Falar dos Brujah é falar de política. Um clã de filósofos e ativistas marcado pela maldição da fúria tem um potencial imenso para roleplay quando bem jogado. Para isso, precisamos arranhar um pouco o verniz de punks valentões e mergulhar em tudo o que este clã tem a oferecer.
Movimento
Se há uma coisa que pode ser utilizado como base para definir o clã, é o inconformismo. Do jovem ambientalista iconoclasta até o acadêmico idealista citando Sartre, há um desejo de mudança, de deixar para trás o status quo e abraçar o potencial de uma nova era. Das discussões filosóficas nas praças de Atenas até a Revolução Russa e a ascensão do comunismo no mundo durante o século XX, passando pelo paraíso cainita em Cartago e pelos Estados Livres Anarquistas, fazer a roda girar é a potência do clã. Estar parado é morte. Esta sede por mudanças foi o que fez os Brujah, juntamente com outros seis clãs, fundarem a Camarilla. Também foi o que levou-os a abandoná-la depois.
É importante entender que, apesar de sua maldição, os Brujah são, fundamentalmente, um clã de filósofos. Existe dentro do clã a distinção entre Idealistas e Iconoclastas, sendo os primeiros os mais preocupados com a parte ideológica e intelectual e os últimos a massa de manobra composta, principalmente, por vampiros mais jovens e mais impressionáveis. Ainda assim, por mais que um neófito impulsivo possa abraçar uma causa apenas para justificar seus atos de violência, provavelmente ele terá total convicção sobre aquilo que está fazendo.
O que quero dizer é que, ainda que brujahs mais violentos possam abraçar práticas de grupos como FARC, IRA, ETA ou Baader-Meinhof, eles provavelmente o farão fundamentados na ideologia de pensadores ou filósofos do clã – mesmo que corra o risco de ser uma versão diluída e maquiada do seu verdadeiro significado.
“A história da sociedade cainita é a história da luta de classes!”
Política: Humanidade x Cainitas
Embora seja possível traçar paralelos entre movimentos políticos humanos com as causas Brujah, existe uma distinção clara entre a sociedade mortal e a sociedade vampírica. É perfeitamente possível que um brujah anarquista seja extremamente radical contra o domínio dos anciões sobre os neófitos mas não veja problema em escravizar mortais.
Conforme a humanidade de um brujah diminui, esta distinção fica cada vez mais intensa. Cartago, o paraíso cainita fundado pelos Brujah, muitas vezes é descrita por outros matusaléns como um lugar de cultos de sangue e sacrifícios onde os seres humanos viviam aterrorizados.
“Bons tempos.”
Filosofia & Fúria
A parte mais difícil de interpretar um brujah é justamente manter este equilíbrio entre estas duas coisas. Pode parecer contraintuitivo imaginá-las caminhando juntas, mas lembre-se que a determinação e a fé em uma ideia, somadas à indignação perante o status quo da sociedade são motivadores poderosos para despertar motivações inflamadas para seu personagem.
Temos na ficção alguns exemplos bem interessantes para ilustrar esta ideia. Em V de Vingança um anarco-terrorista explode o Old Bailey como parte de sua luta contra um governo fascista, enquanto Clube da Luta(SPOILER) nos mostra a ascensão de um grupo terrorista que se envolve em atos de subversão e violência anticorporativistas e anticapitalistas. Mas um exemplo bem interessante é o capitão James Flint, de Black Sails, um pirata que nutre um ódio ardente e violento contra o Império Britânico. Um dos personagens mais complexos e fascinantes que já vi numa série de TV.
Sério, esse cara é totalmente um Brujah.
Filósofos, pensadores e ativistas, os Brujah são um clã fascinante com um potencial imenso para interpretação. Abrace a fúria dos Reis-filósofos!
Afirmo, sem muito medo de errar, que o clã Toreador é o mais incompreendido entre os clãs da Camarilla. Chega a ser triste vê-los reduzidos a mulheres hipersexualizadas e homens afeminados. Hoje vamos tentar destrinchar um pouco melhor aqueles que são os mais humanos entre todos os vampiros.
Hedonismo
Em praticamente todas as edições, uma das principais características do clã sempre foi sua relação com a arte e a beleza. A essência dos Toreador está tão entrelaçada com a busca pela beleza que eles sofrem fisicamente (e mecanicamente) em sua ausência. É fácil reduzir isso a uma simples obsessão luxuriosa por bens materiais e belas companhias, mas a experiência estética de um toreador pode ser muito mais abrangente do que isso.
Toda subcultura é ligada por uma experiência estética, e ninguém entende isso melhor que os Toreador. Desde as roupas pretas cheias de tachinhas e spikes dos metaleiros até as fantasias elaboradas dos cosplayers, tudo isso pode ser absorvido e transformado pelo olhar de um toreador. Além disso, é natural também projetar sua visão artística em experiências ditas mundanas. Um toreador pode assistir um humano preparar uma xícara de chá – que pode ser tanto uma jovem maiko em uma intrincada cerimônia japonesa quanto um designer acordado de madrugada preparando um chá verde para ficar acordado e cumprir sua deadline – e extrair um profundo significado filosófico e estético dessa experiência. Toreadores com a Humanidade já desgastada podem extrair o mesmo tipo de prazer de uma sessão de tortura ou até mesmo de um homicídio.
Alguns só querem curtir a não-vida mesmo, certo, srta. Anabelle?
Empatia
Os Toreador, sendo o mais social dos clãs, têm potencial para tornarem-se aliados quase naturais de qualquer outro. Isso se reflete na escolha de suas disciplinas – Presença e Auspicius – mas também na própria compreensão estética que define quem está à sua volta. Desde teorizar com o malkaviano sobre como a metanarrativa pós-moderna de Monty Phyton influenciou Deadpool, até montar uma banda punk com o brujah. O importante é que além de pensar em riffs furiosos para as letras contra o poder estabelecido, o toreador também estará pensando em como inflamar os sentimentos do neófito ventrue que está frustrado com a impossibilidade de crescer dentro da rígida hierarquia do clã.
Se os Ventrue são a espinha dorsal da Camarilla, os Toreador são o coração. E isso só é possível por conta dessa versatilidade. Um Toreador consegue transitar entre praticamente todas as situações sociais, passando por reuniões sindicais dos Brujah, reuniões empresariais dos Ventrue, rituais herméticos dos Tremere e o que mais for necessário (contudo, entrar no esgoto para encontrar o primigênie nosferatu talvez esteja um pouco fora dos limites do aceitável para o toreador médio).
Esta capacidade de empatia, somado ao ímpeto de vivenciar novas experiências são o grande fio condutor quando se está interpretando um toreador. Isso nos leva para o próximo ponto.
Sexo e a experiência humana
Escrevi no começo do texto que os Toreador são os mais humanos entre os vampiros. Isso não significa um nível alto em Humanidade, mas sim a busca pela experiência humana. A busca por sensações, emoções e prazer que despertem uma fagulha de vida no coração inerte incitam no toreador uma tendência de envolver-se emocionalmente – e fisicamente – com seres humanos (e até outros vampiros) à sua volta. O nível de Humanidade pode até cair, mas a busca pela sensação e pela experiência só aumenta com o passar dos séculos, transformando-se em desejos de domínio, controle e até violência física e psicológica.
Lestat é o Toreador prototípico, mas, infelizmente, muita gente só entende a superfície disso.
Arte e Transgressão
Para mim, o ponto mais incompreendido do clã é a relação com a arte enquanto força transgressora. Em muitos aspectos, isso depende da idade do vampiro e da relação com a arte na sociedade que ele viveu. É natural que um ancião florentino abraçado no século XIV torça o nariz para um Banksy, mas a grande maioria dos toreadores abraçados recentemente (isto é, do século XIX em diante), tenha consciência do papel dos movimentos artísticos na desconstrução de certos paradigmas sociais.
O ponto é que muitas vezes os Toreador são retratados como caretões que ficam ouvindo Bach e apreciando um Tintorettopendurado no saguão do seu museu particular, mas provavelmente eles também estavam atrás dos movimentos de vanguarda que chocaram a sociedade a seu tempo, do impressionismo de Monet, passando pela música experimental de John Cage até o ativismo controverso de Ai Weiwei.
