simplesmente de “O Caminho”. O Caminho pode comportar desde personagens e NPCs estilo Jedi até ordens estranhas e ocultas como as Bene Gesserit de Duna. Narradores criativos certamente podem explorar bastante as ordens místicas e trazer algo muito único para sua versão do Setor Procyon.

A tecnologia e as raças alienígenas são vagamente descritas e amplamente customizáveis, sendo fácil inserir qualquer elemento que o mestre imagine para seu jogo. Por um lado, é ótimo para incorporar as ideias mais loucas e criativas que os jogadores tiverem. Por outro lado, dá um pouco mais de trabalho para o narrador bolar descrições e ganchos no seu jogo.

Confesso que as ordens místicas são minha parte favorita do cenário.

Sistema

O sistema é exatamente o mesmo dos jogos anteriores. Algumas adições pontuais são regras para consertar sua nave durante a folga e regras para criar seus próprios equipamentos tecnológicos. As descrições são vagas e flexíveis, mas funcionam bem em termos de regras. Um adendo muito interessante é permitir ao narrador adicionar pequenas desvantagens às máquinas criadas pelos jogadores como forma de reduzir o custo de montagem.

No mais, o sistema pode ser conferido usando a SRD gratuita em português do Blades in the Dark. Vale dizer que demora um pouco para se acostumar, mas é bem recompensador.

“E se a gente parar de fazer naves e começar a construir podracers?”
“Sai da minha frente.”

Por Fim

Se você gosta dessa premissa, golpistas e trambiqueiros espaciais tentando se dar bem, Scum and Villainy é um jogo feito para você. Mesmo se esse não for seu gênero favorito, qualquer jogo da série Forged in the Dark apresenta cenários interessantes e regras muito legais pra quem curte um jogo narrativo, empolgante e que corta direto para a ação.

E não se esqueça de checar também o projeto BagDex!

Abraço e bom jogo!

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