Icabode St. John [23]

O trio estava naquela mesma mansão onde aconteceria o grande confronto no final daquela semana. Icabode segurava a bússola de Maxiocán, mas olhava para o lado oposto ao que ela apontava.

– Preciso passar na Estátua da Liberdade. Leon pode nos ajudar nessa missão.

– Concordo, mas primeiro devemos esperar um pouco – Caveira disse, encostado no umbral da porta. – Estou esperando uma visita.

– O que disse? – Drake Sobogo fez as presas vampíricas saltarem.

– Como assim? – Icabode perguntou. – Quem está vindo?

– Meu chefe – Caveira explicou. – Eu liguei pra ele lá no México, avisando que estaríamos aqui na mansão. Só pra vocês saberem, foi ele quem encontrou Maxiocán e quem conseguiu o helicóptero para nós.

– Sim, é verdade – Lancelot disse, surgindo pelo caminho que levava ao portão da propriedade. Ao seu lado havia um homem cujo rosto estava coberto por um véu negro, e outro homem de pele escamosa e rosto deformado. – Nós todos estamos do mesmo lado.

– Eu lembro de você naquela reunião – Icabode disse.

– Todos nós estávamos lá – ele apontou para os dois homens ao seu lado. – Lorena e Leo mataram a Juíza e a Dama do Véu Negro, as primogênitas dos clãs do Rato e da Sombra – ele apontou para o homem deformado e o homem de rosto coberto.

– Mas é Fermín quem está por trás da grande traição – o homem de véu negro disse. – Ele estava planejando assumir o governo de Nova York há muito tempo.

– Diga a eles, Ramon – Lancelot se virou para o rato.

– Fermín tentou fazer as pazes com o nosso clã – o vampiro escamoso revelou. – Disse que vocês iriam matar Solomon Saks, e depois ele iria nos entregar vocês três para que vingássemos a morte de Hercule nos esgotos.

– O quê? – Icabode perguntou, incrédulo. – Ele iria nos mandar fazer seu serviço sujo e depois nos matar?

– Aquele maldito traidor – Drake Sobogo fechou os punhos.

– Fermín é astuto – Lancelot os lembrou. – Enquanto ele estiver no governo, Nova York estará em guerra. E nós precisamos acabar com isso. Os clãs da Sabedoria, do Rato e da Sombra se aliaram, mas eles ainda nos vencem em números. Apesar de os Punhos terem sido dizimados, o clã da Rosa é maior que todos nós juntos.

– O seu amigo independente é a chave para os vampiros sem clã – Caveira disse a Icabode.

– Leon está se reunindo neste exato momento com os outros independentes – Lancelot informou. – Você deve ir até eles e convencê-los a acabar com essa guerra. Eles são poucos e indisciplinados, mas eu tenho uma estratégia.

Lancelot explicou o plano de como eles iriam tirar Fermín e seus aliados da fortaleza de Manhattan para emboscá-los.

– Mas antes, precisamos resolver uma questão – Lancelot disse. – Eu dei um jeito de informar Solomon Saks sobre a bússola, e que vocês estavam indo atrás do seu coração para derrota-lo.

– Por que você fez isso, maldito? – Drake Sobogo bufou, furioso. – Agora ele vai correr de volta para proteger a droga do coração.

– Exatamente – Lancelot olhou para ele, sério. – Eu tenho homens em cada estação de trem e aeroporto do estado. Eu descobri que Solomon e seu séquito foram para a Polônia. É lá onde seu coração está.

Icabode olhou para a bússola em sua mão e percebeu que ela apontava para o mar. Lancelot estava certo.

– O helicóptero nunca chegará até lá – Lancelot continuou. – Mas eu consegui um pequeno avião que talvez possa. Ele não aguentará o peso de várias pessoas, então vocês precisam ir sozinhos. Quando voltarem, destruiremos Fermín.

– Mas antes precisamos de mais soldados – Caveira disse a Icabode. – Leon e os independentes não seguirão a nós, membros da politicagem vampírica. Mas você é praticamente um deles. Convença-os.

Icabode e Drake Sobogo se olharam, desconfiados. Mas a informação de Lancelot acerca do coração de Solomon era uma ajuda e tanto. Isso, eles não poderiam negar. E entre confiar em Fermín e qualquer outra pessoa, eles escolheriam a segunda opção.

 

Icabode deixou a todos e foi até a beira do continente, onde começou a levitar em direção à estátua. Ele sobrevoou as águas noturnas, aguçando seu ouvido para captar os sons que vinham de lá. Como Lancelot dissera, havia vários vampiros na ilhota, e a voz de Leon sobressaía às deles. Icabode ficou invisível assim que chegou na base da ilha, e se aproximou do grupo, cuidadoso. Na hora certa, ele interveio. Os vampiros independentes eram duros e receosos, mas a promessa de Icabode de destruir o príncipe de Nova York entrou em seus ouvidos como sangue fresco, e eles amavam sangue fresco.

– Então vocês atrairão o príncipe até a mansão abandonada e nós o mataremos? – um vampiro perguntou. – Tem certeza que ele não trará um exército?

– Se ele fizer isso, a missão será abortada – Icabode garantiu. – Fermín trará no máximo um pequeno séquito. Eu prometo que a nossa vitória será esmagadora.

– Então estou dentro – o vampiro disse. – Estou cansado de viver escondido desses almofadinhas de Manhattan.

A reunião não se estendeu muito, como de costume. Vampiros não possuem a mesma disponibilidade de tempo que os mortais, e seus encontros geralmente eram rápidos e direto ao ponto. Os independentes foram embora, e Icabode e Leon ficaram sozinhos. Eles caminhavam à beira da água, sob a sombra da estátua gigantesca em suas costas.

– Venha conosco – Icabode pediu. – Nós precisaremos de toda ajuda possível para destruir Solomon. Seus poderes furtivos farão toda a diferença.

Leon deu um sorriso triste.

– Lembra quando você ajudou Solomon a invadir o meu esconderijo para me matar? E depois quando você invadiu a fundição de Solomon para tentar me matar de novo?

– E no final das contas você me salvou.

– Eu te condenei – Leon o corrigiu. – Sua alma…

– Minha alma já estava condenada. Meu pai a vendeu quando eu era criança. No início achei estranho Anatole (o primeiro vampiro que cacei) estar procurando por meu pai. Mas agora sei que o “reverendo” tinha um passado negro. Então – Icabode colocou a mão no ombro dele – se você não tivesse me transformado em vampiro, eu estaria no inferno neste exato momento.

– Isso remove a minha culpa, mas me deixa abismado. Não sabia sobre o seu pai.

– Isso não importa agora. Se não destruirmos Solomon Saks imediatamente, provavelmente depois será impossível.

– Então vamos – Leon assentiu, sentindo a urgência no tom de Icabode. – Vamos chutar seu traseiro judeu. Que dia partimos?

– Amanhã. Lancelot tem um rancho ao norte, com pista de pouso. Sairemos todos de lá – os dois se despediram e Icabode voltou para a cidade, especificamente para o prédio de Sunday.

 

O apartamento estava do jeito que eles deixaram, com paredes quebradas e uma fita policial na porta. Icabode entrou pela sacada e foi direto para a suíte principal. Assim que se deitou na cama, a voz de Sunday veio em sua mente.

Garoto, preciso te contar algo. Levante-se.

Sunday? Icabode perguntou, obedecendo a ordem. O que aconteceu?

Vá até a cômoda à sua direita e abra a última gaveta. Remova os lençóis e abra essa caixa metálica. Icabode obedecia a tudo que ele pedia.. Dentro da caixa, havia um monte de cartas.

São cartas dos meus pais. Icabode percebeu que todos os remetentes eram de Peter St. John. E o endereço era na Califórnia. Cartas de antes de eu nascer.

Pegue aquela carta amassada no final, Sunday disse, e Icabode percebeu que uma delas estava toda enrugada, como se alguém a tivesse transformado em uma bola de papel e depois a esticado novamente.

Aí está a verdade, garoto, Sunday disse. Desculpe-me por não ter dito antes.

Icabode abriu o envelope e leu o que estava escrito no papel:

Olá Sunday.

Eu acho que fiz uma coisa terrível. Noite passada Sandra entrou em trabalho de parto, e nós estávamos na cabana, longe de São Francisco. Não tinha como leva-la até o hospital.  Então eu tive que fazer o parto sozinho, imagine só. Mas tudo saiu do controle muito rápido. O bebê não saía, e ela perdia muito sangue, e eu fiquei… fiquei apavorado. A Sandra ficou pálida e delirando. Quando começou a perder a consciência, decidi enfiar o meu braço dentro dela para arrancar a criança. E ao perceber que iria perder minha esposa, fiquei louco. Comecei a rezar mas Deus não me respondia. Foi aí que aconteceu algo macabro, Sunday. Algo terrível. Sei que você não vai acreditar, mas eu senti a presença de alguém em minhas costas, quando me virei, vi um homem do outro lado da porta, na sala e estar. Ele tinha chifres. Seu rosto era comprido e peludo. Seus pés pareciam cascos fendidos. Ele me disse que poderia salvar minha esposa, mas isso tinha um preço. Ele me pediu… oh, Deus, ele me pediu a alma do bebê. E na hora, em minha mente, eu visualizei Sandra me dando outros filhos. Eu poderia perder aquele. Mas não conseguia imaginar minha vida sem ela, então, Sunday, oh, meu amigo, eu aceitei. Fiz o pacto com o demônio, e vendi a alma do pobre garoto. Depois, Sandra recuperou a consciência e a criança nasceu. Mas eu não esperava uma coisa. Na hora que o peguei em meus braços, meu coração se encheu de amor. Sunday, me ajude por favor! Preciso fugir da Califórnia. Preciso ir para o lugar mais longe possível! Pensei em ficar perto de você e de Katherine, só que não na cidade. Pensei em Long Island, talvez. Será que vocês nos receberiam aí por alguns dias? só até nós acharmos um lugar. Eu sei que parece loucura tudo o que disse, mas explicarei pessoalmente, se você me permitir.

Icabode ficou encarando a carta em silêncio quando Sunday se manifestou.

O pai é responsável pela alma do filho até que ele alcance a maioridade. Assim que o adolescente se torna adulto, ele ganha autonomia espiritual, e qualquer contrato de consagração com o demônio é extinto. Seu pai sabia disso, e por esse motivo quis se esconder. O demônio tentaria te matar, Icabode, antes que você virasse adulto.

Isso é injusto, Icabode disse. Por que eu não tenho direito sobre a minha própria alma?

As coisas sempre foram assim. Deus mandava o povo de Israel matar os exércitos inimigos, incluindo os filhos pequenos. Se você tivesse o azar da nascer no lado errado da guerra, você era considerado inimigo de Deus, fosse adulto ou bebê.

Mas eu ainda não sou maior de idade, Icabode disse, olhando para o próprio corpo, e nem serei! Estou congelado nessa idade para sempre.

Eu sei, garoto, Sunday disse, triste. E eu não te disse antes porque não tive a oportunidade. Desde que você chegou em Nova York, nós estivemos juntos umas três vezes, e eu ainda não tinha certeza se deveria, já que o seu pai optou por esconder esse segredo, e depois que morri…

Sunday, Icabode o interrompeu. Não precisa me pedir perdão por nada. Eu sei que você nunca faria nada de mal a mim. Sei que suas intenções são sempre boas. Mas agora eu preciso dormir. Amanhã enfrentaremos Solomon Saks, e eu salvarei minha tia Katherine. Você tem minha palavra.

Eu confio em você, garoto. De verdade.

Icabode ficou deitado, pensando na carta de seu pai. Você não queria escolher entre a minha vida e a vida da sua esposa. Eu entendo, pai. Você tentou salvar os dois ao mesmo tempo, mas não conseguiu salvar nenhum. As vezes o herói é derrotado. Mas agora eu me tornei um vampiro. Sinto raiva o tempo todo, e tenho sede de sangue. A vida humana se tornou algo barato para mim. E talvez seja melhor eu não lutar contra isso. Talvez eu deva ser um vilão frio e calculista. Porque se eu não for, não durarei muito tempo, e logo me mandam de volta ao inferno. Então é isso, pai. Nem sempre o lado bom vence no final.

Boa noite, reverendo – Icabode disse em voz alta e fechou os olhos.

 

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Icabode St. John [22]

Nos capítulos anteriores: Icabode e seus companheiros conseguiram a bússola de Maxiocán Allende, pela qual poderiam encontrar o esconderijo do coração de Solomon Saks. Após o ritual de ativação, a bússola começou a indicar em uma direção, mostrando o caminho para o grupo.

 

Leon vestia sua bata usual, com cabelos e barbas que o faziam parecer com Jesus. No interior da torre, sob os pés da Estátua da Liberdade, um grupo de vinte vampiros o ouvia discursar em cima de um barril.

– Vocês precisam entender – ele dizia, juntando as mãos como se implorasse. – Se não nos unirmos, estaremos todos mortos até o final do ano. E nós só temos uns aos outros. Se não nos protegermos, quem irá? O Conselho de Nova York?

– Se esse tal de Solomon Saks está tão forte assim, não seria idiotice lutar contra ele? – um vampiro gordo e papudo perguntou.

– Não importa o que façamos – Leon respondeu, cansado. – Ele está matando um a um. Você irá morrer de qualquer jeito. Mas se lutarmos, pelo menos teremos uma mínima chance!

– Mas por que ele está fazendo isso? – uma criança pálida e com olhos vermelhos perguntou. – Por que esse polonês está nos caçando?

– Inicialmente ele estava fazendo isso para absorver os poderes dos vampiros mais fortes – Leon olhou para cada um ao redor. – Mas o sangue de vampiro é a coisa mais deliciosa de todas. Acredito que esse maldito está viciado. Solomon Saks se tornou um canibal viciado em sangue de cainitas. Ainda que esteja extremamente forte, ele não irá parar de caçar vampiros.

– Eu pensei que o Conselho de Nova York se considerava a “Polícia da Noite” – um velho disse com sarcasmo. – Por que eles simplesmente não o abatem?

– Porque Solomon é uma daquelas pessoas extraordinárias – Leon explicou. – Ele é um rico mafioso, cheio de contatos. Ele tem um exército pessoal, com um arsenal poderoso, e está pouco ligando se vai quebrar as regras ou não. A partir do momento em que bebeu da alma de Ivanovitch e de outros vampiros mais velhos, ele garantiu sua vantagem sobre o Conselho.

– E o que você espera que façamos? – a criança perguntou. – Se nem o Conselho consegue vencê-lo, por que acha que nós, os vampiros independentes teríamos alguma chance?

– Porque o Conselho de Nova York está fraco – Leon respondeu. – Eles estão em guerra entre si. Solomon Saks tem matado vários deles por dia. Todos vocês que estão aqui hoje, não possuem um clã. Não seguem as regras do Conselho, mas isso não significa que não estão no mesmo lado. Todos vocês tem algo em comum. Todos são alvos de Saks.

– Ele está certo – uma voz conhecida surgiu da multidão. Icabode St. John se aproximou do centro, olhando para Leon. – Olá, meu chapa.

– Você está vivo! – Leon arregalou os olhos, surpreso. – Pensei que tivesse morrido naquele cemitério – ele saltou do barril e apertou a mão do outro.

– Solomon Saks não me matou – Icabode respondeu. – Pois eu é que vou mata-lo. E descobri como fazer isso – ele puxou a bússola do casaco e olhou para os vampiros independentes ao redor. – Você me empresta a sua platéia?

 

Em menos de uma semana, tudo aquilo teria terminado. O confronto final chegaria ao fim. E Lancelot, o primogênito do clã seria o primeiro a descobrir o resultado e portador das notícias. Ele estava na sala de reuniões do príncipe Fermín e seu conselho, com Leo, Savage, Lorena e Stolas.

– Que surpresa tê-lo conosco, Lancelot – Fermín disse, satisfeito. – Estou há dias lhe convidando para se unir a nós. Finalmente…

– Não é por isso que estou aqui – Lancelot o interrompeu educadamente. – Decidi não me aliar a vocês ou ao clã do Rato porque eu tinha mais o que fazer. Enquanto vocês estavam brigando entre si, Solomon Saks destruía nossa cidade.