Ultrajante! Que tipo de arte degenerada esses impressionistas andam fazendo!?
De aristocratas elegantes até artistas engajados, a paleta de possibilidades dos Toreador é imensa! Esqueça os estereótipos e abrace a diversidade que este clã oferece.
Algumas pessoas dizem que os Malkavianos são o clã mais difícil de se interpretar direito. Loucos, voláteis e, esquisitos, interpretar um malkaviano é sair da sua zona de conforto. Mesmo assim escolhi-os para dar início à nossa série sobre os Clãs de Vampiro: A Máscara por um simples motivo. É meu clã favorito.
Loucura
“O sangue amaldiçoado do clã poluiu suas mentes de forma que todos os Malkavianos do mundo são irremediavelmente insanos”. Esta trecho está no início da descrição do clã na saudosa versão Revisada (ou, como alguns chamam, 3ª Edição). Agora feche os olhos e pense num personagem insano da cultura pop. Pensou? Certo, agora pense em um que não é o Coringa.
Na humilde opinião deste que vos escreve, a dita loucura de um malkaviano NÃO é, necessariamente, o que define o personagem. Claro que temos personagens bem legais na ficção que são definidos por alguma condição mental, como Leonard Shelby de Amnésia, mas vamos tentar analisar a mente Malkaviana por um viés diferente desta vez.
Malkavianos não são burros. Eles sabem que são amaldiçoados, e mais do que isso: eles sabem do estigma que o clã sofre. É perfeitamente natural que um malkaviano tenha plena consciência da sua condição, a questão é como isso afeta a visão e as ações dele perante a sociedade vampírica.
Um exemplo bem legal é o filme Don Juan DeMarco (SPOILER). Don Juan é plenamente consciente do ambiente à sua volta. Ele sabe que está num sanatório, mas opta por manter, para si mesmo e para os outros, a ilusão de que é um herói mascarado.
A maldição do sangue é uma vulnerabilidade. Um malkaviano inteligente fará o que puder para escondê-la, e fingir-se de louco – uma loucura diferente da sua maldição verdadeira, digamos assim – é uma maneira singular de manipular as coisas a seu favor.
Manipular coisas a seu favor, você disse?
Outros Caminhos da Loucura
Outro caminho possível é o malkaviano que procura disfarçar completamente sua loucura ou mesmo negar a natureza da própria maldição, talvez até fingindo ser membro de outro clã. Construir este tipo de personagem requer certa sutileza, buscando tiques e detalhes que façam vir à tona a maldição malkaviana sem entregar o jogo logo de cara.
“Certo”, você diz. “Mas e o Coringa?”
Um malkaviano “estilo Coringa”, se você quiser chamar assim, é o personagem que abraça a própria insanidade. É o malkaviano que teve seu mundo completamente destruído pelo Abraço e agora ele usa a maldição como uma espécie de vingança contra tudo e contra todos. Este tipo de personagem geralmente desceu alguns degraus em seu marcador de humanidade, ou até mesmo abraçou uma trilha. É o tipo de personagem que age como uma força da natureza, desenterrando tudo o que há de podre na sociedade a seu redor e vomitando de volta.
Interpretar este tipo de personagem é sempre um desafio. É muito fácil pender mais pro lado do “Fishmalk” (leia abaixo) do que de um Hannibal. Também é o tipo de personagem que precisa de uma boa conversa com o grupo para se ajustar à crônica antes de começar, pois um comportamento completamente errático e caótico pode facilmente atrapalhar a diversão de todo mundo. Quando bem utilizado, contudo, é certamente uma experiência inesquecível.
Se você conhece esta imagem, sabe do que eu estou falando.
Profecia
Um aspecto por vezes negligenciado é a faceta profética dos Malkavianos. Isto é, inclusive, bem representado pelos poderes disponíveis, como Auspícius ou Demência, ou mesmo a famosa Rede. Mesmo que o malkaviano não assuma a figura de oráculo ou profeta, externalizar essas visões ou rompantes acaba tornando-se parte da identidade do vampiro. Religiosos fiéis, políticos alarmistas, artistas atormentados (sim, nem todos os artistas do mundo são Toreador), cientistas e estudiosos que perseguem algum tipo de verdade são apenas alguns exemplos de como um vampiro poderia canalizar as habilidades proféticas do clã.
Malkavianos costumam ser os mais sábios dentre os vampiros. Eles são os únicos que enxergam a verdade inegável – que o Mundo é que está louco – e recusam-se a simplesmente aceitar que “as coisas são como são”..
Incorporar o estereótipo do malkavian sábio é essencial – é o que dá aquele tempero especial no personagem. Não precisa ser um sábio “certinho”, tipo “mestre no topo da montanha” (embora funcione, pois malkavianos vêm em todas as formas e sabores). A comediante stand-up que vai presa por atacar figuras públicas, o filósofo ácido que invade livrarias e queima os próprios livros para protestar contra o Capitalismo, o mendigo que recusa dinheiro como forma de demonstrar seu ponto de vista podem funcionar dentro do estereótipo de sábio tão bem quanto o menestrel ou a conselheira do Príncipe.
Put down that fish, Malk.
É muito fácil interpretar mal um malkaviano. Aquele estereótipo do louco bobinho, alívio cômico, que fica fazendo piadas e pregando peças pelo simples prazer de atazanar a não-vida dos colegas é conhecido como Fishmalk. É o tipo de personagem que, cedo ou tarde, vai acabar estragando a sessão e a diversão do grupo todo.
A melhor maneira de evitar um fishmalk é levar a loucura a sério, pelo menos um pouco. Pode ser tentador olhar um estereótipo de “louco fofinho” como a Harlequina, fazendo piadinhas sobre vozes na cabeça e tentar emular a maldição do sangue malkaviano baseando-se apenas nisso, mas ao olhar alguns dos transtornos associados à personagem, como Transtorno de Personalidade Dependente, Transtorno Bipolar e Transtorno de Estresse Pós-traumático, a coisa deixa de ser tão engraçada.
Sim, a história da Harlequina está longe de ser bonitinha.
Uma questão importante – transtornos mentais durante a sessão
É bom frisar que algumas pessoas podem não se sentir à vontade retratando transtornos mentais em jogo. Existem pessoas que precisam lidar com esse tipo de coisa na vida real, então um mínimo de sensibilidade e empatia é fundamental quando o grupo estiver construindo os personagens. Nestes casos, as dica dada na primeira parte deste texto tornam-se ainda mais valiosas. Vale a pena reduzir a insanidade “real” do seu personagem a uma mera penalidade mecânica para preservar o bem-estar do resto do grupo.
A quinta edição de Vampiro: A Máscara tem uma direção de arte incrível. Contudo é uma pena que parece que esqueceram de dar a mesma atenção a um dos principais elementos de jogo: a ficha de personagem. Eu, como diretor de arte todavia, acredito que o design da ficha deve ser claro e favorecer a imersão no cenário. Por isso, decidi fazer minha própria versão.
Os elementos que mais tendem a variar ao longo das sessões (Hunger, Desire, Ressonance, Health, Willpower e Humanity) foram reunidos em um círculo no centro da parte superior da ficha. Do lado esquerdo, estão as informações “mundanas” do personagem (Nome, Concept e Ambition) e, do outro lado, as informações sobrenaturais (Clan, Generation, Sire e Predator Type).
Resolvi trazer para a parte da frente da ficha os Chronicle Tenets, Touchstones & Convictions e Clan Bane, pois são informações relevantes para a interpretação do personagem. Do outro lado, ficaram todos os recursos que os personagens podem querer usar em momentos de dificuldade, como Advantages & Flaws, Disciplines e informações relativas à Blood Potency, junto com espaços para background e anotações.
Olá aventureiros! Neste episódio do Movimento RPG Podcast, Douglas Quadros vai até a região serrana do RJ visitar a Universidade de Santa Helena para bater um papo com Eduardo Spohr e falar sobre O Spohrverso. Inicialmente os dois tem uma fabulosa conversa sobre as origens do universo criado pelo autor em seu grupo de RPG.
