Um Guerreiro de Honra – Parte II
Gadrak chegou a sua aldeia após uma marcha forçada que exaurirá suas forças e a de seus dois companheiros. A entrada da aldeia ficava em uma pequena cadeia de montes rochosos escarpados, uma trilha sinuosa com vigília constante de membros mais jovens de seu povo. O agora líder, via aquele caminho com potencial para uma defesa desesperada, caso tudo desse errado. Ao chegar deparou-se com o círculo formado pelos paredões de pedra nos quais os hábeis membros de seu clã haviam esculpido e trabalhado as cavernas até se tornarem ambientes agradáveis para se morar. Havia escadarias e caminhos elevados de madeira, bem como pontes pênseis amarradas com cordas que permitiam trânsito entre as moradas, que situavam-se a diferentes níveis do chão. Era nítido que o local acomodaria mais membros de seu povo, mas infelizmente seu clã já sofrera pesadas perdas ao longo dos meses. Enquanto sua mente divagava nas possibilidades em relação aos invasores, dirigiu-se ao centro da aldeia onde a grande fogueira permanecia acesa e olhou os totens esculpidos de seus ancestrais. Receberá deles uma grande dádiva, sua mente trabalhava mais rapidamente que os demais goblins, inquietava-se com ideias variadas e com questionamentos estranhos. A anciã sempre lhe dissera que havia recebido uma graça e uma maldição no dia de seu nascimento, mas Gadrak; apesar de respeitar as tradições; acreditava que ele mesmo poderia forjar seu destino e que as falas da velha e sábia goblin eram geradas de sua observação e experiências que passara em tempos distantes.
Gadrak fez os gestos cerimoniais na fogueira; algo repetido pelos seus companheiros; todos foram até a sábia goblin Akerele. Ao entrar pediu a benção dos espíritos, respeitando o ambiente e as crenças antigas e após permissão começou o relato. O ambiente no qual estava inspirava poder, havia ossos, patuás e ídolos de barro, um cheiro de incenso de ervas com aroma forte junto de uma tênue fumaça se espalhavam pelo local. Akerele vestia peças de corpo com adornos variados, pequenos objetos, pedras brilhantes e outros itens da natureza que simulavam uma armadura forjada pela vontade, pela fé inabalável de muitos anos de existência.
Suas palavras; quase que pronunciadas em um transe místico; diziam que os invasores carregavam consigo a mesma fome insaciável dos antepassados e dos membros vindouros dos povos Humanos, uma fome que nenhum alimento pode conter, uma fome que urge com a ânsia de conquista, uma fome de morte e de dominação.
Gadrak se lembrava de seu pai contando como os Humanos adoravam as pedras de cor dourada. Ele dizia que a cada temporada de caça pediam permissão a Três Cortes para retirar de sua morada, pequenas quantidades da pedra. Uma parte delas era usada para trocas feitas por antigos viajantes de seu povo. Infelizmente isto não mais ocorria, pois era comum que acordos com goblins terminassem com a morte daqueles que humildemente apenas pediam trocas justas pela pedra dourada sagrada de seu povo. Enquanto se lembrava dessas histórias imaginou que os invasores, talvez também tivessem seus sábios de mente apurada que se lembravam desse período. Talvez a fome não tivesse sido saciada pelos viajantes goblins que tiveram suas vidas e as pedras sagradas levadas e agora estavam ali, mais desejosos do que nunca, por aquilo que tanto valorizavam.
Precisava rogar na caverna Sagrada por iluminação, precisa dos sussurros do grande herói de seu povo, mas também queria entender melhor seus inimigos e pensou em outro povo, que vivia distante, mas que teve mais contato com os Humanos. O povo de pele escamosa avermelhada, tão pequenos quanto eles, de parentesco distante com os grandes lagartos antigos que voavam e a tudo devoravam. A sábia chamava-os de Kobolds. Precisaria levar uma bela oferenda antes que pudesse ser recebido e fazer suas perguntas. Não podia perder tempo, pois os invasores, mesmo não conhecendo os perigos e trilhas antigas logo chegariam a seu local sagrado e depois se encarregariam de dominar seu povo.
O agora líder pediu a velha goblin que usasse seus unguentos curativos e pediu aos seus que se armassem e pegassem recursos para a viagem. Solicitou a três jovens que se juntassem ao grupo de adultos e rapidamente os sagrou caçadores com os ritos rápidos sucedidos pelas dádivas de Akerele. Gadrak pensou que não era a situação ideal, mas já havia certo conhecimento de sobrevivência dominado por aqueles jovens e precisaria de mais mãos para enfrentar o desafio.
Partiram cerca de três horas depois que chegaram, o cansaço e dores musculares os acompanhavam, seu grupo agora contava com os sobreviventes Baas e Kine, bem como os jovens Gbada, Jajem e Ogwe. Enquanto viajavam usando as trilhas mais perigosas, porém mais rápidas, contava tudo aos membros de seu grupo de caça. Iriam rapidamente a morada Sagrada de Três cortes e depois perto do anoitecer, acampariam no passo do cume Trinca Osso, os mais jovens e revigorados forrageariam ou caçariam o que pudessem para manter a força do grupo, em seguida viajariam um dia a sudeste em busca da Mata Velha, onde poderiam caçar os grandes javalis do casco brônzeo. A caça inteira seria ofertada a tribo de Kobolds da Mata Velha em troca de informações sobre o povo dos Humanos e de talvez a chance de trocas necessárias com a pedra sagrada que também seria levada. Daí em diante, não havia detalhes, pois só estes passos já seriam desafiadores o suficiente.
Chegaram a caverna, esbaforidos, mas determinados. Gadrak olhou a sua volta e diferente do dia anterior no qual descansara ali, adentrou a caverna, na qual haviam toscas esculturas de seus antepassados, pinturas nas paredes e muitas fendas de onde a pedra dourada sagrada brotava. Ao fundo, depois de tantos metros, sem a dificuldade da escuridão, via ao fundo a perfeita estátua de Três Cortes, em uma posição selvagem de ataque. As histórias de seus antepassados diziam que este herói de seu povo se aventurou em terras distantes, lutando ao lado de vários povos guerreiros. Seu maior feito teria sido um desafio pavoroso contra um touro de pedra que assolava o Norte, havia sido o último sobrevivente do combate, mas segundo as histórias o bafo desta terrível criatura transformava a pele em pedra, ceifando assim a vida de qualquer um. Um antigo seguidor do herói presenciou a luta e após o embate trouxe consigo seu antigo mestre petrificado daquelas terras distantes, dando início assim a nosso clã em homenagem a este grande goblin. A estátua era notável, podíamos ver que seu porte e armamentos eram dignos de histórias heroicas e todos de seu clã buscavam sussurros deste notável, esperando assim seguir trilhas dignas de seu passo glorioso, agora Gadrak estava ali, buscando orientação. Ajoelhou-se, solitário e orou por forças e ajuda neste desafio difícil. Não queria que seu clã findasse. Chorou sozinho na escuridão, não ouviu palavras, não ouviu nada além dos sons da caverna e diante de si, pensou que em algum momento aquele herói tivesse sentido medo, mas a diferença entre ambos era que seu antepassado, subjugara aquele temor e seguira em frente desafiando o mundo com suas duas adagas afiadas e sua presença inabalável.
Gradrak agradeceu pela inspiração, ficou contemplando o semblante daquela grande figura de pedra e ao se levantar pensou que lutaria até suas últimas forças para proteger seu clã. Uma jornada o esperava e sua primeira vitória contra o medo já o tornava mais forte.
Continua…
Para ler mais contos de Thul Zandull clique aqui.