– Aí que você se engana, meu caro Lancelot – Fermín sorriu para ele. – Eu enviei um grupo de vampiros para achar uma forma de derrotar o polonês. Eles descobriram que o coração de nosso inimigo estava escondido na Polônia, obviamente, e já partiram há uns dias para destruí-lo. A essa altura tudo deve ter sido resolvido.

– Na verdade você enviou dois neófitos, recém abraçados – Lancelot o corrigiu. – O único apto naquele grupo é Caveira, que só está na “sua missão” porque eu o ordenei.

– Aquele maldito estava agindo como um espião? – Leo perguntou, exasperado.

– Espião? – Lancelot olhou para ele, calmo. – Caveira sempre pertenceu ao meu clã. O que vocês esperavam que ele fizesse? – Ele se virou para Fermín novamente. – Eu descobri os contatos no México e garanti o transporte para a Polônia. Eu sou a verdadeira cabeça por trás dessa missão, príncipe, e quero que isso fique claro.

– Eu apenas vejo que nós temos agido como aliados o tempo todo – Fermín sorriu, sem graça. – Por que não oficializarmos essa parceria?

– Entenda uma coisa, príncipe – Lancelot pousou as duas mãos sobre a mesa, explicando de forma categórica. – Nossa equipe cometeu um erro. A bússola coincidentemente apontou para a Polônia quando a colocamos em um mapa. Mas o coração de Solomon Saks nunca esteve lá. Eles ignoraram uma possibilidade que estava debaixo de nosso nariz.

Os vampiros ao redor se ajeitaram na cadeira, intrigados com as revelações. Lancelot continuou.

– A bússola também apontava em direção à mansão de Solomon Saks, aqui mesmo em Nova York, mais precisamente no Brooklyn.

– O lugar onde Ivanovitch foi morto – Leo disse.

– E então? Eles acharam o coração? – Lorena perguntou, impaciente.

– Acharam – Lancelot explicou. – Mas no esconderijo subterrâneo da mansão não havia apenas um coração. Havia também o próprio Solomon Saks e seu séquito. Todos canibais e com poderes absorvidos de outros vampiros. O primeiro a cair foi o meu pobre Caveira. Gólgota entrou em sua cabeça e o fez ficar louco. Caveira caiu no chão gargalhando até que alguém o matasse no fim da batalha. Um maldito jogou álcool sobre seu corpo e soltou um isqueiro aceso em suas roupas. Ele ria enquanto as chamas dançavam sobre seu cadáver.

– Sinto muito por sua perda – Fermín sussurrou, espantado. Lancelot continuou.

– Icabode e Leon reuniram um grupo de vampiros independentes. Eles criaram seu pequeno exército. A maioria morreu nos primeiros cinco minutos de combate. O exército de Solomon Saks também apareceu. Vários capangas armados com metralhadoras e fuzis. Troche, o Judeu de Ferro que pensávamos estar morto, estava lá também. Ele cuidou do Capitão Sangrento. Os dois tiveram a briga mais violenta, até que um capanga chegasse por trás do vampiro boxeador e explodisse sua cabeça com uma escopeta.

– Minha nossa – Fermín fechou os olhos.

– Rabin, o feiticeiro, usou sua telecinésia para erguer Leon, o líder dos independentes, a uma altura que fosse letal. Ele abriu a mão e deixou o coitado despencar dezenas de metros de altura. O corpo de Leon atravessou o teto da mansão e pintou o porcelanato de vermelho. O último a morrer foi o próprio Icabode. Solomon Saks cuidou dele pessoalmente – Lancelot tocou na parte de trás da própria cabeça. – Ele atravessou a nuca do garoto com um soco, esmagando seu cérebro.

– Já entendemos o cenário, Lancelot – Fermín disse. – Não precisa entrar em mais detalhes. Isso significa que perdemos a luta, é isso?

– Ainda não – Lancelot disse, olhando nos olhos de cada um ali. – Os capangas de Solomon estavam armados, mas ainda eram apenas mortais. Os vampiros independentes os mataram, e em seguida eles ainda estavam em maior número, apesar de serem todos fracos. O séquito de Solomon foi dizimado. Gólgota derrubou vários deles com seu poder mental antes de ser agarrado por três e ter seus membros esquartejados.

– Isso! – Leo gritou, socando a mesa, excitado.

– E os outros, Lancelot? – Lorena perguntou, esperançosa.

– Quando Rabin viu que não conseguiria vencer a todos, levitou para longe e sumiu.

– Espere um minuto – Savage o interrompeu. – Como você sabe de tudo isso?

– Eu estava assistindo do prédio ao lado – Lancelot explicou. – Caso você já tenha jogado xadrez, sabe que os peões se movem primeiro.

– E quem seria você nesse jogo? – Savage perguntou, desconfiado.

– Eu sou a Rainha, e estou protegendo o Rei – ele olhou para Fermín com um aceno de cabeça. – E agora farei o movimento final dessa batalha.

– Solomon Saks? – Lorena perguntou. – O que aconteceu com ele?

– Ele ficou gravemente ferido – Lancelot respondeu. – Eu não estava assistindo tudo sozinho. Enviei meu lacaio mais leal com um lança chamas para o local. Enquanto Caveira pegava fogo no gramado, meu lacaio disparou outra língua de fogo em direção aos últimos sobreviventes. O Judeu de Ferro virou uma coluna de chamas e se jogou no rio. Solomon Saks havia sofrido vários ataques, e também foi beijado pelas labaredas, mas ele foi mais rápido e arrancou a cabeça do meu lacaio com uma mordida. Eu fiquei assistindo enquanto o polonês voltava mancando pela escadaria de seu bunker subterrâneo. Esperei por um tempo para ver se não havia mais ninguém ao redor, e decidi vir contar a vocês. O maldito está fraco e sozinho. E ele está guardando pessoalmente o seu coração.

– Devemos mandar alguém terminar o serviço, rápido! – Savage olhou para o príncipe.

– Não! – Lancelot cortou. – O sol está prestes a nascer, e durante o dia Solomon terá algum capanga para leva-lo para outro lugar onde ele irá se regenerar e se fortalecer novamente. Precisamos ir agora! temos pouco tempo para finalizar isso.

– E não conseguiríamos reunir outros vampiros dispostos a enfrentar Saks pessoalmente – Lorena concordou com Lancelot. – Nós temos que agir rápido.

– E essa é a oportunidade para eu provar minha força como príncipe – Fermín acrescentou. – Quão fraco ele está?

– Ele foi o centro dos ataques da noite. O lança chamas lhe causou danos terríveis – Lancelot garantiu. – Se nós o cercarmos, juntos, poderemos vencê-lo, sem dúvida.

– Então, vamos! – Fermín se levantou. – Que todos vejam que eu sou o verdadeiro líder que Nova York precisa.

Todos ao redor da mesa se levantaram, prontamente. Os seis desceram o prédio e ocuparam dois carros que aguardavam lá embaixo. As ruas de Manhattan estavam vazias, e não demorou para que eles chegassem no Brooklyn.

Enquanto se aproximavam do destino, o clima ficou mais frio, e a iluminação havia reduzido consideravelmente. Eles estavam indo para o confronto final.

– Policiais! – Fermín disse enxergando o giroflex ligado em frente ao muro da mansão. Luzes azuis e vermelhas giravam sobre o capô de três viaturas da polícia.

– Você esperava que uma guerra explodisse e nenhum policial viesse? – Lancelot perguntou no banco de trás. – Não se preocupe com eles. Estão todos desmaiados.

– Como você fez isso? – Fermín perguntou, cauteloso.

– Não se esqueça que sou um vampiro poderoso, meu príncipe – Lancelot o lembrou. – E que os meus poderes são mentais.

– Claro que eu sei, Lancelot – Fermín pousou a mão em seu ombro. – Todos sabem que você faz parte da casta mais nobre dos vampiros de Nova York.

Lancelot assentiu, satisfeito.

– E depois desta noite, espero que meu lugar no seu conselho esteja acima de qualquer outro.

– Mas é óbvio – Fermín prometeu, ignorando o olhar ciumento de Lorena ao seu lado. – Só não acima do meu, é claro.

Os carros pararam ao lado das viaturas, e os seis vampiros desceram. Eles olharam para dentro dos carros pretos da polícia, e viram os homens dormindo nos bancos.

Eles passaram pelo portão de ferro e viram a mansão abandonada, com paredes e muros quebrados, e gramado destruído. Havia dezenas de corpos espalhados pelo chão. Fermín foi até um dos corpos que reconheceu imediatamente.

– Pobre garoto – disse ele, ficando de cócoras ao lado de Icabode. – Você entregou sua não vida, mas pelo menos serviu para o nosso propósito.

Os olhos de Icabode fitavam o céu, imóveis. Seu corpo era frio e duro, e não havia vida nele. Fermín olhou em direção à porta do bunker e se preparou mentalmente para o confronto final.

– Vamos matar esse filho da mãe! – Lancelot disse, satisfeito.

Fermín estava pronto para sua marcha, quando subitamente foi surpreendido. Todos os cadáveres ao redor se levantaram do chão. Dentre eles, estavam Drake Sobogo, Caveira e Icabode. O príncipe e seu conselho estavam atônitos.

– Emboscada! – Leo gritou, segurando seu bastão de baseball com firmeza. – O que é isso Lancelot?

– Essa guerra estúpida já durou tempo demais – Lancelot explicou. – Eu estou dando um fim nela agora mesmo!

– O que você pensa que está fazendo? – Fermín lhe lançou um olhar injetado. – Os clãs da Águia, do Punho, da Rosa e dos Filhos de Pã são a maioria. Você nunca conseguirá nos vencer. Isso é loucura!

– Mas eles não estão aqui agora, estão? – Icabode perguntou, olhando ao redor. – Estão só vocês quatro. Longe da sua fortaleza super protegida.

– Nós conseguimos enfrenta-los! – Leo disse, olhando para os vampiros ao redor. – É só cada um de nós matar cinco deles. Esses independentes são fracos e neófitos. Nós podemos!

– Eu não contaria com isso – uma voz disse, e outras pessoas começaram a brotar do nada. Elas estavam invisíveis o tempo todo. Era o clã do Rato, seis vampiros de pele escamosa e ossos deformados. O vampiro que falou era o mais feio de todos.

De dentro da mansão, surgiu outros dez, todos com as cabeças cobertas por véus. Era o Clã da Sombra. Eles se uniram à multidão.

– Eu me rendo! – Lorena ficou de joelhos, diante de Lancelot. – Não me mate, por favor! O clã da Rosa renuncia a qualquer aliança feita com o falso príncipe!

– Lorena! – Fermín gritou, ultrajado. Depois ele olhou ao redor, ainda espantado. Savage seguiu os passos da vampira e também se ajoelhou diante de Lancelot.

– Desculpe, cara – Leo olhou para ele e abaixou seu bastão. Em seguida, também se ajoelhou. – O clã do Punho implora por sua misericórdia. E juramos nossa lealdade a você.

– E-eu também peço perdão pelos meus atos – Fermín se ajoelhou, gaguejando. – E rogo que aja com miseri…

– Não – Lancelot interrompeu. – Enquanto você viver, haverá guerra.

Os vampiros ao redor cercaram a Fermín, prontos para mata-lo. O príncipe se levantou do chão, desafiador. Então sua pele começou a brilhar, como se ele fosse algum tipo de criatura celestial.

– Vocês são muitos, mas eu sou muito mais – ele disse, e de repente, Drake Sobogo caiu de joelhos, atordoado. O militar ergueu a cabeça perguntando onde estava e quem eram aquelas pessoas. Em seguida, Fermín se virou para Caveira. – Eu sou o seu novo mestre. Me proteja!

Caveira sacou suas armas e começou a atirar nos vampiros ao redor. Ao perceber o poder do príncipe, Icabode correu em sua direção. Fermín olhou para ele e gritou “caia no chão!”. Icabode não teve nem tempo de pensar. Ele se jogou de peito no gramado, obediente.

– Afastem-se! – Lancelot gritou. Fermín havia causado a morte de quase dez vampiros em poucos segundos. – Se o nosso querido príncipe deseja um embate mental, nada mais justo que o primogênito do clã da Sabedoria o enfrente pessoalmente.

Os dois ficaram frente a frente, encarando-se mortalmente. De repente Lancelot se transfigurou, e virou um demônio chifrudo, com pele vermelha e longo rabo.

– Volte ao normal! – Fermín gritou. E Lancelot voltou à sua imagem normal.

– Abrace o seu medo! – Lancelot ergueu as mãos para ele, e Fermín recuou dois passos, apavorado. – Seja abraçado pelas trevas!

– Morra! Isso é uma ordem! – Fermín rebateu, mas ele perdera a confiança inicial. Agora era apenas uma criatura assustada. Seu poder não afetou o adversário em nada.

Lancelot fez uma última expressão facial e esse foi o fim. Fermín começou a gritar e rolar no chão, como se sofresse as piores dores do mundo. Os vampiros do clã do Rato o cercaram.

– Isso é pela Juíza! – um deles disse antes que todos começassem a desmembrar o príncipe de Nova York. Enquanto os outros assistiam a cena, Lorena se colocou ao lado de Icabode.

– O que aconteceu? Por que você nos traiu? O que o fez escolher o lado de Lancelot, o clã do Rato e o da Sombra?

Icabode St. John se virou para ela e começou a explicar os eventos que aconteceram nos dias anteriores.

 

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Icabode St. John [21]

Nos capítulos anteriores: Icabode, Drake e Caveira foram até o vilarejo mexicano à procura de Maxiocán Allende, o famoso caçador de vampiros. Ao encontrar com ele, o grupo revelou os acontecimentos em Nova York e como Solomon Saks estava matando os vampiros e se tornando uma criatura invencível. Maxiocán os ouviu e decidiu ajudá-los. 

 

No dia seguinte à formação da aliança de Fermín, Savage, o primogênito dos Filhos de Pã, veio até os cômodos do príncipe interino. Ao seu lado, estava um homem com a cabeça coberta de penas negras e um longo bico da mesma cor. Ele usava uma gabardina bege e pantalonas de couro.

– Esse é Stolas – Savage apresentou o companheiro. – Ele será o seu xerife.

– Desculpe? – Fermín perguntou, intrigado, enquanto terminava de vestir seu terno. – Sinto muito, mas Leo já me pediu tal função.

– Leo é o primogênito do clã do Punho – Savage o lembrou. – Ele já tem esse privilégio. Você o dará também o cargo de xerife? Isso é chover no molhado, meu príncipe. Cargos de confiança são oportunidades de alianças. O meu clã jurou lealdade a você, não jurou? E o que ganhamos em troca? – o velho fez um beiço descontente. – Stolas será o seu novo xerife, príncipe. Esse pedido é inegociável.

Fermín arqueou as sobrancelhas, surpreso. Era um ultimato, e dependendo da resposta, ele poderia perder um clã inteiro para o inimigo. O príncipe percebeu então como sua reivindicação estava fragilizada. Em seguida, suavizou a expressão como se aquilo não fosse nada e assentiu.

– Pois bem, Stolas será o meu novo xerife. Os delegados…

– Ele escolherá seus delegados – Savage o interrompeu. – Stolas precisa ter homens de confiança para seguir suas ordens.

– Claro, claro – Fermín concordou, receoso. – Isso é tudo, Savage? Precisamos retornar imediatamente a Nova York. Quero que Solomon Saks ouça o quanto antes as novidades. Que nós sabemos como derrota-lo.

– Se você tivesse espiões, essa tarefa seria fácil – Savage observou. – Mas até lá, Stolas e seus delegados irão espalhar as notícias.

Stolas e Savage trocaram olhares, e o homem-corvo assentiu, deixando o cômodo imediatamente. Fermín pensou em como corvos simbolizavam mau agouro.