Enquanto conversavam, Eduardo Spohr para homenagear o personagem Daniel propôs que bebessem um Jack Daniels, Douglas Quadros acompanhou, então pegue uma bebida, puxe uma cadeira e acompanhe está conversa extraditaria sobre os bastidores da criação do Sporhverso.
PS para os fãs de Tormenta: inesperadamente foi falado de Tormenta RPG DE NOVOOO!
Saudações rpgísticas a você, querida pessoa que está a ler esse textinho! Se você ainda não me conhece, eu sou o Eduardo Filhote, co-host do Machinecast, amante de literatura, cinema, games e RPG, aprendiz inveterado de filosofia, e palpiteiro de plantão onde geralmente não sou chamado (mas dessa vez eu fui chamado sim!).
Se você está aqui, lendo isso, então certamente você joga RPG. E todos nós, que jogamos e curtimos esse tão vasto e denso mundo, nos vimos, de alguma forma, influenciados por tudo o que aconteceu, não é verdade? Imagine um filme de terror, com muita violência e gore. Não existe um momento do filme em que nos empatizamos com a dor dos personagens? Ou que “sentimos” algo ruim por ver aquela situação? Agora pense num filme romântico, daqueles bem melosos. É provável que, em algum momento, o filme desperte um sentimento agradável e confortável, não é verdade? Talvez até uma vontade de estar ali juntinho da pessoa amada, ou de viver um grande momento romântico! O mesmo ocorre com as comédias (e talvez esse seja o melhor exemplo), onde nos pegamos às gargalhadas junto às cenas e trapalhadas dos personagens. É muito comum também no teatro, onde nos sintonizamos com quem está ali atuando no palco, com as personagens e seus dramas, comédias ou tragédias. De certa forma, é possível dizer que algo “vaza” da obra para quem a assiste.
Vazar. Essa é a questão! Em meio a tantas histórias e personagens, um número infinito de situações podem acabar surgindo, e não raras vezes (na verdade, com muito mais freqüência do que podemos imaginar), vazamos algo de nós mesmos para os personagens que estamos interpretando, ao tempo que também vaza algo das personagens diretamente para nós, que estamos a interpretá-los. Esse “fenômeno”, por assim dizer, é chamado dentro do meio rpgista de “Bleeding” ou “Sangria”, que é justamente a influência de quem interpreta o personagem sobre o mesmo, e vice-versa.
Vou dar um exemplo prático do que quero dizer: por volta do ano de 2002, montamos uma mesa de Vampiro – A Idade das Trevas. A mesa era composta por mim como Narrador, e mais 3 personagens fixos, com abertura para novos ou esporádicos jogadores. Um dos jogadores fixos (que aqui será chamado apenas de W, para proteger sua privacidade) interpretava um jovem cavaleiro da corte de um reino fictício da Inglaterra, fiel ao personagem de outro jogador que era o Príncipe Regente do Reino, ao passo que o terceiro jogadores era um cavaleiro errante (todos eram humanos a princípio). A premissa da trama era que um grupo de demonistas estava atacando o Reino (que já não me lembro o nome que inventamos…), rivalizando um grupo de vampiros que viviam na região escondidos entre os nobres do Clero. A ideia da plot era que os personagens seriam convencidos pelos vampiros do Clero a aderirem sua causa contra os demônios, iludidos que os vampiros na verdade seriam agentes divinos na guerra contra o Inferno (era clima de Inquisição Européia minha gente…). O personagem do W era casado, e sua esposa estava grávida. Em uma das sessões, após o personagem ter derrotado um dos cultistas e o matado, ele volta ao lar apenas para encontrar o cultista que ele supostamente havia matado estuprando sua mulher e a matando em seguida diante de seus olhos de forma brutal. A cena foi bem chocante, o clima na mesa era de muita tensão e apreensão, e eu estava muito empolgado como narrador, pois estava conseguindo despertar os sentimentos de ódio e repulsa nos jogadores, o que os conduziria a aceitar a proposta dos vampiros mais à frente. Mas assim que a cena acabou de ser narrada, o W se levantou da mesa, e foi ate o banheiro, de cabeça baixa e sem falar nada com ninguém. Alguns minutos depois ele retornou, com lágrimas nos olhos, e se sentou na mesa. O jogador estava terrivelmente abalado com a narrativa! O motivo? Havia alguém próximo dele que havia passado por tal situação! Essa foi a primeira vez que tive a noção de como histórias e personagens afetam os jogadores, e como isso deve ser tratado com muito respeito e cuidado!
Nesse exemplo citado, o “bleeding” teve um efeito negativo ao jogador, trazendo à tona sentimentos e dores reprimidos, causando um mal estar e um desconforto. Positivamente, isso serviu para que ele se abrisse, procurasse uma ajuda mais profissional, e tratasse a questão. O bleeding por si só não é positivo ou negativo, bom ou ruim. Tudo depende da forma que ele foi feito, e a intenção com a qual foi feito. Um outro exemplo de bleeding, dessa vez mais positivo, já aconteceu comigo enquanto jogador. Participando das lives do projeto Réquiem BH (lives mensais de Vampiro – O Réquiem), tive uma grande oportunidade de trabalhar algumas questões de ansiedade e timidez com meu personagem. Já que estávamos jogando live-action, e meu personagem era bem social, tive de interagir com muitas pessoas, saindo da minha zona de conforto. Aliado a isso, era a primeira vez que jogava o Réquiem, e também live-action, então criar um personagem recém-abraçado proporcionou outro bleeding positivo, já que à medida que o personagem aprendia mais sobre o mundo ao qual agora fazia parte, assim também aprendia mais o jogador sobre como era esse cenário, suas mecânicas e suas nuances!
O bleeding pode ser usado, por exemplo, para mostrar para aquele jogador valentão o quão perigoso suas ações podem ser para as outras pessoas, fazendo seu personagem passar pelas mesmas situações que ele causa a outras pessoas. É possível passar para uma pessoa afetada por racismo, por exemplo, mensagens positivas e de aceitação, e também de inclusão, dando a ela chance de vivenciar toda a beleza da sua essência que é destruída pelo racismo. O bleeding também pode ser muito bem usado para proporcionar uma inversão de papéis, levando quem joga a vivenciar, através da interpretação e da narrativa, o papel inverso ao qual se encontra (uma pessoa tímida interpretando uma pessoa extremamente social, um bully interpretando uma vítima, um machista jogando com uma personagem feminista, uma pessoa de baixa auto-estima jogando com o salvador do grupo, e por aí vai), mas sempre com muito cuidado!
Tendo em mente o conceito de bleeding, o ideal é que quem for jogar e quem for narrar se entrosem na concepção de suas narrativas e personagens. Não é problema algum todos se juntarem e combinarem em comum personagens e histórias que gostariam de trabalhar e vivenciar, questões que gostariam de ser abordadas e temas que também precisam ser evitados, transformando assim uma simples partida de RPG em uma poderosa ferramenta de auto-ajuda ou auto-conhecimento. Se expandirmos essa ideia, podemos nos aproveitar do bleeding de forma lúdica, passando ensinamentos, lições e noções de filosofia, história, sociologia, física, química, biologia e muito mais! Agora, pensa nisso em um nível épico: é possível usar o RPG para dar aulas para crianças ou idosos, ensinar conteúdos reais com as quais as crianças tenham dificuldades, ajudar na alfabetização das pessoas e muito mais!
Obviamente, o bleeding não é apenas isso, a intenção aqui foi apenas de apresentar a todo mundo esse termo que está ganhando cada vez mais espaço no cenário rpgístico tupiniquim, e também passar uma ideia de como vai funcionar esse espaçosinho que me foi cedido nesse projeto maravilhoso! Nos próximos artigos, voltarei a falar um pouco mais sobre o bleeding, trarei algumas fontes externas, e também muito material off-topic para rpgistas de todos os gostos e idades! Espero que tenha conseguido passar uma leve ideia do que é o bleeding e todo seu potencial, e que algo desse textinho tenha “vazado” para sua mesa de RPG!!
