REINO DOS MORTOS [3]

Clay girou sobre os tornozelos, tentando encontrar uma solução. Seus olhos encontraram uma casa ao seu lado, de paredes altas e caiadas.

– É uma grande construção – ele disse apontando para a porta. – Deve ter saída para a rua do outro lado. Alguém consegue arrombar?

Toiva ergueu as duas espadas e as desceu na altura da fechadura. As lâminas entraram com tudo, fazendo fissuras na madeira. Ela deu um chute, abrindo a porta e puxando as espadas de volta. Em seguida, algo aconteceu muito rápido. O cabelo ao lado de sua cabeça voou, e uma flecha acertou o crânio do zumbi que saltara em sua frente. Ele viera de dentro da casa.

– Obrigada – ela se virou para Jim que já puxava outra flecha.

– Rápido, entrem! – Clay gritou, apontando para a porta.

De fato, era uma grande mansão, com escadas laterais que levavam para uma galeria. O grupo caminhou até o centro da sala, quando a porta de um quarto foi derrubada, e vários zumbis começaram a sair de dentro.

Galdor se virou e começou a girar a mão, fazendo um pequeno furacão em sua frente, arrebatando os mortos com a força do vento e os jogando pela porta de saída.

– Tem mais! – Toiva gritou, vendo zumbis surgirem de um segundo quarto. – A casa está cheia!

– Lar vazio é um lar triste! – Kvarn gritou, e se jogou pela porta desse quarto.

– KVARN, NÃO! – Clay gritou, desesperado.

– Tarde demais para ele – Toiva disse, incrédula.

Ao se virarem para o corredor que levava para o outro lado da casa, o grupo parou. Uma silhueta se movia pelo caminho. Alguém se aproximava, e não dava para passar por ele. Era o dono da casa, provavelmente. Ele vestia uma toga branca, agora coberta de sangue e fezes. Seu corpo devia pesar uns duzentos quilos. A pele e banha balançavam como geleia ao redor de um esqueleto. Havia uma haste de lança atravessada em sua barriga. O zumbi gordo ergueu os braços e começou a se aproximar do grupo.

– Estamos cercados! – Toiva gritou, olhando para trás.

A porta em suas costas estava bloqueada pelos zumbis que Galdor continuava empurrando para fora.

– Jim, acabe com ele! – Clay apontou para o gordo no corredor.

Jim tinha poucos segundos para acertar o alvo antes de serem atacados. Ele nunca teve que atirar nessas condições. Tentou colocar a flecha no arco rapidamente, mas sua mão tremia, desordenada. Assim que o gordo os alcançou, ele atirou.

A flecha passou raspando pela cabeça do zumbi e acertou a parede. O gordo se jogou sobre o grupo, abraçando e caindo sobre Clay. Galdor sentia o suor escorrer pelo seu rosto enquanto mantinha a ventania direcionada para a porta que tremia freneticamente. O umbral começou a se soltar, abrindo um buraco maior.

– Eles vão entrar! – o mago gritou.

Toiva saltou sobre o gordo, tentando puxá-lo para o lado, sem sucesso. O zumbi abriu a boca e fechou os dentes sobre o couro cabeludo de Clay, fazendo sangue jorrar por sua pele. Jim conseguira encaixar outra flecha e correu para o lado, procurando um ângulo melhor. Ele esticou a corda e a soltou. A ponta da flecha entrou em um ouvido do gordo e saiu pelo outro.

O arqueiro correu até Toiva e tentou ajuda-la a tirar a criatura de cima de Clay. Apesar da força de ambos, o zumbi mal se movia. Clay não conseguia respirar, e seus olhos começaram a fechar.

– Isso não é hora de dormir, seu folgado! – Kvarn apareceu, coberto de sangue, segurando um escudo novo.

Ele ergueu o escudo e correu, se lançando contra o gordo, como um touro. Rapidamente, tirou o peso de cima de Clay. O líder do grupo despertou assustado.

– Eu não vou conseguir segurar por muito tempo – Galdor gritou, quando sua ventania começou a enfraquecer.