A milhares de quilômetros ao sul, Icabode, Drake e Caveira despertavam. Eles passaram a noite no subsolo de uma despensa, em Vilallende. Uma mulher com o rosto tatuado de caveira os vigiava. Os vampiros sabiam que ela era uma lobisomen, e que sozinha, podia facilmente matar os três.

– Aqui está – Maxiocán Allende disse, descendo a escada com uma lamparina. Ele trazia um objeto na outra mão. – Vocês devem partir imediatamente. Meus lobos estão prestes a entrar em frenesi. Não conseguirei segurá-los por muito tempo. Eles querem a cabeça de vocês.

– Eu posso fazer outra ligação? – Caveira perguntou, erguendo o dedo.

– Você já passou o relatório a Fermín – Drake Sobogo rosnou, pegando-o pela gola. – Eu posso saber para quem você quer ligar agora?

– Eu estava pensando em ligar para a sua mãe – apesar da voz abafada pela máscara, o tom de Caveira era provocativo. – Queria perguntar o que estava vestindo. Você acha que ela gosta de roupas íntimas de renda?

Drake o ergueu no ar e o jogou no chão. No instante seguinte, os revólveres de Caveira estavam encostados nas orelhas do boxeador. O mascarado gargalhava, divertido. Icabode abriu os braços, e cada um foi jogado para um lado da câmara. O garoto olhou para Maxiocán.

– Diga-me – pediu ele, apontando para o objeto na mão do mexicano. – Essa é a arma capaz de matar Solomon Saks?

– Isso não é uma arma – Maxiocán mostrou uma pedra em forma de disco, com um círculo escavado no meio. Havia uma agulha no centro. – É uma bússola. Vocês precisam de um item pessoal de Solomon Saks para fazer o ritual de ativação da bússola. Em seguida, a agulha apontará na direção em que seu coração estiver escondido – ele tirou um pergaminho do bolso traseiro e o estendeu. – Aqui estão as instruções para o ritual.

Icabode o pegou e guardou na jaqueta. Drake Sobogo pegou a bússola. Eles subiram até a vila, onde os habitantes os encaravam com ódio. Maxiocán os conduziu até os portões de madeira, enquanto uma bola de feno passava rodando entre eles.

– Assim que terminarem, tragam-me a bússola de volta – Maxiocán disse, sério. – O pergaminho pode ficar com vocês. É uma cópia.

– Peppers – Drake se virou para ele. – Certeza que não quer vir junto?

– Eu não trabalho com vampiros – Maxiocán respondeu com desprezo. – Eu os mato. Vocês só estão vivos porque essa missão é vantajosa para mim.

Drake apertou o maxilar, ferido. Ele se virou e começou a caminhar. Icabode e Caveira o seguiram, deixando Maxiocán para trás, sem nenhum adeus. O trio caminhou por um campo de cactos até onde o helicóptero aguardava. O piloto fizera uma fogueira e se aquecia com uma garrafa de uísque. Ele se levantou ao vê-los chegar.

– Foi até a Cidade do México durante o dia? – Caveira perguntou, se aproximando. O helicóptero era propriedade do exército, e fora comprado no mercado negro. Nenhum civil poderia ser visto pilotando aquela belezinha.

– Sim – o piloto respondeu, batendo na lataria da nave. – O tanque está cheio e pronto para voltar para casa.

Os vampiros ficaram em silêncio durante o voo inteiro, e isso deu tempo para eles ficarem sozinhos com seus pensamentos. Nessa hora, Sunday falou na cabeça de Icabode.

Está mais calmo garoto? Eu não consigo comunicar com você desde aquele dia do esgoto. O ódio tomou conta da sua mente. Isso não pode acontecer.

Isso não pode acontecer? Icabode perguntou, apertando os punhos. Eu descubro que meu pai, um reverendo, vendeu a minha alma para um demônio, descubro que se eu morrer, irei direto para o inferno. Descubro também que você é um fantasma preso à minha cabeça! E a minha tia, minha única parente viva foi sequestrada por Solomon Saks.

Sobre Katherine, Sunday começou a dizer, mas foi interrompido.

Não, Sunday! Eu sei que Rabin ameaçou mata-la se eu continuasse com essa missão, mas não me peça para parar agora. Não conseguirei. Preciso ir até o fim disso. Preciso destruir aquele maldito e seu séquito.

 Eu nunca pediria para você parar. A voz de Sunday era triste. Katherine é o amor da minha vida, mas Solomon Saks precisa morrer. A única coisa que peço, é que você não esqueça de sua essência. É normal para um neófito perder a cabeça após ser abraçado. Veja nosso amigo Drake Sobogo. Ele está uma pilha de nervos também. Mas isso é a identidade do Abraço Vampírico. É assim que você quer ser definido? Um escravo desses sentimentos? Eu espero muito mais de você, garoto. Escolha quem você quer ser. Independente da sua condenação ao inferno, você ainda está na Terra. E ainda tem a opção de ser quem deseja ser. A escolha é sua.

Sunday, Icabode fechou os olhos, envergonhado. Perdoe-me por não ouvir a sua voz nos últimos dias. Mas todo esse ódio que sinto em mim… Não sei controla-lo.

Então pule desse helicóptero agora e se mate. Pois se não aprender a controlar a besta interior, a sua morte final será uma questão de tempo. Normalmente, adolescentes se tornam adultos. Você está fazendo o caminho oposto. É compreensível, mas infelizmente, também é decepcionante. 

Aquelas palavras o acertaram como um tapa. A voz de Sunday silenciou, e Icabode soube que precisaria analisar sua atual situação novamente, com novos olhos. Se eu não controlar a besta, morrerei.

O helicóptero fez duas paradas até chegar em Nova York. Eles foram direto para o Brooklyn, e sobrevoaram a mansão abandonada de Solomon Saks. O piloto desceu o helicóptero até ficar uns três metros de distância do chão. Os três vampiros saltaram. Caveira virou morcego e se transformou ao chegar no gramado. Icabode levitou cautelosamente. Drake Sobogo saltou e fez dois buracos no chão com os pés.

– Precisamos achar um pertence pessoal de Saks, mas tomem cuidado – Drake alertou. – Pode haver alguém escondido por aí.

– Você está certo – uma voz surgiu da portinhola do bunker subterrâneo. Era Troche, o Judeu de Ferro. – Eu estava esperando por vocês.

– Onde está Solomon Saks? – Icabode perguntou, ao vê-lo brotar de dentro da terra.

– Ele soube que vocês encontraram Maxiocán – Troche informou. – Neste exato momento, o patrão está indo garantir que seu coração esteja bem protegido. E eu fui incumbido para caçá-los.

– Peguem o objeto – Drake se virou para os dois companheiros. – Deixem que eu cuido dele – Icabode e Caveira concordaram e correram em direção à mansão. Drake se voltou para Troche novamente. – Da última vez que nos encontramos eu te deixei meio morto. Desta vez terminarei o serviço.

– A primeira vez que nos encontramos eu te deixei meio morto – Troche o lembrou. – Acho que hoje é o desempate. Só que dessa vez, as coisas estarão equilibradas – ele sorriu e mostrou as presas vampíricas. Drake ficou surpreso. Da última vez, Troche ainda era um mortal (apesar das placas de ferro ao redor do corpo). Agora ele não era apenas um vampiro, mas era prole de Solomon Saks, e isso poderia ser algo terrível.

Drake Sobogo fez o primeiro movimento. Em poucos instantes, eles deixariam uma marca de terra e capim revirado no quintal de Solomon Saks. O militar correu rápido como um raio, mas Troche desaparecera. Levado pelo impulso, o corpo de Drake passou direto e se chocou contra uma árvore, arrancando-a do chão, até às raízes.

Ele se levantou e procurou o adversário, perdido. Ao erguer os olhos, viu Troche descer do céu em sua direção, acertando seu peito com as solas dos pés. Drake foi arremessado, abrindo uma vala no chão. Assim que parou de deslizar, ele viu Troche dois palmos acima de seu rosto, levitando com o corpo deitado, paralelo ao oponente, cobrindo o completamente o militar com a sua sombra. Os punhos do Judeu de Ferro começaram a acertar freneticamente o rosto de Drake, afundando sua cabeça na terra.

Capitão Sangrento não era apenas um militar. Ele também era boxeador de lutas clandestinas. Então o que fez a seguir não foi uma coisa completamente fora das regras. Ele ergueu a perna para cima, acertando o saco de Troche com tanta força que o jogou para trás, contra o muro. O Judeu de Ferro atravessou a parede de tijolos e caiu no asfalto.

– Parece que alguém não tem bolas de ferro – Drake disse, se levantando e correndo em sua direção.

Um carro se aproximava, e o motorista freou repentinamente, derrapando sobre o asfalto quando seus faróis iluminaram um homem surgir do nada e socar o sujeito que estava se levantando do chão.

Troche foi arremessado contra a vidraça de uma panificadora e engolido pelo estabelecimento escuro. Drake adentrou o local, sem conseguir ver nada em seu interior. De repente braços o envolveram e uma voz sussurrou em seu ouvido:

– Pronto para morrer? – antes que ele respondesse, Troche o puxou para cima, atravessando o teto em direção ao céu.

Drake se debatia, tentando se soltar do abraço enquanto os dois subiam rapidamente. Quando alcançaram dezenas de metros acima do solo, Drake se desvencilhou e agarrou a cabeça de Troche. O judeu arregalou os olhos um momento antes de Drake começar a dar testadas em seu nariz. O militar sentiu o rosto de metal se afundar, enquanto continuava golpeando no mesmo lugar. A cada cabeçada, sangue espirrava no rosto de ambos. Troche apagou em pleno ar, e parou de subir. Agora viria a queda livre.

Os corpos começaram a descer velozmente. Nenhum vampiro sobreviveria aquele tombo, e Drake sabia disso. A mansão de Solomon ficava ao lado do rio, mas ele nunca conseguiria mudar a rota da queda. Decidiu então que seu último ato seria socar mais uma vez o maldito que causou a sua morte. Ele agarrou Troche pelo casaco enquanto caíam e arqueou o braço antes de dar seu soco mais potente. O judeu rodopiou pelo ar, se distanciando dele. Drake deu um sorriso triste e olhou para baixo, na direção da mansão que estava a três segundos de distância. Ele fechou os olhos.

Seu corpo parou abruptamente, poucos centímetros acima do gramado. Icabode estava diante da porta, erguendo os braços em sua direção. Ele segurava o corpo de Drake com a telecinésia. Ao seu lado, Caveira estava encostado no umbral da porta, girando um pedaço de pano com o dedo.

Alguns metros longe dali, o corpo de Troche caíra no rio. Drake foi colocado no chão. Ele se ajoelhou, ferido, e olhou para a mão de Caveira.

– Isso é uma ceroula?

– Era pra ser um pertence pessoal de Saks, não era? – Caveira perguntou, dando de ombros. – Não existe nada mais pessoal do que uma ceroula.

Icabode retirou o pergaminho da jaqueta e o abriu. Ele pegou um atiçador de brasa da lareira e começou a desenhar no gramado um pentagrama. Drake pegou a bússola de Maxiocán e a colocou no centro. Caveira fez o mesmo com a roupa íntima. Icabode abriu bem o pergaminho e começou a ler as palavras em latim. Enquanto ele fazia isso, raios gigantescos cortavam as nuvens, e uma ventania começou a varrer as folhas do gramado.

– Magia negra – Caveira sussurrou assim que Icabode terminou a leitura.

Em seguida, o jovem pegou a bússola e a ergueu diante de seus olhos. Não havia nada de diferente. Até que a agulha enlouqueceu, girando sem parar. Levou dois segundos até ela virar em uma direção, oscilando um pouco antes de ficar completamente imóvel.

– Maravilha! – Caveira bateu as mãos uma vez. – Vamos encontrar logo esse coração e enfiar uma boa e velha estaca nele.

– Antes de irmos – Icabode disse, olhando em direção a uma luz no meio do mar, onde havia uma mulher de metal, gigantesca. – Precisamos passar em um último lugar.

 

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Icabode St. John [20]

Nos capítulos anteriores: Icabode, Drake e Caveira partiram para o México, atrás do caçador de vampiros, Maxiocán Allende. Ao chegarem no suposto vilarejo onde ele se escondia, os moradores revelaram ser lobisomens, e Maxiocán, seu líder. 

 

Icabode, Drake e Caveira estavam cercados por lobisomens no meio do vilarejo. Maxiocán Allende estava diante deles, com suas roupas surradas e bigode frondoso. Icabode estendeu a mão rapidamente para arremessar Maxiocán com sua telecinésia, mas uma garra peluda agarrou seu pescoço e o girou até pressionar sua cabeça contra o chão. Caveira se transformou em um morcego, mas no instante seguinte, seu pequeno corpo estava dentro de uma boca quente e úmida. Drake Sobogo fez menção de atacar Maxiocán, mas várias mãos o seguraram, colocando-o de joelhos.

Icabode estava com a bochecha colada na terra vermelha, com um lobisomem em cima de seu corpo. Ele via Maxiocán na horizontal, se aproximando. O mexicano ficou de cócoras de frente a Drake Sobogo. O que aconteceu no instante seguinte pegou a todos de surpresa.

– Capitão? – Maxiocán perguntou, aturdido.

– Peppers? – Drake respondeu, igualmente espantado. – Vo-você morreu!

– Não se mata um feiticeiro tão fácil – Maxiocán respondeu, cauteloso. – Eu fui o único sobrevivente da explosão no cais. Quando eu saí dos escombros e vi que todos os Balas de Prata haviam morrido, decidi voltar para casa.

– Você desertou – Drake o acusou, ainda surpreso. – Eu pensei que você tinha morrido! Mas você fugiu!

– Eu decidi entrar para o seu pelotão porque achei que pudesse fazer a diferença – Maxiocán respondeu, culpado. – Por causa de todo o conhecimento que eu recebi da minha família… mas os Balas de Prata não duraram nem um ano. Todos morreram.

– Eu não morri – Drake o lembrou. – Nós enfrentamos demônios juntos! Nosso pelotão fez a diferença enquanto existiu.

– É, mas tirando nós dois, todos morreram – Maxiocán repetiu, amargo. – Nosso pelotão era feito de soldados que tinham experiência com criaturas místicas e malignas. Se todos nós morrêssemos na guerra, quem as caçaria depois? Se eu tivesse morrido naquela explosão, capitão, a linhagem da família Allende morreria comigo, assim como muitos segredos antigos que só eu conheço.

Drake olhou para baixo, sem acreditar em seus olhos e ouvidos. Suas presas pressionavam os lábios inferiores. Os lobisomens ainda o mantinha de joelhos. Maxiocán olhou para os dentes vampíricos do seu capitão.

– Diga-me, o que veio fazer em Vilallende? Matar o famoso caçador de vampiros? – ele fez um gesto sensacionalista em direção ao próprio peito.

– Não, Peppers – Drake ergueu os olhos para ele. – Vim pedir sua ajuda para eliminar um vampiro maligno.

– Mas você é um deles agora – Maxiocán disse, decepcionado. – E nós somos inimigos. Por que me pediria ajuda para matar um dos seus?

– Eu os estava caçando. Nós dois estávamos – ele olhou para Icabode a alguns passos de distância. – E para me punir, me transformaram em um deles. Apesar da sede de sangue e do ódio em meu coração, eu ainda sou o mesmo. E por isso você precisa nos ajudar.

– Solomon Saks! – Icabode gritou, imóvel. – Solomon Saks está aterrorizando Nova York. Ele está consumindo a alma de todos os vampiros da cidade, e se tornando uma criatura indestrutível!

Maxiocán olhou para os lobisomens, preocupado. Ele fez um gesto, e as criaturas soltaram os prisioneiros. Caveira saiu das presas do lobisomem, voltou à forma humana e ficou ao lado de Drake. Icabode se levantou e foi para o outro lado do militar.

– Deem um olhar suspeito e vocês estarão mortos – Maxiocán os alertou, cruzando os braços. Ele suspirou. – Não é a primeira vez que ouço falar sobre esse Solomon Saks. Aparentemente um vampiro conhecido como Sombra esteve no México, fazendo perguntas sobre mim. Gabriel Angelo me disse que um mafioso polonês contratou esse Sombra.