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Jonny estava investigando um carro abandonado em uma rua deserta da cidade, resolveu então olhar o porta-malas do automóvel. Então o jogador pergunta — Mestre, o que encontro no porta-malas?
— Você encontra somente um macaco mesmo. Responde o mestre não demonstrando nenhuma reação de estranheza.
Eis que o cérebro de gangrel do jogador tira –– e este pergunta: — Macaco? Macaco de que raça?
E e o mestre com uma cara sarcástica responde: — da raça Hidráulicux!!!!
FIM.
Baseado nas aventuras jogadas por: Douglas Quadros
Texto de: Douglas Quadros
Arte de: Raphael Barros
Icabode atravessou os campos de neve até o local onde o avião de sucata aguardava. Ele apenas abanou a cabeça negativamente quando o piloto perguntou se os outros viriam.
O voo foi mais tranquilo na volta, chegando em Nova York uma hora antes do amanhecer. Icabode disse tudo o que aconteceu ao piloto, para que ele repassasse a Lancelot. Depois, se enfiou dentro da casa no centro do rancho, e entrou em torpor, esperando o dia acabar.
Assim que a noite velou o céu, um chofer entrou em seu quarto. Ele usava quepe de motorista, uniforme e luvas pretas.
– Mestre Lancelot o aguarda no Brooklyn – disse. – E me pediu para leva-lo.
Icabode sabia do que se tratava. Antes de ir para a Polônia, eles discutiram uma forma de emboscar o príncipe Fermín. O plano seria executado assim que Solomon Saks fosse derrotado.
– Vamos – Icabode abriu o dossel e saiu da cama.
No banco traseiro do carro, ele se lembrou de como Fermín havia tentado traí-lo, oferecendo sua cabeça para que o clã do Rato satisfizesse sua sede de justiça, e se submetesse ao novo príncipe de Nova York. Ele ia me vender, esse maldito traidor.
Fermín traíra a Juíza e a Dama do Véu Negro, e Icabode não poderia esperar algo diferente de deslealdade por parte dele. Mas hoje, príncipe, você pagará por isso.
O carro chegou na cidade e percorreu dezenas de avenidas e poucas pontes até chegar no Brooklyn, na rua escura, com as lâmpadas dos postes desligadas. A mansão de Solomon Saks era cercada por um muro de pedras, coberto de musgo e trepadeiras. A entrada principal era bloqueada por um imenso portão de lanças metálicas. Em sua frente, havia algumas viaturas policiais, e várias pessoas ao redor. Dentre elas, Lancelot, o primogênito do clã da Sabedoria.
– Você é o mais novo herói de Nova York! – Lancelot disse sorrindo, vindo em sua direção. – Você destruiu Solomon Saks!
Ele aparentava ser apenas um velho de cabelos brancos, frágil e dócil. Mas Icabode não era mais enganado por esse tipo de coisa. Esse mesmo velho estava ali para emboscar o vampiro príncipe de Nova York. Um velho frágil não faria esse tipo de coisa.
– Leon me disse que Caveira foi morto – Icabode respondeu, respeitosamente. – Sei que ele era seu homem de confiança.
Lancelot abanou com a mão, despreocupado.
– Casualidades! O importante é que ele ajudou a destruir aquele megalomaníaco.
Icabode sentiu raiva por Lancelot pensar daquela forma. Ele se perguntou se dali pra frente, todos os seus relacionamentos seriam assim. Se a cada morte de uma pessoa próxima, ele a consideraria mera casualidade. Não há espaço para amor, empatia ou compaixão nesse tipo de vida.
– Eu os chamei e depois os fiz dormir – Lancelot apontou para os policiais dentro das viaturas. – Quero que Fermín pense que eles estão aqui porque houve uma grande batalha na mansão. Seria muito suspeito se eu narrasse o confronto contra Solomon Saks, e nenhum policial viesse checar. Agora vamos todos entrar! Vamos acabar logo com isso!
Icabode viu todos os vampiros ao redor seguirem Lancelot pelo portão de lanças. Ele foi atrás, caminhando em direção ao centro da propriedade onde a mansão os aguardava.
– Eu irei até Manhattan chamar Fermín até aqui – Lancelot disse para todos ao redor. – Vocês precisam fingir que estão mortos. Espalhem-se no chão. Ele deve pensar que Solomon derrotou o garoto – ele apontou para Icabode – e seus amigos, e que todos vocês – ele olhou para os independentes – estavam aqui para ajuda-los, mas também foram destruídos.
– Mas meus “amigos” morreram na Polônia – Icabode o lembrou. – Ele não vai estranhar em ver apenas o meu corpo no meio dos cadáveres?
– Isso não é problema – Lancelot se virou para alguns de seus seguidores. – Você, você e você. Quero que assumam a forma do Caveira, de Leon e do negro.
Subitamente os três vampiros mudaram drasticamente de aparência e se tornaram os falecidos Drake, Caveira e Leon. Lancelot olhou para Icabode e deu um sorriso rápido e satisfeito. Em seguida, ele foi embora para buscar Fermín.
Icabode ficou olhando para as figuras familiares, triste. Aquilo era apenas uma ilusão. Ele não tinha mais nenhum conhecido por ali.
Vampiros dos clãs do Rato e da Sombra se esconderam, enquanto os do clã da Sabedoria e independentes se espalharam pelo terreno, fingindo de mortos. Icabode apenas deitou no meio do gramado e aguardou. Seus olhos fitavam o céu negro, afundando em seus pensamentos, deixando o som da cidade em alguma parte escondida de seu cérebro. Ele começou a reparar no barulho de água corrente. A mansão ficava à beira do East River, próxima da Ponte do Brooklyn. Alguns quilômetros dali estava o bar do Anthony Ritzo, estava também a fundição onde ele e Sunday morreram. Por ali estava o galpão onde ele ateara fogo em Anatole, o vampiro que matara seus pais. Ele mesmo estava a poucos passos de onde Ivanovitch fora morto.
Seus pensamentos flutuavam, analisando as últimas semanas intensas de sua vida. O tempo foi passando até que ouviu o som dos carros parando. Lancelot retornara. Fermín não estava sozinho. Ele trazia seu séquito junto.
O grupo adentrou a mansão, e Icabode tentou não mover os olhos quando percebeu a aproximação. Fermín ficou de cócoras ao seu lado.
– Pobre garoto – o príncipe disse, olhando em seus olhos.
– Vamos matar esse filho da mãe! – Lancelot declarou subitamente. Essa era a palavra-chave, e todos os vampiros se levantaram do chão.
– Emboscada! – Leo gritou, segurando o bastão de beisebol com firmeza. – O que é isso, Lancelot?
Algumas palavras foram trocadas, e o séquito de Fermín se rendeu aos inimigos. O príncipe tentou fazer o mesmo, mas sua rendição foi rejeitada. Ele começou a usar seu poder da palavra para controlar as pessoas ao redor, começando pelos sósias de Drake e Caveira. Icabode decidiu agir, e se jogou em sua direção.
– Caia no chão! – Fermín gritou, e Icabode despencou na grama, obediente.
Lancelot tomou a frente e desafiou o príncipe para um embate individual. Tudo aconteceu rápido. Fermín foi derrotado, e os vampiros começaram a desmembra-lo ali mesmo. Icabode ficou em pé, observando a cena. Lorena veio ao seu lado e perguntou:
– O que aconteceu durante essa semana? Por que você nos traiu? O que o fez escolher o lado de Lancelot, do clã do Rato e da Sombra?
Icabode contou o que aconteceu nos últimos dias, falando sobre a Polônia e de como Lancelot lhe informara que Fermín havia tentado uma aliança com o clã do Rato.
– Ele me traiu – Icabode disse. – Ele queria me entregar para os inimigos.
– Como braço direito de Fermín – Lorena começou a dizer -, eu posso lhe assegurar sem sombra de dúvida que isso nunca aconteceu. Fermín queria esmagar o clã do Rato. Ele sabia que não havia possibilidade de paz depois de ter traído a primogênita deles.
– E por que… – Icabode se virou para ela, surpreso.