– Precisamos sair daqui – Toiva ajudou Clay a se levantar. – Galdor, rápido, venha!

O grupo disparou pelo corredor livre, rumo ao outro lado da casa. Não havia porta nos fundos, só uma passagem aberta. Eles alcançaram a rua e correram até um beco vazio.

– Muita gente morreu em suas casas – Galdor os alertou. – Devemos abrir as portas somente em caso de necessidade.

– Mas seria importante vasculharmos alguns lugares – Jim disse. – Precisamos encontrar remédio e comida.

– Eu concordo com o garoto – Kvarn disse, erguendo o escudo em forma de lágrima. Ele era feito de madeira, com tiras de aço, e coberto por couro verde. No centro havia o desenho de um sol branco. – Eu encontrei essa belezinha aqui na mansão. Nós não vamos encontrar boas armas jogadas na rua.

– Kvarn, você foi muito imprudente lá dentro – Clay se sentou, limpando o sangue dos olhos. – Poderia ter morrido.

– Graças à minha investida eu encontrei o escudo – Kvarn bateu na madeira. – Ele protege uma área bem grande, e é bom para empurrar inimigos também.

– Parece que o Kvarn encontrou uma namorada – Toiva brincou, guardando suas espadas. Ela se virou para Clay. – Como está sua cabeça?

– A mordida foi superficial – ele respondeu, tocando na ferida. – Vou ficar bem. O que me preocupou mais foi morrer esmagado.

– Gordo é foda – Kvarn brincou, apertando sua própria barriga volumosa.

– E agora, sul? – Jim perguntou.

– Sul – Clay ficou de pé, com metade do rosto coberto pelo próprio sangue.

Antes que eles saíssem do beco, um vulto cruzou a rua. Depois outros passaram rápidos. Galdor sussurrou “corredores”.

 

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REINO DOS MORTOS [1]

Kvarn era o encorpado do grupo. Peitoral e ombros largos, braços grossos e peludos. Os cabelos tinham cor de ferrugem, e a barba delineava seu rosto sem bigode.

– A cidade parece vazia pra mim – ele disse, diante da muralha de trinta metros de altura.

– Elas sempre parecem – Toiva respondeu, empunhando uma espada em cada mão. Apesar de ter crescido como bárbara, ela servira ao exército do rei, onde se tornou uma exímia espadachim.

– Mas nós temos que entrar de qualquer jeito – Clay disse, dando um passo à frente. Ele se virou para o velho barbudo mais atrás. – Galdor, o que sabe desse lugar?

– Como pode ver – o velho apontou para o mar à sua esquerda. – Negressus é uma cidade portuária. A praga veio pelos navios mercantis, quando tudo começou. Há uma chance de haver mortos por aqui, mas a maioria certamente já seguiu rumo ao oeste.

Clay assentiu, satisfeito. Ele se virou para um jovem de cabelos negros e sem barba alguma. Ele estava atrás do grupo, com um arco pendurado nas costas.

– Jim, fique de olho – Clay apontou para os próprios olhos e depois girou o dedo ao redor.

O arqueiro piscou pra ele. Apesar de jovem, Jim não fazia o tipo tagarela. Ele quase nunca falava. O seu negócio mesmo era puxar a corda e matar quem fosse preciso.

Os cinco viajantes decidiram adentrar os portões de Negressus, sem ter visão alguma do que tinha lá dentro. Esse tipo de situação não era rara. Frequentemente o grupo era contratado para adentrar as cidades tomadas pela praga dos mortos. Não havia ninguém mais capaz. Seus contratantes sempre pediam por coisas que foram deixadas para trás. Muitas vezes tinham que resgatar mapas, diários de bordos, baús e chaves.

Dessa vez, o objetivo do grupo era um quadro. Um rico lorde de Deloran procurou a Clay, dizendo ter ouvido falar dos serviços de seu grupo. Eles combinaram uma quantia a ser paga, e ele descreveu onde resgatar a pintura em questão.