– Sim! – Icabode respondeu. – Eu conheci o Sombra. Ele pretendia revelar o seu esconderijo a Solomon, mas nós o matamos antes.

– E por que diabos esse maldito quer me encontrar? – Maxiocán perguntou, irritado.

– Ele quer mata-lo – Icabode revelou. – Você é o único que conhece a magia necessária para destruí-lo.

– Solomon se move com rapidez – Caveira informou. – E seu corpo é duro como pedra. Seu séquito é formado por bruxos e controladores de mentes. A única forma de os vampiros de Nova York o vencerem é unindo os clãs da cidade, mas seria mais fácil convencer o Papa aceitar o casamento gay do que isso acontecer.

– Solomon Saks está atacando os vampiros isoladamente – Drake acrescentou. – E os sobreviventes estão em guerra entre si. A única forma de vencermos o polonês é com a sua ajuda.

– Deixe que os vampiros se matem! – um lobisomem disse com sua voz de trovão e sotaque latino. – E se ele vir atrás de você, nós o matamos.

– Se vocês deixarem Solomon crescer – Icabode disse, dando um passo à frente -, daqui a pouco ele será tão forte que nem vocês conseguirão detê-lo!

Os lobisomens rosnaram e grunhiram, achando a hipótese impossível. Maxiocán pediu silêncio.

– Dificilmente esse polonês conseguiria me tocar – disse, convicto. – Mas quem sabe o que um louco tirano pode fazer? A sociedade vampírica pelo menos segue regras e impõem limites. Um megalomaníaco como esse Solomon poderia causar grandes estragos.

– Muitos vampiros estão apenas esperando um líder como ele para poderem exteriorizar suas bestas – Caveira disse. – Centenas de cainitas são revoltados por termos que nos esconder dos mortais. Para muitos, a humanidade não passa de um grande rebanho, e é humilhante termos que viver escondidos. Céus, esse Solomon Saks é o messias das trevas!

– Apenas nos diga como fazê-lo – Drake disse. – Você não precisa sair do seu esconderijo recôndito. Não precisa colocar sua vida em risco.

– Solomon Saks removeu seu coração do próprio corpo – Icabode disse -, e o escondeu em algum lugar. Você é o único que sabe o ritual para encontra-lo. Se encontrarmos o coração de Solomon, nós conseguimos mata-lo.

Maxiocán ergueu as sobrancelhas e então suspirou.

– Eu sei exatamente como encontra-lo. Mas vocês precisarão ter um pertence pessoal desse maldito – ele se aproximou de Drake, e olhou profundamente em seus olhos antes de falar. – Assim que destruir esse polonês, nossa trégua estará encerrada, e nós dois seremos inimigos. Se você voltar aqui, irei mata-lo sem pensar duas vezes.

– Eu fico triste que pense assim, Peppers – Drake respondeu, encarando o amigo. – Eu considerava cada Bala de Prata como um irmão.

– Eu também, capitão – Maxiocán lhe mostrou um sorriso terrivelmente triste.

 

Poucas horas antes do nascer do sol, na mansão da Nova Inglaterra, Fermín conversava com seus aliados. Lorena e Leo olhavam para o mais novo integrante da aliança, Savage, primogênito do clã dos Filhos de Pã. Ele era um velho de longos cabelos grisalhos e sujos, com roupas cobertas de folhas e um bastão maciço.

– Não entenda errado, Fermín – Savage alertou –, eu não estou me unindo a vocês porque eu concordo com algum lado. Os Filhos de Pã não se envolvem com guerras e nem escolhem lados.

– E por que você está aqui então? – Leo perguntou, irritado. Ele apertava seu novo bastão de baseball com força, prestes a quebra-lo.

– Porque eu quero que essa guerra acabe antes mesmo de começar – o velho respondeu, lançando um longo olhar a Leo. – E vocês são os mais fortes, então estou me unindo a vocês para acabarmos logo com isso, esperando que os ratos e o clã da Sombra desistam do conflito.

– O clã da Sombra é terrivelmente perigoso – Lorena disse. – Mas os ratos estão desfalcado. Um clã com poucos membros é fraco, e não deve ser levado a sério.

– O meu clã também está desfalcado! Só tem o Capitão Sangrento e eu – Leo a lembrou, ofendido.

– Exatamente – ela se limitou a dizer.

– Eles não tem nenhuma chance – Fermín declarou, seguro. – E fico feliz que você tenha decidido se unir a nós, primogênito Savage.

– Prometa tentar acabar com essa guerra de forma diplomática antes de partir para a sanguinolência, e terá meu total apoio – Savage disse, soturno.

– É o que todos nós queremos – Fermín garantiu.

– E tem o Leo – Lorena indicou o vampiro ao lado com a cabeça. – Mas ele é inofensivo.

– Continue me provocando, ruiva – Leo mostrou os dentes como um cachorro raivoso. – Não seja tão confiante de que os números superam a força.

– Não é com isso que estou contando – Lorena respondeu, bebericando o sangue do cristal. – Mas que a inteligência vença a burrice.

– O que disse? – Leo saltou da cadeira, fazendo-a voar pela sala. Ele arrumou sua jaqueta de couro e segurou o bastão com firmeza. – Então torça para que esse seu cérebro inteligente seja mais forte que o meu bastão.

Lorena virou a cabeça lentamente para ele e deu um sorriso brincalhão. Para Leo era como se a pele da vampira fosse feita de glitter. Seus cabelos ruivos tinham uma aura reluzente, e seus lábios vermelhos pareciam pintados de sangue. Os olhos eram duas pedras preciosas. As bochechas eram sarapintadas em tons de laranja sobre a pele pálida. A primogênita do clã da Rosa era a criatura mais majestosa do universo.

– Leo! Leo! – a voz de Fermín o chamava, distante.

Leo despertou do transe, percebendo que estava parado há vários segundos, hipnotizado pela beleza de Lorena. Ele olhou ao redor, constrangido, e buscou sua cadeira para sentar novamente. Fermín olhava para ele, desgostoso.

– Se vocês dois permitirem, gostaria de continuar.

– Mas é claro, meu príncipe – Lorena disse, sorrindo.

– Precisamos falar sobre Lancelot e o clã da Sabedoria – Fermín disse.

– Eu gosto de Lancelot – Savage comentou. – Ele é um homem cauteloso.

– Todos nós gostamos de Lancelot – Fermín disse. – E ele ainda não escolheu um lado.

– Caveira pertence ao clã da Sabedoria – Lorena os lembrou. – E ele está realizando uma missão para nós. Isso deve significar alguma coisa, não?

– Nós achávamos que os Filhos de Pã se uniriam ao Clã do Rato – Leo disse, olhando para Savage. – Em tempos de guerra, não podemos contar com nada.

– Leo está certo – Fermín disse. – Mas também não podemos deixar as coisas ao acaso. Precisamos convencer Lancelot a se unir a nós.

– Para acabarmos com essa guerra imediatamente – Savage enfatizou.

A porta da biblioteca se abriu e Coruja entrou mais uma vez, interrompendo a reunião.

– Majestade, telefone para você.

Fermín lançou um olhar preocupado a cada um dos primogênitos, e pediu licença antes de sair. Cinco minutos depois ele estava de volta. Seu rosto trazia uma expressão de satisfação.

– Era Caveira – ele disse, sentando-se à grande mesa. – Ele disse que encontraram Maxiocán, e sabem como destruir Solomon Saks à distância.

– Com o polonês fora do cenário, poderemos focar na guerra sem medo – Lorena disse, feliz. – Agora todas as cartas estão a nosso favor.

– O sol está prestes a nascer – Fermín olhou para o relógio de bolso. – Eu arranjarei aposentos para vocês. Durmam aqui esta noite. Amanhã conversaremos mais. E logo em seguida voltem para suas casas. Preciso que vocês espalhem a notícia. Quero ver todos os Vampiros de Nova York falando sobre o nosso trunfo sobre Solomon Saks.

– Por que você quer deixa-lo avisado? – Leo perguntou, curioso.

– Eu quero aquele maldito com medo. Quero que ele comece a cagar nas calças. Quero que ele recue, assustado. Que sua cabeça esteja ocupada. Talvez assim ele encerre os ataques aos nosso aliados. Precisamos ganhar tempo para poder guerrear em paz.

Lorena riu. Leo bebeu mais sangue. Savage assentiu com a cabeça, satisfeito.

 

 

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Icabode St. John [19]

Nos capítulos anteriores: Icabode, Drake e Caveira foram sequestrados pelo clã do Rato, e interrogados no esgoto. Mas Icabode ateou fogo no primogênito do clã e na legião de ratos que os observavam, transformando os túneis em um grande inferno. Após fugirem, o trio decidiu partir para o México para encontrar com Maxiocán. 

 

Fermín estava na biblioteca de sua mansão em Nova Inglaterra. Leo e Lorena estavam sentados no sofá vermelho, bebendo sangue de seus cristais.

– O clã da Sombra se aliou ao clão do Rato – Lorena disse. – Mas isso era previsível. Nós matamos a Juíza e a Dama do Véu Negro, suas líderes.

– Lancelot não se opôs aos assassinatos – Leo os lembrou, olhando por cima de seus óculos escuros. – Talvez ele vote em você para príncipe.

Lorena revirou os olhos e perguntou:

– Desde quando aquele velho diz o que pensa? Não é à toa que ele é o mais velho de Nova York. Lancelot é o melhor jogador que existe, e pode ter certeza que nós não fazemos ideia do que passa em sua cabeça.

– Ainda assim – Leo olhou para ela. – Você é a líder do clã da Rosa, eu do Punho, e o Fermín do clã da Águia. Somos três contra dois. Se Lancelot os apoiasse, no máximo, eles iriam empatar, e não nos vencer.

– O clã da Sabedoria não é o único que não se declarou ainda – Lorena rebateu. – Os Filhos de Pã também não se posicionaram. E eles sempre se deram bem com o clã do Rato. Na melhor das hipóteses, temos um empate. Nós não ganharemos essa eleição.

– Os Filhos de Pã são fracos – Leo disse, pegando seu novo bastão. – Eu farei eles se decidirem rapidinho.

Lorena suspirou, impaciente.

– Faça isso, e transformaremos um provável inimigo em um inimigo certo.

– Tudo isso é inútil! – Fermín os interrompeu, batendo em sua mesa. – De que adianta falarmos de eleições se na verdade estamos diante de uma guerra?

– De toda forma, precisamos de aliados – Lorena disse, enrolando o dedo em seus cachos ruivos. – Para guerra ou eleições.

– E os vampiros independentes? – Leo perguntou, receoso.

– Não mexeremos com os sem clãs – Fermín disse, decidido.

– Os Ratos e as Sombras mexerão – Lorena observou.

– Céus, não acredito que agora vocês estão concordando um com o outro – Fermín se virou, irritado. – Nós caçamos os sem clã por décadas. Eles não irão nos apoiar. E se apoiar, seremos obrigados a aceita-los em nossa comunidade. Vampiros insubmissos!

– Eu diria que isso é um problema para o futuro – Lorena disse. – E uma solução para o presente.

– E quanto a Solomon? – Leo perguntou, preocupado. – Se entrarmos em uma guerra agora, não acha que isso fortalecerá Solomon Saks?

– Agora é muito tarde para falar “se entrarmos em uma guerra” – Fermín disse. – Mas de qualquer forma, o único jeito de vencermos Saks é cometermos o mesmo crime que ele, de beber da alma de outros vampiros.

– E isso está fora de questão? – Leo perguntou.

– Claro! – Fermín e Lorena responderam em uníssono.

– Lembre-se que fazemos parte de uma sociedade universal – Fermín disse. – Se nossos líderes supremos souberem que cometemos tal crime, nós seremos torturados e exterminados. Ingerir a alma de um vampiro é o pior pecado que se pode cometer.

– E por que nada é feito contra Saks? – Leo perguntou. – Por que não avisamos os líderes supremos sobre Saks? Eles não poderiam resolver isso assim? – ele estalou os dedos.

– Sim – Fermín respondeu. – Poderiam. E com Saks, seriam eliminados todos os líderes da cidade que permitiram isso acontecer.

– Temos que enfrentar o Saks sem envolver nossos superiores – Lorena concordou com Fermín. – Informá-los seria cometer suicídio.

– E então? – Leo perguntou, colocando os joelhos sobre as pernas, desesperançado. – Nossas esperanças estão nos neófitos?

– Sim – Fermín disse, tenso. – Mas eu enviei Caveira com eles. Ele pertence ao clã da Sabedoria, mas sempre me foi muito leal.

– Ele pode ser um espião duplo para Lancelot – Lorena disse. – Mas você já sabe disso.

Fermín ficou em silêncio, ciente dessa possibilidade. Ele pegou um cristal de sangue e se juntou aos outros dois.

– Caveira tem contatos no México. Eu paguei um helicóptero para o trio se deslocar até lá. Parece que Maxiocán Allende é bem conhecido por aquelas bandas. Sua família inteira, na verdade. Os Allendes são famosos caçadores de demônios. Todos os vampiros daquela região o temem. A palavra “apavorados” combinaria mais com o sentimento que eles possuem desse nome.

A porta lateral se abriu, e um homem de bigode fino entrou.

– Coruja – Fermín olhou para ele, curioso. – Aproxime-se.

– Vossa majestade, parece que o clã dos Filhos de Pã não pretendem se aliar ao clã do Rato. Eles dizem que o último líder capaz dos ratos foi derrotado e queimado no fundo do esgoto. O novo primogênito deles é um jovem irracional.

Lorena e Leo olharam para Fermín, surpresos.

– E como você sabe de tudo isso, Corjua?

– Porque o primogênito dos Filhos de Pã está no hall de entrada – Coruja sorriu.

 

O helicóptero pousou em um vilarejo próximo à Cidade do México. O clima mudara bruscamente de Nova York até ali. Caveira e Capitão Sangrento desceram primeiro, olhando ao redor. Icabode levitou de seu banco até pisar no capim seco.

Os três vampiros caminharam por vinte minutos até chegarem até o vilarejo. Ele era cercado por um muro de paredes caiadas, com cerca de três metros de altura. O portão de madeira estava fechado, e não havia nenhuma alma do lado de fora.

– Como faremos? – Drake Sobogo perguntou, mas Icabode apenas começou a levitar, passando por cima do muro.

– Pelo visto, faremos desse jeito – Caveira riu e virou morcego.

Do outro lado do muro, Icabode descia por entre as bandeirolas de alguma festa nativa, no meio da escuridão. A vila era praticamente um cercado com uma fonte no centro. Alguns moradores estavam reunidos diante do bar, com mariachis tocando baladinhas.

Um homem mijava na parede de uma casa quando Icabode pousou ao seu lado. Ele estava bêbado, sua cabeça se ergueu com relutância, e seus olhos semiabertos estavam totalmente alheios à presença do vampiro.

Que pasa cabrón? – o homem perguntou, mas Icabode já agarrara seu queixo, expondo o pescoço. Ele empurrou o homem contra a parede e enfiou suas presas em seu pescoço suado e salgado.

Os braços trêmulos do sujeito tentaram empurrar o vampiro, mas rapidamente eles cederam, e Icabode deixou o corpo escondido no beco. Ele limpou o sangue de seu queixo e saiu das sombras. Seus companheiros vampiros se colocaram ao seu lado.

– Você matou um provável vizinho do maior caçador de vampiros do país – Caveira olhou para trás.

– Garoto – Drake Sobogo olhou para Icabode, preocupado. – Você está passando pela maior mudança da sua vida, eu entendo, mas precisa ter mais cuidado. Quando nos conhecemos, você não era assim. Sei que está assustado…

– Assustado? – Icabode olhou para ele, irritado. – Aquele mexicano ali atrás estava assustado. Eu sou o perigo.