Lorena se limitou a olhar para Lancelot com um sorriso frio. Ela virou e se afastou. Icabode olhava incrédulo para o novo príncipe, o velho e frágil Lancelot. Ele mentiu para mim, compreendeu. Fermín não havia lhe traído. Aquilo havia sido uma mentira para Lancelot convertê-lo ao seu lado. O clã do Rato e da Sombra também.
Icabode puxou a estaca de sua cintura, a mesma que levara para a Polônia. Todos que foram com ele, haviam levado uma estaca para caso encontrassem o coração de Solomon Saks. Icabode ainda carregava a sua. Ele olhou para Lancelot, e suspirou. Fazia muito tempo que não suspirava. As vezes ele até esquecia de respirar.
Icabode deu as costas para o ritual de coroação, com vampiros se ajoelhando e jurando lealdade ao verdadeiro príncipe, e foi em direção ao rio. Nada mais importava. Ele esperava que Lancelot fosse um bom governante, pelo menos melhor que Fermín.
Ele é exatamente igual ao Fermín. Um governo fundado em deslealdade e traições. Não sei se conseguirei adaptar a essa nova vida… e pra falar a verdade, nem quero.
O mundo das trevas não é pra qualquer um. É só para aqueles que conseguem viver às custas da morte. É só para aqueles que conseguem se alimentar do sangue e dor de outras pessoas. E Icabode não queria fazer parte daquilo.
Ele foi até a beira do East River, e olhou para a água escura. De repente, uma luz bruxuleou em suas costas. Um cheiro estranho entrou em suas narinas e ele ouviu o barulho de cascos. Alguém bufou, como se fosse um animal. Era o homem bode.
– Era questão de tempo, filho do reverendo – o demônio disse. – Ninguém vive para sempre. Agora vamos, você é meu, e eu já esperei demais.
– Eu não quero mais viver nesse mundo – Icabode confessou, levitando um palmo acima do rio. Ele flutuou até ficar longe da margem. – Mas que você volte para o inferno sozinho!
Ele estendeu a estaca e a enfiou no peito. A única coisa que sentiu foi dor. Suas mãos forçaram mais ainda, e por fim, ele usou a telecinese para fincar de uma vez a ponta de madeira no próprio coração. O homem bode gritava, frustrado.
Icabode sentiu um pouco de sangue molhar seus lábios, e seu corpo enrijeceu. Ele se tornou duro como uma estátua. No momento seguinte, seus olhos foram tomados pela escuridão da água corrente, e ele afundou, afundou e afundou…
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O sol se pôs e os vampiros se encontraram no rancho ao norte de Manhattan. Havia um galpão e uma pista de pouso, e ao redor, um mar de pinheiros. O último carro a chegar era de Drake Sobogo. Ele desceu, seguido por um homem de roupa militar, pele morena e bigode frondoso. Em seu peito estava escrito “BALA DE PRATA: PEPPERS”. Ele trazia um casaco grosso sob o braço.
– Maxiocán? – Icabode perguntou, franzindo as sobrancelhas. Caveira, Lancelot e Leon se olharam, igualmente surpresos.
– Eu sou de uma linhagem de caçadores de criaturas malignas – Maxiocán disse, com Drake ao seu lado. – Quando recusei ajuda-los a matar Solomon Saks, eu tomei uma decisão incoerente. Quando a ficha caiu, peguei o primeiro avião para Nova York naquela mesma noite. Os Balas de Prata eram uma família – ele olhou para Drake. – E pelo visto eu não fui oficialmente dispensado de meus deveres, não é, capitão?
– Quando o vi na minha porta, pensei que você fosse me matar – Drake revelou, sorrindo pela primeira vez em muito tempo.
– Matar o Capitão Sangrento? – Maxiocán se perguntou. – Seria uma boa coisa para colocar no meu currículo.
– Se vocês não querem ser recepcionados por um bom e velho sol nascente, devem partir agora – Lancelot olhou para o relógio de bolso. – A viagem para a Polônia é longa, e vocês precisam encontrar um abrigo antes do dia raiar… e antes que eu esqueça, coloquei algumas ovelhas dentro do avião para vocês se alimentarem.
Os cinco entraram no avião de sucata, com suas bolsas cheias de armas, munições e granadas, e deixaram o território americano alguns minutos depois. O voo foi turbulento do começo ao fim. Em alguns momentos o avião se mexeu tão forte que os vampiros saltaram em seus assentos. As carcaças das ovelhas deslizavam de um lado para outro, como bichos de pelúcia sem enchimento.
O trem de pouso quicou no chão congelado algumas vezes até o avião derrapar e parar num banco de neve. A rampa traseira se abriu e o grupo desceu no meio da nevasca. Maxiocán se encolheu debaixo do casaco de pele.
– Mas que carajo! – gritou ele.
– A cidade está ali! – Icabode gritou, aguçando seus olhos em direção a uma redoma de luz alguns quilômetros de distância. – Gdynia é a cidade que Solomon pousou.
– Cheque a bússola! – Leon sugeriu.
Icabode a puxou de dentro da jaqueta, e Maxiocán se aproximou, estendendo a mão. O vampiro entregou o objeto de volta ao seu dono. Maxiocán a ergueu diante dos olhos e se virou.
– Ela está apontando no sentido contrário – ele gritou. – Solomon Saks não está mais na cidade. O que tem ao norte?
– Apenas neve – Caveira respondeu, gritando. – E depois, o oceano Báltico. Ele deve ter algum refúgio, e não deve ser muito longe da cidade. Criaturas como nós não podem se dar ao luxo de fazer longas viagens sob o céu aberto.
– Nós temos poucas horas até o sol nascer – Drake disse, preocupado. – E se não encontrarmos nada no caminho? Não seria melhor passarmos um dia em Gdynia?
– Eu não darei nenhum dia a mais para aquele maldito – Icabode disse, e começou a caminhar na direção apontada pela bússola.
– Eu não deveria fazer isso – Caveira disse, seguindo Icabode. – Eu sou do clã da Sabedoria. Não seria muito sábio ir nessa direção.
Leon foi atrás. Maxiocán e Drake se encararam antes de fazerem o mesmo. Os cinco marcharam pela nevasca noturna, deixando qualquer vestígio de avião ou cidade para trás. Eles estavam em uma escuridão total, em meio a neve e ventos de cem quilômetros por hora. Maxiocán ia à frente, com os olhos na bússola, mas como ele era o único mortal, seu corpo era o mais afetado pelo clima de trinta graus negativos.
Após duas horas de caminhada, Maxiocán foi o primeiro a cair. Ao leste, o horizonte começou a revelar os primeiros tons de claridade. Drake Sobogo pegou seu amigo nos braços e continuou caminhando. Icabode mantinha o ritmo, decidido.
Em sua cabeça, vinham os pensamentos de que tomara uma decisão suicida, que deveria ter ouvido a Drake e passado o dia em Gdynia. Os outros morreriam, e culpa era dele.
– Vocês também lembram de quando eram vivos, e a neve refletia a claridade, fazendo a luz solar nos acertar com mais força? – Caveira perguntou, olhando para o leste. – Acho que isso – ele apontou para a neve ao redor – seria uma espécie de “chão de lava” para nós. Engraçado, não?
Leon foi o segundo a cair. Apesar de não sentir frio, o vampiro sentia suas panturrilhas doerem. Para manter o corpo em pé, seu estoque corporal de sangue evaporava aos poucos, deixando-o fraco e faminto. Icabode seria o próximo a tombar, se não fosse sua disposição para achar o esconderijo de Solomon. Caveira se transformou em morcego e pousou sobre o corpo de Maxiocán que era carregado por Drake.
O céu nasceu, e se não fosse pelas nuvens carregadas, os vampiros já estariam mortos na neve. Drake Sobogo começou a sentir as gotas de sangue escorrerem por seus olhos. Em sua frente, ele viu uma fumaça exalar do corpo de Icabode. Sentiu pena do garoto. Ele se perguntou como seria aquilo, como era morrer queimado. Se seria rápido, ou se eles iriam agonizar até que os corpos não existissem mais.