Alguns dias depois, ali estavam eles, nas Terras Mortas, atravessando os portões de Negressus. Se tivessem sorte, iriam até o local indicado, pegariam o quadro, voltariam para Deloran e receberiam o pagamento. E se não tivessem sorte, bem, eles seriam cercados e devorados por um exército de mortos.

A praça logo depois dos portões fora tomada pela vegetação selvagem, recheada de capim, flores e cogumelos. Em contraste, o chão estava coberto de cadáveres decrépitos. Todos vestiam armaduras e espadas enferrujadas. Centenas de corvos perambulavam entre eles, grasnando e se alimentando daquele cemitério improvisado.

– Eles foram mortos com golpes nas cabeças – Galdor observou, apontando para os cadáveres. – Eles são zumbis mortos.

– Então não irão se levantar novamente – Kvarn disse, tentando encontrar alguma espada em boa condição entre os mortos. – Uma pena.

– Isso não é motivo pra ficar tão confiante – Toiva o alertou, olhando ao redor do pátio.

Ele era cercado por um quadrado de muralhas internas, separando-os da cidade por mais um portão. Ali era uma espécie de alfândega com postos de guardas.

– Houve uma grande batalha nesta cidade – Clay percebeu, vendo cadáveres pendurados até nas ameias da muralha interior.

– Você queria o quê? – Kvarn perguntou, esmagando uma barata. – Estamos nas Terras Mortas, onde o céu é azul e o chão é feito de ossos.

Jim trazia seu arco e flecha nas mãos, pronto para qualquer insurgência inesperada. Clay tomou a frente novamente e os liderou pelo próximo portão. Do outro lado, eles viram as ruas abandonadas e devastadas de Negressus. A cidade fora tomada pelos corvos.

– A torre – Jim avisou, apontando para o outro lado da cidade.

Uma torre quebrada se erguia dezenas de metros acima do chão. O ponto mais alto de Negressus. Era ali que estaria o quadro, segundo o contratante.

– Como era o nome… ? – Kvarn perguntou girando o dedo na direção da torre.

– Torre Sombria – Galdor respondeu, encarando a construção de pedra.

– Ela está do outro lado da cidade – Toiva disse, preocupada. – Devemos voltar e tentar entrar pelo acesso sul.

– O portão está fechado, vocês ouviram o contratante – Clay respondeu.

– Galdor, você não teria alguma magia pra abrir portões? – Kvarn perguntou ao velho.

– Eu perdi meus grimórios em Deloran, naquela caverna em que você causou o desmoronamento – Galdor respondeu, acusador. – Tudo o que me restou foi isso – ele puxou uma folha de papiro da sua bolsa. – Magia de vento.

– Quer dizer que tudo o que o nosso mago pode fazer no momento é assoprar na cara dos inimigos? – Kvarn perguntou com desdém.

Galdor deu um passo para trás e fez um movimento giratório com a mão. No mesmo instante, as folhas do chão começaram a rodopiar, e as roupas dos viajantes a balançar forte. Kvarn foi arremessado por uma quadra de distância, caindo no chão de pedras.

– Eu usei apenas um terço desse poder – Galdor avisou, se aproximando do companheiro. – Tente não ficar entre o meu vento e os meus inimigos.

Kavarn se levantou, atordoado.

– E você não fique perto da minha espada – ele cambaleava, tentando encontrar alguns palavrões decentes.

Clay balançou a cabeça, preocupado. Eles ainda não sabiam se o perímetro estava limpo.

– Deve haver outro portão mais próximo da torre – Toiva voltou a dizer.

– Não há – Clay puxou um mapa de couro e o estendeu no chão. Ficou de cócoras e começou a apontar para o desenho. – Negressus está selada. – O portão norte é o único acesso que temos.

– O jeito é atravessarmos a cidade inteira – Jim falou, concordando com a cabeça. – Se é o único jeito, então vamos logo.

Toiva olhou para o jovem, sabendo que ele estava certo. Resignada, ela girou os punhos das espadas e assentiu.

 

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