Ele avançou em direção às luzes. Ao lado da fonte quebrada, um bêbado dormia debaixo de um sombrero de palha. Enquanto eles avançavam, o grupo de festeiros começou a ficar em silêncio e se virar em sua direção. As três figuras pálidas, vestidas de preto, estavam paradas, olhando para eles.

Gringos – alguém disse.

No! Peor! – uma mulher indígena respondeu, benzendo-se. De repente, no olhar de todos, ficou claro que o povoado sabia muito bem o que era um vampiro.

– Maxiocán Allende! – Icabode disse, calmo. – Digam-me onde ele se esconde, e eu não os matarei.

– Garoto! – Drake segurou seu braço, assustado. – Eles são pessoas de bem!

No señor! – um mexicano se aproximou, com sua camisa de botão aberta até o umbigo. Ele tinha barriga de cerveja e pele escura. – No somos buenas personas. Y todos ustedes deben salir de aqui.

– Alguém fala espanhol? – Caveira perguntou, receoso. – Porque eu acho que ele meio que nos ameaçou.

– Se vocês possuem bom senso – Icabode voltou a falar -, devem nos entregar Maxiocán Allende urgentemente, senão…

Ele parou de falar ao ver que todos ficaram de pé. A expressão de cada homem e mulher era de raiva. Eles começaram a caminhar em direção ao trio.

– Eu devo avisá-los… – Icabode disse, mostrando a palma da mão, mas ninguém deu ouvidos. – Bem, eu tentei avisá-los.

Ao contrário do que se esperava, todos os habitantes do vilarejo caíram de joelhos, sobre as mãos dianteiras. Eles se contorciam enquanto seus corpos faziam barulho de estalos.

– Oh não, oh não – Caveira recuou.

Essa era a primeira vez que Icabode viu Caveira apavorado.

– Devemos fugir? – Drake Sobogo perguntou. – Garoto, fique invisível. Caveira, vire morcego.

Caveira virou o rosto para ele. Seus olhos estavam espremidos e molhados. Isso significava que não havia forma alguma de fugir dali.

No momento seguinte, todas as pessoas ao redor se tornaram criaturas imensas e peludas, como ursos. Mas seus focinhos eram como de lobos, e de repente, todos uivavam para a lua. Eram lobisomens.

– Não conseguimos lutar? – Icabode perguntou, fechando os punhos.

– Mesmo o vampiro mais forte que conheço não aguentaria enfrentar o mais fraco dos lobisomens. Imagine uma vila deles. Estamos mortos – Caveira estava paralisado.

Os lobisomens o cercaram, alguns sobre duas patas, outros sobre quatro. Suas presas eram afiadas, com longos fios de saliva pendendo para baixo. O trio de vampiro não tinha para onde ir.

– Essa é a primeira vez que vejo cainitas em minha vila – uma voz veio por trás.

O trio se virou a tempo de ver um homem passando pelo meio dos lobisomens. Ele tinha um bigode frondoso, roupas sujas e calças jeans rasgadas. Ele deixara o sombrero para trás, quando se levantara da fonte.

– E ainda me procuram pelo nome!

– Você é Maxiocán – Icabode apontou para ele.

– E vocês serão a janta desta noite.

 

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Icabode St. John [18]

Nos capítulos anteriores: Icabode e seus dois companheiros foram atrás de Sunday em seu apartamento, mas no lugar dele, encontraram a tia de Icabode, Katherine. Os capangas de Solomon Saks apareceram e a sequestraram, ameaçando matá-la se Icabode não parasse de procurar por Maxiocán. Por fim, o trio foi sequestrado por vampiros escamosos dos esgotos. 

Icabode, Sobogo e Caveira foram jogados em uma cela no fundo dos esgotos.

– Quem são eles? – Icabode perguntou.

– Eles são o clã do Rato – Caveira respondeu, sentado no chão, com os braços apoiados nos joelhos. – A Juíza era a líder deles. Aquela vampira que a matou é a líder do clã da Rosa. Os clãs do Rato e da Rosa são inimigos mortais. Aquilo que aconteceu mais cedo na casa do Fermín, pode ter certeza, foi o início de uma longa e bela guerra.

– E por que eles nos prenderam? – Icabode perguntou, confuso.

– Lorena, a líder do clã da Rosa é aliada de Fermín, o mesmo Fermín para quem trabalhamos. Eles dois mataram a Juíza.

– E o que acha que farão conosco? – Icabode olhou para a porta da cela, coberta de musgo fedido.

– Eles podem fazer várias coisas – Caveira disse, pensativo. –Provavelmente irão nos matar e consumir as nossas almas.

– Eu não irei permitir – Drake Sobogo rosnou em seu canto.

– Não adianta grandão – Caveira olhou para ele. – O clã do Rato também é conhecido por ter super força. Você não tem vantagem nenhuma sobre eles.

– Quais são os outros poderes deles? – Icabode perguntou, se encostando na parede e escorregando até o chão.

– Eles tem super força – Caveira começou a contar nos dedos -, poder de mudar a aparência, ficar invisíveis, se comunicar com animais, enxergar no escuro e afins. Não sei exatamente todos. Nunca me importei muito com os Ratos do Esgoto. Só sei que eles são os melhores detetives do Mundo Sombrio. Nada acontece sem que eles saibam.

– Quais as nossas alternativas? – Icabode perguntou.

– Nós podemos escolher as últimas palavras que diremos antes de morrer – Caveira disse, e em seguida sua cabeça tombou sobre o peito.

O sol está nascendo, Sunday disse em sua mente. Todos os vampiros irão entrar em torpor agora. Icabode olhou para o lado e viu que o Capitão Sangrento também estava morto. Você precisa fazer alguma coisa quanto ao clã do Rato, Sunday o alertou. Você não pode morrer agora! Katherine precisa de você!

Mas o que posso fazer? Icabode perguntou. Não vejo nenhuma alternativa.

Mas existe uma! Sunday insistiu. Use seus poderes!

Eu ainda não os domino bem.

Pratique esta noite.

Eu vou entrar em torpor a qualquer momento.

Força de vontade, rapaz! Eu te ajudo! Fique acordado durante o dia e pratique seu poder! Quando eles abrirem a porta, fuja com todas as suas forças!

E os outros? Icabode olhou para Drake e Caveira.

Eles conseguem se virar. Você é quem precisa de ajuda. Você precisa se ajudar! Tem que começar a jogar o Jogo das Trevas. Você precisa ser mau, garoto!

Ser mau? Mas eu sou cristão…

Icabode, você não é cristão. Você está condenado. Quando morreu, você foi para o inferno! Seu pai vendeu a sua alma! É tarde demais para você ser bonzinho.

O quê? Icabode estava confuso.

Você não lembra de nada não é? Nós dois morremos naquela fundição, enquanto tentávamos matar Leon. Depois nos encontramos no inferno, onde você descobriu que havia sido vendido para algum senhor do mundo inferior.

Icabode ficou em silêncio, analisando aquelas palavras.

Então você foi abraçado, e sua consciência voltou para o seu cadáver. Sua alma continua aqui.

Aqui? Icabode engoliu seco, apavorado. O-onde você está, Sunday? Diga logo!

Eu estou no inferno, Icabode, sua voz era triste. Parte de minha consciência subiu com a sua quando você foi abraçado. Há uma parte de mim em você. Por isso conseguimos nos comunicar. Se você morrer, virá direto pra cá. Não morra. E pra você continuar vivo, precisa…

Preciso ser mau, Icabode compreendeu.

 

 

Do lado de fora do esgoto, o asfalto reluzia a luz do sol em um dia quente. A grande estrela cruzou o céu nascendo entre prédios e sumindo entre prédios, até que a noite chegou novamente. Ela sempre chegava. E nessa hora, criaturas demoníacas e sanguinárias despertavam em seus covis.

Drake Sobogo acordou. A qualquer momento, vampiros abririam a sua cela e o matariam. Ele era forte, mas os outros também eram. Eu morrerei, mas levarei alguns desses vermes comigo, prometeu a si mesmo. Ele olhou para frente e viu Icabode sentado, pernas cruzadas, mãos segurando os joelhos. Ele olhava para o chão.

– Garoto? – Drake perguntou, preocupado. – Você está bem?

Icabode ergueu a cabeça e revelou olhos vermelhos e irritadiços. Drake se sentia mal por ele. O garoto era uma pessoa boa, e Drake estava sendo um cuzão com ele.

– Como eu fui parar aqui? – Caveira perguntou subitamente, olhando para o chão. – Eles entraram aqui?

Drake Sobogo olhou ao redor e percebeu que também não estava no lugar em que tinha dormido. Alguém mexera em seus corpos. Ele olhou para Icabode e percebeu que o garoto não os dava atenção.

– Garoto?

A porta se abriu e vários vampiros apontaram suas armas para os prisioneiros.

– Vamos! – um deles ordenou, e todos abriram caminho para o trio.

Drake e os outros dois obedeceram, cautelosos. Vou esperar a hora certa para agir, o boxeador pensou, seguindo por um túnel, cercado de inimigos. O grupo chegou até um grande salão subterrâneo, com várias tochas penduradas na parede. A luz do fogo bruxuleava, fazendo as sombras dos vampiros dançarem para todos os lados. O chão da câmara era tomada por ratos que assistiam a cena, curiosos. Havia milhares deles enchendo o esgoto com seus guinchos agudos.

Do outro lado, sentado em um trono feito de ossos, o vampiro de olhos amarelos os aguardava. Seu rosto escamoso os encarava com sede de vingança. Os prisioneiros foram conduzidos até o centro, pisando sobre os ratos. Drake reparou que Icabode cambaleava, olhando para as criaturas no chão como se fossem boletos a serem pagos.

– Odeio ratos – Icabode sussurrou

– Digam o que sabem sobre esse Maxiocán – ordenou o vampiro no trono.

– Com quem eu estou falando? – Caveira tomou a dianteira, colocando as mãos na cintura.

– Hercule, o Come Ossos – respondeu o vampiro. – Sou o novo primogênito do clã do Rato.

– Engraçado, eu não o conhecia – Caveira observou, sorrindo. – Vocês são muito furtivos mesmo. Mal aparecem nas nossas festinhas.

– Caveira, eu o conheço muito bem. E não simpatizo nem um pouco com essas suas gracinhas. És um tolo para mim. Diga-me o que sabem sobre Maxiocán, e eu darei uma morte rápida a vocês.

– Veja bem, quem matou a Juiza foi… – antes que o Caveira terminasse, Hercule, o Come Ossos o interrompeu.

– Eu estava lá! – de repente, sua aparência grotesca se modificou diante dos olhos de todos. Ele era um homem loiro de terno fino e olhos azuis. – Por isso você não nos vê em suas festinhas. Porque nós vemos tudo e nunca somos vistos. Nós vimos a traição do seu mestre, e não finja que vocês não tem nada a ver com isso. Todos vocês mataram a Juíza, e serão condenados por isso. Mas eu posso ser benevolente e mata-los rápido, ou não, e lhes dar uma morte lenta e terrível.

– E que tal se eu não falar nada – Icabode chutou alguns ratos com nojo –, e ir embora agora? Tenho mais o que fazer.

– Ir embora? E como pretende fazer isso?

Icabode ergueu o braço, e Hercule se levantou do seu trono, subindo em direção ao teto. Com o outro braço, Icabode vez as tochas ao redor se aproximarem do vampiro.

– O que estão esperando? – Hercule gritou para os outros membros do clã, se debatendo no ar. – Matem esse insolente. Matem-no rápido!

Quando eles avançaram, Icabode ficou invisível. Os vampiros pararam no meio do caminho, procurando-o. As tochas continuaram se aproximando lentamente de Hercule, que gritava desesperado. Todos viram o seu primogênito se tornar uma coluna de fogo, se debatendo e dando gritos estridentes.

Drake Sobogo e Caveira se olharam, abismados com a cena. Hercule caiu no chão, e as tochas começaram a se afastar. Os outros membros do clã do rato recuaram, temendo serem os próximos. Mas as tochas voaram em direção aos ratos, ateando fogo em dezenas deles. A câmara se tornara um pandemônio, tomada pelo fogo.

Ao ver que os vampiros fugiam, muitos deles tomados pelo fogo, e que o Caveira se tornara um morcego e fugira, Drake Sobogo começou a correr, cercado por fogueiras de quatro patas que corriam de um lado para outro, guinchando de dor. O boxeador se jogou em um pequeno escoamento de água na parte oposta da câmara, assistindo a cena de longe. De repente ele olhou para cima e viu uma figura levitando próxima do teto, era Icabode. O garoto olhava para baixo com uma expressão macabra. O fogo reluzia em seu rosto, destacando seus olhos vermelhos. Era quase como se Drake visse um anjo caído sobrevoando o inferno.

Ratos flamejantes percorriam vários túneis do esgoto. Milhares deles. Drake se enfiou em um túnel, correndo também. Ele via o fogo reluzindo nas paredes sempre que alguma criatura passava correndo. Deixando um rastro de fumaça. O boxeador passou por vários cruzamentos até achar uma escada. Assim que saiu da boca de esgoto, as pessoas do mundo superior começaram a exclamar e apontar em sua direção. 

Drake olhou ao redor e encontrou Caveira sentado no capô de um carro, observando-o.

– Eu sabia que você conseguiria – Caveira apontou para ele.

Drake olhou para a esquina a tempo de ver Icabode voar para fora do esgoto e pousar no asfalto, fazendo os carros desviarem.

– Nós três estaremos mortos até o fim de semana – Caveira avisou, sorrindo. – Em menos de um dia quebramos quase todas as regras da sociedade vampírica. Estamos nos expondo muito. Daqui a pouco seremos caçados.

Drake resmungou pra ele, e os dois foram se encontrar com Icabode.

– O que você fez lá embaixo – Caveira disse, seguido de um assovio. – Eu nunca vi nada igual em toda a minha vida.

– Vamos – Icabode disse, acenando para um táxi. – Precisamos descobrir em que parte do México está Maxiocán.

– O clã do Rato é o responsável para encontrar esse tipo de informação – Caveira observou. – Mas agora não acho que eles nos ajudariam. Tem um traficante de informações que mora em um cemitério, eu posso apresenta-los…

– O Sombra está morto – Icabode o interrompeu, abrindo a porta do táxi. Caveira olhou para ele, surpreso. – Nós o matamos.

– Eu tenho um contato influente na Cidade do México – Caveira disse quando os três entraram no banco de trás do táxi. Mas depois falamos sobre isso.

– Não. Falamos agora – Icabode respondeu, seco. – Depois matamos o taxista e jogamos seu corpo em algum lugar.

O motorista olhou pelo espelho, achando que ouvira errado. Caveira e Drake se olharam, surpresos.

 

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Icabode St. John [17]

Nos capítulos anteriores: Icabode, Drake Sobogo e Caveira foram enviados para procurar Maxiocán, o homem que poderia reverter o ritual Solomon Saks. No meio do caminho, eles passaram pelo apartamento de Sunday, onde encontraram Katherine, tia de Icabode. Durante o encontro, Troche e seus capangas apareceram, buscando Sunday. 

Katherine surgiu do quarto, congelando ao ver os novos visitantes. Icabode olhou para ela e ordenou:

– Tia, volte para o quarto.

– Tia? – Troche perguntou, interessado.

– Acabem com eles – Icabode olhou para Drake e Caveira. – Eu protejo ela. Deixem um deles vivo. Precisamos saber sobre o paradeiro de Maxiocán.

Drake Sobogo não esperou Icabode terminar de falar. Ele cruzou a sala em uma velocidade sobrenatural. Atropelou Troche como se fosse um trem, fazendo seus corpos atravessarem as paredes e invadirem os apartamentos vizinhos.

Troche trouxera consigo quatro capangas julacos, todos barbudos, com seus ternos e chapéus pretos. Eles apontavam suas metralhadoras para Icabode, Katherine e Caveira.

– Eu me rendo! – Caveira gritou, guardando as armas nos coldres.

Icabode olhou para ele, surpreso. Caveira olhou de volta, e seu olho piscou pelo buraco da máscara. No instante seguinte, seu corpo encolheu rapidamente até virar uma pequena bola de pelo negra, com asas. Ele virara um morcego.