Icabode passara o braço de Leon sobre os seus ombros e o ajudava a caminhar. Drake ficou assistindo os dois subirem o topo de um monte de neves, e os viu cair no chão. É o fim, pensou o militar. Icabode ficou de joelhos, e olhou para trás, com o rosto sujo do próprio sangue. Mas ele parecia otimista. Drake ficou surpreso, e correu para alcança-los.
– Achamos, Drake – Icabode apontou para baixo, onde havia uma pequena cabana de madeira no meio da neve.
O céu e as nuvens se abriram nesse exato momento, e a luz solar encheu o vale gélido. Drake soltou Maxiocán no chão, agarrou a Icabode e Leon pelos troncos e os jogou com força. Os dois fizeram um arco no céu e caíram no chão próximo à cabana. Em seguida, ele fechou as duas mãos ao redor do morcego e saltou vários metros de altura, caindo próximo aos outros. Os quatro vampiros entraram na cabana e fecharam as cortinas. Ali dentro, estariam completamente protegidos do sol. Alguns minutos depois, Maxiocán entrou, cambaleando.
A cabana só tinha um cômodo, e nenhum móvel. Havia duas portas, a que eles atravessaram, e uma do outro lado. Todos ficaram frustrados, pois obviamente aquilo era apenas uma cabana abandonada, e não o esconderijo de Solomon.
Não demorou muito, e os vampiros morreram. Eles passariam o dia inteiro deitados na mesma posição, como se nunca mais fossem se levantar. Maxiocán também se entregou ao chão, e dormiu.
Assim que o sol se pôs e a ventania voltou a sacolejar a cabana, o grupo acordou. Maxiocán já estava de pé, obviamente, olhando para a bússola.
– Tem algo errado – ele disse. O ponteiro rodopiava sem parar. – É como se tivéssemos chegado no local.
– Espero que não – Leon disse, fraco. – Eu não conseguiria enfrentar Solomon sem me alimentar primeiro. Preciso de sangue.
– Todos precisamos – Caveira disse, com os braços apoiados nos joelhos. Ele passou a mão por baixo da máscara de caveira e secou o sangue do próprio rosto.
– Ei – Drake Sobogo disse após abrir a porta de onde vieram. – Venham – ele olhava hipnotizado para fora. Havia um cervo parado no meio da neve, olhando curioso para a cabana. Ele tentou correr, mas Icabode o ergueu no ar, impedindo-o.
Os quatro vampiros se curvaram sobre o animal, sugando todo o sangue de seu corpo. E assim que voltaram para a cabana, descobriram que Maxiocán não estava lá dentro sozinho. Havia um homem alto, encapuzado, levitando. Seu rosto estava escondido na escuridão do capuz, e seus dedos eram ossos, sem carne alguma. Ele estava parado diante da porta do lado oposto.
– Quem ousa abrir o portal da Umbra? – a voz era duplicada e fria.
– Sou Maxiocán Allende, e procuro por Solomon Saks.
– O portal sempre está aberto para quem está do lado de fora – o espectro disse. – Porém, para abri-lo por dentro, é preciso que haja um sacrifício pessoal.
– Não importa – Icabode deu um passo para a frente. – Nós precisamos entrar.
O espectro deslizou para o lado e estendeu a mão, e a porta se abriu, mostrando um campo de neve, igual ao que eles estavam. Os vampiros passaram pela porta, um por um. Maxiocán passou por último, e a porta se fechou em suas costas. Eles olharam para baixo e perceberam que estavam em uma montanha de cadáveres. Não se via mais a cabana, mas apenas uma porta solitária no topo do monte.
– Umbra? – Drake perguntou, confuso.
– Umbra é o limbo – Maxiocán explicou. – Estamos em outra dimensão agora. É como se fosse o nosso mundo, porém mais espectral.
– Como Solomon Saks conseguiu esconder seu coração na Umbra? – Leon perguntou, descendo as pilhas de cadáveres, junto com o grupo.
– Rabin deve ter feito isso – Caveira respondeu. Ele se virou para Maxiocán e explicou. – Solomon Saks tem um feiticeiro judeu. Nada a ver, nada a ver mesmo.
O grupo chegou à base do monte de cadáveres e seguiu por uma trilha de neve, entre uma floresta de pinheiros. A estrada repentinamente se bifurcou entre a principal e uma tangente que ia para o topo de um morro.
– A seta aponta para a estrada em frente – Maxiocán disse.
Nesse momento, um gritou cortou o céu da Umbra. Ele veio do topo do morro. Era uma voz feminina, de dor.
É Katherine! Sunday gritou na mente de Icabode. É sua tia!
– Eu preciso ir por aqui – Icabode apontou para a trilha. – Mas vocês devem ir atrás do coração.
Os outros se olharam, preocupados, mas decidiram não contraria-lo.
– Tome cuidado, Icabode – Leon apertou o ombro do amigo, e os dois se despediram.
– Pegue isso – Drake pegou uma granada de sua bolsa e a colocou na mão do garoto. – Caso você precise.
Quatro foram para um lado, e Icabode foi para o outro, subir a trilha do morro. Quando a subida se tornou árdua demais, ele decidiu usar sua telecinese para levitar até o topo. Não queria gastar muito os seus poderes, pois poderia precisar deles depois.
Você precisa salvá-la, Icabode, Sunday pediu, aflito. Katherine é o amor da minha vida, e você precisa garantir que ela fique bem… a não ser que você tenha que escolher entre matar o maldito polonês e salvá-la. Destruir aquele demônio é sua prioridade.
Não se preocupe, Sunday, Icabode disse, voando pela ventania gelada. A bússola está apontando para outra direção. Solomon não está por perto. Eu a salvarei e depois me juntarei aos outros.
Assim que surgiu no topo do morro, ele avistou uma clareira, cercada por longas tochas. No centro, havia um trono de metal, e amarrada ao pé do trono, estava Katherine. Ela estava deitada, inconsciente, e havia sangue em sua barriga.
Icabode pousou ao seu lado, e assim que tocou em sua tia, uma voz surgiu em suas costas.
– Parece que a nossa guerra contra os vampiros foi longe demais, não foi?
Icabode se virou e viu um homem de porte altivo, com longos cabelos e barbas, brancos como a neve, esvoaçando sob o vento. Ele vestia um terno preto de três peças.
– Saks – Icabode murmurou. Ele estava sozinho com o polonês.
– Solomon Saks, o Imortal – o homem o corrigiu.
Icabode se lembrava bem de quando ele se chamou assim pela primeira vez. Os dois estavam caçando Leon, unidos em uma suposta guerra contra os vampiros. Ambos ainda eram mortais naquela época. Agora, os dois eram neófitos, mas Solomon Saks era praticamente um deus, e Icabode… bem, Icabode estava prestes a enfrentar um deus, sozinho.
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Nos capítulos anteriores: Icabode e seus companheiros conseguiram a bússola de Maxiocán Allende, pela qual poderiam encontrar o esconderijo do coração de Solomon Saks. Após o ritual de ativação, a bússola começou a indicar em uma direção, mostrando o caminho para o grupo.
Leon vestia sua bata usual, com cabelos e barbas que o faziam parecer com Jesus. No interior da torre, sob os pés da Estátua da Liberdade, um grupo de vinte vampiros o ouvia discursar em cima de um barril.
– Vocês precisam entender – ele dizia, juntando as mãos como se implorasse. – Se não nos unirmos, estaremos todos mortos até o final do ano. E nós só temos uns aos outros. Se não nos protegermos, quem irá? O Conselho de Nova York?
– Se esse tal de Solomon Saks está tão forte assim, não seria idiotice lutar contra ele? – um vampiro gordo e papudo perguntou.
– Não importa o que façamos – Leon respondeu, cansado. – Ele está matando um a um. Você irá morrer de qualquer jeito. Mas se lutarmos, pelo menos teremos uma mínima chance!
– Mas por que ele está fazendo isso? – uma criança pálida e com olhos vermelhos perguntou. – Por que esse polonês está nos caçando?