– Que diabos é isso? – um dos capangas perguntou, assombrado.

O morcego atravessou a sala em ziguezague e se jogou atrás dos julacos. No outro momento, ele era Caveira novamente. Os capangas não tiveram muita chance.

O vampiro encostou os canos dos revólveres na cabeça de dois deles e apertou os gatilhos. BAM! Miolos jorraram pelo chão da sala. BAM! Dentes e língua se soltaram da cabeça do segundo. Os outros dois capangas se viraram pra ele, recuando e atirando.

Caveira girou sobre os tornozelos e sumiu pela porta, se escondendo no corredor. Os capangas continuaram atirando na parede, assustados. Alguns segundos depois, pararam e esperaram. Caveira não veio, mas outra coisa surgiu. O corpo de Troche abriu um novo buraco na parede, aparecendo do nada. Ele acertou um dos capangas, jogando-o para o outro lado da sala.

Drake Sobogo veio logo atrás. As veias pulsavam em seu corpo. O capanga restante ergueu a arma pra ele, mas Caveira reapareceu, atirando várias vezes no peito do homem. Troche e seus homens foram abatidos.

Icabode protegia a porta do quarto onde a tia estava, olhando para a cena com satisfação. Eles venceram aquele embate. Ou era o que ele achava.

– ICABODE! – Katherine gritou enquanto seu corpo era sugado pela janela, deixando o prédio para trás.

Ele correu até a janela e viu o feiticeiro de Solomon levitando a poucos metros de distância. Katherine estava em sua frente, se debatendo no ar.

– Você sabe sobre Maxiocán! – Rabin gritou. – Deixe isso pra lá, caso contrário eu usarei a cabeça da sua tia como peso de porta.

– Solte-a! – Icabode gritou. – Solte-a, senão eu…

– Soltá-la? – Rabin olhou para as dezenas de metros que o separava do chão. – Certeza?

Icabode socou o batente da janela, aflito. Para sua surpresa, Capitão Sangrento surgiu na sacada ao lado. Ele subiu no parapeito e se jogou. Seu corpo fez um arco no céu, em direção ao feiticeiro. Rabin se esquivou no último instante, pego de surpresa. Katherine começou a cair, mas o feiticeiro a segurou novamente.

Drake Sobogo se chocou contra o prédio do outro lado da rua, e se segurou em uma janela. Icabode olhou para o lado novamente e viu um morcego voar até ficar três metros acima de Katherine. De repente, Caveira voltou à sua forma humana e atirou em Rabin enquanto caía.

– Vocês são loucos! – Rabin gritou, segurando seu ombro baleado.

Caveira e Katherine caíam, mas o vampiro a agarrou com força e a girou no alto, jogando-a para o outro lado da rua. Ela gritou, vendo o prédio vir em sua direção. Drake Sobogo saltou e interceptou a colisão, levando-a novamente para o prédio de Sunday, saltando como uma pulga.

Icabode assistia a tudo, incrédulo. Vários homens na calçada sacaram suas armas e começaram a atirar em Drake. Eram mais capangas.

Você precisa ajuda-los! Sunday disse em sua mente. Use sua telecinésia! Voe pela janela!

Eu não sei controlar ainda, Icabode respondeu, desesperado.

Então concentre-se! Sunday respondeu. Você precisa descer agora!

 

Lá fora, Drake Sobogo sentiu as balas acertando suas pernas e suas costas, e ele não conseguiu mais se segurar. Felizmente não estava tão longe do chão quando despencou. Ele caiu de costas sobre a lataria de um carro, afundando-o. Katherine estava segura sobre seu peito.

O morcego voou para trás dos atiradores e virou Caveira novamente. Como se fossem duas adagas, ele movimentava seus revólveres e matava os capangas a queima roupa. Quando suas balas acabaram, um capanga o chutou na barriga, afastando-o. Os outros julacos sobreviventes apontaram suas metralhadoras pra ele.

– Vocês acham mesmo que eu sou como vocês? – Caveira perguntou, abrindo os braços. – Mandem bala, caralho! Deem o seu melhor!

E eles fizeram. Caveira gargalhava enquanto as balas batiam em seu kevlar e caíam no chão. De repente, dois atiradores foram erguidos pelo pescoço. Drake Sobogo os segurava acima de sua cabeça. Ele juntou seus rostos um contra o outro, esmagando seus crânios. Com mais alguns socos, matou todos os outros ao redor.

Katherine saltara do capô do carro e começou a atravessar a rua. Um veículo veio em alta velocidade em sua direção. Drake viu os canos das armas saindo pela janela. Eram mais homens de Solomon. E eles iam em direção à mulher.

– AHHHHH!!!!! – Drake Sobogo se jogou sobre a tia de Icabode, e os dois rolaram até a calçada oposta. O veículo freou em suas costas, derrapando de lado.

O pneu cantou, e a fumaça subiu. Assim que as portas se abriram, Drake jogou seu corpo contra a lataria, fechando-as novamente, e empurrando o carro alguns metros pelo asfalto. Do outro lado, Caveira já estava com a Thompson de um cadáver e começou a segurar o gatilho. A arma girava como um ventilador, de um lado para o outro. Os capangas não conseguiram nem sair do carro.

 

De volta ao apartamento de Sunday, Troche cambaleava rumo à porta. No corredor, um homem careca segurava uma vassoura. Ele vestia roupão com uma letra bordada no peito. Atrás dele, uma mulher e duas crianças assistiam à cena, assustados.

– Eu já ligue para a polícia – o homem avisou. A parede de sua casa estava destruída. Troche e Drake quebraram tudo enquanto lutavam.

Troche estava furioso. Ele puxou a vassoura da mão do sujeito, girou, e a enfiou no olho do homem. O corpo caiu no chão, e Troche continuou enfiando o cabo em seu rosto. Depois, ele foi até a sala de estar onde a família do sujeito gritava. Ele avançou sobre a mãe, empurrando-a até a janela e jogando-a para fora. Depois se virou e enfiou os dedos de metal na boca do garoto de nove anos e separou seu maxilar do resto da cabeça.

Por fim, olhou para a menina mais nova. Troche envolveu seu rosto com a mãozorra e a empurrou contra a parede, ferozmente. Seus dedos metálicos afundaram em ossos e miolos. O papel de parede era amarelado, com flores. Ele limpou sua mão ali mesmo e foi embora.

 

Um julaco se arrastava pelo asfalto. Ele puxou a pistola do casaco e apontou para Katherine, na calçada do outro lado. Ele iria morrer, mas pelo menos levaria aquela vaca com ele.

Katherine viu o sujeito apontar a arma em sua direção e no momento em que o gatilho ia ser puxado, um vulto caiu sobre ele, enfiando uma faca no topo de sua cabeça. Icabode viera de algum lugar no céu.

Mais acima, Drake arrastava um capanga ferido pelo asfalto, enquanto Caveira segurava uma metralhadora fumegante.

– Diga! – Drake rosnou. – Onde está Solomon Saks!

– Capitão! – Icabode interveio. – Nós precisamos perguntar sobre o México – ele se virou para o capanga ensanguentado. – Como encontramos o homem que sabe reverter o ritual de Saks? Como encontramos Maxiocán?

– Por favor! – o capanga segurou na calça de Icabode, implorando. – Não quero morrer!

Icabode viu que havia pelo menos três buracos de bala na barriga do sujeito. Ele iria morrer nos próximos segundos. Icabode suspirou, desconfortável com aquilo, e ficou de cócoras.

– Se você nos disser como encontrar Maxiocán, eu te levo para um hospital o mais rápido…

– Me transforme em um de vocês – o capanga pediu. – Não vou sobreviver – ele tossia sangue. – Me transforme em um vampiro e eu direi.

– Desculpe, mas não posso. Nunca me perdoaria se transformasse alguém em um vampiro – Icabode disse.

– O que você está fazendo? – Drake o puxou pela gola. – Está louco?

– Você quer mentir pra ele? – Icabode sussurrou. – Vá em frente. Mas eu não posso fazer isso!

– Eu transformo ele – Drake prometeu, e se virou para o homem caído.

– Rapazes – Caveira disse, cutucando o rosto imóvel do capanga com a ponta da botina. – Ele já está com Jeová, ou seja lá quem é o deus dos judeus.

–  Eu vou transformá-lo – Drake se abaixou.

– Não! – Icabode o puxou pelo braço, mas o outro o arremessou contra a lataria do carro.

– Garoto! – Drake olhou para ele, num misto de surpresa e raiva. – Nunca mais me segure.

– Se você transformá-lo, nós teremos um problema – Icabode disse, se levantando. Katherine o ajudou a ficar de pé, preocupada. – Não podemos colocar mais um vampiro neste mundo.

– Ele é a nossa única chance de descobrirmos o paradeiro de Maxiocán – Caveira olhou para Icabode, concordando com Drake.

– Eu os proíbo – Icabode pegou uma metralhadora e se aproximou dos dois.

Drake bufou com desdém. Ele deu as costas, ignorando a ameaça e se virou sobre o cadáver do capanga. Quando ele mordeu o pulso do sujeito, uma rajada de balas transformou a cabeça do homem em uma peneira. Drake caiu para o lado, incrédulo.

Icabode jogou a metralhadora no chão e se afastou, decidido.

– Você poderia ter me acertado! – Drake ficou de pé.

– Talvez eu devesse – Icabode se virou para ele.

– Por favor, acalmem-se – Katherine pediu. – Nós estamos no mesmo lado aqui. Se alguém puder me explicar o que está acontecendo, talvez eu possa ajudar.

Antes que alguém respondesse, Katherine começou a levitar para trás, rapidamente. Seu corpo sumiu em um beco escuro, enquanto a voz de Rabin ribombava pela noite:

– Parem de procurar Maxiocán, ou nunca mais verá sua tia!

Sirenes vinham de várias direções, Icabode e os outros se entreolharam, perdidos. Um movimento chamou sua atenção. A tampa de um bueiro se arrastou para o lado, e um homem saiu lá de dentro. Ele era monstruosamente feio. Sua pele era escamosa, não tinha orelhas e seus cabelos eram ralos. O cheiro que vinha do sujeito era nojento e causava ânsia em Icabode. Ele vestia roupas do Exército da Salvação e luvas sem dedos.

– Venham, entrem aqui – ele apontava para o buraco do esgoto. – O dia está prestes a nascer, e várias viaturas estão vindo pra cá.

Caveira deu de ombros e obedeceu, saltando no buraco. Drake Sobogo hesitou um pouco mas fez o mesmo. Icabode foi o último.

Os três pisaram no chão molhado do esgoto, ouvindo o som das sirenes sobre suas cabeças. O homem escamoso fechou o buraco, cortando o último feixe de luz que vinha de cima.

Apesar da escuridão, os sentidos aguçados de Icabode revelaram algo. Leves movimentos ao redor indicavam a presença de outras pessoas. O cheiro de podridão o fez tampar as narinas. Viu dezenas de silhuetas cercando-os. Por fim, como se fossem piscas-piscas, várias luzes vermelhas apareceram na escuridão.

São olhos, Icabode concluiu. Por fim, dois olhos amarelos se acenderam quando o escamoso ficou em sua frente.

– Você! – Icabode reconhecia aqueles olhos. – Você é o crocodilo!

 

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Icabode St. John [16]

Nos capítulos anteriores: Durante a assembleia dos vampiros nova-iorquinos, Fermín se voltou contra os outros dois membros do Conselho e os traiu, fazendo com que seus aliados os matassem. Em seguida, ele pediu para se manter como príncipe interino até conseguirem destruir Solomon Saks. Icabode seria enviado para essa missão, junto com Drake Sobogo, que fora transformado em vampiro. 

 

Todos os músculos de Drake sobogo estavam cobertos de veias. Ele parecia um gladiador núbio, com olhos vermelhos e caninos de lobo. Seus punhos se fecharam, e os vampiros na sala recuaram, assustados.

– Ele deveria ter recuperado a consciência – Leo garantiu, surpreso.

– Eu recuperei – Drake rosnou, tirando uma lasca do taco que Leo quebrara em sua cabeça.

– Não faça nada de que vai se arrepender, negro – Fermín afirmou, cauteloso.

– Eu nunca me arrependeria de matar vocês – Drake se inclinou na direção dos dois.

– Capitão Sangrento – Icabode chamou. Ele ainda não sabia seu nome verdadeiro. – Nós precisamos unir forças para acabar com Solomon. Se brigarmos agora, não teremos chances contra ele.

– Solomon… – a voz de Drake era áspera, carregada de raiva. Seus músculos se retesaram com o nome, como se fosse uma fera prestes a perder o controle.

Icabode sentiu um cheiro forte emanar do boxeador. Seu olfato era aguçado de uma forma sobrenatural. Ele reconhecia os hormônios do homem sua frente. Drake era puro músculos e ódio.

O boxeador tinha tanta raiva que a cada movimento feito ou palavra dita, ele sentia prestes a se descontrolar e destruir tudo ao redor. Fermín foi até um quarto e voltou com um sobretudo de couro, e o jogou aos seus pés.

– Esse casaco era de Ivanovitch. Você não pode sair por aí desse jeito, todo sujo e rasgado.

O boxeador o vestiu. O sobretudo era três vezes maior do que o ele, mas por hora serviria. O clima na sala era tenso, e Icabode pousou a mão no ombro de Drake.

– Não – o outro rosnou. – Eu não quero machucá-lo, garoto.

Icabode recuou, surpreso. Não achava que o Capitão Sangrento fosse capaz de feri-lo. Essa é a maldição da besta, rapaz, Fermín explicou em sua mente. Depois do Abraço, nunca mais somos os mesmos.

– Meu príncipe – um homem magrelo, com rosto redondo e bigode fino entrou na sala. – Houve um ataque em Little Italy. Solomon Saks foi visto nos estabelecimentos protegidos pela máfia.

– Ele não está eliminando só os vampiros – Leo disse. – Também está atacando os carcamanos.

– A Cosa Nostra é a máfia mais poderosa de Nova York – Fermín os lembrou. – Se Solomon já está confiante para ataca-los, então as coisas estão preocupantes.

– Nós já temos um lugar para começar a busca – Drake disse, olhando para Icabode. – Vamos agora.

– Antes de ir, precisamos passar em um lugar – Icabode respondeu, se virando para Fermín. – Nos consegue um transporte?

– Coruja, quem pode ser o motorista deles? – Fermín se virou para o homem magrelo de bigode fino. Este lhe respondeu com um olhar preocupado.

– Tem o Caveira.

 

O caveira fazia jus ao nome. Ele usava uma máscara de caveira e roupas negras. Ele vestia um moletom com gola rolê, e usava coldres de ombros, com dois revólveres. Fermín lhe deu a chave do  Cadillac azul metálico, conversível.

Icabode segurava-se na porta, assustado com a velocidade. No banco traseiro, Capitão Sangrento olhava para frente, indiferente, frio, como se não temesse nada. Acima deles, a lua parecia uma moeda gigante, reluzente, cercada de nuvens.

Os prédios da incrível Manhattan pareciam se curvar sobre o conversível, prestes a tombarem. Caveira mudava a frequência do rádio, xingando.

– Quem diabos é esse Frank Sinatra? Já é a terceira vez que tocam uma música do sujeito. Esses italianos estão tomando conta da nossa cidade, estou dizendo. Fico feliz que Solomon Saks esteja eliminando alguns deles.

– Você está feliz por inocentes estarem morrendo? – Icabode perguntou, incrédulo.

A máscara de caveira virou em sua direção.

– Italianos são tão inocentes quanto os irlandeses – o motorista respondeu. Sua voz era debochada e divertida. – Mas eu ainda prefiro os irlandeses. Eles sabem fazer um café da manhã filho da puta.

– Você valoriza a comida de alguém, mas não está nem aí com pessoas morrendo?

– Pessoas morrendo são a minha comida de agora. Então eu as valorizo mais do que nunca.

– Doente – Icabode olhou para o outro lado, resignado.