– Inicialmente ele estava fazendo isso para absorver os poderes dos vampiros mais fortes – Leon olhou para cada um ao redor. – Mas o sangue de vampiro é a coisa mais deliciosa de todas. Acredito que esse maldito está viciado. Solomon Saks se tornou um canibal viciado em sangue de cainitas. Ainda que esteja extremamente forte, ele não irá parar de caçar vampiros.
– Eu pensei que o Conselho de Nova York se considerava a “Polícia da Noite” – um velho disse com sarcasmo. – Por que eles simplesmente não o abatem?
– Porque Solomon é uma daquelas pessoas extraordinárias – Leon explicou. – Ele é um rico mafioso, cheio de contatos. Ele tem um exército pessoal, com um arsenal poderoso, e está pouco ligando se vai quebrar as regras ou não. A partir do momento em que bebeu da alma de Ivanovitch e de outros vampiros mais velhos, ele garantiu sua vantagem sobre o Conselho.
– E o que você espera que façamos? – a criança perguntou. – Se nem o Conselho consegue vencê-lo, por que acha que nós, os vampiros independentes teríamos alguma chance?
– Porque o Conselho de Nova York está fraco – Leon respondeu. – Eles estão em guerra entre si. Solomon Saks tem matado vários deles por dia. Todos vocês que estão aqui hoje, não possuem um clã. Não seguem as regras do Conselho, mas isso não significa que não estão no mesmo lado. Todos vocês tem algo em comum. Todos são alvos de Saks.
– Ele está certo – uma voz conhecida surgiu da multidão. Icabode St. John se aproximou do centro, olhando para Leon. – Olá, meu chapa.
– Você está vivo! – Leon arregalou os olhos, surpreso. – Pensei que tivesse morrido naquele cemitério – ele saltou do barril e apertou a mão do outro.
– Solomon Saks não me matou – Icabode respondeu. – Pois eu é que vou mata-lo. E descobri como fazer isso – ele puxou a bússola do casaco e olhou para os vampiros independentes ao redor. – Você me empresta a sua platéia?
Em menos de uma semana, tudo aquilo teria terminado. O confronto final chegaria ao fim. E Lancelot, o primogênito do clã seria o primeiro a descobrir o resultado e portador das notícias. Ele estava na sala de reuniões do príncipe Fermín e seu conselho, com Leo, Savage, Lorena e Stolas.
– Que surpresa tê-lo conosco, Lancelot – Fermín disse, satisfeito. – Estou há dias lhe convidando para se unir a nós. Finalmente…
– Não é por isso que estou aqui – Lancelot o interrompeu educadamente. – Decidi não me aliar a vocês ou ao clã do Rato porque eu tinha mais o que fazer. Enquanto vocês estavam brigando entre si, Solomon Saks destruía nossa cidade.
– Aí que você se engana, meu caro Lancelot – Fermín sorriu para ele. – Eu enviei um grupo de vampiros para achar uma forma de derrotar o polonês. Eles descobriram que o coração de nosso inimigo estava escondido na Polônia, obviamente, e já partiram há uns dias para destruí-lo. A essa altura tudo deve ter sido resolvido.
– Na verdade você enviou dois neófitos, recém abraçados – Lancelot o corrigiu. – O único apto naquele grupo é Caveira, que só está na “sua missão” porque eu o ordenei.
– Aquele maldito estava agindo como um espião? – Leo perguntou, exasperado.
– Espião? – Lancelot olhou para ele, calmo. – Caveira sempre pertenceu ao meu clã. O que vocês esperavam que ele fizesse? – Ele se virou para Fermín novamente. – Eu descobri os contatos no México e garanti o transporte para a Polônia. Eu sou a verdadeira cabeça por trás dessa missão, príncipe, e quero que isso fique claro.
– Eu apenas vejo que nós temos agido como aliados o tempo todo – Fermín sorriu, sem graça. – Por que não oficializarmos essa parceria?
– Entenda uma coisa, príncipe – Lancelot pousou as duas mãos sobre a mesa, explicando de forma categórica. – Nossa equipe cometeu um erro. A bússola coincidentemente apontou para a Polônia quando a colocamos em um mapa. Mas o coração de Solomon Saks nunca esteve lá. Eles ignoraram uma possibilidade que estava debaixo de nosso nariz.
Os vampiros ao redor se ajeitaram na cadeira, intrigados com as revelações. Lancelot continuou.
– A bússola também apontava em direção à mansão de Solomon Saks, aqui mesmo em Nova York, mais precisamente no Brooklyn.
– O lugar onde Ivanovitch foi morto – Leo disse.
– E então? Eles acharam o coração? – Lorena perguntou, impaciente.
– Acharam – Lancelot explicou. – Mas no esconderijo subterrâneo da mansão não havia apenas um coração. Havia também o próprio Solomon Saks e seu séquito. Todos canibais e com poderes absorvidos de outros vampiros. O primeiro a cair foi o meu pobre Caveira. Gólgota entrou em sua cabeça e o fez ficar louco. Caveira caiu no chão gargalhando até que alguém o matasse no fim da batalha. Um maldito jogou álcool sobre seu corpo e soltou um isqueiro aceso em suas roupas. Ele ria enquanto as chamas dançavam sobre seu cadáver.
– Sinto muito por sua perda – Fermín sussurrou, espantado. Lancelot continuou.
– Icabode e Leon reuniram um grupo de vampiros independentes. Eles criaram seu pequeno exército. A maioria morreu nos primeiros cinco minutos de combate. O exército de Solomon Saks também apareceu. Vários capangas armados com metralhadoras e fuzis. Troche, o Judeu de Ferro que pensávamos estar morto, estava lá também. Ele cuidou do Capitão Sangrento. Os dois tiveram a briga mais violenta, até que um capanga chegasse por trás do vampiro boxeador e explodisse sua cabeça com uma escopeta.
– Minha nossa – Fermín fechou os olhos.
– Rabin, o feiticeiro, usou sua telecinésia para erguer Leon, o líder dos independentes, a uma altura que fosse letal. Ele abriu a mão e deixou o coitado despencar dezenas de metros de altura. O corpo de Leon atravessou o teto da mansão e pintou o porcelanato de vermelho. O último a morrer foi o próprio Icabode. Solomon Saks cuidou dele pessoalmente – Lancelot tocou na parte de trás da própria cabeça. – Ele atravessou a nuca do garoto com um soco, esmagando seu cérebro.
– Já entendemos o cenário, Lancelot – Fermín disse. – Não precisa entrar em mais detalhes. Isso significa que perdemos a luta, é isso?
– Ainda não – Lancelot disse, olhando nos olhos de cada um ali. – Os capangas de Solomon estavam armados, mas ainda eram apenas mortais. Os vampiros independentes os mataram, e em seguida eles ainda estavam em maior número, apesar de serem todos fracos. O séquito de Solomon foi dizimado. Gólgota derrubou vários deles com seu poder mental antes de ser agarrado por três e ter seus membros esquartejados.
– Isso! – Leo gritou, socando a mesa, excitado.
– E os outros, Lancelot? – Lorena perguntou, esperançosa.
– Quando Rabin viu que não conseguiria vencer a todos, levitou para longe e sumiu.
– Espere um minuto – Savage o interrompeu. – Como você sabe de tudo isso?
– Eu estava assistindo do prédio ao lado – Lancelot explicou. – Caso você já tenha jogado xadrez, sabe que os peões se movem primeiro.
– E quem seria você nesse jogo? – Savage perguntou, desconfiado.
– Eu sou a Rainha, e estou protegendo o Rei – ele olhou para Fermín com um aceno de cabeça. – E agora farei o movimento final dessa batalha.
– Solomon Saks? – Lorena perguntou. – O que aconteceu com ele?
– Ele ficou gravemente ferido – Lancelot respondeu. – Eu não estava assistindo tudo sozinho. Enviei meu lacaio mais leal com um lança chamas para o local. Enquanto Caveira pegava fogo no gramado, meu lacaio disparou outra língua de fogo em direção aos últimos sobreviventes. O Judeu de Ferro virou uma coluna de chamas e se jogou no rio. Solomon Saks havia sofrido vários ataques, e também foi beijado pelas labaredas, mas ele foi mais rápido e arrancou a cabeça do meu lacaio com uma mordida. Eu fiquei assistindo enquanto o polonês voltava mancando pela escadaria de seu bunker subterrâneo. Esperei por um tempo para ver se não havia mais ninguém ao redor, e decidi vir contar a vocês. O maldito está fraco e sozinho. E ele está guardando pessoalmente o seu coração.