 

Minutos depois, o conversível parou em frente ao prédio de Sunday. Drake olhou para cima, surpreso. Ele e Icabode trocaram olhares, e desceram.

– Nos espere aqui – Icabode disse, mas Caveira já pulava por cima dos bancos.

– Desculpe, gracinha, mas Fermín me enviou para garantir que vocês não saiam dos trilhos – ele olhou para a mão deficiante de Icabode, e juntou as suas próprias perto do peito. – Ui, onde estão os seus dedos?

Icabode suspirou, desconfortável com a presença daquele sádico. Os três seguiram pelo saguão e subiram as escadas até o andar correto. Caminharam pelo corredor acarpetado e pararam diante da porta com a faixa policial. Os ouvidos aguçados de Icabode captaram passos no interior do apartamento. Ele fez sinal para os dois companheiros esperarem. Fechou os olhos e tentou se concentrar. Ouviu batidas rítmicas e abafadas. Batimentos cardíacos, concluiu.

– Sunday – ele sorriu para Drake. – Sunday está em casa.

Os três passaram por baixo da faixa e adentraram o apartamento, Icabode os guiou até o quarto de onde vinha o som. Ao abrir a porta, viu a silhueta sair do banheiro. Ela olhava para o trio com surpresa.

– Oh, droga – a mulher disse. Ela usava um vestido amarelo, da cor do chapéu. Seu cabelo era curto e negro. Ao redor de seus olhos, pés de galinha revelavam uma certa idade. – Vocês são vampiros.

– O que foi que nos entregou? – Caveira perguntou e se virou para os caninos expostos de Drake Sobogo. – A gente não tem muitas regras em nossa comunidade. Mas revelar nossa identidade faz parte das poucas que tempos. Então será que você poderia… – ele fez uns gestos desajeitados apontando para as presas do boxeador.

– Icabode – Drake rosnava, salivando. – Ela deve ser uma espiã de Solomon.

– Quem é você? – Icabode perguntou, mostrando a mão para que Capitão Sangrento se acalmasse.

– Icabode? – ela repetiu o nome, curiosa. – Você é Icabode St. John? Filho do Reverendo Peter?

– E quem é você? – ele perguntou novamente, surpreso.

– Eu sou Katherine, sua tia – ela sorriu, ansiosa. – Não lembra de mim?

 

Caveira e Drake aguardavam na sala, enquanto Icabode conversava com Katherine no quarto.

– Eu vim assim que Sunday me disse sobre os seus pais – ela enxugava as lágrimas com um pano cor de rosa. – Ele falou que você estava aqui, e eu atravessei o mundo para encontra-lo – Katherine deu um sorriso em meio aos soluços. – Se eu visse mais um canguru na minha frente… – ela revirou os olhos com raiva.

– Estou feliz que veio, tia – Icabode tinha medo de se aproximar demais. Agora que era um monstro, pensaria duas vezes antes de ficar perto de um mortal.

– Eu disse para Sunday protegê-lo – ela apontou para Icabode dos pés à cabeça. – E quando chego aqui, descubro que meu sobrinho foi abraçado!

– Você já sabia da existência de vampiros?

– Claro. Foi por isso que eu e Sunday não demos certo! – ela viu a cara de surpresa de Icabode. – Você não sabia que nós éramos noivos? Como você acha que Sunday virou amigo de seus pais? Eu os apresentei. Mas essa profissão de detetive ocultista não era vida pra mim. Então nos separamos. Eu me casei com um dentista e fui para a Austrália – sua feição ficou pesada. – Mas Sunday ainda é o amor da minha vida. Estar aqui me assusta muito.

Icabode não sabia o que dizer. Ele engoliu seco e olhou ao redor.

– E onde ele está agora? Vai demorar a voltar para o apartamento?

– Eu esperava que você me dissesse isso. – ela respondeu, decepcionada. – Cheguei há poucos dias na cidade, e tenho passado os dias aqui no apartamento, mas ele nunca apareceu. Eu evitei ficar depois que escurecesse, temendo as criaturas da noite, então ia para um hotel. Hoje decidi arriscar e ver se eu o encontrava pela noite – ela pegou um cigarro e o acendeu, triste.

– O cigarro – Icabode se lembrou da bituca que vira no cinzeiro. – Não era do Sunday, era seu.

– Perdoe-me – Katherine se levantou e se encaminhou ao banheiro. – Preciso retocar a maquiagem. Uma dama não pode andar por aí como um palhaço bêbado.

Sozinho no quarto, Icabode conseguiu ouvir sua tia sussurrando.

Onde está você, Sunday? Se você voltar, eu juro que largo o Jerry. Volte e vamos continuar de onde paramos.  

Ela ainda o ama, Icabode pensou, triste. Em seguida, ele ouviu passos rápidos no corredor do prédio. Se levantou e correu até a sala.

– Temos visitas – ele avisou aos dois companheiros.

Drake Sobogo fechou os punhos. Seu corpo tremia de ódio. Ele queria sangue. Ao seu lado, Caveira puxou os revólveres dos coldres.

– Visitas ruins, eu imagino – ele perguntou, coçando a virilha com o cano de uma arma.

De repente, alguns homens entraram no apartamento. O mais alto deles era Troche, o Judeu de Ferro. Icabode e Troche já estiveram juntos naquele apartamento, semanas atrás. Quando eles eram aliados de Solomon na suposta guerra contra os vampiros.

– Nos encontramos de novo – Troche olhou para Drake Sobogo. – Eu te dei uma surra da outra vez. Quer mais uma?

Drake abriu o sobretudo e o jogou no chão, espumando pela boca. Ele olhou para Icabode, esperando a permissão para atacar.

– Um passarinho me contou que este apartamento estava bem movimentado, com luzes, pessoas e tudo mais – Troche revelou. – E Solomon não gosta muito da ideia de ter um detetive ocultista solto por aí. Sunday sabe demais, e conhece gente perigosa. Ele tem que morrer – ele olhava ao redor. – Digam, onde ele está?

– Garoto – Drake implorou, e seus olhos estavam injetados.

Icabode sabia que era inútil segurá-lo. O conflito era inevitável. Caveira ergueu os revólveres e puxou os cães com os polegares. Ele inclinou a cabeça para o lado e sugeriu.

– Solte o Kraken.

Icabode suspirou e assentiu. Nos próximos minutos, dezenas de pessoas morreriam. Tanto vilões quanto inocentes, adultos e crianças. E Icabode mal sabia, mas ele também perderia sua tia naquela noite.

 

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Icabode St. John [15]

Nos capítulos anteriores: Icabode foi levado até o apartamento do Conselho onde os vampiros de Nova York se reuniam. Durante a reunião, Fermín traiu a Juíza e a Dama do Véu Negro, declarando que elas eram as culpadas pela criação de Solomon. Em seguida, os vampiros ao redor exterminaram as duas mulheres diante de todos. 

 

Fermín havia tombado no chão, e agora ele estava de pé, vendo os cadáveres de suas colegas envelhecerem como múmias. Leo se colocou em sua frente e disse:

– E agora, meu príncipe, posso terminar o que comecei? – ele apontou o taco em direção a Drake Sobogo, e Fermín permitiu com a cabeça.

– Vossa Majestade – Lorena se curvou diante de Fermín. – Solomon Saks matou minha mentora. Como nós iremos captura-lo?

– O que vocês estão fazendo? – Lancelot, o velho albino perguntou, olhando de Leo a Lorena. – Não podem simplesmente escolher o príncipe em nome de todos nós.

– Sim! – alguém se manifestou. – É preciso fazer uma eleição.

– Vocês querem uma eleição? – Fermín foi até Icabode e arrancou a estaca de seu peito. Icabode caiu de joelhos, se livrando da paralisia. – Diga-me neófito. O que aconteceu com Ritzo quando ele tentou empalar Solomon Saks?

Icabode olhou para ele, surpreso.

– Como você sabe disso?

– Ainda não entendeu que sou telepata? – Fermín respondeu, cansado. – Estou lendo a sua mente pelas últimas duas horas. Agora responda! Diga a eles o que aconteceu no cemitério.

Foi por isso que você me poupou, Icabode pensou, olhando pra ele. Eu sou o único que sabe da magia de proteção de Solomon, e também que existe alguém que pode revertê-la.

– Solomon Saks está protegido por um ritual muito forte, e não pode ser empalado – Icabode revelou, olhando para os vampiros ao redor. – Ele removeu o próprio coração do peito.

– Mas isso é o de menos – alguém resmungou. – É possível matar um vampiro sem ter que empala-lo antes.

– Mas Solomon consumiu a alma de vários vampiros poderosos – Icabode disse, sério. – Seu corpo está se tornando uma coluna de pedra, e dificilmente alguém conseguirá feri-lo. Ele é praticamente imortal. Se não conseguirmos paralisá-lo, não conseguiremos causar dano algum em seu corpo.

– As coisas não são bem assim – Fermín colocou a mão no ombro de Icabode. – Por um lado, o jovem aqui está correto. Solomon é veloz e maciço. Ele se move como uma bola de canhão. Mas se for empalado, mata-lo será tão fácil quanto matar um filhote de gatinho.

– Mas você o ouviu – Lancelot apontou para Icabode. – Ele removeu o coração do peito. É impossível enfiar a estaca em uma coisa que não existe.

– Por isso que meu jovem escudeiro aqui – ele apertou o ombro de Icabode – irá para o México. Ele sabe onde está a única pessoa capaz de reverter essa situação.

Colabore, a voz de Fermín entrou na mente de Icabode. Se você obedecer, eu removerei sua condenação, e você poderá viver em Nova York em paz.

– Porém! – Fermín ergueu um dedo. – Eu serei o vosso príncipe interino durante essa caçada de sangue. Sem eleições até que eu mate Solomon.

– Ou que você fracasse – Lancelot inclinou a cabeça.

– Como quiser – Fermín sorriu para ele. – Todos estão de acordo?

Ao redor, os vampiros sussurravam e olhavam uns para os outros. Icabode tinha a sensação de ver um grupo de cobras em formatos humanos, sibilando tramas o tempo inteiro. Não houve uma discordância sequer. Fermín assentiu, satisfeito.

– Mas eu irei sozinho? – Icabode perguntou, quebrando o silêncio. – Não seria muito inteligente mandar um neófito sozinho para uma missão de tamanha importância, não acha?

– Claro que não – Fermín respondeu, entortando a boca com a observação. – Nós poderemos abrir espaço para voluntá…

– Ele vai comigo – Icabode apontou para Drake Sobogo. – Nós já trabalhamos juntos uma vez, e não confio em ninguém mais. Mas ele tem que permanecer assim, mortal. Eu preciso de alguém para fazer coisas durante o dia.

Drake se inclinou até conseguir se sentar. Estava muito fraco. Ele recostou contra a parede e assentiu, agradecido.

– Ele é meu – Leo disse, segurando o bastão de baseball com força.

– Ele continuará sendo seu – Fermín avisou. – É apenas uma missão. Ele voltará para ti.

Leo olhou de um lado para o outro, incerto. Por fim, assentiu, um segundo antes de girar o bastão com força e acertar o peito de Drake. Icabode ouviu o som dos ossos quebrarem, provavelmente perfurando o coração do boxeador. Sua caixa torácica estava esmagada, e Drake morreria em segundos.

– O que você fez? – Icabode gritou, cruzando a sala.

– Não é você quem decide se ele vai como mortal ou não – Leo o desafiou. – E se achar ruim, eu o deixo assim mesmo, e procurou outro para abraçar.

Drake cuspia sangue sem parar. Seu corpo deslizava pela parede, caindo no chão, de lado. Seus olhos também estavam cheios de sangue. Ele segurava seu peito afundado, tentando encontrar Icabode com os olhos. Morreu dois segundos depois.

Icabode caiu de joelhos. Estava farto daquilo. Era um homem temente a Deus. Seu pai, o reverendo, o ensinara sobre o caminho que devia andar, e Icabode sabia o que era certo e errado. Aquilo ali era muito errado. Ele queria mandar aquele salão pelos ares. Matar todos os vampiros, incluindo a si mesmo.

Só que você não pode, Sunday disse. Eu preciso de você. Não faça nenhuma loucura. Vá até o meu apartamento o mais rápido possível.

Eu não sei se aguento mais, Icabode respondeu, olhando para o corpo do Capitão Sangrento. Eles são muito malignos. São criaturas odiosas e infernais.

Mas eles são os únicos que podem ajuda-lo a enfrentar Solomon Saks, que é o pior deles! Sunday o lembrou. E se você não obedecer, eles irão mata-lo!

Talvez eu devesse morrer mesmo, Icabode concluiu.

Sua missão não acabou. Talvez sua alma não esteja completamente perdida. Deve haver um jeito de salvá-la… e eu… eu preciso de você.

Icabode limpou as lágrimas de sangue e balançou a cabeça. Sentiu vergonha de seu egoísmo. Sua alma era como um grão de areia. Ela podia estar perdida, mas ainda havia muitas coisas a serem feitas. Muitas criaturas malignas pra destruir. Sunday está clamando por minha ajuda! Não posso pensar só em mim.

Ele se levantou, relutante, e encarou a Leo.

– Então deixe-o descansar em paz – pediu. – Não o transforme.

– Descansar em paz? – Leo sorriu, ficando de cócoras e abraçando o corpo de Drake. – Eu estou fazendo um favor para este aqui, tirando-o do lugar onde ele está agora.

O vampiro bebeu todo o sangue do boxeador, e em seguida depositou algumas gotas do próprio sangue nos lábios do cadáver. Os vampiros ao redor começaram a se afastar, preocupados, menos Leo e Icabode. Algo feio estava prestes a acontecer. Sempre que um vampiro despertava do seu Abraço, ele se tornava uma besta violenta e sanguinária.

Icabode não sabia, mas os membros do clã de Leo eram piores ainda. Assim como Anthony Ritzo, Ivanovitch e Leo, os humanos transformados por um vampiro desse clã, eram naturalmente explosivos e dados à violência. Drake Sobogo se tornaria uma máquina de matar em três, dois, um…

Os olhos vítreos e mortos do boxeador se moveram repentinamente. Suas mãos empurraram o chão, e ele estava em pé no instante seguinte. Sua pele estava pálida, como se tivesse maquiagem. Os olhos cheios de sangue olhavam para cada pessoa ao redor. Ele abria as mãos como se tivesse garras ao invés de dedos.

– Cuidado! – alguém gritou.

Drake Sobogo se locomoveu mais rápido que um piscar de olhos, e três vampiros foram jogados para o alto. O boxeador atravessou a multidão, batendo e mordendo em todos que estavam em seu caminho.

– Que divertido! – Lorena bateu palmas, rindo. – Me sinto em Madri!

– Leo, controle sua prole! – Fermín gritou, exasperado.

Leo bateu o bastão na própria mão e começou a caminhar na direção da confusão. Icabode se pôs ao seu lado. Queria evitar danos maiores ao companheiro. Os vampiros saíam da frente enquanto os dois se aproximavam. Alguém começou a gritar de dor no fundo da multidão, onde Drake se enfiara.

– Vem, gatinho, gatinho, gatinho – Leo chamou, alcançando o canto do salão.   

Drake estava de cócoras, segurando o braço de um mortal. Ele mastigava a mão do sujeito, que agora era apenas um cotoco ensanguentado onde acabava o antebraço. O homem desmaiara de dor, enquanto uma vampira olhava para Leo, furiosa.

– Chegou a hora de você transformar o seu lacaio em um de nós – Leo deu de ombros, sorrindo.

– Ele nunca mais terá uma mão! – a vampira apontou para o mortal.

Drake olhou para eles, ainda mastigando. Seu rosto estava lambuzado, como se chupasse uma manga vermelha. Ele deixou o braço cair no chão, se virando para os dois. Icabode engoliu seco, percebendo o movimento de caçador. Drake se jogou sobre as pernas traseiras, mas foi interceptado no ar pelo bastão de Leo que se estilhaçou em sua cabeça.

Drake caiu de costas no chão, cheio de lascas de madeira no rosto. Leo ficou ao seu lado e enfiou a parte pontuda que o bastão se tornara, direto no peito do boxeador. Ele pegou o vampiro empalado e o arrastou até um quarto. Depois, voltou para a sala, segurando a estaca ensanguentada. Ele foi até o lacaio maneta e separou o resto de seu braço do ombro, e jogou o membro no quarto em que colocara Drake.

– O que você fez? – a vampira gritou, olhando para seu lacaio agora sem um braço inteiro. – Você pagará por isso, Leo!

– Ele já tinha perdido a mão mesmo! – Leo respondeu, segurando a maçaneta da porta, enquanto Drake se alimentava sozinho do outro lado.

Icabode olhou para o mortal no chão, perdendo litros de sangue no carpete. Depois se virou e viu todos os vampiros sorrindo da situação, como se ele fosse apenas um animal qualquer. Meu Deus, Icabode pensou, isso é um ninho de demônios.

Ele se recostou ao lado da porta e ignorou todo o resto, esperando que o Capitão Sangrento ficasse consciente de novo. Fermín disse mais algumas palavras e dispensou os outros vampiros da sala. Os últimos a ficarem, foram Leo e Lorena, os maiores apoiadores do novo príncipe.

– Você sabe que o meu clã é o mais numeroso de Nova York, não sabe? – Lorena disse, olhando para Fermín. – Enquanto eu decidir que você é o príncipe, as coisas estarão favoráveis a você. Ninguém quer me ver irritada.

– Confesso que fiquei surpreso quando você matou a Juíza e declarou seu apoio a mim, publicamente – Fermín disse, avaliando-a.

– Poucos tem o poder de remover e colocar governantes – ela disse. – Eu só queria que todos se lembrassem disso – ela se virou e sorriu. – Além do mais, ter um príncipe como um devedor é magnifique!

Lorena sumiu pela porta, deixando Fermín com Leo e Icabode. Leo olhou para o príncipe, incomodado.

– Tome cuidado com essa aí.

– Eu tomo cuidado com todos – Fermín mostrou um sorriso pra ele. – E você mostrou ser leal hoje. Eu irei recompensá-lo por isso.

– Me torne seu xerife – Leo pediu. – Eu caçarei quem você quiser, sem questionar.

Icabode assistia os dois, silenciosamente, quando a porta ao seu lado abriu, e dela saiu um Capitão mais Sangrento ainda.

 

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Icabode St. John [14]

Nos capítulos anteriores: Após descobrir que Solomon fizera um ritual para remover o próprio coração, evitando que fosse empalado e paralisado, Icabode descobriu que havia um homem no México capaz de reverter tal feitiço. Ele percorreu os esgotos e Nova York, escapando de um crocodilo gigante, enquanto Solomon matava vampiros em vários locais da cidade. Icabode foi até o apartamento de Sunday e se permitiu ser levado por capangas do Conselho, quando viu uma bituca de cigarro no cinzeiro, o que o levou a concluir que Sunday tinha passado durante o dia ali. 

 

Icabode estava paralisado com uma estaca no coração. O enviado do Conselho o enfiou em uma mala apertada, e a arrastou pelos degraus do prédio. Icabode sabia exatamente quando seu corpo fora jogado no porta mala de um carro, e minutos mais tarde, quando foi tirado. O barulho de um bagageiro batendo era inconfundível. Vozes em um lugar cheio de eco discutiram sobre quem o carregaria escadas acima.

Sunday, onde está você? Icabode pensou, lembrando da bituca do cigarro que avistara no apartamento do detetive. Eu sei que você esteve em casa. Por que não fala comigo?

Ele não sabia quem o levava pelas escadas, mas a má vontade era perceptível. O corpo de Icabode batia em cada degrau, arrastado por dezenas de andares.

Ele sentiu seu corpo girar no ar e acertar algo fofo, uma cama, talvez. Luzes invadiram sua visão, e alguém colocou seu corpo em uma poltrona. A suíte era coberta com seda, veludo e molduras de ouro. Três rostos familiares o observavam do outro lado do quarto.

– Devemos mata-lo agora? – a Dama do Véu Negro perguntou.

– Não – a Juíza respondeu lambendo os lábios cheios de pústulas. – Devemos mata-lo em frente aos membros. Nós queremos que cada vampiro de Nova York canalize o seu julgamento a esse neófito.

– Concordo com a Juíza – Fermín Pedralbes disse, ajeitando o seu pince-nez sobre o nariz. – Esperem os membros chegarem. Nós diremos que foi esse garoto quem criou Solomon Saks. E que por causa disso, todos os vampiros que morreram esta noite são de responsabilidade dele.

– Teve mais algum ataque? – a Dama de Véu Negro perguntou.

– Mais dois vampiros foram mortos no Queens. O Coruja acabou de me informar – Fermín disse, encarando Icabode. – Solomon está fazendo um limpa na cidade.

– E se eles pedirem para o garoto falar? – a Juíza perguntou. – Ele dirá que nós o enviamos para lidar com o Solomon. Os vampiros ficarão furiosos ao saber que enviamos um neófito.

– A gente não sabia que Solomon iria fazer o que fez hoje – A Dama do Véu Negro ripostou, nervosa.

– Isso não importa, minha cara – Fermín se afastou das duas, olhando para o chão. – Solomon matou muitos vampiros importantes ontem e hoje. Ele exterminou os homens de Anthony na outra semana. Nossa única medida foi enviar um neófito para lidar com isso. Essa derrota causaria a nossa destruição. A estaca não pode sair dali – ele apontou para o peito de Icabode. – O garoto não pode nos delatar. Precisamos mata-lo antes que alguém queira ouvir seu depoimento.

Os três olharam para o prisioneiro, e Icabode sentiu sua vida ser pesada e analisada. Não importa a solução que o Conselho encontraria, ele sabia que não iria sobreviver aquela noite.

Alguém bateu a porta, e um homem de terno e chapéu entrou.

– O salão já está cheio, Juíza. Os membros estão impacientes.

– Então devemos resolver isso imediatamente – a Juíza disse, olhando para a Dama do Véu Negro.

A outra vampira ergueu a mão, e Icabode começou a flutuar. Ele viu seu corpo levitar pelo quarto até um salão onde um gramofone tocava Bach, Prelude From Cello Suite No 1. Aquela música enchia o coração de qualquer um de melancolia, tristeza e beleza ao mesmo tempo.

Como nunca ouvi essa música antes? Icabode pensou, sentindo a mão gelada da morte acariciar seu rosto.

Havia quase cem pessoas no cômodo, todos com expressões de raiva ou preocupação. Eles se viraram rapidamente em sua direção, mostrando os caninos.

Icabode quis gritar. Não imaginava que existiam tantos vampiros assim. Mais do que nunca, ele sabia que estava morto. Um vampiro com jaqueta de couro, segurando um bastão de baseball foi para o centro da sala, tirando os óculos escuros do rosto.

– Eu exijo ser ouvido primeiro! Onde está Anthony Ritzo? Nós dois somos os últimos sobreviventes do nosso clã, e vocês ainda estão o caçando? Isso é pura babaquice! Quero que isso acabe imediatamente!

– Babaquice, Leo? – uma mulher de longos cabelos vermelhos deu um passo a frente. – Pelo que ouvi falar, Solomon Saks foi abraçado e se fortaleceu debaixo das asas de Ritzo. Todos estão dizendo que eles estão trabalhando juntos.

O vampiro de jaqueta segurou o taco de baseball com firmeza e olhou para a mulher.

– Lorena, se é você quem anda espalhando essas mentiras, vou esmagar o seu crânio até ele virar farinha branca.

– Acalmem-se todos! – a Juíza ergueu as mãos. – Nós precisamos ser inteligentes para lidar com Solomon Saks.

Icabode foi colocado de pé, encostado a uma parede enquanto assistia a reunião. Seus olhos captaram num canto, uma pessoa deitada no chão. Capitão Sangrento! Ele reconheceu Drake Sobogo acorrentado ao pé da mesa, caído como um cachorro obediente. O soldado tinha o rosto cheio de feridas, e estava magro. O que eles fizeram com você?

– Por que eu deveria dar ouvidos a vocês? – Leo se colocou à frente da Juíza, apertando o taco. – Eu estou sozinho aqui. Não tenho ninguém do meu clã para cuidar das minhas costas. Solomon já matou todos os outros, incluindo Ivanovitch.

– O que você quer para se acalmar Leo? – Fermín perguntou, tentando controlar os nervos.

– Eu sou o último do meu clã. Isso não pode ficar assim!

– Você quer a permissão para o Abraço, é isso? – Fermín perguntou, atencioso.

– Pra começar, seria bom – Leo disse, controlando o tom de voz.

– Eu não veria problema nisso – Fermín olhou para a Dama do Véu Negro, que concordou com a cabeça. Os dois olharam para a Juíza.

– Claro, claro – ela abanou a mão para o vampiro em sua frente. – Você poderá escolher um mortal para torna-lo membro de seu clã.

– Eu quero aquele ali – Leo respondeu, apontando para Drake Sobogo.

– Você não deseja procurar com paciência alguém que se encaixe no perfil… – a Juíza começou a perguntar, mas foi interrompida.

– Não preciso – Leo atravessou a sala até onde Drake estava caído. – Eu conheço esse negro aqui. Ele é conhecido como Capitão Sangrento nos becos de Nova York. É o melhor boxeador que já vi. Se ele não faz o perfil do meu clã, ninguém mais faz.

– Que seja! – a Juíza disse, impaciente. – Mas saiba que ele estava envolvido com Solomon.

– Eu estava tentando mata-lo quando vocês me prenderam! – Drake gritou, fraco. – Se não tivessem atrapalhado, talvez eu tivesse conseguido.

– Silêncio! – a Juíza gritou, pega desprevenida. – Leo, mate-o antes que eu mude de ideia.

– Algo me diz que o seu companheiro não vai durar muito tempo depois do Abraço – Lorena, a ruiva, salientou, encarando a Juíza.

– O que está sugerindo, senhorita? – a Juíza perguntou, ofendida.

– Que se nem mesmo seu colega, Ivanovitch, o “vampiro mais forte do mundo” conseguiu vencer a Solomon, qual chance nós teremos? Afinal, o Conselho tem algum plano para enfrenta-lo?

– Talvez você queira fazer esse serviço – A Dama do Véu Negro disse, fechando os punhos das mãos.

– Nas outras cidades, eles possuem príncipes – um vampiro disse, brotando do meio das pessoas. Ele era velho e albino. – Na maioria dos lugares os conselhos foram destituídos. Muita burocracia, muita conversa fiada. Também me questiono se vocês têm o que é preciso.

– Poucas cidades são como Nova York, senhor Lancelot – a Juíza informou. – Nosso Conselho sabe trabalhar de forma que as decisões sejam rápidas, eficazes e com quatro cabeças pensantes.

– Três – Lorena corrigiu, mostrando um sorriso. – O mais forte de vocês foi morto e derrotado. Então só restaram três de vocês.

– Vocês ousam desafiar a autoridade do Conselho? – a Dama do Véu Negro perguntou, indo para o centro da sala.

– Acalme-se, minha senhora – Fermín se colocou ao lado dela. – Nós iremos resolver isso da maneira correta – ele se virou para a multidão. – Antes de falarmos sobre a estratégia de capturar Solomon Saks, precisamos desatar uns nós. Sei que muitos de vocês estão confusos sobre quem causou toda essa situação. Sobre quem teria criado Solomon Saks sem nossa autorização.

– E não foi Anthony Ritzo? – alguém perguntou.

– Acho que foi a sua mãe, seu merdinha! – Leo respondeu ao vampiro, com o pé sobre as costas de Drake.

– Por favor, acalmem-se – Fermín pediu, guardando seu pince nez no bolso do colete. – O culpado não foi Anthony Ritzo. Na verdade, ele foi apenas o bode expiatório para levar a culpa.

Todos os convidados franziram suas testas, sussurrando palavras de indignação. Inclusive a Juíza e a Dama de Véu Negro.

– Então você confessa que está jogando a culpa em um inocente só para se safar? – Lorena perguntou com um sorriso incrédulo.

– Não, não – Fermín mostrou a mão para ela. – Eu nunca faria isso. Mas elas sim – ele se virou para a Juíza e a Dama do Véu Negro. – Assim como elas capturaram aquele neófito só para depositar no pobre rapaz a culpa de tudo.

– Você enlouqueceu? – A Juíza perguntou, se aproximando do colega. – O que acha que está fazendo, Fermín Pedralbes.

– Não adianta fingir que não sabe, Excelência – Fermín sorriu pra ela. – Todo mundo sabe que sou telepata. Eu sei que não tenho permissão para entrar na cabeça dos membros, mas em tempos extremos como esse, acha que não iria vasculhar cada um de vocês? Achou mesmo que sua traição passaria desapercebida?

– Traição? Do que você está falando? – Leo perguntou, batendo com o taco na própria mão.

– Elas duas se uniram e abraçaram Solomon Saks com o objetivo de instalar o terror em Nova York – Fermín disse. – Elas acharam que assim, vocês nos dariam poder absoluto para consumir a alma de outros vampiros, para nos equipararmos a Saks. Com o polonês morto, nosso poder e autoridade seriam inquestionáveis. Ninguém poderia se equiparar ao Conselho. Apesar de tal premissa, eu não me deixo levar por tais seduções. O destino de todo megalomaníaco é a morte precoce.

Icabode não acreditava no que estava vendo. Por que Fermín estava mentindo? Por que ele o estava protegendo?

– Eu vou destruí-lo, seu verme traidor! – A Dama do Véu Negro estendeu seus braços, e fez Fermín levitar.

– Tem algum telepata por aí? – o velho Lancelot perguntou, olhando ao redor. – Precisamos verificar se o que Fermín diz é verdade.

– Não existe outro telepata entre nós – a Juíza ripostou, assustada. – E o Fermín sabia disso. Ele sabe que ninguém podia desmenti-lo!

– Agora cabe a vocês escolherem – Fermín disse, se debatendo no ar. – Quem vocês acham que criou o vampiro que aterroriza Nova York, um neófito recém abraçado ou duas vampiras velhas que vivem tramando jogos de manipulação?

– E se você estiver mentindo, Fermín? – Lancelot perguntou, receoso.

Fermín sorriu.

– Por favor, vocês não estavam insatisfeitos com o Conselho? Por que simplesmente não aproveitam a oportunidade de extingui-lo?

– Eu vou te matar agora, sua criatura vil – a Dama do Véu Negro disse, e abriu os braços, usando a telecinese para rasgar o corpo do colega.

Os olhos de Fermín se encheram de sangue, e todos os vampiros ficaram imóveis, assustados. Icabode assistia a cena, aflito. Se elas ganhassem, ele morreria antes que pudesse falar qualquer coisa.

Acontece que antes que ela partisse Fermín em dois, um taco de baseball acertou sua nuca. A Dama de Véu Negro caiu de quatro no chão. Leo, colocou seus óculos escuros de volta e começou a golpeá-la até tornar sua cabeça um grande monte de creme crocante no assoalho.

A Juíza recuou dois passos, apavorada, quando uma estaca surgiu de sua barriga. Em suas costas Lorena sussurrou algo. Os vampiros ao redor agarraram seus membros e a destruíram com as próprias mãos.

Fermín havia tombado no chão, mas se levantara novamente, vendo os cadáveres de suas colegas envelhecerem como múmias. Ele olhou para os lacaios das duas vampiras e ordenou que fossem mortos imediatamente. Ele colocou o chapéu na cabeça e começou a folhear os livros da mesinha enquanto os convidados terminavam a matança.

No fim, Leo se colocou em sua frente e pediu:

– E agora, meu príncipe, posso terminar o que comecei? – ele apontou o taco em direção a Drake Sobogo, e Fermín permitiu com a cabeça.

– Vossa Majestade – Lorena se curvou diante de Fermín. – Solomon Saks matou minha mentora. Como nós iremos captura-lo?

Fermín sorriu e virou o rosto lentamente em direção a Icabode.

 

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