– Devemos mandar alguém terminar o serviço, rápido! – Savage olhou para o príncipe.
– Não! – Lancelot cortou. – O sol está prestes a nascer, e durante o dia Solomon terá algum capanga para leva-lo para outro lugar onde ele irá se regenerar e se fortalecer novamente. Precisamos ir agora! temos pouco tempo para finalizar isso.
– E não conseguiríamos reunir outros vampiros dispostos a enfrentar Saks pessoalmente – Lorena concordou com Lancelot. – Nós temos que agir rápido.
– E essa é a oportunidade para eu provar minha força como príncipe – Fermín acrescentou. – Quão fraco ele está?
– Ele foi o centro dos ataques da noite. O lança chamas lhe causou danos terríveis – Lancelot garantiu. – Se nós o cercarmos, juntos, poderemos vencê-lo, sem dúvida.
– Então, vamos! – Fermín se levantou. – Que todos vejam que eu sou o verdadeiro líder que Nova York precisa.
Todos ao redor da mesa se levantaram, prontamente. Os seis desceram o prédio e ocuparam dois carros que aguardavam lá embaixo. As ruas de Manhattan estavam vazias, e não demorou para que eles chegassem no Brooklyn.
Enquanto se aproximavam do destino, o clima ficou mais frio, e a iluminação havia reduzido consideravelmente. Eles estavam indo para o confronto final.
– Policiais! – Fermín disse enxergando o giroflex ligado em frente ao muro da mansão. Luzes azuis e vermelhas giravam sobre o capô de três viaturas da polícia.
– Você esperava que uma guerra explodisse e nenhum policial viesse? – Lancelot perguntou no banco de trás. – Não se preocupe com eles. Estão todos desmaiados.
– Como você fez isso? – Fermín perguntou, cauteloso.
– Não se esqueça que sou um vampiro poderoso, meu príncipe – Lancelot o lembrou. – E que os meus poderes são mentais.
– Claro que eu sei, Lancelot – Fermín pousou a mão em seu ombro. – Todos sabem que você faz parte da casta mais nobre dos vampiros de Nova York.
Lancelot assentiu, satisfeito.
– E depois desta noite, espero que meu lugar no seu conselho esteja acima de qualquer outro.
– Mas é óbvio – Fermín prometeu, ignorando o olhar ciumento de Lorena ao seu lado. – Só não acima do meu, é claro.
Os carros pararam ao lado das viaturas, e os seis vampiros desceram. Eles olharam para dentro dos carros pretos da polícia, e viram os homens dormindo nos bancos.
Eles passaram pelo portão de ferro e viram a mansão abandonada, com paredes e muros quebrados, e gramado destruído. Havia dezenas de corpos espalhados pelo chão. Fermín foi até um dos corpos que reconheceu imediatamente.
– Pobre garoto – disse ele, ficando de cócoras ao lado de Icabode. – Você entregou sua não vida, mas pelo menos serviu para o nosso propósito.
Os olhos de Icabode fitavam o céu, imóveis. Seu corpo era frio e duro, e não havia vida nele. Fermín olhou em direção à porta do bunker e se preparou mentalmente para o confronto final.
– Vamos matar esse filho da mãe! – Lancelot disse, satisfeito.
Fermín estava pronto para sua marcha, quando subitamente foi surpreendido. Todos os cadáveres ao redor se levantaram do chão. Dentre eles, estavam Drake Sobogo, Caveira e Icabode. O príncipe e seu conselho estavam atônitos.
– Emboscada! – Leo gritou, segurando seu bastão de baseball com firmeza. – O que é isso Lancelot?
– Essa guerra estúpida já durou tempo demais – Lancelot explicou. – Eu estou dando um fim nela agora mesmo!
– O que você pensa que está fazendo? – Fermín lhe lançou um olhar injetado. – Os clãs da Águia, do Punho, da Rosa e dos Filhos de Pã são a maioria. Você nunca conseguirá nos vencer. Isso é loucura!
– Mas eles não estão aqui agora, estão? – Icabode perguntou, olhando ao redor. – Estão só vocês quatro. Longe da sua fortaleza super protegida.
– Nós conseguimos enfrenta-los! – Leo disse, olhando para os vampiros ao redor. – É só cada um de nós matar cinco deles. Esses independentes são fracos e neófitos. Nós podemos!
– Eu não contaria com isso – uma voz disse, e outras pessoas começaram a brotar do nada. Elas estavam invisíveis o tempo todo. Era o clã do Rato, seis vampiros de pele escamosa e ossos deformados. O vampiro que falou era o mais feio de todos.
De dentro da mansão, surgiu outros dez, todos com as cabeças cobertas por véus. Era o Clã da Sombra. Eles se uniram à multidão.
– Eu me rendo! – Lorena ficou de joelhos, diante de Lancelot. – Não me mate, por favor! O clã da Rosa renuncia a qualquer aliança feita com o falso príncipe!
– Lorena! – Fermín gritou, ultrajado. Depois ele olhou ao redor, ainda espantado. Savage seguiu os passos da vampira e também se ajoelhou diante de Lancelot.
– Desculpe, cara – Leo olhou para ele e abaixou seu bastão. Em seguida, também se ajoelhou. – O clã do Punho implora por sua misericórdia. E juramos nossa lealdade a você.
– E-eu também peço perdão pelos meus atos – Fermín se ajoelhou, gaguejando. – E rogo que aja com miseri…
– Não – Lancelot interrompeu. – Enquanto você viver, haverá guerra.
Os vampiros ao redor cercaram a Fermín, prontos para mata-lo. O príncipe se levantou do chão, desafiador. Então sua pele começou a brilhar, como se ele fosse algum tipo de criatura celestial.
– Vocês são muitos, mas eu sou muito mais – ele disse, e de repente, Drake Sobogo caiu de joelhos, atordoado. O militar ergueu a cabeça perguntando onde estava e quem eram aquelas pessoas. Em seguida, Fermín se virou para Caveira. – Eu sou o seu novo mestre. Me proteja!
Caveira sacou suas armas e começou a atirar nos vampiros ao redor. Ao perceber o poder do príncipe, Icabode correu em sua direção. Fermín olhou para ele e gritou “caia no chão!”. Icabode não teve nem tempo de pensar. Ele se jogou de peito no gramado, obediente.
– Afastem-se! – Lancelot gritou. Fermín havia causado a morte de quase dez vampiros em poucos segundos. – Se o nosso querido príncipe deseja um embate mental, nada mais justo que o primogênito do clã da Sabedoria o enfrente pessoalmente.
Os dois ficaram frente a frente, encarando-se mortalmente. De repente Lancelot se transfigurou, e virou um demônio chifrudo, com pele vermelha e longo rabo.
– Volte ao normal! – Fermín gritou. E Lancelot voltou à sua imagem normal.
– Abrace o seu medo! – Lancelot ergueu as mãos para ele, e Fermín recuou dois passos, apavorado. – Seja abraçado pelas trevas!
– Morra! Isso é uma ordem! – Fermín rebateu, mas ele perdera a confiança inicial. Agora era apenas uma criatura assustada. Seu poder não afetou o adversário em nada.
Lancelot fez uma última expressão facial e esse foi o fim. Fermín começou a gritar e rolar no chão, como se sofresse as piores dores do mundo. Os vampiros do clã do Rato o cercaram.
– Isso é pela Juíza! – um deles disse antes que todos começassem a desmembrar o príncipe de Nova York. Enquanto os outros assistiam a cena, Lorena se colocou ao lado de Icabode.
– O que aconteceu? Por que você nos traiu? O que o fez escolher o lado de Lancelot, o clã do Rato e o da Sombra?
Icabode St. John se virou para ela e começou a explicar os eventos que aconteceram nos dias anteriores.
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